'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 27
Como Consta no Exôdo & O Beijo do Chacal


Notas iniciais do capítulo

Olááá, meus amores! Como prometido, cá está o capítulo. Retorno em breve com a conclusão do caso; não prometerei que posto amanhã, pois ainda estou trabalhando no capítulo e não sei se conseguirei terminar a tempo, mas com certeza postarei durante essa semana, no máximo até terça-feira. Espero que gostem e saibam que estou muito feliz com meu retorno. Obrigada às leitoras que estiveram aí mandando mensagens, preocupadas com meu repentino sumiço. Vocês são demais e são os melhores leitores do mundo ♥
Aproveito para divulgar a fanfic Orquídea Vermelha, que estou escrevendo em conjunto com a Queen Of Vampires. Espero vê-los por lá, deixarei o link ao final.
Boa leitura!

PS.: Imagino o personagem Anúbis como o Alex Meraz, caso queiram imaginá-lo como alguém conhecido.



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04h43min

Conexão Seattle – Marysville: 17km de Horrorland

— “Os peixes morreram, e o rio cheirava tão mal que os egípcios não conseguiam beber das suas águas. Havia sangue por toda a terra do Egito” – li. Convenientemente, Dean tinha uma Bíblia entre seu equipamento de caçada, o que me permitiu consultar no livro do Êxodo a história das pragas.

— Merda! – Zoe bateu a palma da mão na própria coxa – Que é que nós vamos fazer?

— Você pergunta a nós dois, humanos comuns? – questionei, eu mesma um tanto descontrolada – Devíamos entrar em contato com outros caçadores, as Beauchamp, o caralho a quatro. Alguém que saiba o que fazer!

— Castiel! – sugeriu Dean.

— Eu já tentei! – Zoe balançou a cabeça, indignada – Ele não atendeu ao chamado, deve estar ocupado. Eu normalmente ligaria para o Bobby, mas não há muito que ele possa fazer, já que a única solução que nos deu não foi possível de ser alcançada.

— E quanto ao Sam? – perguntei.

— Sam deve estar fazendo sanduíches de quiabo com paprica e estudando as Leis Constitucionais das Abobrinhas para se distrair, não vai, de modo algum, parar sua rotina monótona e prevísivel para nos ajudar.

— Devíamos tentar – insisti – Talvez ele surja com uma solução salvadora no último momento.

— Bem, então tente você – falou Dean, chateado, pois fizera as pazes com Zoe, mas não com Bobby e Sam – Ele não vai atender se Zoe ou eu ligarmos.  

Pelo visto, a revelação de que Zoe era uma bruxa implicara na relação de confiança que os Winchester tinham com a mesma. E, muito embora ela e Dean estivessem se falando, notara que não mais se tratavam como amigos de longa data, mas como parceiros distantes e reservados.

Fiz como Dean dissera e contatei Sam, que assegurou que faria o possível, embora, no momento, não estivesse apto a acrescentar nada às informações das quais já dispunhamos. Sua voz soou embargada quando ele me perguntou do irmão:

— E o Dean, ele tá bem?

— Sim, na medida do possível. Estamos todos preocupados com esse lance dos primogênitos.

— Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Soque ele por mim, está bem? E diga a Zoe que, de minha parte, ela pode voltar a fazer parte do trio Winchester-Singer.

Trasmiti o recado à ruiva, que deu de ombros.

— Bom, por mim, tudo bem. Resta saber se certas pessoas – e ao dizer isso ela ergueu o tom de voz – serão capazes de relevar e esquecer o que se passou.

Dean levou uns segundos em silêncio, torcendo o nariz em sinal de orgulho. Por fim, declarou com um pigarro:

— Você pode voltar, se quiser. Nós... hum... precisamos de você e... em todo caso, as bruxas não são tão ruins assim...

— Meu Deus, eu devia ter filmado isso! – ela remexeu no assento, jogando o cabelo para os lados, confiante e satisfeita – Dean Winchester admitindo que precisa de mim! Esse é o melhor dia da minha vida!

— E que fique claro que só estou me aproveitando da situação – ele foi logo esclarecendo, suas orelhas um tanto vermelhas – Porque, afinal de contas, suas macumbas em latim são bastante úteis e... hum, é isso... só estou avaliando sua condição pelo lado positivo. E fique sabendo que não vou aturar essa lixa de unhas!

— Tá bem, Dean, como quiser. – ela concordou com um suspiro, voltando-se para mim logo em seguida – Ruby, como vai a leitura? 

Estivera lendo um exemplar em couro chamado O Grito de Ísis na Calada da Noite: Histórias do Panteão Egípcio, de modo a procurar por informações que nos fossem proveitosas. Pegara emprestado alguns livros da Faculdade de Egiptologia mas, no fim das contas, em nada nos serviam: entender a motivação dos deuses não os tornava fáceis de exterminar e eu duvidava que houvesse maneira de torná-los reles mortais quando eram supridos por orações. Convenhamos, convencer os crentes a pararem de adorá-los era tão difícil – para não dizer impossível – quanto encontrar uma tamareira ânciã. 

Disse isso a Zoe e ela fez comentários positivos, que, na realidade, eram apenas disfarce para seu real pensamento. Estavámos convictos de que nada podia ser feito e de que, dessa vez, não tínhamos cartas na manga. Dean até mesmo ligara uma música pop – coisa que não era de seu feitio – para elevar nosso ânimo. Agora Zoe cantarolava The Greatest, da Sia, enquanto eu quase fundia meu cérebro tentando raciocinar.

— Relaxa ô, salvadora da pátria! – ela estalou os dedos na frente dos meus olhos – No último segundo descobrimos o ponto fraco deles. No momento, o que mais me preocupa são aquelas pobres crianças.

Estremeci. Bem estivera evitando pensar no que fora feito das crianças. Comecei a falar, mais para mudar o foco da minha atenção do que por achar a informação relevante. 

— Eu diria que há uma chance de termos vantagem na situação, mas não tenho certeza... Estive pensando que, se os adoradores construíram um altar, talvez ele funcione como um centro de energia...

— ... de modo que, destruindo o altar, talvez interrompessemos o foco de energia que os supre – Dean completou meu raciocínio, me olhando pelo retrovisor – Que tal enviar seu namorado nessa missão? Não estou nem um pouco a fim de ir atrás desses lunáticos veneradores de canibais.

— Dean! – Zoe estremeceu – Não sabemos se são canibais, eu estava evitando pensar nisso!

— Foi mal, ruivinha! Em todo caso, não podemos ignorar que o mais provável é que essas crianças virem jantar.

— Dean!

— Que foi? Só estou sendo realista diante das circunstâncias.

— Meu Deus, você não precisa expressar seu realismo, Ruby e eu estamos tentando não pen...

Nesse momento, algo como um ronco abafado interrompeu a fala de Zoe. Ela franziu a testa para Dean, como se perguntando se aquilo fora uma manifestação estomacal do mesmo.

— Não olhe pra mim, não fui eu – retrucou ele, os olhos fixos na estrada – E não tenho comida no carro, Ruby, seu estômago vai ter de aguentar.

— Mas não fui eu tampouco!

Veio outro ruído. Soava como um semi mugido abafado por um travesseiro. Parecia vir de dentro do porta-luvas.  

— Dean, pare o carro! – ordenou a ruiva, ao que o loiro recusou-se.

— Não temos tempo! Seja lá o que for, não vai nos matar quando sair.

— Hum, melhor não abrir – aconselhei, tensa – O Killian me contou uma história envolvendo seres demoníacos num armário de vassouras que decapitavam quem quer que tentasse checar o que era o barulho lá dentro.

— Não é como se um demônio coubesse no porta-luvas – debochou Dean.

A coisa roncou duas vezes. Depois três. Zoe puxou o revólver, engatou e ergueu a mão esquerda para o porta-luvas.

— Ruby, eu te protejo, o Dean que se foda.

Foi então que várias coisas se sucederam ao mesmo tempo:

Um - Dean soltou um muxoxo indignado, notou Zoe com o revólver e abriu a boca para adverti-la;

Dois - um borrão verde se lançou do porta-luvas para Zoe;

Três - um estampido alto explodiu a coisa, o pára-brisa e a ira de Dean.

— MAS QUE PORRA VOCÊ ESTÁ FAZENDO?! – berrou ele, prensando o pedal do freio. Voei de encontro ao banco dianteiro, a pilha de livros ao meu lado se embolando aos meus pés. Em meio a cacos de vidro, uma Zoe estonteada tentava deduzir o que eram os pedaços de pele e carne que estourara sobre si mesma – SUA RETARDADA! EU PODIA TER SIDO ATINGIDO!

— Eu me assustei! – ela se esganiçou, a mão trêmula ainda atada ao revólver.  

— Eu disse pra não abrir! – resmunguei, a audição afetada por um zumbido ecoante – Dean, melhor ir para o acostamento.

— Que merda foi essa?! – ele gritou, manobrando. Sorte a nossa que a via não era movimentada ou teríamos nos envolvido num trágico acidente: Dean freara bem à beira de um penhasco.

— Não sei, eu só vi um borrão verde... – ia dizendo a bruxa.

— Que seja! Trate de consertar a merda do pára-brisa antes que eu coma seu fígado!

Por choque ou por culpa, o fato é que Zoe obedeceu sem retrucar.

— Dean, tem um negócio estranho grudado no seu cabelo – avisei, catando do chão os livros.

— Eca! Parece um... olho gelatinoso ou algo assim... Ô, ruiva, será que dá pra remendar essa coisa?

— Eu lá sou Jesus pra ressuscitar morto?! Me dá isso aqui, vou fazer um feitiço de reconhecimento.

Dean religou o carro.

