Premonição Chronicles escrita por PW, VinnieCamargo, MV, SamHBS, Felipe Chemim


Capítulo 14
Capítulo 13: Natureza Morta


Notas iniciais do capítulo

Escrito por Felipe Chemim.

Links para as músicas tocadas no capítulo:

Turn Around Look At Me - Bee Gees
http://www.youtube.com/watch?v=vnYIzuLL1F4

The One That Got Away - Katy Perry
http://www.youtube.com/watch?v=Ahha3Cqe_fk



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Felipe estava deitado na sua cama, pensando na vida. Algumas lágrimas escorriam sobre seu rosto como gotas em uma garoa. Ele via fotos de Marina e fotos com ela. Todos os momentos felizes, tristes, brigas, reconciliações, momentos juntos, fofuras, juras de amor e tudo mais agora eram apenas lembranças que o garoto remoía em sua mente. Marina era a única pessoa que compreendia seus medos, que compartilhava dos mesmos sonhos, planejava o futuro deles. Juntos.

Ele já estava começando a soluçar quando seu cachorro apareceu na janela, latindo. Queria comida.

–Agora não, Alemão! - ele disse para o cachorro, que era um fila brasileiro, todo tigrado. O animal choramingou e então desceu da janela, indo cavar um buraco no jardim, mostrando sua revolta.

O garoto fez um “eyes rolling”, então pegou o controle remoto e ligou a televisão, partindo para um canal de clipes, o que afundou-o ainda mais na depressão. A causa era que o clipe daquele momento era “The One That I Got Away”, da Katy Perry. Além de lembrar de Marina que era fã da cantora, a letra era a mais triste possível.

In another life

I would make you stay

So I don't have to say

You were the one that got away

The one that got away

Mais algumas lágrimas desceram correndo pelo seu rosto. Agora, Felipe já estava soluçando sem parar, de tanto choro derramado. Sentou-se e abaixou a cabeça, deixando que as lágrimas caíssem em seus joelhos, manchando a calça jeans. Segurou o lençol branco de sua cama até não ter mais força para apertar e os nós de seus dedos ficarem brancos.

Se perguntava por que não salvou Marina. Por quê ele não morreu junto com ela no acidente? Por quê ele tinha que ficar, remoendo um sofrimento eterno dentro de seu coração? Ele havia sido uma pessoa tão ruim assim? E por quê aquele inútil e estorvo chamado Pedro não tinha avisado antes? Nessa história havia vários culpados. Mas alguém tinha que pagar.

Nem o corpo da pobre garota havia sido reconhecido ainda. Aliás, muitos corpos haviam sidos brutalmente destroçados naquele maldito acidente, e muitos não conseguiam ser reconhecidos ou não tinha ninguém para reconhecê-los. Nem uma despedida decente ele conseguiria dar para a namorada. Se sentia mais inútil do que nunca. O velório aconteceria após o corpo ser reconhecido e a parte nordestina da garota viesse para a cidade.

Apertando com força o botão do controle, ele desligou a televisão. Se levantou, tirou sua jaqueta colegial preta do guarda-roupa e colocou-a, aumentando a aura negra e depressiva que o rodiava.

–Chega de chorar. – disse para si mesmo-Está na hora de agir.

***

O vento gélido que batia contra seu rosto fazia os olhos de Márcio arderem. Mas ele tinha força (de vontade!) e não iria desistir por causa de um ventinho qualquer. Seu calção preto de academia havia vindo junto com a regata azul que ele usava. Um conjuntinho super na moda, claro. Os tênis Adidas da cor laranja neon se moviam rapidamente na sua corrida em volta de um pequeno bosque.

