'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 10
O Espantalho & Os Irmãos Winchester


Notas iniciais do capítulo

Oieeee! Voltei! Sei que demorei, mas estava ocupada atualizando outras fics. Vocês nem podem reclamar, afinal os capítulos da Til We Die são sempre enormes e esse tem mais de onze mil palavras. Era pra ser um capítulo de terror, mas como não sou boa com essas coisas, virou uma mistura de comédia com aventura e romance kkkk. Espero que gostem mesmo assim. Usei o episódio 1x11 de Supernatural como base. Vou deixar o link no final pra quem quiser assistir (Recomendo que não assistam à noite se, tal como eu, forem medrosas e tiverem pesadelos kkkk). Ah e quem quiser entrar na fic é só falar, posso precisar de uns personagens mais pra frente. Acho que é só isso. Aproveitem a leitura e não se esqueçam de comentar, adoro saber o que estão achando. Beijos e até a próxima!



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Semanas haviam se passado. A neve derretera por completo, abrindo espaço para a primavera; o frio, porém, ainda não fora embora.

Nas últimas semanas, Gancho passara mais tempo nas estradas do que em casa. Coisas estranhas estavam acontecendo pelos Estados Unidos e ele tirava todo o seu tempo para investigar. Ele já passara por Connecticut, Maryland, Ohio, Virginia, Carolina do Norte e Carolina do Sul, Georgia, Tennessee, Indiana, Missouri e até pelo Texas. Não sabia como aquele carro velho ainda agüentava rodar por tanta estrada. Com isso, é claro, mal nos falávamos, embora ele ligasse todos os dias para dizer que estava bem.

Não vou mentir e dizer que não sentia falta dele. Porque eu sentia. Sentia-me estranhamente infeliz e solitária, mesmo quando um de nossos amigos aparecia para uma visitinha. E todo mundo percebia. Diziam que eu ficava diferente quando Killian não estava. É claro, nestas horas, eu apenas ria e fazia piada: “Imagina, nem sinto falta daquele imbecil”, dizia, mas obviamente, era bem fácil detectar a mentira.

Lá pelo inicio de abril, Killian voltou pra casa numa tarde quente de sábado. Ficou tão feliz por me ver que me sufocou num abraço e dançou comigo pela sala afora.

– Senti sua falta, Rubes! – disse ele, apertando minhas bochechas carinhosamente. Sorri envergonhada.

– Eu sei, todo mundo sente minha falta, não é? Brincadeira! Também senti sua falta... quero dizer, senti falta da companhia, não gosto de ficar aqui sozinha. – brincava com mechas do meu cabelo, nervosa.

Gancho sorriu, mas não disse nada. Ultimamente, tudo o que ele sabia fazer era sorrir.

– E então, novidades? – perguntou ele, largando o sobretudo de couro a um canto e jogando-se no sofá. Parecia terrivelmente exausto.

– Hum, nada de muito interessante... Você sabe, eu não tive nenhuma aventura desde o episódio do metamorfo. – fui para a cozinha. Preparava um bolo que aprendera com a vovó – Ah sabe que eu encontrei a Belle no supermercado? Ela parece bem, apesar de tudo o que passou.

– É, ela está saindo com o Gold.

– Está? – parei com a colher no ar, pasma. Até Belle conseguira superar a morte do namorado e eu ainda estava sozinha depois de cinco anos.

– Surpreendente, não? Isso prova que Gold é um tremendo sedutor. Ele precisa me ensinar umas técnicas...

Como se ele precisasse disso... Apenas sorri e me virei para colocar o bolo no forno. Quando me virei de volta, Killian me encarava sem piscar, como se estivesse num transe. Aquilo vinha acontecendo com freqüência desde a noite de Natal. É, você deve se lembrar, nos beijamos naquela noite...

– Mas e você? – indagou ele, levantando-se e vindo até a cozinha – Que tem feito?

– Nada de interessante, só meu trabalho. Aliás, patrão, quero que saiba que andei estudando. Me esforcei muito no último mês.

– É mesmo? – ele achou graça. Apanhou um refrigerante na geladeira e se sentou num dos balcões enquanto ingeria a bebida – Então vai saber o que é um djinn. Cacei um desses durante minha estadia em Ohio. Como é que se mata um djinn, Ruby-Loob?

Parei em meio ao ato de colocar as louças sujas na lava-louça. Desta vez ele tinha me pegado.

– Hum... seria com uma faca de prata?

– Imersa em sangue de carneiro – ele completou e balançou um dedo em minha direção – Precisa estudar mais!

– Sim, senhor! Ah, antes que eu me esqueça, um tal de Bobby Singer ligou na quinta-feira. Queria que você fosse até Dakota do Sul para tratar de negócios, então eu disse que você tinha saído a negócios e que provavelmente encontraria mais negócios pelo caminho. Aliás, vocês deviam usar outra palavra quando se referirem às caçadas, esse negócio de falar negócios já está muito batido.

Ele riu e desceu do balcão, bagunçando meu cabelo ao passar por mim.

– Certo! A partir de agora direi troços, ao invés de negócios. E então, que troço era este que Bobby queria que eu resolvesse?

– Ele não me disse, mas parecia coisa séria. Quem é Bobby, afinal de contas? Já ouvi vocês se referindo a ele.

– É um caçador mais velho e mais experiente do que todos nós. Mais experiente até do que Gold. – ele bocejou – Bem, vou dormir um pouco, antes que precise resolver mais troços. Boa noite, Rubes. – caminhou na direção do elevador, acenando – Oh, e guarde um pedaço de bolo pra mim.

***

Coisas estranhas estavam acontecendo pelos Estados Unidos. Crimes que não deixavam pistas, mortes bizarras, acidentes inexplicáveis... A polícia, na maioria das vezes, não chegava a uma conclusão exata. Nem mesmo os peritos e legistas. As investigações acabavam encerradas, casos que iam parar num arquivo empoeirado. Eles não sabiam como explicar. Nós sabíamos.

Assistia a um noticiário na manhã de domingo. As notícias eram deprimentes e entediantes. Fiz menção de mudar de canal quando o âncora anunciou nova reportagem. Não teria me interessado, não fosse o fato de já ter visto algo parecido. Pela quarta vez, em menos de dez dias, o jornal chamava atenção para o fato de outro desaparecimento ter acontecido pelas redondezas de Burkittsville, em Indiana.

Eu me lembro deles – dizia uma entrevistada, após o repórter lhe mostrar uma foto do casal desaparecido – Estavam perdidos e pararam para pedir informação, então indiquei o caminho da interestadual e eles foram embora.

Killian saiu do banheiro enrolado numa toalha. Teria apreciado a paisagem, não fosse o fato de estar tão pensativa.

– Ei, venha ver isso – chamei e ele se sentou ao meu lado, franzindo a testa para a reportagem.

– Um casal sumiu, e daí?

– E daí que eles são o quarto casal desaparecido nas proximidades de Burkittsville. Eu tenho visto o jornal, sabe, e outros três casais desapareceram do mesmo jeito: ficaram perdidos, pararam para pedir informação e adivinhe só... horas depois, desapareceram como fumaça. Não é muita coincidência? Quer saber? Há algo de errado em Burkittsville.

Ele me olhou impressionado e então sorriu em aprovação.

– Você está ficando esperta! Tem razão, há algo de errado. Que tal pesquisar sobre isso enquanto eu me visto?

Eu não ia me importar muito se ele resolvesse usar só a toalha como vestimenta, mas, obviamente, não disse nada, de forma que ele sumiu no elevador.

Nos últimos tempos, pesquisar era a coisa que eu mais fazia, já que Gancho estava tão engajado em suas caçadas. Ele me ligava quando precisava de informações sobre criaturas e então eu fazia o possível para ajudá-lo. Devo dizer, estava adorando o emprego de assistente, e não apenas pelo ótimo salário, pelas amizades que criara ou pelo fato de ter um patrão charmoso e gatíssimo. O que tornava aquele emprego compensador era o fato de que, de um jeito ou de outro, eu ajudava a salvar vidas.

Quando Killian retornou, me encontrou sentada no sofá com seu velho notebook no colo. Tentava encontrar algo que nos ajudasse, mas não havia muita informação sobre Burkitsville ou os casais desaparecidos.

– E aí, encontrou alguma coisa? – ele se sentou do meu lado e me desconcentrei por um momento, ao notar que ele usava shorts e regata.

– Não, nada que nos dê pistas. – passava os olhos pela tela, procurando por informações úteis – Sabia que Burkittsville tem pouco mais de duzentos habitantes? Fica no meio do nada.

– Acredite, cidades pequenas são as piores. – ele colocou a mão por cima da minha no touchpad e então desceu a página para ler o resto das informações. Enrubesci pelo contato e afastei a mão – Hum, não vamos encontrar nada aqui. Sabe de uma coisa? Acho que devíamos ir até lá pra investigar.

Devíamos? No plural? Você é o caçador, esqueceu? Sou apenas a pesquisadora.

– Eu sei, baby, acontece que casais estão desaparecendo e não vou descobrir nada se for sozinho.

– Está sugerindo que finjamos ser um casal para descobrir o que está acontecendo? – eu não teria problema algum fingindo ser namorada dele, já fizera aquilo outras vezes. O que me preocupava era correr perigo outra vez. Ou até pior, ser usada como isca outra vez.