— Ao menos isso ela saber fazer... Sabe, Zoe, seria bastante vantajoso se você ao menos praticasse as suas habilidades, é de se esperar que saiba usar magia negra quando necessário.

— Ah, é claro, Winchester. Vou usar magia negra para transformá-lo em um sapo corcunda e monstruoso!

— Ai não... – gemi, logo me dando conta do que é que se infiltrara no porta-luvas.

— Que foi? – Dean me encarou pelo retrovisor, enquanto Zoe murmurava em latim.

Me agarrando às extremidades do banco para evitar ser atirada de um lado para o outro nas curvas, li em alto e bom som um versículo do capítulo oito do livro do Êxodo.

— “O Nilo ficará infestado de rãs. Elas subirão e entrarão em seu palácio, em seu quarto, e até em sua cama; estarão também nas casas dos seus conselheiros e do seu povo, dentro dos seus fornos e nas suas amassadeiras.”     

Zoe soltou um guincho estranho e Dean desatou a rir, reação que eu não esperava. A ruiva fechou a janela energicamente, nos incentivando a fazer o mesmo. Recusando-se porque não podia tirar as mãos do volante, Dean provocou a ira de Zoe, insinuando que uma bruxa não devia ter “medinho de sapos”.

— Não seja estúpido, Dean! – berrava ela, seu cabelo se eriçando – Sua ideia de quem são as bruxas é um estereótipo preconceituoso! Feche essa merda de janela antes que eu meta a mão na sua cara!

— Mas não faz diferença, sua burra, se as rãs brotam magicamente no porta-luvas.

Quase como uma ilustração ao comentário, uma série de coachados escapou de sob o capô. Agoniada, Zoe teve reações um tanto absurdas quando uma pequena rã azulada caiu do porta-luvas diretamente em seu colo; primeiro, guinchou como uma porta sem óleo nas dobradiças, depois se contorceu como se levasse um choque elétrico e, por fim, soltando gritos aterrorizados, apanhou a rã por uma das pernas e a atirou para fora, escancarando a porta inconsequentemente.

— ZOE! – Dean ralhou, freando ao perceber a manobra – CACETE!

— Eu tenho agonia a pele gelada de rãs! – berrou ela, esfregando a mão na blusa como que para livrar-se da sensação nauseante de ter pego no anfíbio. Fechou o porta-luvas bruscamente, lacrando-o com um feitiço em seguida – Dean, elas estão no motor!

— Pois expulse-as de lá antes que pifem o carro!

— Ahn, não olhem agora, mas o capô está coalhado de anfíbios... – me arrepiei um pouco, muito embora as pequeninas rãs não me transmitissem nojo ou agonia. Escalavam o pára-brisa traseiro e as janelas laterais placidamente, alheias à velocidade com que o carro cortava o vento.

— Vamos, Zoe, expulse-as, estão subindo no pára-brisa!

A ruiva, porém, se encontrava em estado catatônico. Tentei chacoalhá-la pelos ombros, mas, inerte, continuou estática.

— Zoe! A Ruby não está fazendo drama, comporte-se como a bruxa que você é e recomponha-se! Mas que mer... Era só o que me faltava!

A estrada mais à frente fora completamente tomada por rãs. De todas as espécies, tamanhos e cores, cantavam e coachavam em diferentes timbres, tal qual um coral cristão. Dois outros carros se encontravam no meio da via, cobertos desde as rodas até os vidros traseiros. Zoe enfiou a cabeça entre os joelhos, tapando ambas orelhas com as mãos.

— PUTA QUE PARIU! Ruby, segura firme, a Zoe que se foda.  

Pisando fundo no acelerador, Dean passou pelo amontoamento de rãs, os limpadores ligados de modo a arrastá-las para fora do pára-brisa; o Impala chacoalhava ao esmagar os pequenos animais, que estouravam com plocs e se grudavam às rodas. Com a brusquidão do movimento, Zoe bateu a cabeça: o suficiente para que recuperasse a sobriedade. Retomando a posição ereta no assento, bradou algo que soou como um palavrão em francês. A partir daí, foi como se tivesse aplicado uma camada repulsora sobre a superfície do Impala: as rãs passaram a ser repelidas pelo carro, projetadas para longe quando em contato com o mesmo.

— Meu Deus do céu! – desabafou a ruiva, corada e arfante – Nunca odiei tanto uma criatura quando esses deuses! Como é que vocês se mantêm estáveis numa situação dessas?!  

— Isto não é nada, comparado ao que ainda vamos enfrentar... – comentei sombriamente, tentando não imaginar como é que lídariamos com a próxima praga.

— Não me diga que são gafanhotos... – Dean me encarou pelo retrovisor; chegou a estremecer, mas aliviou os ombros quando balancei a cabeça.

— Antes fosse...

***

 

05h06min

Tenda do Posto Policial

 

Regina estava a ponto de atear fogo na própria cabeça a fim de parar a coceira. E digamos que a visão do pente desdentado de August não era lá muito afável. A cada vez que ele o passava pelo couro cabeludo, arrastava para fora do cabelo uma multidão de piolhos obesos. 

— Eu não aguento mais! – choramingava a Rê, tão abatida que diria-se que não dormia há uma semana – Me matem de uma vez e acabem com esse tormento!

— Cala a boca, Regina, você não é a única que está sofrendo! – Gepeto enfiara a cabeça num balde d’água, que encontrara sabe se lá onde, mas que, até o momento, servira bem à tarefa de aliviar-lhe a coceira. – Hey, Aug, me empreste seu pente.

— Eu pedi primeiro! – guinchou Regina, praticamente saltando sobre August de modo a tomar-lhe o pente. Desabaram os dois em meio ao cascalho e então Gepeto se juntou a briga, provocando um estardalhaço. Gancho e Grammy tentaram apartar os três, mas acabaram também jogados no cascalho, numa bagunça de corpos que bem parecia um UFC animal. Por fim, Gepeto saiu desembestado com Regina em seu encalço, enquanto August o maldizia por ter lhe roubado o pente.

— Nos subjugaram à posição de animais – comentei, chocada ante as ações desesperadas de nossos amigos – Será esse o nosso fim? Sujeitados à ignorância e ao egoísmo?

Gancho me deu um abraço desajeitado, dolorido pela recente briga.

— Nós ainda temos uma carta na manga, pior seria não termos nada.

— Eu sei... – segurei-lhe a mão, acariciando a mesma – Sei que é uma pergunta idiota, mas como é que você está?

— Preocupado e aterrorizado – respondeu ele, sentando-se à cadeira dobrável a meu lado – Jamais me perdoarei se algo acontecer a Liam e Clem.

— Como se fosse sua culpa...

— Eu devia ter imaginado que não era boa ideia virmos aqui em dia de Halloween...

Fiz menção de falar, mas Zoe e Mary vinham esbavoridas, trazendo um livro em mãos.

— Encontramos! – anunciou Mary, mais aliviada do que satisfeita – Talvez não sirva para afastar os piolhos, mas nos livrará da coceira.

Tratava-se de um feitiço, que Mary se lembrara de ter visto no Grimoire da família Mills. Apenas uma série de palavras em latim que, garantiam as instruções, afastariam de qualquer cabeça o ardor provocado por caspas e  insetos parasitas. Zoe, mais experiente na pronúncia, foi livrando um por um da praga. Killian, Grammy e eu, protegidos pelo feitiço de Joana, não tínhamos na cabeça um ninho de lêndeas, de modo que, tão calmamente quanto a situação nos permitia, pensavámos num meio de quebrar aquela horrível maldição que nos fora imposta.

Liam desaparecera misteriosamente e, conforme acreditávamos, fora manipulado de modo a nos confundir com a pista falsa do Wendigo. Alexa, abalada pela revelação de que éramos caçadores de seres sobrenaturais, parecia não ter absorvido a informação por completo, mas recuperava-se abraçada ao pequeno Ian.

— Quem contou pra ela? – perguntei, pois Gancho acabara de me narrar o que se passara no tempo em que Dean, Zoe e eu ficamos fora.

— Mary e eu – ele respondeu, friccionando a barba – Para minha surpresa, ela até que aceitou bem. Achei que fosse se enfezar ou algo assim.

— E Ian?

— Poupamos a inocência do garoto – disse Grammy, me oferecendo gomas de mascar para me distrair da fome – Ninguém precisa descobrir que monstros existem aos três anos.

— De modo que teremos de silenciar Clem – falou Killian – ainda que, acredito, o trauma dessa experiência a fará silenciar por si mesma.

Concordei com um movimento de cabeça. Regina e Gepeto retornavam de sua corrida e não consegui decidir quem se encontrava em pior estado. Graças aos céus, o bom humor da Rê superava seu cansaço e irritação; ela bem nos fez rir com uma detalhada descrição de como as “canelas velhas” de Gepeto o colocaram em desvantagem, dando a ela a oportunidade de lhe roubar o pente.

— Bem, a essa altura vocês já deviam saber que sou campeã mundial em velocidade, de modo que venceria até mesmo uma gazela a galope. – gabava-se ela, ignorando o fato de sua aparência tê-la transformado numa versão hiper realista de Annabelle.

Diante do azucrinante coachar das rãs, desejava ter levado fones de ouvido. Não havia o que fazer, senão ignorá-las, ainda que nos pregassem sustos ao caírem de lugares improváveis. Regina bem que estava se divertindo com os constantes chiliques de Graham, que, logo descobrimos, detestava anfíbios no geral.

— Detesto a pele gelada deles – comentou, atirando uma garrafa vazia de água em direção a um amontoamento de rãs no pé de uma cadeira; elas nem se moveram – É praticamente uma fobia...  

— Uma fobia estranha para um caçador de monstros – Regina implicou, ganhando de Grammy um olhar irritado – Me dá um chiclete, não há nada mastigável por aqui...

