Essence of Time escrita por Seraphina Morgenstern


Capítulo 28
One tear for one new friend.




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GENTE, POR FAVOR, SÉRIO, POR FAVOR MESMO, LEIAM AS NOTAS FINAIS, POR MIM?

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O trio estava nas sombras da Valência Boulevard, olhando para as letras douradas gravadas no mármore negro: ESTÚDIOS DE GRAVAÇÃO M.A.C.

Embaixo, impresso nas portas de vidro, PROIBIDA A ENTRADA DE ADVOGADOS, VAGABUNDOS E VIVENTES.

Já era quase meia-noite, mas o saguão estava iluminado e cheio de gente. Atrás do balcão da segurança estava sentado um guarda de aparência agressiva, com óculos escuros e um fone de ouvidos.

Thalia se virou para os amigos.

– Certo. Vocês se lembram do plano.

– O plano. – Grover engoliu seco. – Isso. Adoro o plano.

Annabeth disse:

– O que vai acontecer se o plano não funcionar?

– Sem pensamentos negativos.

– Certo. – Disse ela. – Estamos entrando na Terra dos Mortos e eu não devo ter pensamentos negativos.

Thalia tirou as pérolas do bolso, as três esferas cor de leite que a nereida lhe dera em Santa Monica. Elas não pareciam um recurso para o caso de algo dar errado.

Annabeth pôs a mão em seu ombro, o que não pareceu muito típico de Annabeth, mas ela fez mesmo assim.

– Desculpe, Thalia. – Disse, embora não tenha soado muito sincero. – Você tem razão, vamos conseguir. Vai dar tudo certo.

Ela deu uma cutucada em Grover.

– Ah, está certo! – Concordou ele. – Chegamos até aqui. Vamos encontrar o raio-mestre e salvar o mundo. Sem problemas.

Thalia olhou para os dois e se sentiu realmente grata (apesar da insinceridade de Annabeth). Enfiou as pérolas de volta no bolso.

– Vamos chutar alguns traseiros no Mundo Inferior.

Eles entraram no saguão do M.A.C.

Alto-falantes embutidos tocavam uma música ambiente suave. O carpete e as paredes eram cinza-chumbo. Cactos cresciam nos cantos como mãos de esqueletos. Os móveis eram de couro preto, e todos os assentos estavam ocupados. Havia gente sentada em sofás, gente em pé, gente olhando pela janela ou aguardando o elevador. Ninguém se mexia, nem falava, não faziam nada. Com o canto do olho, Thalia podia vê-los muito bem, mas, se ela se
concentrasse em qualquer um em particular, eles começavam a parecer... transparentes. Dava para ver através dos seus corpos.

O balcão da segurança ficava em cima de um degrau, portanto o trio tinha de olhar para o alto para falar com o guarda.

Ele era alto e elegante, com pele na cor de chocolate e cabelo tingido de loiro, cortado em estilo militar. Usava armação de tartaruga e um terno de seda italiano que combinava com o cabelo. Uma rosa negra estava presa à lapela, embaixo de um crachá de prata.

Thalia leu o nome no crachá e olhou para ele perplexo.

– Seu nome é Quíron?

Ele se inclinou por cima da mesa. Thalia não conseguiu ver nada em seus óculos exceto seu próprio reflexo, mas seu sorriso era doce e frio, como o de uma jiboia exatamente antes de devorar você.

– Que menina mais engraçadinha. – Ele tinha um sotaque estranho... inglês, talvez, mas como se tivesse aprendido inglês como segunda língua. – Diga-me, querida, eu pareço um centauro?

– Uh... não.

– Senhor. – Acrescentou ele suavemente.

– Senhor. – Thalia falou depois de ranger os dentes.

Ele segurou o crachá e correu o dedo embaixo das letras.

– Consegue ler isto, querida? Aqui diz C-A-R-O-N-T-E. Diga comigo: CA-RON-TE.

– Caronte.

– Fantástico! Agora: senhor Caronte.

– Senhor Caronte. – Thalia soltou entre dentes.

– Muito bem. – Ele se recostou. – Detesto ser confundido com aquele homem-cavalo. E agora, como posso ajudá-los, pequenos defuntos?

A pergunta dele acertou o estômago de Thalia como uma bola de beisebol. Ela olhou para Annabeth em busca de ajuda. Deixe a filha de Atena ser útil.

– Queremos ir para o Mundo Inferior. – Disse ela.

A boca de Caronte repuxou-se.

– Bem, isso é revigorante.

– É mesmo? – Perguntou Annabeth, a sobrancelha levantada. Thalia pensou na voz de Percy: tenha calma, conte até 10, não se estresse.

– Direto e honesto. Sem gritos. Sem "Deve haver algum engano, Sr. Caronte". – Ele nos olhou de cima a baixo. – Então, como vocês morreram?

Thalia cutucou Grover.

– Ah. – Disse ele. – Ahn... afogados... na banheira.

– Os três? – Perguntou Caronte.