Com a bagunça de lista da titia Morte e coisa e tal, ele havia até esquecido de treinar. Ele estava revoltado. Tudo que ele viu em filmes estava acontecendo com ele. De verdade. E não estava sendo forçado ou escroto como Premonição 4, estava fluindo normalmente, como a correnteza de um rio. Naturalmente…

Ele podia morrer, e claro que iria morrer algum dia. Se sentia ridicularizado por uma força estar marcando ele em uma lista para morrer, mas ele queria pelo menos ganhar um prêmio, uma medalha ou seja lá o que fosse antes de morrer. Queria reconhecimento por suas qualidades.

Por isso estava treinando. Iria participar de uma corrida logo e queria, poderia e iria ganhar aquela medalha. Pelo menos isso que ele achava. Os músculos de suas pernas já estavam ficando rígidos de tanto exercício físico. Ela já estava rodeando o parque há duas horas. Mas isso não importava para ele. Achava que todo sucesso precisava de alguns sacrifícios para vencer.

Afundado em seus pensamentos, demorou para perceber que estava ofegante e todo suado. Encostou numa árvore e respirou fundo. Tomou um pouco de água de sua garrafinha e respirou mais. O parque não tinha movimento nenhum naquele dia e ele achava que estava só. Mais a frente, uma ponte de concreto levaria as pessoas de um lado a outro, se tivesse pessoas, claro. Ele passaria por lá em breve e veria o rio cheio de pedras embaixo, uma coisa rara da cidade. Mas precisava de 5 minutos de descanso.

Olhou para a calçada e avistou uma garota passando. Ela usava uma calça legging preta apertada e uma camiseta regata rosa mais apertada ainda, que ressaltava os peitos, fazendo-os balançar a cada passo. O rabo-de-cavalo serpenteava no ar e Márcio duvidou que ela escutasse algo, pois a música que estava nos seus foninhos de ouvidos podia ser escutada de longe. Mas, mesmo assim…

–Que se dane o descanso… -ele disse, tomando toda a energia e correndo atrás da garota.

***

Os pneus da bicicleta aceleravam, quase arrancando o asfalta da calçada. Emerson continuava com seus testes na sua nova aquisição. A bicicleta azul e preta parecia ter sido montada para o rapaz. Após quase ter atropelado uma senhora cheia de sacolas, que ficou xingando e mandando-o para o inferno, parou em um mercado para comprar alguma coisa para comer.

Logo que entrou dentro do estabelecimento, após deixar sua bicicleta no estacionamento, olhou para a televisão pendurada no alto. Um repórter com o cabelo lambido e um terno comprado na 25 de março falava ao microfone, com um tique extremamente irritante nas sobrancelhas. Ele estava parado em frente a uma casa, que estava cercada por ambulâncias e viaturas policiais. Emerson conhecia aquela casa.

–Ontem ocorreu uma enorme fatalidade nessa casa. Um pobre pai, que dormia tranquilamente após ter tomado alguns remédios, havia acordado na esperança de ter sua vida normal, como sempre. Mas ele estava muito enganado. Ao procurar por sua filha, caminhou pela casa sem encontrar a garota. –o homem dizia, tentando engrossar a voz para criar um clima misterioso e assombroso-Resolveu procurar a pequena menina na garagem, que estava escura, fria e sombria. Ao ligar o interruptor, a tragédia veio tão rápido quanto a luz: sua filha estava no chão, morta.

Emerson ficou gélido e pálido. Vic…

–Aquela porta da garagem parece normal para você? Simples? Pois qual seria sua reação se eu contasse que foi essa porta que matou a pequena Victorya Leal? Uma poça de sangue junto ao corpo foi encontrada pelo pai dela. Parece ser um simples acidente doméstico, não? Mas nessa poça de sangue foi encontrada com duas pegadas. Pegadas que não são do pai dela, pegadas que parecem ser de um adolescente.

Emerson estava tão branco nesse momento que parecia um morto-vivo.