Alguns de nós – Gold, David, Bae, August e Dean – investigavam os pontos demarcados pelo pentagrama no mapa de Brendon Toth. Desconfiávamos de que cada ponta da estrela fosse, na verdade, um altar de adoração aos deuses; isso explicaria o fato de a área do pentragrama ser uma zona de poder com a pirâmide ao centro. Dean tivera esse raciocínio pouco antes de chegarmos ao parque e, felizmente, ele fazia total sentido, uma vez que havia cinco pontas na estrela, para os cinco deuses envolvidos naquela história. Aguardávamos pacientemente que nossos amigos encontrassem e destruíssem os altares, pondo fim ao plano de Brendon Toth. 

Toth, aliás, como vim a descobrir, era o nome de uma das divindades egípcias; segundo um dos livros do professor Alshayk, era o deus do conhecimento, mestre da sabedoria, da linguagem e da magia, responsável pelos cálculos e medições. Brendon, pensei, era mesmo um cínico por adotar um sobrenome daqueles; convenhamos, quem haveria de considerar-se tão poderoso quanto um deus senão um insano?

— E então?! – Regina abordou August tão logo ele se aproximou, ainda esfregando a cabeça por coceira psicológica. 

— Nada! Eu verifiquei o trem-fantasma, não encontrei nada de anormal, só mesmo uma poça de vômito... os funcionários daqui devem ser muito mau pagos...

Gancho suspirou, deitado no meu ombro.

— Bom, então o Winchester estava errado. Voltamos à estaca zero!

Ia dizer que ainda contávamos com outras hipóteses, mas Regina se ergueu da posição atrofiada que assumira na cadeira de couro ecológico do Tenente Walters.

— Aposto que não procurou direito! – acusou, uma mão no quadril – Eu mesma iria verificar, não fosse a minha lombalgia estar me matando! Espero morrer deitada, ao menos... – e se afastou, trôpega, em direção às ambulâncias.

Os policias e socorristas, assim como Liam, haviam desaparecido. Mais do que nunca, acreditávamos que havíamos sido manipulados, mantidos ocupados enquanto seguíamos pistas falsas que nos afastaram das respostas e das crianças. O que os deuses não sabiam era que lidavam com profissionais absurdamente inteligentes. Parte de mim vibrava ante a expectativa de triunfarmos; a outra parte estremecia ao pensar na hipótese de todos que eu amava morrerem.

— Alguma nova pista? – perguntou Aug, tomando o assento dispensado por Regina.

— Nada além do que já havíamos descoberto – respondeu Grammy, tentando fazer funcionar o carregador portátil de celular que Baelfire lhe emprestara; ou o aparelho estava esgotado da carga ou a energia dos deuses o afetara – Ah, esquecemos de lhe dizer o significado da cruz ansata, Ruby, se é que já não sabe... Segundo a sabedoria do Google, é um símbolo sagrado que representa a fertilidade e a chave da vida.

— Tá, mas como o significado se relaciona com a marcação dos primogênitos? – questionei, sem entender.

— Achamos que, para os deuses, os primogênitos são sagrados, visto que são os herdeiros mais velhos de uma linhagem – Gancho explicou, tentando afastar uma mosca que o azucrinava – Não chegamos a uma conclusão, mas Belle bem estava achando que a morte dos primogênitos seria uma espécie de ritual de ruptura.

— Como assim?

— Bom, é que, para os egípcios, a última praga foi um ato de crueldade perante as famílias. Imagine que alguém lhe tirasse um filho, impedindo que sua linhagem continuasse; não consideraria uma tremenda injustiça?

— É claro!

— Pois então – Grammy continou o raciocínio, pois Gancho se erguera de modo a livrar-se da mosca – a morte dos primogênitos foi uma marca na história egípcia, de modo que, pensamos, talvez os primogênitos tenham se tornado um símbolo de força, algo que jamais será superado, mas lembrado para sempre como um ato de soberania de Deus.

— E?... – por mais que eu compreendesse o raciocínio, não entendia onde eles pretendiam chegar.

— E sendo um símbolo de força, talvez a morte dos primogênitos desencadeie um efeito específico. Talvez os deuses queiram mostrar que, desta vez, foram soberanos, de modo a desafiar o poder de Deus, que foi quem soltou as pragas no Egito, pra começar. Belle acha que a morte dos primogênitos vai ser uma espécie de “olho por olho, dente por dente”. Como se, depois de milênios, o Egito encontrasse a vingança pela qual tanto ansiou, rompendo, assim, uma marca que fez parte de sua história por muitos anos.

— Faz sentido! – exclamei, finalmente entendendo. É claro que não explicava toda a motivação dos deuses, mas era um bom começo de raciocínio – Belle é mesmo uma gênia! Onde é que ela está, por falar nisso?     

   - Da última vez que a vi, estava no estacionamento com Archie – respondeu Killian, às voltas com a mosca; outras duas rondavam a cabeça de Gepeto, que acabara por cochilar com a cabeça apoiada num poste de luz – Os dois bem que superaram a experiência de Gold. Acredita que foi Archie quem sugeriu que Liam foi manipulado de modo a nos manter ocupados com pistas falsas? Foi ele o primeiro a notar que meu irmão desaparecera e logo concluiu que foi ele quem começou com tudo isso, já que foi o responsável por comprar aquele bolo de aniversário. No fim das contas, a Rê bem estava certa em achar que o bolo nos manteve drogados enquanto as crianças eram sequestradas... Maldita mosca!

— Espere aí, quer dizer que chegaram à essa conclusão? – a cada informação eu ficava mais confusa e perdida – O bolo nos manteve distraídos?

Grammy acabou por desistir de tentar carregar a bateria de seu celular.

— Não temos cem por cento de certeza, mas já que Liam foi abduzido e já que Alexa jura de pés juntos que teria notado se Clem tivesse sido sequestrada antes do show da Gaga, acreditamos que foi o bolo o real responsável pela nossa hipnose conjunta.

— Pra mim ainda não faz sentido – balancei a cabeça – Já tínhamos discutido o fato de não haver bolo suficiente para drogar tanta gente, de modo que alguém teria que ter visto as crianças sendo levadas.

— Eu sei, Ruby, mas é a única explicação coerente que temos...

— Malditas moscas! – Gancho xingava, agitando as mãos no ar a fim de afastar os insetos – Meu desodorante deve ter vencido o efeito sem que eu notasse.

Soltei um risinho, apenas para, no segundo seguinte, lembrar-me de ter visto antes qual era a quarta praga. Folheei a Bíblia de Dean até o capítulo oito do Exôdo.

— Moscas! Essa é a quarta praga. – e, comparada aos piolhos, não parecia assim tão ruim – Escutem só: “As casas dos egípcios e o chão em que pisam se encherão de moscas”. Mas Deus poupou a terra de Gósen, diz aqui que era onde vivia seu povo. “[...] nenhum enxame de moscas se achará ali, para que você saiba que eu, o Senhor, estou nessa terra. Farei distinção entre o meu povo e o seu”. 

— Era só o que me faltava! Já não bastavam os piolhos e rãs! – Regina mancou de volta à tenda, expulsando Aug com um gesto de mão – Saia do meu assento! Não suportei o chororô da Alexa, ela não para de lamuriar, que mulher infernal!

— Engraçado, as pragas estão vindo em intervalos de tempo não-padronizados – comentou August, indo sentar-se ao lado de Gepeto, que agora roncava de boca aberta – Aliás, algum de vocês parou para pensar o motivo de soltarem essa maldição no mundo?

Grammy assentiu, informando:

— Belle estava achando que era uma maneira de subjugarem os humanos, como se quisessem mostrar que estão no comando e devem ser temidos. 

— Faz sentido! – concordamos Aug, Regina e eu.

— Não acham que Belle e Archie estão demorando muito? – Regina franziu a testa, olhou para o próprio pulso, mas então se lembrou de que não estava usando relógio – Eles já haviam se ausentado muito antes de Ruby, Zoe e Dean retornarem.

— E por falar na Zoe, onde é que ela se meteu? – perguntei, só então notando que a ruiva não estava ali.

— Foi com Mary guardar o Grimoire Mills em local seguro. Não é prudente largar um livro tão poderoso dando sopa por aí. E aquele Winchester exibido, alguém o viu? Não duvido nada que picou a mula e nos largou aqui.

Eis que Dean surgiu repentinamente, amparando Archie com a ajuda de Belle.

— O Winchester exibido salvou a vida do seu amigo imprudente – falou em alto e bom som, irritadiço pelo comentário de Regina.

Assustados, corremos a socorrer Archie, que, ensanguentado, estava prestes a desmaiar. Ele se deixou cair numa maca, tão pálido quanto a luz da lua. Gepeto, acordando de susto, se prestou a realizar os primeiros socorros, alegando que chegara a atuar como enfermeiro no princípio de sua juventude.  Ninguém teve tempo de contestar, já que o velho, tomando a frente de todos, revirou a ambulância e mostrou saber o que estava fazendo.

— Que foi que aconteceu? – Gancho perguntou a Belle e Dean, e a primeira respondeu, assustadíssima:

— Archie e eu fizemos uma idiotice! Topamos com David, que nos contou sobre os altares, e decidimos nos unir à busca. Acabamos contrariando o combinado e indo até a pirâmide, queríamos observar as proximidades...

— Uma idiotice sem tamanho! – censurou Regina, lançando a Belle um olhar que lançaria a um filho desobediente – Nós concordamos em ficar longe daquele lugar, pelo menos até termos um meio eficiente de matar aqueles desocupados.

— Eu sei... Foi burrice, mas Archie também achava que não podíamos ficar de braços cruzados; e nós não tínhamos pretensão de nos aproximar da pirâmide, só queríamos tentar descobrir pistas, talvez avistar alguma movimentação e chegar a alguma conclusão ou informação útil...