– Exatamente! Como eu disse, não vou descobrir nada se estiver sozinho. Se alguma coisa pegou aqueles casais, vai tentar fazer o mesmo conosco.

– Você ficou doido? – estava pasma – E se for um serial killer ou algo do tipo?

– Um serial killer? Em Burkittsville? – Killian sorria, achando graça.

– Ora, nunca se sabe, não é? E se ele tem um padrão para matar? Talvez ele tenha tido uma desilusão amorosa e agora tenta se vingar de casais apaixonados que se perdem pelo caminho. Não ria!

– Está ficando esperta, Ruby-Loob! – disse ele, rindo e balançando um dedo em minha direção – Mas, se quer saber, não acho que seja coisa de um serial killer. Sendo assim, só investigando para descobrirmos.

Cruzei os braços, deixando claro que não estava gostando daquilo. Ele me lançou um olhar penetrante, erguendo uma sobrancelha como se dissesse: “Você não tem escolha!”.

– Prefere ficar aqui sem nada para fazer? – perguntou, levantando-se do sofá – Você por acaso já esteve em Indiana?

– É claro que sim, uma vez...

– Pois então não conhece metade daquele estado. – ele se afastou em direção à cozinha, caminhando descalço – Não quer sair numa aventura? Te levo no zoológico de Indianapolis se for boazinha.

Soltei uma risada, imaginando um caçador e sua assistente passeando pelo zoológico como duas pessoas normais.

– Mas, Killian, são dois dias de viagem. – contrapus.

– Então faça as malas!

***

Horas depois

– Alejandro, Alejandro, Ale, Alejandro, Ale, Alejandro!

– Pelo amor de Cristo, quer parar com essa cantoria? – gritei, praticamente jogada no banco de trás.

Depois de duas horas e meia dentro de um carro, arrependia-me amargamente por ter topado fazer aquilo. Killian cantava para me irritar e gargalhava alto quando eu ralhava com ele. Agora que ele resolvera bancar a Lady Gaga, minha vontade era mandá-lo voando pela janela.

– Calminha, Rubes! – ele ria, me olhando pelo retrovisor – Por que tanto estresse? A viagem mal começou...

– Mal começou e a Killian Gaga já está me irritando.

Ele começou a rir e dali a pouco estávamos gargalhando feito idiotas. Pulei para o banco da frente e fiz menção de tocar no rádio, mas ele segurou minha mão, dizendo que gostava mesmo da música Alejandro.

– Que gay! Desde quando você gosta desse tipo de música? – arqueei as sobrancelhas.

– Desde sempre, oras. Ei, dá pra fazer uma versão com seu nome, sabia? Ruby-Loob, Ruby-Loob, Ruby, Ruby-Loob, Ruby, Ruby-Loob… - cantou no ritmo da música e não pude evitar uma risada. Desde que usara aqueles apelidos pela primeira vez, não parara mais. Não vou mentir, eu amava quando ele me chamava por apelidos.

– Ei, que tal pararmos pra um lanchinho? Preciso esticar as pernas.

– Como quiser, senhorita.

Paramos num restaurante temático de beira de estrada. O nome era Pérola Negra, como o navio de Jack Sparrow, em Piratas do Caribe. Killian, nem preciso dizer, amou o lugar. Ele tinha quase certeza de que fora um pirata em outra vida e por isso tinha certa tendência a amar tudo o que envolvesse navios, rum e baús do tesouro.

Parecíamos estar no porão de um navio, havia até uma cela para marujos desobedientes. Flashes pipocavam pelo lugar toda vez que os turistas resolviam tirar fotos e garçons vestidos de piratas caminhavam de um lado para o outro.

– Que vai querer, minha querida? – perguntou Gancho, examinando o cardápio.

Pedimos uma lasanha de camarão e tivemos sorvete de creme e macarons como sobremesa. Killian aproveitou para comprar uma garrafa do melhor rum que eles tinham e, antes de irmos embora, me puxou para tirar uma foto.

Nos fundos do restaurante havia um cenário feito justamente para fotos. O fotógrafo era um velho barrigudo que logo me lembrou o personagem Smee, do Peter Pan. A um canto havia uma arara cheia de roupas, que os clientes poderiam usar para a foto. Observei enquanto Killian se travestia de pirata e quase soltei um suspiro quando vi no que ele tinha se transformado: estava igualzinho a um capitão pirata! Usava um sobretudo vermelho por cima das roupas comuns, chapéu tricórnio, bandana e tapa-olho

– Feche a boca, querida, não vá babar hein? – ele brincou, me deixando envergonhada. – Que está fazendo parada aí? Está achando que vou pagar esse mico sozinho? Venha se vestir!

– Nem morta!

Em resposta, ele me arrastou até a arara de roupas, sem nem me dar chance de reagir. O fotógrafo ria e Killian me deixava ainda mais constrangida.

– Oh, não seja tímida, meu amor. – me beijou no rosto, fingindo ser meu namorado.

No fim acabei usando um sobretudo de couro, um chapéu tricórnio enfeitado por penas e um papagaio de plástico que Killian teimara em colocar no meu ombro. Tiramos milhões de fotos, e em todas elas Gancho fazia questão de me abraçar, carregar ou me beijar no rosto. Não bastasse tudo isso, o fotógrafo teve a audácia de dizer:

– Que lindo! Vocês formam um belo casal. Estão em lua-de-mel? Conheço um ótimo hotel na qual podem passar a noite de núpcias, se é que já não tiveram uma.

Meu rosto queimou de vergonha e Gancho, aquele filho da mãe, segurou uma risada. Maldito! Ele ainda ia me pagar.

– Eu vou colocar essas fotos numa moldura – disse ele, guardando as fotos no porta-luvas do carro, após finalmente nos livrarmos do fotógrafo. – Jamais irei me esquecer desse dia, Ruby-Loob.

– Você ainda me paga, Jones. – bati a porta após me sentar no banco do carona.

– Ih, não precisa ficar nervosa. O homem só queria ajudar. Não tem nada de mais passar uma noite de núpcias num hotel. – e ele gargalhou quando fiquei vermelha.

Se eu fosse um avestruz, enfiaria a cabeça num buraco.

Gancho pegou a estrada. Ligou o rádio bem quando uma voz rascante anunciava:

Agora Kaiser Chiefs com a música Ruby.

– Você já tem até música e nem me avisou? – Gancho fez biquinho, fingindo estar chateado. Ri, já imaginando o que estava por vir.

Como era de se esperar, ele começou a cantar tão logo decorou o refrão. E o pior de tudo é que a música parecia ter sido feita para mim, principalmente na estrofe que dizia: Could it be, could it be (Poderia ser, poderia ser)/That you're joking with me (Que você está brincando comigo)/And you don't really see (E você não vê realmente)/You and me (Você e eu). Ouvir Gancho cantando aquilo soava como uma indireta.

Ruby, Ruby, Ruby, Ruby! Do ya, do ya, do ya, do ya (Você, você, você, você)! Know what you're doing doing to me (Sabe o que está fazendo, fazendo comigo)? Ruby, Ruby, Ruby, Ruby! – Killian cantava, sem me olhar. Sabia que, mais do que para me irritar, ele estava fazendo isso pra que eu percebesse alguma coisa. Será que eu o afetava, assim como a Ruby da música afetava o compositor da mesma?

Evitei olhá-lo e fingi apreciar a paisagem. Acabei por cochilar, embalada pelo balanço do carro.

***

Depois de dirigir por sete horas, Killian precisava de um descanso, por isso paramos num hotel de beira de estrada para passar a noite. Até que para um hotel três estrelas, o lugar era bem moderno e luxuoso.

Enquanto lutava para tirar a mala do carro, Gancho deu entrada no hotel. Já que ele era rico e tinha cartões de crédito, deixei a parte mais difícil pra ele. Um terrível erro! Quando um carregador finalmente me ajudou com a mala e nos conduziu ao nosso quarto, quase matei Gancho quando descobri que só havia uma cama.

– E o que é que tem? – ele deu de ombros, achando graça por eu dar chilique – Queria que eu pedisse quartos separados? Resolvi economizar e disse que queria uma suíte para passar a noite de núpcias com minha linda esposa. Calma! Calma, não precisa ficar nervosa!

– Estou calma! – respirei fundo, mas minha vontade era espancá-lo – Quer saber de uma coisa? Você fez bem, eu sempre quis dormir numa suíte. Mas olha aqui, Jones, se tentar me agarrar à noite, eu corto suas duas mãos e aquela coisa que tem entre as pernas. – ameacei.

Ele gargalhou, impressionado.

– Meu Deus, que agressiva!

É claro que eu estava brincando. Entrei no luxuoso banheiro e descobri que a torneira da banheira era acionada por voz. Bastava dizer “ligue” e a água jorrava.

Estava no meio de um relaxante banho de espuma quando a porta se abriu e Gancho entrou na maior cara de pau. Soltei um guincho e me encolhi na banheira. Ele riu.

– Calma, Rubes, eu não vi nada. – ele tapou os olhos com as mãos – E mesmo que eu quisesse ver, não poderia, já que está encoberta por essa montanha de espuma.

– O que quer, Killian? Não posso nem tomar um banho? – reclamei, irritada. Eita, homem pra me atazanar!