–E mais: a janela do banheiro da casa estava quebrada e uma torneira, usada para quebrar a mesma, também foi encontrada. O que você acha que aconteceu? Algum marginal adolescente invadiu a casa enquanto a garota arrumava a garagem querendo roubar? Ou sob efeito de drogas? A teoria até agora é essa mesma. A garota tentou evitar, mas acabou sendo brutalmente assassinada. O jovem ladrão então entrou pela casa, vasculhando o que roubar, mas foi quando o pai da menina acordou e o ladrãozinho miserável se escondeu no primeiro local que encontrou: o banheiro. E depois, fugiu pela janela do banheiro.

Emerson saiu correndo do mercado. Sentou na calçada, amargurado. Desesperado, pegou seu celular e ligou para Pedro.

–Alô?-o rapaz magricela atendeu.

–Por favor, me desculpa… -Emerson disse com voz de choro.

–Fisher?! Eu que peço desculpas… te deixei abandonado lá na casa da Vic. Aliás, como vai ela?-Pedro perguntou. Ele tinha que admitir, estava com saudades.

–Morta.

–O que?!-Pedro gritou.

–Eu tentei ajudar… estava inconsciente, quando acordei, fui tentar vê-la. Ela já tinha morrido… eu acabei pisando na poça de sangue, fiquei com medo… Tentei acordar o pai dela, mas ele tava em um sono profundo… eu tentei, Peeh, eu tentei… -Emerson dizia aos prantos.

–Fisher, se acalma!-o rapaz pediu, embora ele estivesse perdido em um turbilhão de pensamentos-Respira. Vou desligar agora, depois falo contigo.

E a ligação acabou.

Emerson estava sentado na calçada, abraçando seus joelhos, pensando no que faria. Ele seria suspeito de um assassinato? Ele já tava em uma merda de lista da morte, e seria mesmo suspeito de matar uma pobre garota ruiva?!

Ficaria ali se lamentando por mais duas horas, quando olhou para sua bicicleta e viu três rapazes tentando arrebentar o cadeado da mesma. Todos vestiam preto, possuíam alargadores e tatuagens. O que parecia ser o líder dos três, tinha o cabelo na altura dos ombros e uma franja que tampava quase seu rosto todo. O segundo era o mais alto, mais musculo e tinha a cabeça totalmente lisa, chegando a brilhar como uma bola de cristal. O terceiro era baixinho e parecia ser o mais nervoso de todos, com seus cabelos loiros arrepiados como se tivesse levado um choque.

O garoto se levantou da calçada e correu em direção de sua bicicleta.

–Hey, oh… saiam daqui!-Emerson chegou gritando e tremendo de medo.

–Essa é sua bicicleta?-o líder perguntou.

Emerson concordou com a cabeça.

–Pois não é mais!-o baixinho loiro disse, terminando de arrebentar o cadeado.

O dono da bike deu passos a frente, tentando pegar a bicicleta, mas o baixinho loiro segurou um de seus braços e o líder segurou o outro.

–Murilo, acaba com ele!-o líder ordenou para o careca, que agora tinha nome.

O brutamontes começou a socar a barriga de Emerson com toda a força que podia. O rapaz começava a perder o fôlego. O mercado estava sem movimento naquele dia e ele duvidava que alguém fosse ajudá-lo. Estava quase desmaiando de tanta dor, quando uma voz atrás dele ordenou que o soltassem.

–Cai fora dessa, tio!-o baixinho loiro disse.

–É melhor vocês procurarem a turma de vocês! Não tenho paciencia para moleques inconsequentes!-o homem disse. Emerson arriscou olhar para trás e viu o dono do mercado, um senhor velho e bigodudo, com um taco apontado para os três.

–Vamos cair fora daqui… não vamos perder tempo com esses merdinhas.-o líder declarou. Os três soltaram Emerson, que caiu de quatro no chão, e saíram correndo.

Após alguns segundos tentando recuperar o fôlego, tentou agradecer.

–Obri… obrigado… -ele disse ofegante-Tive sorte…

–Não agradeça ainda. –o velho disse-Nunca se sabe até onde nossa sorte vai.