A indignação de Regina superava sua capacidade de ouvir. Ela se voltou para Dean, fitando-o com o mesmo olhar que usara para Belle.

— E você, Dean Winchester, o que é que estava fazendo por lá? Não que me importe com sua morte, é claro, mas já temos muito com o que nos preocupar!

— Eu não sabia de combinado nenhum e tive a mesma ideia que esses dois desmiolados, o que significa que sou inconsequente também, mas isso não vem ao caso – ele justificou, limpando o sangue que lhe sujara as mãos e pescoço – Você devia me agradecer, não fosse por mim estariam os dois mortos.

— Que seja, Dean, deixem a Belle terminar! – eu disse, me irritando por se importarem justamente com o que não importava no momento.

— Bem, então vimos movimentação na pirâmide – continuou Belle, atropelando-se nas palavras por estar nervosa –, mas não era a movimentação de deuses e sim da esfinge!

Regina vincou a testa.

— Esfinge? Aquela coisa que parece um cachorro em posição de descanso? 

— Na verdade, Regina – pronunciou-se Archie, cuja dor não importava, desde que pudesse corrigir uma informação errônea –, é uma criatura mítica com corpo de leão e cabeça humana. Ai, isso doi, Gepeto!

— E o que foi que eu disse? – Regina revirou os olhos – Espere aí, você disse criatura? Mas criatura no sentido existencial ou no sentido sobrenatural da palavra?

— Ambos, o que não vem ao caso, Regina – respondeu Belle, porque Archie contorcera o rosto numa expressão de quem ia chorar enquanto Gepeto lhe fazia o favor de limpar o corte em sua perna – Esfinges eram guardiãs e representações de poder no Antigo Egito. Na mitologia grega, eram guardiãs de passagens, criaturas impiedosas que devoravam quem fosse incapaz de decifrar suas charadas. Bem, acontece que esses deuses importaram da mitologia grega a ideia de esfinge cruel e canibal, de modo que colocaram uma como guardiã da entrada da pirâmide...

— PUTA QUE PARIU, ERA SÓ O QUE FALTAVA! – xingou Regina, ao que Belle, ignorando o palavrão, continuou:

— ...e eu acabei convencendo Archie de que devíamos tentar arrancar alguma coisa dela, acreditando que ela era benigna, como costumavam ser as esfinges egípcias. A culpa foi minha, eu devia ter imaginado que não era boa ideia... A esfinge nos atacou quando tentamos fugir da charada e se Dean não a distraísse, não escaparíamos com vida.

O Winchester sorriu largamente, orgulhoso de seu feito. Gemendo feito um bebezinho, Archie abafou um grito quando Gepeto lhe deu uma anestesia.

— Vou suturar o corte – informou o velho – Vai ficar meio feio, porque eu nunca pratiquei a sutura em outra pessoa a não ser em mim mesmo.

— Regina, talvez você pudesse curar o Archie, já que Zoe não se encontra à vista – sugeri, e Regina balançou a cabeça, sem fazer ideia de como realizar aquela manobra.

— Nem se eu quisesse – justificou – Acabaria arrancando a perna do coitado, ao invés de consertá-la.

— Ah, muito obrigado, Regina, prefiro uma cicatriz feia – pronunciou-se Archie, sorrindo amarelo.

À distância, ouvi um zumbido, pontuado pelos gritos de Zoe e Mary, que pareciam berrar para que entrássemos na ambulância. Nem precisei olhar na direção da qual elas vinham para saber do que se tratava. Antes mesmo de elas nos alcançarem, ordenei que todos entrassem na ambulância, porque um enxame de moscas se aproximava. A ideia de entrar naquele veículo não me agradava, mas que é que eu podia fazer? Entre enfrentar uma nuvem de insetos nojentos e reviver um de meus traumas, eu ficava com o trauma.  

Nos atropelamos de modo a entrar no veículo a tempo, mas havia tanta gente que uma só ambulância não nos comportava. Dean e Gancho tomaram a direção de ambas as ambulâncias disponíveis, enquanto eu e o restante do grupo nos espremíamos da melhor forma. Respirei fundo, fingindo ser um veículo qualquer que me levaria para um passeio.

Quando Mary e Zoe finalmente nos alcançaram, a praga estava bem atrás delas; bastou subirem aos tropeços para a ambulância de Gancho e fecharmos as portas da nossa para que a nuvem de moscas nos envolvesse por todos os lados. O zumbido era tão alto que ecoava dentro de nossos ouvidos, como uma espécie de ruído estático infindável.Visando escapar daquele som infernal, Dean deu a partida no veículo, dirigindo cegamente pelo parque.

— MAS O QUE É QUE ESSE RETARDADO ESTÁ FAZENDO? – berraram Regina e August ao mesmo tempo e Dean, em cuja cabine havia uma janela traseira, respondeu:

— Vocês preferem ficar parados no pandemônio?

— Pelo menos ligue os limpadores de pára-brisa, seu imbecil! – falou Regina, tão impaciente que teria estapeado o loiro se fosse possível.

— Até parece que vai adiantar...

E adiantou. As moscas que estavam grudadas ao vidro foram arrastadas para fora da visão de Dean, que então foi capaz de dirigir com mais segurança e velocidade. Não conseguia ver muita coisa pela janela traseira da cabine, já que a movimentação do veículo nos jogava para os lados, mas pude notar que Gancho pareara sua ambulância com a nossa e, aos berros, tentava se comunicar com Dean, que nada entendia.

— Eu não sei o que ele quer dizer, mas não acho prudente ficarmos girando em círculos – ele gritou para nós, sobrepondo-se à barulheira infernal das moscas. Apenas imaginei que ele fosse sair do parque pelo pátio de carga e descarga, de modo a tentar escapar do enxame, o que, de fato, foi o que fez – Acho que ele quer que a gente vá em direção à praia.

— Mas a praia ainda está longe, não podemos nos afastar tanto do parque – Alexa, finalmente se pronunciando, encontrou forças para levantar-se da maca que estivera ocupando – Devíamos encontrar um local seguro e fechado pelas proximidades.

  Todos concordamos e Dean, diminuindo a velocidade, ainda tentava entender o que berravam da outra ambulância. Pareciam fazer um coro de “Zoe, faça alguma coisa!”, mas não pude ouvir a resposta da ruiva.

— Alguém faça o favor de ligar para a outra ambulância e saber o que se passa – ordenou Dean, levemente impaciente e claramente sem ideia do que fazer.

— Nós já teríamos feito isso se qualquer um dos celulares funcionasse – Regina retrucou, como se fosse óbvio.

— O meu ainda tem bateria, mas perdeu o sinal – disse, desanimada.

— Continue tentando, Ruby – Alexa tapava os ouvidos frágeis do pequeno Ian, que choramingava sem entender nada do que estava acontecendo – O sinal provavelmente voltará quando deixarmos o parque.

A essa altura, Dean já alcançara a estrada que cortava a floresta. Pude depreender isso porque a ambulância deixou de sacolejar tanto, o que significava que não mais se dirigia sobre o cascalho.

— Chegamos à estrada e eu faço o quê agora? – perguntou ele.

— Vá devagar enquanto Ruby tenta contatar alguém da outra ambulância – orientou Alexa que, surpreendentemente, parecia mais calma e capaz de instruí-lo do que Regina, August e eu. Dean fez como ela dissera enquanto eu insistia em checar o sinal telefônico.

 Em determinado momento, Gancho buzinou para o loiro, passando à frente do mesmo, que acabou por segui-lo onde quer que estivesse indo. Depois de uma luta de pelo menos três minutos, finalmente consegui linha, de modo que liguei para a primeira pessoa que me veio à mente: Mary. Mas o celular dela devia estar sem carga, pois a ligação caiu na caixa postal. Tentei Zoe, Belle, Grammy e Gancho em seguida, mas a situação se repetiu. Sequer tinha o número de Archie e Gepeto, mas Regina, assegurando que sabia a sequência do de Archie, ditou-o para mim. Apertei o botão da discagem e a ligação caiu numa empresa de viagens para a Tailândia.

— Não é essa a sequência, Regina, você deve ter invertido um dos números – informei, impaciente.

A essa altura, mais da metade da nuvem se perdera no caminho. Como a estrada fosse pouco movimentada, Alexa instruíra Dean a dirigir em zigue-zague, de modo que as moscas ficassem confusas e perdessem o alvo. Muitas delas, porém, ainda perseguiam a ambulância de Killian que, só notando nossa manobra muito tempo depois, começou também a ziguezaguear de um lado para o outro.

Sengundos depois, só tivemos tempo de ouvir uma freada brusca seguida de um capotamento. Aterrorizada, perguntei a Dean, aos gritos, o que acabara de ocorrer. Em resposta, ele nos jogou em direção ao acostamento; Alexa e August foram atirados em minha direção, enquanto não tive tempo de ver o que fora feito de Regina e Ian. Bati a cabeça e me vi numa bagunça de gazes e ataduras, que caíram das paredes da ambulância. Um pesado cilindro de oxigênio rolara em direção às portas do fundo, amassando-as e abrindo a fresta no ponto de encontro de ambas.

 - Tá todo mundo bem aí? – ouvi Dean perguntar.

Pus a mão no ponto em que batera a cabeça, verificando se havia sangue. Obviamente, o feitiço de Joana me imunizava de acidentes também. Alexa caíra por cima de August, que tentava se erguer. Um de meus braços estava preso sob as pernas dele e formigava ante a interrupção da circulação.

— Vá devagar, Dean! – Regina berrou – As portas do fundo estão ameaçando se abrir.