– Estou apertado, preciso tirar a água dos joelhos. Ninguém manda você largar a porta destrancada, parece até que estava querendo que eu entrasse aqui.

Fingi não ouvir essa última parte e me concentrei no agradável aroma de jasmim que escapava da banheira. Esperei que Gancho saísse do banheiro depois de lavar as mãos, mas ele ainda teve a cara de pau de dizer:

– Já que está na banheira, não vai se importar se eu usar o chuveiro agora, vai?

– Como é que é?

– Estou cansado, preciso muito de um banho – e foi logo tirando a camisa e a jogando a um canto. Não consegui dizer nada, sentia-me vulnerável por estar naquela situação e Killian se aproveitava disso. Ele sabia que eu não podia colocá-lo porta afora, não sem ficar nua na frente dele. – Não vai me olhar hein?

Ele ria maroto, só pra me irritar. Fixei o olhar em meus pés, que não cabiam na banheira. Ouvi quando ele ligou o chuveiro dizendo “ligue”, e precisei fazer força para não olhar naquela direção. Aí o maldito começou a cantar a música que ouvíramos mais cedo. O filho da mãe estava me provocando.

– Ruby, Ruby, Ruby, Ruby!

– Você gostou mesmo da minha música hein? – falei, em tom de provocação.

– O quê? Não te ouvi!

– Você gostou da minha música!

– Fala mais alto! – ele gritou por cima do barulho do chuveiro.

– VOCÊ GOSTOU DA MINHA MÚSICA!

– Ah! É verdade! Ela grudou na minha cabeça! – e continuou cantando como se estivesse num show de rock.

Se os outros soubessem que tomamos banho ao mesmo tempo e no mesmo banheiro... Era melhor Killian manter aquela boca fechada. Se Regina e Mary soubessem daquilo, iam me atazanar pelo resto de minha vida.

Ia sair de fininho antes que ele acabasse de tomar sua ducha, mas para isso teria de atravessar o banheiro para apanhar uma toalha. Desisti. A água ainda estava morna, de forma que não me importei de ficar ali por mais tempo. Gancho mandou o chuveiro desligar e então parou de frente para o espelho sobre a pia, enrolado numa toalha.

– Oi, bonitão! – disse a si mesmo, encarando o reflexo no espelho. Fez caras e bocas, admirando o próprio rosto. – Que perfeição...

– Como você é convencido! – revirei os olhos, muitíssimo irritada. Minha espuma não ia demorar a acabar e quando isso acontecesse...

– Ainda está aí, Ruby-Loob? – ele se virou pra me olhar, rindo de uma orelha a outra – Pode ficar, não me incomodo, só estava admirando este belo homem no espelho... Pera, esse cara sou eu! Como eu sou lindo!

– Killian, será que dá pra sair? Caso não tenha percebido, eu quero sair da banheira!

– Saia! Não há ninguém te impedindo...

– Killian, eu não estou brincando!

– Calminha, Ruby-Loob! Que é que aconteceu com você? Anda tão estressada e agressiva...

– KILLIAN, SAI DESSE BANHEIRO!

Eu sei, eu sei, estava muito estressada e agressiva, mas porque Gancho me tirava do sério às vezes. Andava me importunando desde que voltara pra casa. Na noite anterior ele tivera a audácia de me dar um susto, bem quando eu ia entrando no quarto escuro. Vocês acreditam que ele se deitou no chão e fingiu ter sofrido um piripaque? Fiquei louca de preocupada, sem saber o que fazer. Estava prestes a ligar para o 911 quando o filho da mãe abriu os olhos, gritando: “Oi, Ruby-Loob!”.

Não é se esperar que eu ficasse estressada?

Meia hora após meu chilique no banheiro, assistia a um programa na TV enquanto Killian brincava com o espelho, que ele descobriu ser touchscreen. Parecia uma tela de computador com acesso à internet, que tirava fotos e até mostrava a previsão do tempo. Gancho, é claro, ficou horas tirando fotos suas.

Acabei por cochilar no sofá e estava quase chegando ao sono profundo quando acordei sobressaltada ao ouvir o barulho de algo caindo. Todo o quarto estava escuro, exceto por um abajur que piscava. Luzes piscando, eu já estava cansada de saber, eram sinal de que algo sobrenatural estava por perto. Chamei por Killian, mas ele não respondeu. Foi então que a luz parou de piscar e, morrendo de medo, me levantei para procurar por um interruptor. Acabei por bater em algo que estava no meio do caminho e quase cuspi o coração pela boca quando uma lanterna se acendeu e um palhaço com cara de assassino começou a gargalhar. Gritei histericamente, até perceber que tudo não passava de uma brincadeira de Gancho, que gargalhou e tirou a máscara bizarra que usava.

– Calma, sou eu!

– Eu vou te matar! Eu vou...

Parti pra cima dele com tapas e ele ria, tentando me segurar. Minha raiva era tanta que eu não conseguia controlar minha força. Agarrei Gancho pelo cabelo, forçando-o a se curvar. Aproveitei que ele estava nessa posição para bater em suas costas e, sem me dar conta, deixei vários arranhões e marcas roxas no coitado.

– Para! Ai, ai, foi brincadeira! Tá me machucando! Ruby! – ele agarrou meus pulsos, segurando-os com força. – Sua doida! Foi brincadeira!

– Que é que você tem na cabeça? – me afastei, tremendo e suando frio. – Seu idiota!

– Cadê seu senso de humor? – ele ainda ria.

– Eu tenho trauma de palhaços... – murmurei, minhas pernas bambas falhando. Precisei me sentar para recuperar o ar e Killian pediu milhões de desculpas quando percebeu meus olhos marejados.

– Eu não sabia... Me desculpe, Ruby-Loob... – veio me abraçar, arrependido – Coitadinha... Desculpe, viu? Não tive intenção de fazê-la chorar.

– Que droga, Killian, que mania chata de me assustar. – bati no braço dele, fazendo-o rir – Você tirou o dia pra me atazanar, não é?

– Bom, é que eu senti sua falta. Não fique brava comigo, eu só queria aproveitar o tempo que ainda temos juntos. – Gancho brincava com meu cabelo – Sabe... você só dá valor quando perde as coisas.

– Diz isso por causa da Milah, né?

– É... Eu devia ter sido um irmão melhor. Me arrependo por não ter aproveitado o tempo que tinha com ela. Eu nunca te contei, mas era meio mulherengo na época de escola...

– Era de se esperar – soltei um risinho.

– ... e continuei sendo quando entrei na vida das caçadas. Queria ter passado mais tempo com minha irmã, ao invés de ter desperdiçado tanto tempo com aquelas vadias... – ele coçou a barba e sorriu pra mim – Não fique brava quando eu te chatear, eu só queria que se divertisse um pouquinho. Queria que viesse comigo nessa viagem pra que visse o que esteve perdendo no tempo que ficou enfurnada naquele prédio velho.

Sorri, meiga. Ele realmente se importava comigo.

– Não está com raiva, está? – ele perguntou e balancei a cabeça.

– Não. Não consigo ficar com raiva de você.

Rimos e ele me beijou na bochecha, dizendo que nunca mais ia me assustar.

Fomos dormir por volta de dez da noite e nem me importei muito por ter que compartilhar a cama com Killian. Ele não tentou me agarrar, nem nada do tipo, mas passou um braço por minha cintura quando achou que eu estava dormindo. É claro, não estava reclamando, no fundo acabara gostando daquilo, afinal, sentia-me muito carente desde a morte de Peter.

Acordamos cedo na manhã seguinte, pois Gancho não queria perder muito tempo. Depois de um rápido café da manhã, nos preparamos para mais um dia inteiro de estrada. Ainda estávamos no estado de Montana e para chegar a Burkittsville, em Indiana, teríamos de atravessar Dakota do Sul, passar por Minnesota, Iowa e Illinois. A previsão era de que chegássemos à Indiana na manhã de terça-feira.

– Você se importaria se parássemos em Dakota? – perguntou Gancho, em determinado ponto da viagem – Quero visitar meu amigo Bobby.

– Tudo bem, ando curiosa para conhecer esse Bobby. – eu mastigava umas batatas chips – Ei, você não está cansado de dirigir? Faz umas quatro horas que deixamos o hotel.

– Quer dirigir? – um sorriso brincava em seu rosto.

– Vai me deixar dirigir seu carro?

– Sei que ele vai estar em boas mãos.

Killian era extremamente ciumento quando se tratava de seu carro. Ele não permitia que outras pessoas o dirigissem, por isso me surpreendi quando ele sugeriu que eu tomasse seu lugar. Ele parou no acostamento e então passei para o banco do motorista. O motor do Impala não era tão veloz e leve quanto o do meu Fiesta Sedan 2014 , mas não disse nada.

Dirigi por duas horas e meia e Killian aproveitou para cochilar um pouco. Depois trocamos de lugar e foi minha vez de dormir. Continuamos a revezar até que, após doze horas de viagem, chegamos à cidade de Sioux Falls, em Dakota do Sul. Estávamos há mais de mil milhas de Seattle e sentia-me um pouco preocupada por estar tão longe da vovó. Mas confesso, estava adorando a viagem.