***

Após a garota chegar em um quiosque perto do parque, Márcio parou ao seu lado. Ele não era de dar muitas investidas e de confiar em si mesmo, mas não tinha nada a perder.

–Oi, gata.

Ela não respondeu nada, apenas balandou a cabeça, no ritmo da música que estava em sua cabeça. Após o seu pedido (um suco de laranja) chegar, ela tirou os fones e começou a saborear a bebida.

–Sabe, eu te achei assim… muito muito muito gata. A mais gata que já encontrei. Muito linda na verdade… não queria ser tão direto. É que você me atraiu… não que eu te acha uma garota que é levada fácil… ou que só impressione pelo corpo… não que seu corpo não impressione, eu fiquei tipo “Wow”… e eu não sou um tarado ou punheteiro… não, não, não, nada disso… já tive várias experiencias… quero dizer, não sou um galinha que não se importa com nada… ou só pelo corpo… e aposto que tem uma mente brilhante poraí nessa sua cabecinha e… você tá me ouvindo?

A garota terminou de tomar seu suco e olhou para Márcio, franzindo a testa.

–Você disse alguma coisa?

Nesse momento, uma mensagem de Pedro chegou no grupo do whatsapp: “Enterro da Vic em 2 horas”. Márcio quase deixou seu celular cair.

–Não, nada não… -ele disse, saindo correndo do quiosque.

A moça achou aquilo muito estranho e então resolveu pagar seu suco.

***

Quando Felipe chegou no cemitério, Pedro estava em prantos perto de um caixão. Embora aquele sofrimento de seu pior inimigo lhe causasse um pouco de gratidão ao Universo, ele era um ser humano e tinha compaixão.

Márcio e Vini estavam do lado do rapaz, confortando-o.

–Cadê os outros?-Felipe perguntou chegando ao lado de Márcio.

–Não sei… alguns ainda não chegaram e outros estão incomunicáveis. –Márcio respondeu.

Pedro estava com o coração tão partido que nem ligou a chegada de Felipe. Os dois se implicavam a vida toda, sempre discutiram, sempre houve uma fagulha de ódio. Agora, Felipe se perguntava porque o outro sofria tanto. Ele sempre fora bom em ler os sentimentos alheios, então chegou a única conclusão de que havia um sentimento a mais e amoroso entre Pedro e a pobre garota que se encontrava no caixão.

Agora ele se sente como eu me sinto. Na verdade, nem tanto… eu perdi uma companheira que conhecia há anos, não um affair qualquer…

Dos quatro reapers que se encontrava ali, três deles compartilhavam do mesmo sentimento. Felipe se remoía por Marina, Vini sofria por Keth e Pedro batia de frente com a morte de Vic. Márcio não havia perdido ninguém do mesmo nível, mas sentia a falta constante de João Victor. Porém, era um bom companheiro e conseguia ser como um alicerce para amparar Pedro e Vini, pois Felipe não queria suporte. Queria justiça.

O pai de Vic estava do outro lado do caixão, e passava a mão carinhosamento sobre a madeira fria do mesmo, que agora guardava o seu bem mais precioso. E o seu bem mais precioso estaria a sete palmos do chão em breve, e só estaria vivo na lembrança de todos.

Pedro se afastou do caixão, limpando as lágrimas de seu rosto em sua camiseta preta. Só depois de seus olhos desembaçarem um pouco, ele percebeu a presença de seu inimigo. Mas resolveu não provocar, nem cumprimentar. Não iria discutir. Não ali, nem agora.

–Algum dos outros contataram vocês?-Pedro perguntou.

Todos olharam para ele e negaram com a cabeça. O reflexo do sol batia no sino em uma torre do cemitério e quase os cegava lá em baixo. Apesar do clima frio e depressivo, alguns resquísios de sol atravessavam as nuvens.