Ele imediatamente diminuiu a velocidade, mas evitou ir muito devagar. August encontrou forças para erguer-se arrastando Alexa junto e me ofereceu a mão após depositá-la sobre a maca. Ela devia ter batido a cabeça, pois estava desacordada. Ian chorava copiosamente, enquanto Regina praticamente o espremia num abraço, tentando acalmá-lo. Equilibrei-me segurando na maca e, ligeiramente tonta, gritei para o motorista:

— Dean, o que aconteceu?

— Seu namorado provocou um acidente! Um carro perdeu o controle e capotou quando ele invadiu a contramão. Só espero que ninguém tenha morrido.

— Dean, devagar! – tornou a pedir Regina, que por pouco não estava caindo de um dos assentos laterais.

— Temos de reanimar Alexa – August disse a mim – Consegue encontrar um pouco de álcool ou algo que possamos fazê-la cheirar?

Pus-me a procurar o que ele me pedira, mas tudo despencara para o chão com o impacto brusco da direção veloz de Dean. Avistei o que parecia um vidro de iodo no chão perto da porta, mas no momento em que me inclinei para apanhá-lo, uma delas se abriu, pois o peso do cilindro de oxigênio, somado à velocidade, desestabilizaram a tranca. Por sorte, a parte que se abriu não era a mais próxima de mim, ou teria sido arremessada para fora. Algumas moscas, aproveitando-se da brecha, adentraram a ambulância e se puseram a girar acima de nossas cabeças, zumbindo ininterruptamente. Afastando-me da porta, sentei-me dizendo a August que fizesse o mesmo, para evitar desequilibrar-se e cair para fora do veículo. Ele obedeceu prontamente e, um segundo depois, a outra parte da porta se abriu, equipamentos de primeiros socorros e frascos de remédios despencando para a estrada. 

— Alguém segure a Alexa! – alarmou-se Regina, a maca de Alexa balançando perigosamente, ainda que estivesse presa a travas no chão – Dean, mas que raio! Vá devagar!

— Não posso perder Jones de vista, a estrada vai se bifurcar mais à frente! – berrou ele de volta – Segurem firme e mantenham essas coisas zumbidoras à distância.

Como se qualquer um de nós tivesse chance contra um enxame... Regina bem poderia afastar as moscas com magia, pensei, mas se fosse possível, Zoe e Mary o teriam feito quando avistaram o enxame antes de nós.

— Já estamos ocupados demais tentando nos manter dentro do veículo! – ela gritou para o loiro, praticamente agarrada à maca de Alexa de modo a manter-se estável no assento. O pequeno Ian se agarrara a seu pescoço, aterrorizado demais para até mesmo conseguir chorar.

Por fim, passados dois minutos, o Winchester diminuiu a velocidade consideravelmente. Invadindo a contramão, alcançou o acostamento à esquerda e se embrenhou na floresta. Com uma série de solavancos, ele guiou a ambulância por entre as árvores, sem conseguir evitar arrancar uns galhos na manobra. Felizmente, escapáramos do enxame, mas havia ainda algumas moscas perturbando nossa paciência.

— Mas aonde é que estamos indo? – perguntava Aug a todo momento,  pois da primeira vez Dean lhe respondera que estava seguindo Killian.

Depois do que me pareceram horas, finalmente o veículo foi estacionado. August saltou da ambulância, me oferecendo uma mão e ajudando Regina e Ian em seguida. Da outra ambulância, uma Zoe impaciente berrava com Killian. Gepeto ajudava Belle a descer e arreganhou os olhos quando viu o estado do outro veículo.

— Cristo crucificado, que foi que aconteceu?!

— Dean quase nos matou! – foi dizendo Regina, lançando ao loiro um olhar acusatório.

— Uma ova! – contestou ele – Fiz o que precisei para salvar seu traseiro! Afinal de contas, você não viu aquele carro vindo em nossa direção. 

— Mas que é que está acontecendo? – perguntei, alarmada, vendo Belle em ar choroso, Mary desesperada e Gancho e Zoe numa discussão infindável.

Gancho deu a volta na ambulância, dando as costas a Zoe. 

— Se você mesma não pôde fazer nada, não me culpe!

— Culpo, pois você é um irresponsável e um inconsequente!

— Que é que está acontecendo? - questionou Regina, como ninguém nos desse uma resposta.

— Eu não vou discutir com  você, temos problemas demais a essa altura - e Gancho considerou finalizada a discussão.

— Isso mesmo, fuja da responsabilidade! – se esganiçou a ruiva, tão irada que tinha as bochechas vermelhas – Se qualquer uma daquelas pessoas morrer não vou ser eu a lidar com esse peso nos ombros.

— Alguém pode me dizer o que está acontecendo? – Dean entrou na discussão, pois Zoe e Gancho pareciam  alheios a nossa presença.

— Pergunte ao Killian – respondeu-lhe Zoe –, afinal de contas, ele quase matou vocês todos também.

Todos encaramos Gancho que, sem graça, fitava o chão. Zoe cruzara os braços e me lançava um olhar que queria dizer “Não ouse ficar do lado dele agora”. Bem, se era mesmo verdade que Killian provocara o capotamento do carro, eu nada podia dizer para defendê-lo.

— Certo, agora vou ser o pária do grupo e condenado por um erro – resmungou ele, mudando o peso do corpo de uma perna para a outra, inquieto. 

— Um erro que você podia ter consertado, mas não quis – pronunciou-se Belle, sentada à beirada da ambulância, ainda recuperando-se dos sustos que passara.

—  E O QUE É QUE NÓS TERÍAMOS FEITO, NO MEIO DA VIA, SEM COMUNICAÇÃO, PERSEGUIDOS POR UM ENXAME DE INSETOS?

— Não grite comigo! – Belle praticamente enfiou um dedo na cara dele, raivosa demais para ter autocontrole – Usar nossos problemas como justificativa não o livra da culpa de negar socorro!

— Pois qualquer motorista prudente sabe que sua segurança vem em primeiro lugar! Não se presta socorro se não se tem condições para isso!

— Esqueça, Belle, ele vai argumentar de todas as formas... – Zoe balançou a cabeça, estressada. Esperando que a ruiva fosse atacar Killian, Dean se meteu entre os dois, tentando acalmar a situação; acabou por irritar ainda mais a moça, porém, ao tentar afastá-la para uma distância segura – NÃO OUSE ME ARRASTAR PELO PUNHO! Não queira ver uma bruxa estressada!

— Ah e você vai fazer o quê? – Gancho provocou, ainda que eu o lançasse um olhar de advertência – Lançar bolas de fogo em nossa direção? Se sequer teve a capacidade de afastar moscas...

— NÃO ME PROVOQUE, JONES! E vá tomar no cu!

— Ô, parou a baixaria! – Regina resolveu dar apoio moral ao Winchester, ela mesma já extremamente irritada pela situação – Temos coisas mais importantes com as quais lidar. Ou vocês esqueceram que estamos correndo risco de morte? Aquiete o facho, Zoe! Não queira perder a razão atacando o Killian.

A ruiva finalmente perdeu a pose defensiva, afastando-se. Foi sentar-se na ambulância, de braços cruzados e expressão arrogante.  

— Ruby, seu celular ainda funciona – completou Regina, que, apesar das dores, parecia estar tomando a liderança  – Tente contatar David e os outros, espero que tenham conseguido se abrigar.

Assim o fiz, enquanto rapidamente nos organizávamos para ir numa missão, que eu sequer sabia qual era, mas concordara prontamente em participar.

— Nenhum dos três está disponível – informei, frustrada por ouvir uma gravação chiada e engessada me perguntar pela terceira vez se eu gostaria de deixar um recado na caixa-postal – Deixei recado para David, espero que retorne o quanto antes. Aonde é que estamos indo?

— De lá do estacionamento do parque, Mary e eu vimos de onde veio o enxame. – explicou Zoe, checando a munição de que dispunha – Estávamos discutindo a possibilidade de as pragas estarem nascendo da floresta quando tivemos de sair correndo. 

Dean verbalizou meu pensamento.

— Peraí, como assim “nascendo da floresta”?

— Não literalmente da floresta, mas de alguma fonte de energia. Pensei que talvez o altar estivesse aqui, já que os sapos apareceram primeiro nessa região. De qualquer modo, não sabemos a localização exata do que quer esteja aqui, mas calculamos que estejamos perto.

— Certo – falou Regina, engolindo dois analgésicos de uma vez só – August, tenho uma tarefa importantíssima para você: ficar aqui e tomar conta de Alexa, Ian e Archie.

— Desde que alguém me faça companhia – concordou ele, olhando de Graham para Gepeto e de Gepeto para mim.

— Nem olhe pra mim – foi dizendo Grammy –  já aturei os guinchos de Archie o suficiente.

— Ei! – protestou Archie, meio consciente meio sonolento, bandagens estancando o ferimento em sua perna.

— Gepeto fica! – falei, antes que qualquer um me impusesse a tarefa – Já tive traumas suficientes envolvendo ambulâncias!

***

05h36min

Em meio à floresta boreal

 

— Você me considera culpado, Ruby-Loob?

— Bom, você foi um tanto negligente, mas não posso julgá-lo. Não sei o que faria em seu lugar.

— Está bem, eu reconheço que devia ter feito alguma coisa, mas simplesmente... simplesmente não soube o que fazer. Havia muito com o que lidar ao mesmo tempo.

— Por agora, melhor esquecermos isso. Tenho certeza de que os ocupantes do carro estão bem.

— De todo modo, terei de arcar com o prejuízo...

— É essa a sua maior preocupação? – Belle olhou para trás, com indignação estampada em todos os poros do rosto – Francamente! O que foi que deu em todos os homens? Egoístas e babacas! O Gastão não era nem um pouco assim...