Sioux Falls era o Coração da América. A cidade misturava edifícios modernos com monumentos históricos. Avistamos a belíssima Catedral de São José, a Faculdade Augustana – a maior universidade privada do estado – e até um restaurante de comida brasileira. Gancho ria com minha animação e eu quase o convenci a me deixar descer do carro para fazer um tour pela cidade, mas acabei por desistir, pois sabia que nosso tempo estava corrido.

Ele dirigiu até o subúrbio da cidade, onde a vegetação começara a ser destruída para dar lugar às construções, e então entrou por um portão aberto e enferrujado, na qual se lia: Singer Auto Salvage. Era um ferro-velho. Gancho parou num pátio lotado por carros e peças automotivas e então desceu do Impala, cumprimentando um homem que brincava com um rottweiler.

– Oi, Bobby, há quanto tempo!

– Já estava me perguntando por onde você andava, garoto. – disse ele e os dois se abraçaram. – Quem é essa? Sua namorada?

– Ruby, minha assistente.

– Nos falamos por telefone – falei, apertando sua mão.

– Ah sim, eu me lembro.

O rottweiler começou a rosnar e fui me esconder atrás de Gancho. Depois de quase ser morta por um lobisomem, ficara com medo de qualquer coisa que rosnasse pra mim. Bobby estendeu um dedo para o cão, autoritário:

– Quieto, Rumsfeld! – e o cão se calou no mesmo momento, sentando-se obedientemente. Bobby jogou algo pra ele ir buscar e o cão saiu em disparada – E então, o que os traz a minha humilde residência?

– Ruby disse que você ligou enquanto eu estava fora. – Gancho examinava peças de carro jogadas a um canto.

Olhei em volta, tentando absorver todos os detalhes. O lugar era enorme e incrível. Havia carros modernos e antigos, alguns aos pedaços e outros sendo consertados. Estávamos parados de frente a uma casa de dois andares e havia uma caminhonete azul sob a sombra de uma árvore. Rumsfeld revolvia terra, abrindo um buraco para esconder alguma coisa.

– Ah sim, queria que fosse investigar um caso estranho em Lynnwood, mas como estava tratando de negócios, mandei outro em seu lugar. – respondeu Bobby.

– E o que era?

– Um poltergeist. Quase destruiu uma casa e matou uma família, mas tudo ficou bem no final.

Bobby nos convidou a entrar na casa. Nos sentamos numa sala de estar lotada por livros e papeis e Bobby foi até a cozinha para apanhar duas cervejas. Ralhei com Killian, pois ele não devia beber, mas ele me ignorou e disse que recusar uma bebida de Bobby seria uma tremenda falta de educação.

Bobby devia estar na faixa dos cinquenta anos e era um homem barbudo que usava camisa xadrez, calça jeans e boné surrado. Gancho me disse que ele sempre se vestia daquele jeito. Logo simpatizei com o homem e com Rumsfeld, que veio fazer amizade após perder a desconfiança que tinha comigo.

– Por que não temos um cachorro? – perguntei a Killian, acariciando a cabeça de Rumsfeld.

– Você quer um cachorro?

– Seria bom.

Ele sorriu e então Bobby se sentou conosco, trazendo a cerveja de Killian. Ficou surpreso por ele ter arranjado outra assistente e disse que eu era muito melhor do que a Emma e que nunca simpatizara com ela.

– Não me leve a mal, é apenas minha opinião – ele se desculpou, quando Gancho ergueu uma sobrancelha – E então, estão tratando de negócios?

– É, estamos indo pra Indiana, tenho uns troços pra resolver. – Killian coçou a barba e tomou um gole da cerveja – Alguns casais sumiram e estamos indo investigar.

– Ah, os desaparecimentos perto de Burkittsville? Eu vi no jornal.

– Algum palpite?

– Bem, pode ser qualquer coisa, até um serial killer. Por que acham que é sobrenatural?

– Bom, não é estranho que todos tenham desaparecido depois de parar pra pedir informação? – falei – Talvez o pessoal de Burkittsville tenha algo a ver com isso.

Bobby pensou por uns instantes, então caminhou até a estante de livros, apanhou um exemplar e voltou a se sentar.

– Pode ser qualquer coisa. Que tal um Wendigo? – ergueu o livro para que pudéssemos ver o desenho de uma criatura com forma humana e aparência de monstro – Estas criaturas costumam manter suas vítimas em cavernas subterrâneas, enquanto lentamente se alimentam delas.

– Não faz sentido ele escolher casais – Killian apanhou o livro e o folheou. Era como um dos livros que ele tinha em sua coleção, mas bem mais antigo. As páginas eram tão finas e amareladas que davam a impressão de que iam se rasgar.

– Bom, então... – Bobby pôs a mão no queixo, pensativo – Espere aí, estamos em abril, não estamos?

– Sim, e daí?

– E daí que é primavera. – Bobby se levantou novamente e foi à procura de outro livro - John uma vez mencionou algo sobre um ritual pagão da fertilidade. Acho que ele estava investigando um caso de desaparecimentos.

– John Winchester? – perguntou Gancho e Bobby assentiu, revirando os livros que encontrava pelo caminho.

– Um ritual pagão pra manter a terra fértil? – perguntei, curiosa. – O que isso tem a ver com os desaparecimentos?

Bobby encontrou o que procurava e voltou a se sentar, mostrando-nos a figura de um espantalho desenhada no livro.

– Há um deus pagão, o Vanir. Tem o poder de assegurar a fertilidade da terra, bom tempo e uma boa colheita, mas tudo isso tem um preço: um sacrifício. Um Vanir pode usar um espantalho para recolher seus sacrifícios. Se há um Vanir em Burkittsville, provavelmente pegou aqueles casais.

– Que horror! – exclamei, colocando uma mão na boca.

– Então é isso, vamos caçar um espantalho... – disse Killian.

***

Depois de passarmos algumas horas na casa de Bobby, voltamos para a estrada. Revezávamos a cada duas horas e à noite paramos num bar de estrada. Estávamos agora nos aproximando do estado de Illinois, que ficava bem perto de Indiana.

– Podemos passar a noite num hotel, se quiser, mas isso vai atrasar a viagem – falou Gancho, que nos comprara uma pizza.

– Não me importo de dormir no carro – apanhei mais uma fatia de pizza – Podemos continuar revezando.

Estávamos no estacionamento do bar, sentados no capô do carro. Sentia-me extremamente cansada, embora tivesse dormido por umas três horas. Passava da meia-noite e quase não havia movimento de pessoas por aqueles lados. Brisas refrescantes brincavam com meus cabelos e apreciava a temperatura morna de primavera.

– Você e a Milah faziam viagem como essas? – indaguei, depois de um tempo. Gancho balançou a cabeça.

– Não, ela não gostava de deixar o Bae para trás. Os dois eram muito ligados um ao outro. Íamos de uma cidade para a outra, fazíamos pequenas viagens que não tomassem muito de nosso tempo. Quando ela voltava pra casa o Bae vinha correndo e pulava nos braços dela – ele sorriu – Foi uma época boa.

Assenti, sem saber o que dizer. Eu o entendia, sabia o quanto ele sentia falta dela.

– Posso perguntar uma coisa? – ele me olhou e assenti – Disse que seus pais morreram pra te salvar. Como aconteceu?

– Um acidente de carro. Eu era apenas um bebê e minha mãe estava sentada comigo no banco de trás. Eu não me lembro, mas disseram que ela me abraçou pra me proteger. O carro ficou todo destruído, tiveram de cortar as ferragens pra me tirar de lá.

– Você é uma sobrevivente.

– É, eu sei – sorri, enxugando uma lágrima fujona.

– Sabe, nem todo mundo consegue entrar num carro depois de uma tragédia dessas. – ele pegou minha mão, num gesto de carinho – Primeiro seus pais, depois o Peter... Você é uma garota corajosa, Ruby.

– Não sou nada corajosa – contestei – Tenho medo de palhaços.

Rimos e Gancho se lembrou da noite em nos conhecêramos.

– Você foi corajosa. Pensei que fosse ficar na igreja, como eu mandei, mas fiquei realmente surpreso quando me seguiu. Você leva jeito pra caçadora.

– Imagina... Eu levo jeito pra bibliotecária careta. Descobri que gosto de pesquisas e livros empoeirados.

Rimos novamente e peguei meu terceiro pedaço de pizza. Killian me olhava de um jeito diferente, como que tentando decifrar alguma coisa. Talvez eu me visse de forma diferente da forma como ele me enxergava. Não me achava corajosa, nem forte. Ele, pelo contrário, dizia que eu era mais do que aparentava.

– Quando eu te vi pela primeira vez, achei que fosse uma garota rebelde e revoltada com o mundo – ele confessou, brincando com uma mecha vermelha do meu cabelo - Pensei que tivesse saído de um show de rock ou coisa do tipo.

– Tudo isso por causa do meu cabelo? – achei graça.

– Não sei o que me fez pensar isso, pode ter sido o cabelo, a maquiagem... Depois, quando te levei para o prédio, percebi que você era diferente. Não imaginei que fosse assim.

– Assim como?

– Assim... meiga, inteligente, engraçada, atrevida... comilona!

Não consegui evitar uma risada. Já estava no quarto pedaço de pizza e achava que ainda chegaria ao quinto. Killian derramava ketchup em sua fatia e perguntou:

– E você? O que achou de mim quando me viu pela primeira vez?