Pedro pegou seu celular e tentou ligar para Emerson, que havia sumido após a última ligação, desesperado. Mas estava sem sinal.

–A morte atrapalha até a comunicação telefônica, impressionante isso… -Pedro disse fungando-Algum de vocês está com sinal?

Vini olhou seu celular, nada. Com Márcio, a mesma coisa. O de Felipe, por milagre, estava com um ponto de sinal.

–Não, nada. –Felipe disse.

Uma brisa extremamente gélida passou por eles, balançando o cabelo de Felipe como pequenas ondas negras. O Sol começou a se esconder em nuvens negras, deixando o ambiente bem mais sombrio que o natural.

–Vou andar poraí atrás de sinal, estou preocupado com Emerson. Ele me ligou e me parecia apavorado.

Felipe pensou em perguntar se ele era o próximo, mas achou melhor não perguntar aquilo agora.

–E eu vou perambular poraí, visitar o túmulo da Keth… -Vini disse. Os dois então partiram em suas caminhadas, com direções opostas.

Felipe e Márcio se encararam por alguns segundos, então o magricela colocou as mãos nos bolsos de sua jaqueta e saiu, deixando o corredor sozinho.

***

Apesar de ter levado uma surra de três marginais, ter descido uma praga por um dono de mercado, estar morrendo de medo de ser considerado uma ladrão e assassino, Emerson estava bem.

Sua bike acelerava. E seus pensamentos competiam com os pneus da bicicleta, para ver qual era o mais rápido. A morte não estava para brincadeira. Ele tinha várias pontas de dúvidas, achava que era coincidencia, que nada disso era real. Mais era real. Real, assombroso, aterrorizante e acima de tudo, prático.

Cada morte era milimetricamente medida por uma força, para não dar errado. Mesmo sendo fãs da franquia e conhecer cada detalhe dos filmes, eles não conseguiam salvar ninguém. E duvidava que conseguiriam.

Depois que saiu do mercado, correu em disparada com sua bike para o cemitério, que era praticamente do outro lado da cidade, mas ele tava quase chegando. Só faltava passar por um parque, que era muito utilizado por corredores para treinos ou para idosos se exercitarem uma vez a cada três meses. Passando por lá, ele economizaria tempo e evitaria de pegar trânsito ou de quase atropelar velhinhas, como fez da última vez.

Avistou o parque, que com o clima frio que chegava, estava começando a ser coberto por uma névoa intrigante. Emerson não se abateu e acelerou mais sua bike. Se sentia um espírito livre, sem ter nada que pudesse pará-lo.

Estava arrependido e cheio de amargura. Tinha que conversar com o Pedro. Explicar exatamente o que havia acontecido na casa de Vic. Dar um “adeus” digno à garota ruiva. Ele nem sabia o que havia rolado com a menina e com Pedro, mas com certeza um sentimento existia entre eles. Sabia muito bem como era perder o parceiro logo após uma cena de amor. Ou de prazer. Bateu uma pequena saudade de Breno, mas ele não podia se deixar levar pelas emoções naquele momento.

Ele nem havia adentrado no parque, quando olhou para a enorme ponte de concreto, que passaria em breve. Lembranças vieram em sua cabeça, quando ele descia cuidadosamento os 7 metros da ponte para o rio, brincar e se refrescar no verão. Chegava ao rio como se fazia numa escalada, mas em um processo ao contrário, invés de subir, descia.

Depois de anos, estava naquele lugar novamente, com uma sensação de despedida dentro de si mesmo.

***

Pedro andava pelo cemitério, em sua busca determinada por sinal. Não havia conseguido nada até agora. Estava chegando perto da torre com o sino, quando um pequeno ponto de sinal apareceu e sumiu no mesmo segundo.

–Droga!-ele disse bravo.

Resolveu entrar naquela torre, vai que tinha sorte.