— Ah, um santo ele era! – debochou Killian, afastando bruscamente os arbustos para que eu passasse – Você devia ter ficado na ambulância, Ruby-Loob, embora, devo admitir, acho sexy tê-la como parceira de caçada.

Balancei a cabeça, soltando um risinho. Belle arfava em exaustão, diminuindo de quando em quando o ritmo da caminhada. Toda a água potável virara em sangue, de modo que nossas garrafas e cantis se mostravam inúteis. Ao menos o ar úmido da floresta nos refrescava.

Me peguei pensando nas pessoas que, além de nossos amigos, ainda estavam no parque: os Price e a senhora Delgado, que Regina e Mary convenientemente haviam colocado para dormir no posto policial. A porta fora fechada e protegida por feitiços, o que talvez tivesse prevenido as moscas de entrarem, mas estariam protegidos da sétima praga? Uma que, eu sabia, seria terrível? Tínhamos de nos apressar; nós mesmos nos encontrávamos muito expostos àquela que poderia ser a nossa morte.

Nos dividirámos em grupos de busca, de modo a aumentar as chances de encontrar o altar rapidamente e, de quebra, evitar sermos todos pegos por um dos deuses. Esperavámos que não fossem tão burros a ponto de deixar o altar desprotegido, de modo que, sabíamos, devíamos estar preparados para qualquer circunstância.

Depois do que me pareceram uns cinco minutos de caminhada, topamos com a visão de Dean, de cócoras por trás de um tronco vasto caído em meio a uma clareira. Como pisássemos em folhas secas, sua atenção foi desviada para a nossa chegada. Ele imediatamente levou o indicador aos lábios, gesticulando para que nos aproximássemos o mais silenciosamente possível. Nos abaixamos conforme nos apróximavamos do tronco e, tão logo o alcancei, vi o que o loiro estivera observando: a certa distância, Zoe se agarrava a Anúbis, o deus chacal. A máscara preta com detalhes em dourado – que eu o vira usar na van – se encontrava a seus pés. A cabeleira de Zoe ocultava o rosto dele; tudo o que consegui ver é que a ruiva era agarrada pela cintura por seus braços musculosos.  

— Ela só pode ter sido enfeitiçada – sussurrou Dean, balançando a cabeça – Não beijaria um deus canibal em sã consciência.

Arqueei as sobrancelhas, um tanto descrente.

— Será mesmo? Talvez ela não recusasse uma oportunidade dessas, já pensou? Bem poderia tentar seduzi-lo e enganá-lo, de modo a descobrir as fraquezas dele.

— Por mais persuasiva que ela possa ser, um deus desse porte não se deixaria enganar. – replicou Belle, agachada ao meu lado – Estamos falando de Anúbis, o deus do embalsamento. Não vamos nos esquecer de que múmias são sua especialidade. Eu não gostaria de ver Zoe em um sarcofágo... ela não seria tão burra a ponto de enfrentá-lo sozinha...  

— Será que esse beijo é infindável? – as orelhas de Dean estavam rúbeas e os nós de seus dedos se retesavam conforme ele apertava os punhos – Estão se agarrando desde muito antes de vocês chegarem...

— Eu diria que é uma vantagem ele se interessar por ela – ouvi Gancho comentar baixinho para Belle – Convém deixarmos a ação tomar seu curso natural.

— E deixar a garota ser levada?! – indignou-se Dean, dilatando as narinas – Eu é quem não vou salvá-la depois, estou avisando.

— Tem ideia melhor? – questionei, ao que ele balançou a cabeça – E como foi que ele a abordou, pra começo de conversa? Achei que vocês tivessem concordado em ser uma dupla e se ajudar.

— Ah, ela ficou toda nervosinha e quis se virar por conta própria. Deu no que deu... Não me olhe assim, a culpa não é minha se vocês vivem em constante estado de irritação.

Eu bem teria socado aquela expressão de arrogância no rosto dele, não fosse a necessidade de nos manter em silêncio.

Por fim, se separando, o casal beijoqueiro deu sinais de movimentação. Anúbis apanhou do chão a máscara, ao mesmo tempo em que tomava Zoe por uma mão. Ela se deixou levar tranquilamente, como quem toma um passo arriscado ou, simplesmente, não tem controle sobre as próprias ações. Enferrujado, Dean se ergueu queixando-se de cãimbras, nos apressando a seguir o casal. Me deixei ficar para trás quando meu celular vibrou no bolso, desta vez em modo silencioso. Era David, retornando a ligação que eu fizera há pouco.

Ruby, em que parte da floresta vocês estão? Só tenho alguns segundos antes de a bateria morrer.

— Não sei dizer, mas descobrimos Anúbis, e em breve, espero, retornaremos ao parque. Como estão Gold e Bae?

Estão bem, estão comigo. Nos abrigamos dentro de um banheiro. Lá fora está uma barulheira infernal de rãs e moscas— de fato, eu conseguia ouvir um rúido estático, que até então considerara ser uma interferência na linha, somado ao canto ritmado das rãs – Não há muito que possamos fazer, estamos pensando se vale a pena sair no pandemônio, temos medo das doenças que as varejeiras podem trans...

— David? Alô?

...do que é que vocês precisam? Rápido, só tenho mais uns segundos...

— Fiquem onde estão, nós temos a situação sob controle... David? A ligação caiu, deve ter acabado a bateria.

— O que ele disse? – perguntou Killian. Dean já se afastara e Belle se abanava com uma folha grande e amarelada enquanto nos esperava.

— Que estão em segurança num banheiro. Vamos, nossa preocupação mais imediata é Zoe.

Nos apressamos em alcançar Dean, que seguia Anúbis e Zoe de perto. Sorte a nossa que por ali não havia muito o que denunciar nossos passos, com exceção de raízes salientes nas quais poderíamos tropeçar se não observássemos o caminho à frente. O loiro parou quando os outros dois pararam. Cada um de nós se escondeu por trás de uma árvore e discretamente espiei por entre a vegetação arbustiva que nos separava do casal.

Havia uma choupana rudimentar de madeira. Não era muito diferente das cabanas de bruxa que se vê nos filmes, sinistra e caindo aos pedaços. Fiquei pensando se era ali que Anúbis tomaria Zoe como dele ou se seria ingenuidade pensar que ele a manteria viva como uma amante. Bem sabia que o chacal era casado com a deusa Anput, como apontara um dos livros que eu surrupiara na faculdade. Imaginei que a tal deusa não fosse gostar nada de uma traição vinda de um ser humano, raça que eles, os deuses, bem consideravam inferior, ainda que o alimento que os supria.

Expressivamente preocupada, Belle parecia pensar o mesmo.

— Nós temos de agir agora. – disse a mim – O cenário não é nem um pouco promissor para Zoe, você já percebeu isso, não é?

— O que é que podemos fazer? – respondi, minha cabeça a todo vapor, procurando uma saída – Nenhum de nós tem poderes sobrenaturais e Regina e Mary sequer estão pelas redondezas...

— Eu diria que podemos arriscar... – Gancho lascava com um canivete a ponta de um galho de árvore, de forma que ele se tornasse o equivalente a uma estaca – Não vai servir para matá-lo, mas talvez o obrigue a abandonar esse corpo, o que nos daria algum tempo.

— Você não vai, sua mulher está grávida – decidido, Dean estendeu a mão para a estaca – Algo acontece comigo, vocês me largam aqui e voltam ao parque, entendido?

— Quando foi que você se tornou o líder? – Gancho assumiu sua postura de arrogância – Ruby e eu estamos protegidos por um feitiço, o máximo que pode me acontecer é um arranhão no braço. Fiquem aí, eu vou sozinho.

— Killian, e se não funcionar? – Belle o deteve quando ele fez menção de se esgueirar até a choupana, na qual, a essa altura, o casal já se encontrava oculto de nossas vistas – Anúbis não poderia machucar você, mas Zoe estaria na mira.

— Bem, então talvez precise de uma distração – eu disse, finalmente formulando o que poderia ser um plano bem-sucedido – Faremos ele sair da choupana por tempo suficiente para que Dean entre e tire Zoe de lá. Eu posso ser a isca, outra vez. Killian enfrenta Anúbis com a estaca. Nesse meio tempo, Belle atiça fogo na choupana, destruindo o altar.

— Você só está se esquecendo de uma coisa – replicou Belle, um tanto angustiada pela situação –, os adoradores! Se estiverem lá, não será apenas Anúbis contra nós quatro.

— Ele não levaria Zoe para uma choupana coalhada de gente pirada – Dean contestou – Mesmo que fosse o caso, são religiosos fanáticos, não teriam o que usar contra nós.

— É o melhor que nós temos – Gancho me lançou um olhar confiante, sinalizando que acreditava em mim e no que eu acabara de propor, por mais arriscado que fosse – Muito embora eu não goste da ideia de você ser a isca outra vez, Ruby-Loob, é o melhor que nós temos.

Embora Belle continuasse a contestar, levei o plano a cabo, colocando meu celular para tocar como acontecera na Arquivologia. Anúbis levou apenas sete segundos para deixar a choupana, procurando a raiz do som. Permiti que ele me visse, fingindo ter sido pega de surpresa. Quando ele furiosamente partiu em minha direção, corri floresta adentro, driblando as raízes e árvores que se interpunham em meu caminho. No entanto, havia um furo no plano: desconsideramos que, sendo um deus, ele era provido de maior velocidade. Quando notei que seus passos estavam mais próximos do que eu calculara, percebi tarde demais que Killian não conseguira alcançá-lo a tempo.

— Venha aqui, garotinha! – ele cantarolava calmamente, feito um lunático a perseguir sua presa – Onde foi que você se escondeu?