– Bom... eu te achei meio estranho no começo, confesso. – ele fez cara de indignação e eu ri – E me perguntava por que raios você estava perseguindo um lobisomem.

– Só isso? Você não me achou incrivelmente lindo, simpático e sexy?

– Achei – e ele ficou se achando, sorrindo e fazendo cara de “Eu sabia que você me achava sexy” – Mas depois de um tempo percebi que você não era nada disso. Você é um completo arrogante, brega e sem sal.

– Como é que é?

Claro que eu não estava falando sério. Ri da cara que ele fez e disse que estava brincando. Ele suspirou aliviado e ficou cheio de si quando falei que o achava muito simpático, responsável, dedicado e atencioso.

– Esqueceu de dizer o quanto sou lindo e charmoso, mas tudo bem.

– E convencido! – acrescentei.

Ficamos em silêncio por um tempo. Ele fingia observar os carros que passavam pela estrada, mas sabia que me olhava pelo canto dos olhos. Pensei no que Mary dissera sobre Killian estar se apaixonando por mim. E se fosse verdade? Diziam que combinávamos, até Bobby dissera isso, quando estávamos indo embora. E se estivéssemos destinados a ficar um com o outro?

– Ruby-Loob? – ele chamou e desviei os olhos de minha latinha de Coca-Cola para olhá-lo. – Sabe de uma coisa?

– O quê?

Silêncio. Ele me encarava como se quisesse dizer algo importante, mas não tivesse coragem suficiente para dizer.

– Não, nada. Eu só ia dizer que é melhor voltarmos pra estrada. – ele evitou me olhar e pulou para o chão, jogando fora a embalagem da pizza.

– Ah... tudo bem...

A viagem seguiu normalmente. Não havia muito para ver naquele escuro, a não ser pontinhos de luz um tanto distantes. Killian não cantava, estava cansado demais para isso. Não conversávamos, mas ele me olhava às vezes, quando achava que eu estava distraída. Quando eu o flagrava, ele apenas sorria e voltava a encarar a estrada. Peter também tinha esse comportamento quando nos conhecemos, o que me levava a pensar que não demoraria muito até que Gancho resolvesse se declarar. E, pensando bem, tinha certeza de que ele quase fizera isso quando estávamos no bar, mas não tivera coragem.

Dormi, exausta demais para pensar em qualquer coisa. Acordei com a luz do dia incomodando meus olhos. A viagem atrasara um pouco, Gancho me dissera, porque ele teve que parar para abastecer e para trocar um pneu que furara. Eu devia estar profundamente adormecida, porque não cheguei a perceber nada disso.

– Já estamos em Indiana – ele informou, dirigindo por ruas engarrafadas pelo fluxo de veículos.

Estávamos na cidade de Brownsburg, a poucos quilômetros de Indianópolis, a capital do estado. Estava com fome e queria parar para comprar um lanche, mas Gancho disse que devíamos tomar café em Burkittsville, assim teríamos desculpa para fazer perguntas sobre a cidade.

Ele dirigiu por mais um quilômetros para o oeste e então passou por uma placa que dizia: Bem vindo ao vilarejo histórico de Burkittsville. Parecia uma área rural. Avistei campos dos dois lados da estrada e umas plantações ao longe.

– Temos de encontrar o tal espantalho – falou Gancho, atento à paisagem.

– É claro, depois que eu comer.

– Que esfomeada!

Casas começaram a aparecer e vi uma pequena igreja. Pessoas caminhavam pelas ruas e paravam para se cumprimentar. Não parecia haver muita coisa por ali, tudo era muito antigo.

Uma música alta começou a tocar e Gancho e eu nos entreolhamos, tentando descobrir de onde vinha aquela barulheira. Era a música Highway To Hell, do AC/DC. Olhei para trás e vi um carro idêntico ao de Killian, um Impala 67 preto, que até brilhava de tão limpo. O carro tentou nos ultrapassar e nesse momento Gancho fechou a cara.

–Puta merda! – exclamou.

– Que foi?

– Não acredito nisso! – ele olhava para o lado. – O que esses idiotas estão fazendo aqui?

O motorista do outro carro parecia querer competir pra ver quem chegava mais rápido. Era um cara meio loiro e que sorria com escárnio. Ao seu lado, um rapaz moreno parecia reclamar do som alto. No banco de trás, uma garota ruiva lixava as unhas e revirava os olhos.

– Você os conhece? – perguntei, confusa – Quem são?

– Os Winchesters! – ele acelerou e o cara loiro fez o mesmo. Logo estavam apostando corrida e chamavam a atenção das pessoas na rua, que faziam cara feia para a música alta.

Eu ralhava com Gancho e, no carro ao lado, o rapaz moreno e a garota ruiva brigavam com o cara loiro, que ria e os ignorava. Continuaram com essa brincadeira até que o cara loiro acelerou ainda mais e passou na nossa frente, enfiando o braço pela janela e dando tchauzinho.

– Filho da mãe! – xingou Killian, irritado.

– Killian, vai com calma! – pedi, assustada – Vai acabar enfiando o carro num poste. Deixe eles passarem na frente.

– Jamais! Esse caso é nosso, eles não vão pegá-lo.

Me agarrei ao cinto de segurança enquanto Gancho acelerava a quase cem quilômetros por hora. O outro carro tinha estacionado em frente a um pequeno restaurante e o rapaz moreno, que atravessava a rua, acabou atropelado por Killian, que não conseguiu frear a tempo. O rapaz rolou pelo capô e soltei um grito.

– MEU DEUS DO CÉU!

– PUTA MERDA! – fez Gancho.

– SAMMY! – gritaram o cara loiro e a garota ruiva.

Me livrei do cinto e corri a socorrer o rapaz, que estava consciente e gemia agarrando o braço direito.

– Eu to bem! Eu to bem! – ele gemeu, conseguindo se sentar.

O cara loiro e Gancho partiram para a briga e a garota ruiva tentava separá-los. Gancho levou um soco no nariz e revidou com um empurrão. O loiro caiu no meio da rua, então se levantou, ajeitou a gola do casaco e partiu pra cima de Killian novamente. Os dois se atracaram e a garota ruiva veio para nosso lado murmurando um “Eles que se entendam!”. Ajudamos o rapaz a se levantar e ele repetiu que estava bem, mas que deslocara o braço.

Dean! – berrou para o cara loiro – Dean, para com isso!

A porta do restaurante se abriu e um homem grisalho saiu acompanhado de uma mulher. Ele correu a apartar a briga e a senhora veio até nós, querendo saber o que acontecera. Explicamos rapidamente e ela logo colocou Sam para dentro, dizendo que ia chamar a emergência.

– Não precisa, foi só um braço deslocado – ele dizia a todo momento.

O senhor grisalho conseguira separar Gancho de Dean, mas os dois ainda berravam um com o outro e soltavam palavras obscenas, que não posso transcrever aqui. Por fim, Dean se cansou e entrou na lanchonete, enquanto fui até Gancho, que punha sangue pelo nariz.

– Filho da mãe desgraçado! – resmungou ele, passando a mão pelo nariz e tentando limpar o sangue.

– Venham, vamos cuidar disso – disse o homem grisalho, entrando no restaurante.

O Impala de Killian estava no meio da via, o que seria o suficiente para lhe render uma multa, embora não houvesse policiais por perto. Por sorte, a rua era tão deserta que não havia carros passando. Disse que ia estacionar o carro e Killian assentiu, adentrando o estabelecimento.

Ouvi gritos antes mesmo de entrar no restaurante. Os Winchesters estavam sentados a uma das mesas e Dean tentava colocar o braço de Sammy (imaginei que fosse apelido de Samuel) no lugar enquanto discutia com Gancho. O homem grisalho tentava acalmá-los, mas eles o ignoravam.

– Eu não tive intenção de atropelar ninguém – gritava Killian, nervoso. Pingos de sangue manchavam sua blusa e ele tentava parar o sangramento do nariz com um pedaço de pano.

– NÃO TEVE INTENÇÃO? VOCÊ QUASE MATOU MEU IRMÃO – berrou Dean, raivoso.

– Dean, foi um acidente... – replicou Sammy, tentando prevenir outra briga.

– Cala a boca, Sam! – mandou Dean, voltando-se para Killian – Olha aqui, é melhor você dar meia volta e sair por aquela porta, ou juro por Deus que acabo com tua raça.

– Pode vir! – Gancho ergueu os braços em pose de luta.

Dean largou o que estava fazendo e os dois se atracaram novamente. Derrubaram mesas e cadeiras, causando o maior estardalhaço. Sam berrava pra que parassem. A garota ruiva guinchou quando quase levou uma cadeirada na cabeça. O homem grisalho ameaçava chamar a polícia. A mulher vinha trazendo um kit de primeiros socorros e desabou quando foi pega no meio da confusão. Corri a ajudá-la a se levantar, mas fui parar no chão quando Dean empurrou Killian, que caiu em cima de mim e quase me esmagou com seu peso.

Tentava me levantar quando três policiais entraram, dando voz de prisão. Achei um exagero da parte deles, mas agiam como se fossemos delinqüentes perigosos. Como resultado daquela confusão, nós cinco fomos presos. Ia matar Killian por me ter feito passar aquela situação vexatória. Pelo amor de Deus, eu não tive nada a ver com aquilo!