Feita de madeira, ela tinha uns dez andares e a única forma de subir era pela escada, também feita de madeira. Lugar velho e cheio de pó, parecia que ninguém entrava ali há umas cinco décadas. O rapaz subiu as escadas, olhando para o celular. Enquanto passava do segundo para o terceiro andar, distraído com o celular na mão, tropeçou em um degrau e quase caiu pra fora da escada, mas se segurou no corrimão de madeira, que estava sendo corroído aos poucos pelos cupins.

Resolveu subir as escadas mais devagar, olhando para o celular, em busca do maldito sinal. Resolveu parar no terceiro andar, onde possuía uma janelinha na parede. Aproximou-se e no buraco retangular que chamavam de janela, algumas teias de aranhas se penduravam. O garoto olhou para o celular e viu que finalmente conseguiu sinal.

Tentou ligar para Emerson, mas o mesmo não correspondia as suas chamadas e caía na caixa postal. Após mais algumas tentativas, o sinal foi se perdendo. Embravecido, apertou o player de suas músicas sem querer e ele tomou um susto.

There is someone walking behind

You turn around look at me

There is someone watching your footsteps

turn around look at me.

Após rir de si mesmo, desligou a música.

–Eaê… -uma voz disse atras dele, o que o fez sofrer outro susto.

Pedro se virou e deu de cara com Felipe, que estava escondido nas sombras perto das escadas, com as mãos no bolso da jaqueta e com um sorrisinho meio maquiavélico, se divertindo com a proesa do susto que dera.

–O que você quer?-Pedro disse, fechando a cara.

–Relaxa… não vim para brigar... –Felipe disse, levantando as mãos em sinal de paz-Vim aqui conversar contigo…

–Pois pode dizer.

–Eu sei como é ruim perder a garota que a gente ama…-Felipe disse-Marina era meu tudo, a garota mais especial que já vi, era o que eu sempre sonhei…

–Eu entendo sua dor, mas não precisava ter vindo desabafar comigo. –Pedro cortou-o-E a Vic era só uma amiga…

–Não vim aqui desabafar. E não queira me enganar. –Felipe disse-Eu sei que ambos se gostavam e aposto que após essa loucura de corrida contra a morte, os dois se aproximaram bastante.

Pedro ficou pasmo. Não havia dito para nenhum de seus amigos que estava nutrindo um sentimento por Vic. Nenhum deles havia interpretado seu sentimento de sofrimento como resposta do amor. E ali estava seu pior inimigo lhe dando conforto.

–E eu queria saber se você consegue se lembrar como Marina… morria… morreu. –Felipe disse, e depois abriu os braços-E eu estou aqui, se quiser…

Mesmo relutante e muito surpreso, Pedro agora entendeu que ambos estavam compartilhando da mesma dor. Um perdera a sua namorada de longa data e o outro perdera a garota que poderia vir a ser a sua namorada de longa data. Ele se aproximou e abraçou o garoto misterioso. Percebeu que o outro emanava um calor corporal de grande intensidade. Talvez fosse pelo amor perdido ou seu ódio queimando.

Se Márcio estivesse ali, tiraria logo uma foto e postaria no grupo, com a amiguinha Lua Safada junto.

Pedro então saiu do abraço e refletiu.

–Marina… eu não estou conseguindo lembrar…

–Ela estava indo para um quiosque, comprar alguma bebida… -Felipe tentou ajudar. Então ele descreveu as próprias roupas naquele dia.

–Eu estou me lembrando que te via desesperado após ver uma garota de biquíni amarelo morta com um guarda-sol… mas isso era depois de alguém morrer… o… Emerson… -Pedro forçou o pensamento.

–Bíquini amarelo…? Tem certeza?-Felipe disse.

Pedro ia dizer algo, mas então sua visão começou a mudar. Ele se viu rodeado pelos personagens de Premonição 5. Sam, Molly, Peter, Olivia, “Quemdisse Recalque”… As vozes de todos começaram a chamar pelo seu nome e quando ele olhou para o chão, a madeira havia se transformado em uma água negra, tingida com a cor rubra de sangue. As vozes começaram a sumir, até que sobrou apenas a de Felipe, chamando pelo garoto.