Imóvel por trás de uma árvore estrondosa, prendi a respiração, esperando que a essa altura Zoe estivesse em segurança, que Belle ou Dean ateassem fogo no altar e que Anúbis passasse por mim sem me notar. Incerta do que poderia ter acontecido, aguardei o desenrolar dos fatos, confiante de que estaria imune e segura. Os passos de Anúbis se aproximavam; me retesei quando a voz dele percorreu minha espinha dorsal, me arrepiando dos dedos dos pés até o último fio de cabelo.

— Garotinha inconsequente! Achou que eu não fosse te achar aí? Convenhamos que isto é menosprezar a minha divindade – ele sibilou, me arrancando de trás da árvore com uma força duas vezes maior do que um homem normal teria deslocado.

— KILLIAN! – berrei, antes que Anúbis me arrastasse para o chão, minha cabeça surrando uma raiz com a brusquidão do movimento.

Frente à frente com o chacal, agora via de perto a forma física que adotara ao possuir um corpo: um rapaz atraente, de uns vinte e pouco anos, pele bronzeada e sorriso sedutor. Trajava unicamente uma saia drapeada de linho branco e tinha a cabeça raspada, como era costume entre os egípcios.    

Lutei com todas as minhas forças, mas ele me prendeu com o próprio peso, me calando com um beijo afobado. Prendi a respiração quando forçou meus lábios com a língua, sugando a minha boca com voracidade. Pensei que a tortura nunca mais teria fim, até que ele finalmente cedeu o aperto, abandonando o beijo.

— KILLIAN!

— Não funcionou! – Então era assim que se dava sua persuasão, alguma espécie de encantamento por saliva. Surpreso, o deus chacal fez menção de tentar novamente, mas o impedi com meus berros, fato que o perturbou o suficiente para que me acertasse um soco na mandíbula – Cale-se!

Senti meu rosto deslocar para o lado, mas o choque do impacto não trouxe qualquer reação similar à dor. Ao invés, berrei com mais fúria. Sem compreender, Anúbis me agarrou pelos pulsos.

— O que é você?! Que espécie de vil criatura acha que pode me vencer?!

Ele estava com medo. Sabia que, não podendo me ferir, estava vulnerável. Sem aviso, me virou de barriga para baixo e, com um único puxão, rasgou parte do vestido que cobria meu ombro.

— Não é primogênita! – sibilou, erguendo-se – Eu sabia! Você é descartável.

Fui arrastada pelos pés com tal agilidade que mal tive tempo de tentar lutar. Segundos depois, um borrão se chocou contra Anúbis com um baque seco e duro. Ele largou as minhas pernas e se atracou com o atacante, que não era outro senão Killian. Vi meu noivo ser lançado contra uma árvore, derrubando a estaca na manobra. Anúbis se aproveitou de sua queda para dispensar socos e chutes em seu corpo. A arrogância de Gancho veio à tona: gargalhando, ele debochou da ingenuidade do deus.

— Nós podemos continuar com isso por horas a fio sem que você nos produza um único ferimento.

— O que diabos são vocês?! Que tipo de bruxaria é essa?

— Nós somos vampiros – retruquei, recompondo-me e assumindo um ar de superioridade – Nós já estamos mortos e não temos nada a perder.

— Não minta pra mim, garotinha— ele mantinha Killian preso ao chão com a força de uma única perna; a rústica estaca se encontrava apontada para o belo rosto de Gancho, sua ponta fina perigosamente perto de seus olhos – Vocês não cheiram a sugadores... São mortais comuns protegidos por artíficios sobrenaturais... Mortais comuns como os mortais que trouxeram a tiracolo e que eu ficarei especialmente feliz em dissecar...

— NÃO PODE DISSECAR MORTOS DO INFERNO! – berrou a voz de Regina, ao mesmo tempo em que uma lufada de ar me atirou ao chão.

Quando dei por mim, uma vara alongada cortava o ar acima de minha cabeça; zunindo feito um projétil, atingiu Anúbis no meio do peito, prendendo-o a um enorme tronco de aparência porosa e extremamente difícil de perfurar. Debatendo-se, ele soltou um guincho odioso e cheio de veneno, maldizendo Regina de todos os nomes feios que conhecia.

— Regina, eu nunca te amei tanto quanto agora! – do chão, Killian comentou, abismado.

— Não temos tempo para elogios, Gancho! – ela vociferou, irada, embora sorrisse de lado – Encontrem a merda do altar enquanto eu mantenho esse ser ignóbio ocupado.

Só tive tempo de ver Anúbis se munindo de forças para tentar se soltar do tronco; seu peito sangrava, mas ele não parecia menos forte do que antes. Killian e eu rapidamente cortamos o caminho de arbustos e raízes embaraçadas até a choupana, cuja porta Dean tentava arrombar aos chutes.

— Não acredito que ainda não a tiraram de lá! – Gancho berrou, extremamente nervoso.

— Ele lacrou as entradas com um feitiço! – esganiçou-se Belle, tão agitada que havia rodelas de suor sob seus braços.

— Precisamos da Regina! – Gancho deu meia volta.

— Killian, nã... – bem tentei impedi-lo. Sem Regina contendo Anúbis, nos arriscávamos a não conseguir tirar Zoe com vida. Killian, porém, se afastou tão rápido que não valia a pena segui-lo.

— Está bem – eu disse, me aproximando da choupana – Talvez a Zoe consiga romper o feitiço por dentro.

— Ela não responde! – Dean era um misto de preocupação e desespero, mas não abandonara a expressão de bravura – Ele não a mataria, não é? Não a selaria aí dentro se ela estivesse morta...

— Não, Dean, é claro que não – espiei por uma fenda entre as tábuas que compunham a estrutura da parede. Havia pontos de luz, chamas de velas vermelhas. Divisei os contornos do que parecia uma lápide de pedra gasta e alguma coisa que se encontrava aos pés da mesma. Em um rápido exame, constatei que era Zoe, mas a iluminação dentro do cômodo escuro não era suficiente para me permitir ver seus movimentos. Era difícil dizer se ela ainda estava com vida.

— Ruby! Belle! – Mary vinha esbaforida, os cabelos soltos se avolumando às suas costas. Grammy a alcançou pouco depois, ele mesmo com aparência de quem estava prestes a desmaiar – Nos perdemos na floresta! Regina se irritou e tomou outra direção...

— O que é esse lugar? – Graham respirava rapidamente, arrastando o suor do rosto com o braço.

— Zoe está presa aí dentro! – Dean ainda tentava, inutilmente, arrombar a porta – Precisamos de magia para libertá-la!

— Mary! – Regina chamou, com Killian em seus calcanhares – Killian disse que há um feitiço.

— Talvez nosso esforço conjunto consiga burlar parte dele – respondeu Branca, afastando Dean e espalmando as mãos na porta. Regina repetiu o gesto e, por um momento, as duas pareciam avaliar a magia no local.

— Isso é magia antiga... – Regina trocou um olhar com a prima – Ísis...

— O Grimoire ficou no parque – Mary gemeu.

— O Grimoire não seria páreo para essa vadia! Isso é magia negra.  Não entendo... Anúbis não saberia lançar um feitiço desses...

— Ele é um deus, ! – fez Gancho, fitando a Rê como se ela fosse débil mental.

— Deuses não manipulam feitiçaria! Ísis é um caso à parte. Nunca houve registro de que outros deuses soubessem usar encantamentos e feitiços. E, ao contrário do que se pode imaginar, Ísis não ensinaria a Anúbis como fazê-lo... ela não arriscaria dar poder a um homem, ou a quem quer que fosse...

— Ora, talvez ela tenha achado conveniente ensinar um feitiço ou outro – sugeriu Gancho, ao que a Rê balançou a cabeça e abriu a boca para contestar, mas fui mais rápida.

— E se não foi Anúbis? – todos me fitaram – E se foi... a própria Zoe?

Regina parecia considerar essa hipótese, embora parte de sua expressão fosse de dúvida.

— Talvez... Anúbis a tenha forçado... – continuei – Eu quero dizer, ele a colocou sob um estado de transe persuasivo; tentou o mesmo comigo. Zoe não poderia ter lutado contra ele; foi por isso que ela obedeceu prontamente quando ele saiu ordenando que ela lacrasse as entradas... Talvez, se tentarmos tirá-la do transe...

— Como? – Mary se voltou para Regina, esperando que a experiência da prima lhe desse uma resposta. Sem fala, a Rê se limitou a encarar os próprios pés.

— Eu não sei... desta vez... eu não sei...  

— Um esforço, Rê, sim? – Dean implorava com os olhos – Cada minuto é vital para aquelas crianças. E para Zoe.

— E se a estimularmos a despertar do transe? – sugeri, me aproximando outra vez da fenda. Espiei lá dentro, mas as velas estavam se consumindo rapidamente; em breve, tudo estaria em completa escuridão.

— Eu já tentei, Ruby! – suspirou o loiro – Ela não está escutando...

Regina pôs a mão no meu ombro. 

— Ruby, como é que ele a colocou sob transe?

— Um beijo! Nós vimos os dois se agarrando... Ele me beijou na floresta, mas o feitiço de Joana impediu a minha manipulação.

— Aquele sujeitinho te beijou? – Killian trancou a mandíbula, irritado.

— Tá, Gancho, sei que burlaram a inocência da sua flor, mas não ouse enfrentar Anúbis por puro descontrole emocional – Regina parecia à beira de um colapso, tal era a responsabilidade posta em suas mãos; querendo ou não, ela era a única que tinha algum poder páreo ao de Anúbis – Um beijo...

— Saliva! Encantamento por saliva – eu disse, praticamente ao mesmo tempo em que esse pensamento me veio à cabeça – Eu diria para que a fizessemos vomitar ou algo assim, mas já que...