Me empurraram para o banco traseiro de uma viatura e viajei espremida entre Dean e Killian, que ainda discutiam. Teria aproveitado a situação, não fosse estarmos em maus lençóis. Sam e a garota ruiva foram em outra viatura e logo alcançamos a pequena delegacia de Burkittsville.

Jogados em minúsculas celas, tivemos de esperar até que o delegado chegasse, pois cabia a ele tomar uma decisão. Tentava explicar a um dos policiais que eu, Sam e a ruiva não tínhamos nada a ver com a briga, mas ele me ignorou e saiu pra comprar donuts.

– Tomara que morrer engasgado – falou a ruiva, presa na mesma cela que eu. – Desculpe, não me apresentei, sou Zoe Singer(1).

Trocamos um aperto de mão.

– Singer? – perguntei – É parente do Bobby?

– Conhece o tio Bobby?

Assenti. Na cela ao lado, Killian tentava cochilar no duro catre de metal. Uma cela adiante, Dean colocava o braço de Sam no lugar e o mesmo soltava um gemido abafado. Me apresentei e apresentei Killian, que apenas levantou uma mão, como forma de cumprimento. Zoe me contou que era parceira dos Winchesters e que eles tinham vindo a Burkittsville pelo mesmo motivo que eu e Killian.

– Vários casais desaparecem por aqui todo ano – ela sussurrava, vigiando pra ver ser não havia ninguém por perto – Há um certo padrão, todos eles somem na segunda semana de abril.

– E o que acontece quando a semana acaba?

– Bem, aí acabam as mortes e o Vanir assegura bom tempo e fertilidade pelo resto do ano. Viu como os campos estão verdinhos? Aposto como ficam assim o ano todo. – ela abaixou a voz ainda mais – Achamos que os moradores daqui vivem num acordo. É claro que todos sabem sobre o espantalho. E é claro que todos eles colaboram pelo bem estar da cidade.

– Como assim? – franzi a testa.

– Por que acha que estamos nestas celas? Por uma simples briga?

Oh, eu estava entendendo o que ela queria dizer. Gancho se levantou e olhou para nós, preocupado.

– Quer dizer que... – ele começou, não conseguiu terminar.

– Que vão nos entregar como sacrifício! – completei, aterrorizada.

***

– Dean, não seja idiota, não tem ninguém vindo! – Sam gritava com o irmão, que reclamava por ainda estarmos presos e por nenhum delegado ter aparecido – É tudo parte do plano deles.

De fato, estávamos ali há horas sem que ninguém aparecesse. Os policiais tinham sumido misteriosamente.

– Mas nós somos cinco, eles só precisam de um casal. – rebateu Dean, que parecia não estar entendendo a gravidade da situação.

– E eles têm dois casais, imbecil! – Gancho intrometeu, irritado, nervoso, cansado, tudo ao mesmo tempo - Não tem assistido ao telejornal? Quatro casais sumiram depois de passar por aqui. Os sacrifícios não servem para garantir a fertilidade da terra? Suponho que sacrificando vários casais eles aumentem a qualidade do que plantam. Não vou me surpreender se as maçãs daqui forem as melhores do país.

Gancho era um gênio. Eu estava me perguntando por que tantos casais haviam morrido aqueles dias, quando eles precisavam entregar apenas um ao Vanir como pagamento. Talvez ele estivesse certo. Quanto mais, melhor.

– Bem, são três homens e duas mulheres – falou Dean, apoiado às grades que o separavam de Gancho – O que farão com o cara que sobrar?

– O que você acha? – perguntei, revirando os olhos.

– Oi, coisa linda! – ele sorriu pra mim e Killian fez cara feia – Namorada bonita, Jones!

– Tira o olho! - retrucou Killian, todo nervosinho. Ele não disse que eu era sua assistente, talvez quisesse que Dean pensasse que eu realmente era sua namorada.

– Não ligue pra ele – falou Zoe, sentada na cama que havia na cela – Dean é um idiota!

– Calada, Zoe! – resmungou Dean.

– Oh, até que enfim alguém concordou comigo – riu Killian, sorrindo para Zoe – Gostei de você, Sobrinha do Bobby.

– É Zoe!

– Não sabia que o Bobby tinha uma sobrinha... – comentou ele, encarando a ruiva. Não gostei da forma como ele olhava pra ela. E não, não estava com ciúmes.

– É, ele tem – Dean não conseguia calar a boca, reparei – e jogou a mala sem alça nas nossas costas.

Sorte que a cela de Killian separava Dean de Zoe, ou ela com certeza teria enfiado as unhas compridas no rosto do loiro.

Uma breve descrição de Dean Winchester, ou Pedaço de Mau Caminho, como passei a chamá-lo em meus pensamentos. O loiro dos olhos verdes tinha um sorriso irresistível, que muitas vezes chegava a ser indecente. Dean se vestia de forma simples, sempre com blusas xadrez ou de cor escura, com um casaco de couro por cima. Mais tarde soube que o casaco pertencera a seu pai e que ele o usava como que para mirar no exemplo do mesmo. Também usava calça jeans e botas ao invés de tênis. Ao contrário do irmão, Dean podia ser arrogante e briguento. Mas ele também tinha boas qualidades, como um senso de humor meio irônico, a capacidade de arrancar suspiros por onde passava e, é claro, o fato de defender as pessoas que amava com unhas e dentes.

Não me surpreendia que Dean tivesse batido em Gancho por ele ter atropelado Sam. Logo percebi que os irmãos eram muito unidos e realmente se amavam, embora brigassem muito às vezes.

Já o Sam, Sammy, ou Cara Fofo da Franja (como passei a chamá-lo), era o completo oposto de Dean. Vestia-se de forma parecida com a do irmão e era até mais alto do que ele, embora fosse o filho mais novo. Sammy, ao contrário de Dean, que era um machão, tinha um cabelinho fofo e usava franja. Mas isso não o tornava gay, pelo contrário, eu o estava achando muito fofo e simpático. Ele também tinha umas covinhas fofas que apareciam quando sorria. Como vocês já devem ter imaginado, Sam era um cara extremamente fofo e simpático. Imaginei que fosse do tipo romântico. Assim como eu, ele era o cara responsável pelas pesquisas. Mais tarde soube que ele era muitíssimo inteligente e até cursara Direito na Universidade de Stanford, mas largara tudo para ajudar o irmão com as caçadas.

Dean devia fazer mais sucesso com as mulheres por ser charmoso, bonitão e muito sedutor. Mas o Sam não ficava muito atrás, porque também era lindo. Já mencionei o quanto ele era fofo? Fiquei muitíssimo encantada com os Winchesters e Killian vai negar mil vezes, mas sei que ele não gostou nada de ver a forma como eu os olhava. Bem, eu também não gostei da forma como ele olhava para Zoe, ou Ruiva Agressiva, como Dean a chamava.

Ela era bonita, o que chamou a atenção de Killian – que não podia ver um rabo de saia. Tinha olhos azuis e usava roupas escuras, que naquele dia eram calça jeans, blusa de mangas compridas (apesar do calor) e coturnos. Ela era um amor de pessoa, apesar de um tanto agressiva.

– Alguém tem alguma ideia? – perguntou Gancho, olhando de mim e Zoe para Dean e Sam – Temos que escapar antes que nos entreguem pra coisa.

– A Zoe pode atacar os caras com as unhas dela – sugeriu Dean. Como é que ele conseguia fazer piada nessas horas?

– Ahá, muito engraçado, Dean – ela revirou os olhos.

– Quanto tempo vocês acham que nós temos? – indaguei, pensativa – Podemos bolar um plano.

– Temos umas dez horas – informou Sam, olhando o relógio de pulso, que parecia bem antigo – O Vanir recolhe as vítimas à noite.

– Sabem como se mata a coisa? – perguntou Killian – O Bobby não sabia.

– Temos que encontrar a fraqueza do Vanir e destruí-la – disse Dean – Vocês não pesquisaram nada antes de vir?

– Claro que sim. Minha Ruby pesquisou, mas falhamos em encontrar essa informação.

Meu coração bateu mais forte quando ele disse “minha Ruby”. Não prestei atenção no que aconteceu em seguida, nem ouvi o que diziam.

Horas mais tarde, dois dos policiais retornaram com uma caixa de donuts. Sabe se lá o que estiveram fazendo durante o tempo que ficamos ali conversando. Depois de horas tentando bolar um plano, percebemos que nada podíamos fazer. Todas as nossas armas ficaram pra trás, em nossos carros. Não havia como enfrentarmos policiais armados. Só podíamos acreditar que tudo ia dar certo e que, quando a hora chegasse, encontraríamos a fraqueza do Vanir e a destruiríamos.

– Como vamos destruir a fraqueza dele se não temos armas? – Gancho revirara os olhos, quando Dean dissera que era isso que devíamos fazer.

– Improvisamos – o loiro dera de ombros.

Os policiais riam e conversavam alto, fazendo piadinhas sem graça. Minha vontade era meter a mão na cara deles. Nos ofereceram donuts e torta de maçã, que eu teria recusado, não fosse o fato de estar faminta. Killian me lançou um olhar de reprovação, mas, minutos depois, ele mesmo devorava uns donuts.