–Pedro, o que foi?-Felipe perguntou, com uma cara assustada.

–Sinal… acho que vi um sinal… O próximo está na mira da morte… Emerson!-Pedro disse meio confuso.

–Droga, vou avisar os outros!-Felipe disse, correndo pelas escadas. Ele soltou um gemido de horror, porque odiava escadas e altura.

Pedro descia as escadas com um pouco de pressa e cuidado, tentando ligar para Emerson. Havia perdido Felipe de vista, talvez ele já estivesse saído da torre. Tentou apressar o passo, quando pisou no mesmo degrau em falso e dessa vez, caiu para fora da escada, segurando-se rapidamente no corridão da escada. Seu celular despencou chão abaixo, quebrando-se em pedaços.

O garoto tentava se salvar, mas a madeira do corrimão estava quase se quebrando.

–Socorro!-começou a gritar desesperado, mas ninguém parecia ouvir.

Lá embaixo, Felipe estava escondido sobre as sombras, observando o garoto quase caindo. Silenciosamente, andou para fora da torre.

Não se preocupe, você nem é o próximo…

***

Emerson acelerou parque adentro como um falcão em busca de presa. Para ele não existia freio, não existia barreiras, não existia nada. Iria recompensar a “cagada” que havia feito quando fugiu da casa de Vic, sem nem pedir ajuda.

A névoa tampava um pouco sua visão, mas ele agradeceu por não ter nenhum corredor ou alguma pessoa qualquer passeando por ali. A bike acelerava e ele chegou perto da ponte. O comprimento dela devia ser de uns 8 metros e havia sido construída há bastante tempo. Estava cheia de rachaduras e os ferros na borda estavam cheios de ferrugem.

Pelas rachaduras, a biclicleta começou a pular e Emerson estava praticamente cavalgando nela.

–Mas que droga!-ele xingou o ar.

Tentou frear, mas não aconteceu nada. Tentou novamente, mas a bicicleta não obedecia o garoto. Estava na metade da ponte e começava a perder o controle de tudo. Acabou tomando um caminho totalmente diferente do caminho desejado e se aproximava cada vez mais da borda da ponte.

Apertava o freio desesperadamente, na esperança de dar certo. Quando estava a uns 80 centímetros da borda, apertou o freio com toda força que podia, e agora deu certo. A bicicleta tombou para frente, fazendo Emerson capotar para fora da borda. O garoto esticou o máximo seu braço para agarrar o ferro da borda e não cair na água. As pontas de seus dedos sentiram a ferrugem gelada e áspera do ferro, mas não conseguiu se segurar. Num movimento rápido conseguiu segurar-se com o outro braço.

Agora era simples, só colocaria o outro braço na borda e se levantaria, já tinha feito isso antes em muros e coisas parecidas. Mas sua bike o traiu. O veículo bateu contra os ferros da borda, inclusive sobre os dedos de Emerson. O mesmo gritou de dor, até não aguentar mais e despencar no rio. Balançando os braços em algo inútil, o rapaz caiu no rio, espirrando água para todos os lados.

Por pura sorte, não caiu em cima de várias pedras.

Não tinha essas pedras no meu tempo…

Aproveitou-se dos obstáculos. Segurou-se nas pedras para não ser levado pela correnteza. Estava bem embaixo da ponte toda rachada. A bike começou a ameaçar cair da ponte, forçando a barra de ferro. A biclicleta caiu da ponte, fazendo um “splash!” e jogando água para os lados. Primeiramente o objeto afundou, mas então submergiu, sendo levado pela correnteza em direção de Emerson. A correnteza a levou para as pedras, que impulsionaram-na para um pequeno salto, atingindo o rosto de Emerson em cheio. A bike continuou seu caminho pelo rio, enquanto Emerson via uma cachoeira de sangue sair de seu nariz, cair em seu corpo e depois ser levada pela água.