— RUBY! – o queixo de Regina parecia prestes a desprender do rosto, tamanha a surpresa com que ela abriu a boca – É melhor rezarem pra que isso funcione!

A meu lado, Gancho me lançou um olhar de encantamento, como se fosse  a primeira vez que me via na vida. Fingi não perceber, porque Dean me encarava com o mesmo ar abobado, fato que me deixou constrangida.

Espiando por uma fresta, Regina começou a murmurar palavras em latim acelerado. Me parecia que ela estava dizendo algo como “expulse, ó corpo, expulse suas entranhas”. Ouvimos o som abafado de Zoe se engasgando e contorcendo. Dean se agitou contra Regina, quando os ruídos de Zoe demonstraram que ela agonizava:

— Pare! Vai matá-la sufocada! – ele a agarrou pelos ombros, mas a mulher continuou a murmurar, mesmo quando o Winchester a calou com uma mão em sua boca – Ai! Sua filha... Ela me mordeu!

— REGINA, PELO AMOR DE DEUS! – Mary tentou interceder, mas, por fim, Regina alcançou êxito.

As chamas das velas tremularam ante a movimentação de Zoe, que, sufocando, virou a cabeça de lado e vomitou com furor. Tossindo repetidas vezes, arfou em buscar de ar e, ainda fora de si, ergueu-se trôpega procurando uma saída.

— Zoe, depressa! – berrou Regina, com os lábios grudados à fresta.

— Regina? É você? Ai minha cabeça... O que está acontecendo? Estou...estranha

— Zoe, você foi enfeitiçada por Anúbis e se trancou aí dentro! – Dean gritou, mesmo sem poder vê-la – Sai logo daí, temos mais o que fazer além de resgatar a mocinha!

E pensar que, minutos antes, ele se preocupava com a possibilidade de ela estar morta...

— Enfeitiçada? Ah, tenho uma vaga lembrança de Anúbis estar...

— Prima! – guinchou Regina, quando Zoe se aproximou da porta o suficiente para que a luz que entrava pelas fendas a iluminasse – Por que está pelada?!  

Dean imediatamente procurou um buraco pelo qual espiar, mas Regina o agarrou pelo colarinho.

— Vista-se logo, menina, eu vou lidar com o vagabundo que a assediou!

— Espere, destruir o altar pode privá-lo de poder, Regina – Mary a segurou pelo punho, talvez porque temesse pela segurança da prima, enfrentando Anúbis sozinha.  

— E se esse não for o altar dele?

— Por que mais ele estaria aqui, se não fosse? – falei, enquanto Zoe vagarosamente se vestia, após ter encontrado suas roupas dobradas a um canto.

— Zoe, sai logo daí! – Dean girava a maçaneta, como se esperasse que a ruiva estivesse suficientemente consciente a ponto de já ter removido o feitiço que a cerrava.

— Acalme-se, rapaz! – ela respondeu, aérea, caminhando em direção à porta. A fechadura destrancou com um estalido e a melhor versão de Zoe saiu para a luminosidade, tapando os olhos com as mãos.

— Zoe! – o queixo de Regina caiu pela segunda vez; ela pegou a irmã de raça pelos ombros, avaliando sua aparência – Mas você está ótima! Meu Deus, achei que uma moribunda fosse caminhar porta afora.

— Está fedendo a vômito! – Dean torceu o nariz.

— Eu sou uma rainha – respondeu ela, com a maior naturalidade. Sua pele aparentava estar mais sedosa, assim como seu cabelo, que assumira uma cor mais vibrante – Ele me despiu e pôs aos pés do altar sagrado... ele disse que meu corpo tinha de ser purificado e preparado...

— Purificado e preparado para o quê? – perguntou Ganchou, curioso, ao que Dean, adentrando a choupana, interrompeu:

— Não interessa! Vou logo destruir essa merda!

Parei à porta, espiando. Agora era possível ver com mais clareza a lajota que parecia uma lápide. Era, na verdade, uma placa de pedra esculpida com a figura de uma pena – que, como constatei, representava a pena da verdade. Até onde eu sabia, Anúbis era o juiz dos mortos; pesava numa balança o coração do réu: se fosse mais leve do que uma pena, era enviado ao além, onde governava Osíris; no entanto, se fosse mais pesado, era considerado pertencente a um ser maligno, sendo então devorado pelo deus-leão Ammit.

Dean derramava líquido de uma frasqueira na placa. Nesse meio tempo, Zoe tentava se lembrar das palavras exatas de Anúbis, qualquer coisa que nos beneficiasse com pistas.

— Regina, o altar não queima! – alertou o loiro, quando o fogo percorreu e chamuscou a placa, apagando-se em seguida.

— É claro, seu idiota, não é assim que se faz! – Regina ergueu a mão para a placa, uma rachadura atravessou a mesma, separando-a em duas partes; ela atirou os pedaços no centro do círculo de velas – Se afastem, vou impulsionar o incêndio para ser mais efi...

Um grito horrendo me arrepiou a espinha. Girei o pescoço a tempo de ver que Anúbis se deslocava em nossa direção, mais especificamente para Mary e Graham, que de certa forma confortavam Zoe no que eles achavam que havia sido uma experiência traumática. Belle e eu guinchamos ao mesmo tempo, aterrorizadas pelo fato de que parte da estaca se projetava do corpo de Anúbis. Reagindo instantaneamente, Graham fez menção de empurrar as outras duas para fora do caminho de Anúbis, mas este foi mais rápido e, em seu tresloucamento de fúria, se atirou por cima de ambos Grammy e Branca.

No segundo seguinte, Mary soltou o berro mais apavorante que eu já ouvira na vida. Anúbis gargalhou com gosto, enquanto Dean e Regina se precipitaram porta afora, esta última em choque.

— Mary! Mary! – ela se dirigiu, trôpega, ao amontoamento que eram Anúbis, Grammy e Branca. Esta última, caída por cima de Graham, arquejava sofregamente, ofegando em busca de ar.

— Ingênuos mortais não são páreo para os Cinco Grandes – Anúbis gargalhou, sua voz soando mais grave e rouca do que o normal.

— Mary! – Regina tentava remover Anúbis de sua posição; foi preciso um esforço conjunto de Dean e Gancho para contê-la.

— Não, Regina, é a estaca contendo o sangramento, não podemos removê-la.

— Mary! Mary...

— Meros mortais, meros comuns... – ria Anúbis, agora se impulsionando com os braços, de modo a levantar-se.

— Regina, o altar!

Ela não se mexia, caíra de joelhos, amparando a cabeça da prima, que não parecia muito distante de cair inconsciente.  

— Regina, por favor!

Mas Zoe já se adiantara e produzira um fogo azulado, que tomou as paredes da choupana com uma rapidez admirável. Muito embora incêndios produzissem uma quentura insuportável, esse era mais como um mormaço subindo do asfalto.  

— Meros mortais não são páreo para os Cinco Grandes! Destruir a lajota não destroi o Grande Anúbis! – ele se ergueu de um só impulso, a estaca prensada em Mary se movendo o suficiente para lhe causar uma dor excruciante. Agora livre do empalamento, o peito esburacado de Anúbis exibia uma cava grande o suficiente para que se visse parte de seu coração e pulmões. Ensanguentado, ele se ergueu mais forte do que nunca, dando a entender que era indestrutível.

— VÁ PARA O QUINTO DOS INFERNOS! – irada, Zoe enfiou a mão pelas costas do deus chacal, lhe arrancando o coração de um só puxão. Ela esmagou o órgão com ambas as mãos, fazendo jorrar sangue para todo lado. Anúbis desabou de joelhos, moribundo. Segundos depois, uma fumaça preto-azulada se ergueu de seu corpo e, serpenteando, desapareceu rapidamente na floresta. Zoe atirou ao chão a maçaroca pastosa e viscosa de sangue e carne em suas mãos – Desgraçado!  

— Mary! Mary, fique consciente! – Graham deu tapinhas no rosto dela, para que não desmaiasse – Tragam uma maca! Ela tem de ser levada imediatamente!

Dean e Gancho, finalmente reagindo, correram floresta adentro em direção às ambulâncias.

— Zoe, tem que haver algo que você possa fazer! – praticamente implorei, trêmula e em prantos.

— Mesmo com magia negra... Um ferimento dessa magnitude...

A estaca atravessara a lateral do tronco de Mary, errando Graham por poucos centímetros. Não que ele fosse sentir alguma coisa, mas estaria empalado também. Pela localização da estaca, parecia ter atingido a região do rim direito. O ferimento não sangrava, mas eu podia apostar que causaria hemorragia interna.  

— É minha culpa, minha culpa... Eu devia saber... Eu devia...

— Regina, você jamais poderia ter previsto...

— Eu enfeiticei a estaca... Um feitiço de aprisionamento... não era o bastante para contê-lo... Mary, não durma! Não durma! 

— Zoe, você arrancou um coração com a mão – novamente, lá estava eu sugerindo o que me vinha à mente sem me questionar se era viável expressar minhas ideias – A estaca pode ter atingido o rim...

— Quer que eu arranque o rim danificado?! Você só pode estar louca! Eu a mataria na manobra.

— E se for o melhor que temos? – Graham contestou, mantendo Mary imóvel ao segurar seus braços em um aperto firme.

— Não! Ela vai para a emergência! – Belle se pronunciou, seu rosto lívido, porém austero - Ninguém vai performar uma cirurgia nessas condições, vocês estão loucos?!

E Mary concordava, pois, pouco antes de sua cabeça cair para o lado, inconsciente, ela balbuciou:

— Sim... hospital...  


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Notas finais do capítulo

Não se esqueçam daquele comentário como motivação. Obrigada e até o próximo!

Beijos da Mrs. Jones

https://fanfiction.com.br/historia/770517/Orquidea_Vermelha/



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