– Estão nos dando nossa última refeição – comentou Zoe, que já estava em seu quarto pedaço de torta.

– E só agora você diz? – Gancho largou a rosquinha que comia e Zoe deu de ombros.

– Se eu for morrer, morrerei de barriga cheia – falou Dean, que não se fez de rogado e comeu o mais que pode.

Pelo visto, Dean, Zoe e eu éramos os comilões do grupo. Sam recusou a comida e Killian só lambeu a cobertura de seu donut, largando o resto intacto.

Lá fora anoitecera. Os policiais abriram nossa cela primeiro, nos mandando sair. De alguma forma, eles sabiam que nos sabíamos o que ia acontecer, por isso economizaram explicações, nos algemaram e nos empurraram pra viatura estacionada lá fora. Depois que os outros três vieram também, seguimos pelas ruas escuras de Burkittsville.

Não tinha ideia de quanto tempo se passara. Meu coração pulava no peito, enquanto minha mente trabalhava a toda, pensando num meio de nos tirar daquela situação.

– Que horas são? – perguntei, minha voz um tanto trêmula.

O policial sentado no banco do carona olhou o celular.

– Onze e trinta e cinco, o que significa que ele já deve estar esperando – e pelo retrovisor vi seu sorriso maldoso.

Mal reparei no caminho que fazíamos. Algumas ruas eram escuras, outras cheias de sombras que me aterrorizavam. Resolvi apelar para a imploração.

– Olha, vocês não têm que fazer isso... Outros casais já foram sacrificados, a colheita deste ano está garantida.

Eles riram da minha cara. Loucos. Talvez não soubessem o que estavam fazendo.

– Não se preocupe, minha querida – falou o motorista, um homem de uns trinta e poucos anos e de feição arrogante – estamos fazendo o que tem que ser feito pelo bem maior. Se esta cidade tem sido poupada de doenças e pragas, é porque nos esforçamos para isso.

– E não se importam de sacrificar pessoas inocentes? Seus corações são tão duros a ponto de virarem as costas e permitirem a matança?

– Acha que não nos importamos? – o outro policial se virou pra me olhar. Ele era até bonito, mas sua expressão de indiferença indicava o quanto ele tinha um coração frio. – Que é fácil virar as costas e ignorar os gritos? É isso ou nosso vilarejo perecerá em sofrimento, doença e fome. Não foi a toa que os colonos trouxeram o Vanir para nos proteger.

Colonos... então aquela coisa era antiga.

– Burkittsville já vivenciou a fome e a desgraça no passado – falou o motorista, os olhos grudados na estrada escura – Todos concordaram que algo devia ser feito pra acabar com o sofrimento. Fizeram um pacto pelo bem maior e vejam só, ele foi mantido até os dias de hoje. Deviam estar felizes por morrerem por uma boa causa.

– Vou ficar feliz é por meter a mão nessa sua cara – gritou Zoe, erguendo as mãos algemadas e sufocando o carinha sentado no banco do carona com a corrente das algemas.

Antes que o motorista tivesse tempo de pensar, fiz o mesmo com ele, que soltou as mãos do volante pra tentar se livrar da corrente em seu pescoço. O carro rodopiou pela pista e bateu numa árvore. As janelas trincaram e um lado da viatura ficou amassado pelo impacto. Tentamos abrir as portas, mas estavam travadas.

A viatura que vinha atrás parou e o carinha que a dirigia veio correndo. O policial no banco do carona desmaiara, mas o motorista que eu sufocara ainda estava consciente e desceu da viatura, destravando as portas e me agarrando pelos cabelos. Zoe foi agarrada pelo outro homem e então fomos atiradas no asfalto.

– Vagabundas! – berrou um deles, me dando uma bofetada.

Sem ter como sair da outra viatura, os rapazes gritavam para que nos deixassem em paz. Em resposta, os policiais nos obrigaram a entrar no outro carro, de modo que fui parar no colo de Dean, enquanto Zoe ficou caída em cima de Killian e Sam.

– Eu ia gostar desta situação se não estivéssemos numa pior – falou Dean.

O motorista que eu sufocara se sentou no banco do carona acariciando o pescoço, na qual havia uma linha vermelha.

– É por isso que as mãos são algemadas nas costas – disse o homem que dirigia a viatura. – pra evitar rebeldia.

– Cale a boca, Walter! – resmungou o outro, que agora nos apontava um revólver pra evitar que outro equívoco acontecesse. – Apresse-se!

Dois minutos depois, adentrávamos um imenso pomar. Era uma plantação de maçãs (passei a odiar maçãs depois desse dia). A única coisa que iluminava o caminho eram os faróis do carro, pois as árvores coalhadas de maçãs bloqueavam a luz da lua. Nós cinco mal conseguíamos nos mexer e Dean reclamava por estar esmagado entre mim e Sam. O carro foi parado e os policiais abriram as portas, nos puxando pra fora.

– Hey, Walt, quais deles vão ser os sacrifícios? – perguntou o policial arrogante, apontando uma lanterna para os rapazes.

– Nem olhe pra mim... – resmungou Dean, evitando a luz.

– Os dois briguentos – falou Walter, mostrando um sorriso maligno – Eliminamos o Franjinha.

Sam, Dean e Killian arregalaram os olhos ao mesmo tempo, então Walter empurrou Sam de volta para o veículo, batendo a porta.

– Não! Não! Sam!

– Não podem nos deixar aqui!

– Covardes!

Gritávamos ao mesmo tempo, o que de nada adiantava. Os policiais deram tchauzinho, entraram na viatura e se foram levando Sam. Ficamos em meio às sombras do pomar, deixados para morrer...

Dean, desesperado, olhava em volta à procura de algo que pudesse usar para abrir as algemas.

– Alguém me arranje um grampo, um prego, qualquer coisa! Zoe, cadê seu grampo de cabelo?

– Não acha que já teria me livrado dessas algemas se tivesse um grampo? - ela retrucou – O melhor que podemos fazer é sair desse maldito pomar.

– Fiquem juntos – falou Gancho, vindo para junto de mim – Devemos nos afastar o mais que pudermos, então damos um jeito de resgatar o Franjinha.

– Como se tivéssemos alguma chance! – retrucou o loiro – Capaz de o espantalho maníaco nos perseguir pela cidade toda.

– Bem, temos que tentar – eu falei, minhas pernas bambas quase desabando sob meu peso – Sobrevivi a dois acidentes de carro, um lobisomem e um metamorfo, não vai ser o doido das maçãs quem irá me matar agora!

– É assim que se fala, Ruby-Loob! – riu Gancho.

Voltamos pelo caminho pela qual havíamos vindo, mas era difícil caminhar pelo pomar, pois não víamos um palmo a nossa frente. Tropeçávamos uns nos outros e, de alguma forma, por mais que tentássemos chegar a estrada, só ficávamos mais perdidos. Aquilo devia ser efeito da maldição ao qual fôramos submetidos. Agora que fôramos dados de presente ao espantalho, ele jamais permitiria que escapássemos dali. À meia-noite a criatura ganharia vida e viria atrás de nós. Bem, segundo o relógio de Gancho, ainda tínhamos cinco minutos.

– Tem que haver um jeito, eu não vou virar picadinho de espantalho – dizia Zoe, revoltada e irritada. Ela não ia admitir, mas sabia que estava com medo.

Parecíamos andar em círculos e eu já nem sabia de que direção tínhamos vindo. Felizmente, conseguimos escapar das maçãs, mas logo demos com um milharal.

– Puta merda! – praguejou Killian – Saímos de um pomar pra cair num milharal? Aposto como a coisa está aí dentro.

De fato, logo avistei uma coisa no meio da folhagem que crescia. Suspenso por uma estaca, um espantalho feio e assustador nos encarava com seus olhos vazios. Seu rosto parecia ser uma máscara toda costurada e ele não tinha boca ou nariz. Usava chapéu e roupas esfarrapadas, além de ter um cabelo ralo que chegava aos ombros.

– Gente... – chamei e olharam pra direção na qual eu olhava.

Zoe soltou um guincho e foi se esconder atrás de Dean, que estava paralisado demais pra fazer qualquer coisa.

– Pelo menos a coisa não está se movendo – falou Gancho, quebrando o silêncio.

Os acontecimentos que vieram a seguir ficarão para sempre registrados em minha memória...

O relógio de Killian apitou a meia-noite.

E a cabeça do espantalho se moveu.

– COOOOOORREEEEEEE! – foi o berro de Dean Winchester.

Saímos em disparada. Se estivéssemos numa corrida, Dean provavelmente venceria, pois passou a frente de todos, correndo como se tivesse visto o diabo. Zoe ia logo atrás, seguida por mim e Killian.

As folhas das espigas de milho batiam em meu rosto, me arranhando. Minhas pernas criaram força, tomadas pela adrenalina. Meu coração batia freneticamente, em ritmo descompassado. Meus olhos não enxergavam com clareza, apenas identificavam as formas que se moviam à minha frente. O ar mal chegava a meus pulmões, porque eu já não conseguia respirar.

Me perdi dos outros. Havia coisas demais para absorver. Os passos reverberando no chão de terra, o som das folhagens sendo revolvidas pelo vento e pelos corpos que passavam, a dor em minhas pernas, o ardor em meu rosto arranhado pelas folhas, o medo da morte...