A ponte começou a soltar pó, que atingiu um olho de Emerson.

–Ah, droga!-ele disse, olhando para baixo e tentando rapidamente lavar o olho com água do rio.

Um pedaço da ponte caiu, mais a frente de Emerson. Ele teve um lampejo de pensamento: iria deixar-se levar pela correnteza e assim escaparia. Mas mais pedaços da ponte caíram, criando um muro de destroços em sua frente. Ele não tinha mais escapatória. Nadar contra a correnteza era inútil e deixar-se levar por ela era inútil do mesmo jeito, não iria passar por aqueles destroços.

O que sobrou da ponte começou a rachar. Um pedaço do tamanho de uma bola de futebol caiu e atingiu a teste de Emerson, fazendo um grande ferimento. Ele urrou de dor. Os dedos estavam todos cortados, inchados e vermelhos por serem prensados pela bicicleta. O nariz estava sangrando um pouco e agora sua testa estava sem um pedaço da pele, sangrando muito.

Pequenos pedaços de concreto começaram a cair, como uma chuva sólida. Água espirrava para todos os lados. Emerson não estava mais em sua consciência normal. Estava perdendo os sentidos aos poucos. Sangue já era levado pela água.

Olhou para a cima, tendo como sua última visão grandes restos de concreto caindo em cima dele.

Alguns corredores viram a tragédia e se aproximaram na margem lá em cima, vendo uma mancha de sangue tomar conta do rio e alguns destroços sendo levados, inclusive um pequeno muro. Uma mulher gritou, jurando ver uma braço boiando no rio.

***

Pedro gritou por socorro até sentir que seu coração iria se despedaçar. Ouviu Vini e Márcio gritando lá fora, por ele. O garoto iria gritar por socorro, quando a madeira do corrimão da escada quebrou-se, dando de presente para ele uma quedra enorme.

Márcio e Vini entraram correndo na torre, vendo Pedro caído, agonizando. Quando se aproximaram, viram que a perna de Peeh estava torcida e vermelha.

–Ah, não… -Vini disse-Ele quebrou a perna.

***

Felipe andava pela calçada, com a cabeça meio baixa. Ele refletia sobre o acidente. Pedro tinha premeditado que ele ficaria desesperado ao ver uma garota com biquini amarelo morta. Mas Marina não usava biquini amarelo. Uma pequena esperança surgia em seu coração. O corpo não havia sido reconhecido e Pedro estava meio confuso. Será que Marina poderia estar viva e não morreria no acidente?

Algo dentro dele dizia que sim e ele faria qualquer coisa para encontrar sua amada, custe o que custar.

***

A garota acorda em uma cama de hospital. Está com a maior dor de cabeça de todas as suas vidas. Enxerga tudo embaçado e vê dois vultos chegando, vestidos de branco. Vários fios estão ligados a ela e escuta o famoso “pi, pi, pi” da máquina, reproduzindo seus batimentos cardíacos.

–Olá, finalmente você acordou… -o vulto com voz femenina diz.

–Onde eu tô…?-a garota diz, tentando se levantar, mas está com muita dor e resolve ficar deitada-Não consigo enxergar nada…

–Você está no hospital. E deve usar óculos e como está sem eles, não enxerga nada. –uma voz masculina diz-Não se preocupe que cuidaremos de você. Mas primeiro, precisamos saber se sua memória está boa. Qual a última coisa que você se lembra?

–Eu estava passeando com meu namorado… ele está aqui?-a garota pergunta, nervosa.

–Relaxe… você sabe seu nome?-o médico perguntou.

A garota fechou os olhos por alguns segundos, forçando a mente.

–Sei… -ela respondeu-Meu nome é Marina.


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Notas finais do capítulo

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Encontro vocês nas reviews!



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