Um grito ecoou pelo campo de milho. Zoe, ela devia ter sido pega. Parei, sem conseguir continuar. Ouvi um estampido que parecia um tiro, mas não tinha muita certeza. Tentava retomar o fôlego, ao mesmo tempo em que olhava em volta, tentando avistar a coisa. Zoe fora pega. E quanto a Dean e Gancho? E quanto a mim? Não ouvi gritos, apenas o farfalhar da vegetação. Estava vivendo um filme de terror.

– Atrás de você! – o grito de Killian veio à distância.

Respirei aliviada, graças a Deus ele estava vivo. Achei que ele conseguiria escapar. E achei que gritava para Dean...

– Ruby, atrás de você! – ele gritou. Como é que ele conseguia me enxergar naquela escuridão?

Olhei para trás. Puta merda... A COISA ESTAVA VINDO ME PEGAR!

A coisa estava vindo me pegar e carregava uma pequena foice. Corri em disparada. Se estivéssemos numa corrida, eu seria capaz de ultrapassar Dean Winchester, o Pedaço de Mau Caminho que corria tão rápido quanto uma gazela.

A coisa estava próxima, eu podia sentir. Gancho veio correndo ao meu encontro, estava vindo me salvar. Ele ia se arriscar por mim! Teria achado romântico, não fosse estar num milharal, exausta, arranhada, sem fôlego, sem enxergar nada e prestes a ser morta por um espantalho horroroso e mal vestido.

A coisa estava próxima, eu até teria sentindo sua respiração em meu pescoço, não fosse o fato de ele ser um espantalho e não ter um nariz e nem pulmões para respirar.

– RUBY!

Quando me preparei para a dor da foice sendo cravada em minhas costas, ela não aconteceu. Houve um estampido e um deslocamento de ar. Olhei para trás e a coisa sumira. Eis que surge um homem barbudo, carregando o que parecia uma espingarda.

– Que bicho feio! – resmungou.

Depois dessa, a gente só podia amar Bobby Singer.

***

– SUA LOUCA INCONSEQUENTE! POR QUE NÃO CONTINUOU CORRENDO? DOIDA! PODIA TER MORRIDO!

– Já acabou, Killian? – perguntei, minhas pernas bambas e minha respiração descompassada.

– NÃO, NÃO ACABEI! VOCÊ PODIA TER MORRIDO! VOCÊ VIU A FOICE? VOCÊ VIU O TAMANHO DAQUELA FOICE APONTADA PRA VOCÊ? E O QUE É QUE EU IA DIZER PRA SUA AVÓ SE VOCÊ MORRESSE?

Agora que eu estava a salvo, não ligava para o fato de Gancho berrar comigo enquanto tentava abrir as algemas com um pedaço de arame. Ele estava bravo por eu ter parado no meio do caminho, ao invés de continuar correndo.

– LOUCA! – e ele me esmagou num abraço, quase quebrando minhas costelas.

– Tá todo mundo bem? – Sam saiu do meio das folhagens do milharal. Seu rosto estava machucado, parecia que ele tinha entrado numa briga.

– Eu to bem, obrigado por perguntar! – Dean falou, sufocado por uma Zoe que se agarrava a seu pescoço. – Como foi que conseguiu escapar?

– Ah, foi fácil – Sam deu de ombros – Nocauteei os policiais antes que me matassem, então roubei a viatura e voltei para salvá-los. Acabei por encontrar o Bobby no caminho, ouvimos o guincho da Zoe e atiramos no espantalho bem quando ele ia atacar a coitada.

– A c-coisa m-morreu? – ela indagou, trêmula.

– Ainda não – Bobby veio até nós, carregando a espingarda – Apenas o afastamos com balas de sal grosso. Temos de encontrar a fraqueza dele e destruí-la.

– O que faz aqui, Bobby? – perguntou Killian, que ainda me abraçava – Pensei que tivesse outros assuntos para resolver.

– Bem, eu tinha que salvar vocês, não é? Tentei contatar Dean e Sam há umas horas e quando não consegui, soube que algo de ruim devia ter acontecido.

– Como soube que estávamos aqui? – Dean franziu a testa – E como foi que chegou tão rápido?

– Bem, eu não vim sozinho...

Dean fez cara de intrigado, como que se perguntando com quem Bobby viera. Dali a pouco uma voz veio por trás de nós e todos pulamos de susto.

– Ele veio comigo!

Cass! – fez Zoe, correndo até o recém-chegado e o abraçando com excessivo carinho. O homem pareceu desconfortável pelo gesto afetivo e apenas deu tapinhas na cabeça da garota.

Dean revirou os olhos e Sam e Bobby apenas sorriram, achando graça da cena.

– Dá pra nos transportar pra longe daqui? – perguntou Dean, carrancudo.

Num momento estávamos de pé no milharal e no segundo seguinte nos encontrávamos de pé num galpão abandonado. Gancho e eu nos entreolhamos, confusos. Quem quer que fosse aquele desconhecido, era poderoso o suficiente para teleportar pessoas de um lugar ao outro.

– Mas o quê...? – Gancho olhava de um lado para o outro, impressionado. – Como foi que...?

– Castiel pode teleportar de um lugar para o outro – informou Bobby – Foi assim que cheguei aqui tão rápido.

– Que tipo de criatura é você? – Killian estava mesmo curioso.

– Sou um anjo do Senhor – respondeu Castiel, muitíssimo desconfortável, porque Zoe ainda estava agarrada nele.

– Anjo? – estava boquiaberta.

Castiel não se parecia um anjo, pelo contrário, tinha uma aparência muitíssimo normal. Era um homem alto e esbelto, de cabelos pretos bagunçados, olhos azuis e barba por fazer. Usava calça e sapatos escuros, camisa branca, gravata azul e um sobretudo por cima de tudo.

– É, ele não parece um anjo – retrucou Dean, irritadíssimo – O que ainda está fazendo aqui? Já estamos salvos, agora pode ir.

– Dean, não seja grosseiro – ralhou Sam, caminhando até um canto escuro do galpão, onde nossos carros estavam estacionados. Ele explicou que o pessoal da cidade vasculhara os dois Impalas, descobrindo que éramos caçadores. – Por isso iam se livrar de nós, sabiam que íamos tentar acabar com o Vanir.

Killian examinou o carro por completo, para se certificar de que não havia nenhum estrago. Felizmente, o Impala ainda estava do mesmo jeito. Havia outros carros por ali, que provavelmente teriam pertencido às vitimas do Vanir. Os moradores usavam o galpão para ocultar provas que pudessem revelar que eram os verdadeiros culpados pelos desaparecimentos de casais. Aquilo ia acabar, porém, quando o Vanir fosse destruído.

– Descobri que a fraqueza do Vanir é uma árvore ao qual ele está ligado. A árvore é sua fonte de poder – dizia Bobby, recostado ao Impala dos Winchesters – Destruindo-a, matamos o deus junto.

– Ótimo! Então vamos queimar o pomar inteiro! – sugeriu Dean, animando-se.

– Podemos fazer isso amanhã, vocês já passaram por muita coisa. Arranjem um lugar para dormir e procuramos pela árvore ao amanhecer.

– O Cass bem podia ter teleportado umas camas – falou Dean e Sam o encarou com cara de “Isso não vai acontecer” – Tá bem, foi só uma ideia... Eu durmo no carro...

Nos dispersamos. Dean foi dormir, enquanto Bobby e Sam ficaram de vigia, para o caso de alguém aparecer. Zoe finalmente largou Castiel, que desapareceu, e Gancho e eu nos sentamos no banco traseiro do carro.

– Você tá bem? – ele perguntou, me encarando.

– Estou bem, apesar de tudo. – sorri - Sobrevivi a um espantalho assassino, agora posso escrever um guia de sobrevivência.

Rimos e ele me puxou para um abraço, afundando o rosto em meus cabelos.

– Desculpe ter gritado com você aquela hora. – disse, acariciando minha cabeça – Se algo tivesse acontecido, eu jamais me perdoaria.

– Não foi sua culpa, eu não consegui continuar a correr, por isso parei.

– Mas eu arrastei você pra cá. Me desculpe, não sei onde estava com a cabeça.

– Bem, não havia como sabermos o que ia acontecer. Eu gostei dessa viagem, foi bem divertida. Tirando a parte de quase virar picadinho de Vanir, é claro.

Ele riu e me olhou.

– Devíamos fazer isso mais vezes, não acha? Eu ia gostar da companhia...

Ele ia gostar da minha companhia... Não disse nada, apenas sorri e o encarei.

– Que bom que está bem, Ruby-Loob – ele continuou. Acariciava minhas bochechas e enrubesci ante nossa aproximação – Não sei como seria sem você...

Ele ia me beijar! Ele ia me beijar! Ele ia me...

– Hum, com licença – Dean Winchester bateu no vidro, nos interrompendo – Eu só queria saber: será que vocês têm um travesseirinho? O banco do carro é muito desconfortável...

Maldito Winchester!

(1) Créditos a QueenofVampires


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Notas finais do capítulo

O episódio: https://www.youtube.com/watch?v=G48n8xOpMN4
Beijinhos e até a próxima



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