Os três assentiram, não antes de Thalia enviar um olhar fulminante para Grover.

– Que banheira grande. – Caronte pareceu levemente impressionado. – Suponho que vocês não têm moedas para passagem. Com adultos, vocês sabem, eu poderia debitar no cartão de crédito, ou acrescentar o preço da travessia na sua última conta de telefone. Mas com crianças... infelizmente, vocês nunca morrem preparadas. Acho que terão de ficar sentados por alguns séculos.

– Ah, mas nós temos moedas. – Thalia pôs três dracmas de ouro sobre o balcão, parte da provisão que ela encontrara na mesa do escritório de Crosta.

– Ora vejam... – Caronte umedeceu os lábios. – Dracmas de verdade. Não vejo uma dessas faz...

Seus dedos pairaram avidamente sobre as moedas. Eles estavam muito perto.

Então Caronte olhou para Thalia. O olhar frio atrás dos óculos pareceu abrir um buraco em seu peito.

– Mas você não conseguiu ler meu nome direito. Você é disléxica, garota?

– Não. Sou uma morta.

Caronte inclinou-se para frente e deu uma cheirada.

– Você não está morta. Eu devia saber. É um filhote de deus.

– Temos de chegar ao Mundo Inferior. – Thalia insistiu, já sentindo a raiva correr por ela.

Caronte rosnou no fundo da garganta.

No mesmo instante, todas as pessoas na sala de espera se levantaram e começaram a andar de um lado para outro, agitadas, acendendo cigarros, passando as mãos pelos cabelos ou olhando para os relógios de pulso.

– Vão embora enquanto podem. – Disse Caronte. – Vou ficar com estas moedas e esquecer que os vi.

Ele começou a esticar a mão para as moedas, mas Thalia as puxou de volta.

– Sem serviço, sem gorjeta. – Thalia colocou sua expressão mais valente.

Caronte rosnou de novo – um som profundo, de gelar sangue. Os espíritos dos mortos começaram a bater nas portas do elevador.

– É uma pena. – Thalia suspirou com falsa decepção. – Tínhamos mais para oferecer.

Thalia ergueu a sacola inteira com o tesouro de Crosta. Tirou um punhado de dracmas e deixou as moedas escorregarem entre os dedos. O rosnado de Caronte se transformou em algo mais parecido com um ronronar de leão.

– Acha que pode me comprar, filhote de deus? Ahn... curiosidade, quanto você tem aí?

– Muito. – Thalia falou, sentindo o próprio rosto se contorcer numa expressão convencida. – Aposto que Hades não lhe paga o bastante por um trabalho tão duro.

– Ah, você não sabe nem da metade. Iria gostar de ser babá desses espíritos o dia inteiro? Sempre com "Por favor, não me deixe ficar morto" ou "Por favor, deixe-me atravessar de graça”. Não tenho um aumento há três mil anos. Acha que ternos como este custam barato?

– Você merece coisa melhor. – Thalia concordou, não realmente se sentindo piedosa. – Algum reconhecimento. Respeito. Bom salário.

A cada palavra, Thalia empilhava outra moeda de ouro no balcão. Caronte baixou os olhos para o paletó de seda italiana, como se estivesse se imaginando com algo ainda melhor.

– Devo dizer, querida, que a gente está começando a falar a mesma língua. Um pouco.

Thalia empilhou mais algumas moedas.

– Eu poderia mencionar um aumento de salário quando estiver falando com Hades.

Ele suspirou.

– Bem, o barco já está quase cheio. Poderia muito bem encaixar vocês três e zarpar.

Ele se pôs de pé, pegou o dinheiro e disse:

– Venham comigo.

Eles abriram caminho entre a multidão de espíritos que aguardavam, os quais começaram a puxar suas roupas como o vento, as vozes sussurrando coisas que Thalia não podia distinguir. Caronte empurrou-os do caminho, resmungando:

– Parasitas.

Ele os escoltou até o elevador, que já estava apinhado de algumas dos mortos, todos segurando um cartão de embarque verde. Caronte agarrou dois espíritos que tentavam entrar com o grupo e os empurrou de volta para o saguão.

– Muito bem. Agora, ninguém comece a ter ideias enquanto eu estiver fora. – Anunciou ele para a sala de espera. – E se alguém tirar minha estação de música de sintonia novamente, farei vocês ficarem aqui por outro milênio. Entendido?

Ele fechou as portas. Enfiou um cartão-chave em uma fenda no painel do elevador e começamos a descer.

– O que acontece com os espíritos que ficam esperando no saguão? – Perguntou Annabeth.

– Nada. – Disse Caronte.

– Por quanto tempo?

– Para sempre, ou até eu me sentir generoso.

– Ah. – Disse ela, parecendo desinflar. – Isso é... justo.

Caronte ergueu uma sobrancelha.

– Quem disse que a morte era justa, mocinha? Espere até chegar a sua vez. Você vai morrer em pouco tempo, no lugar está indo.

– Vamos sair vivos. – Falou Annabeth.

– Ah.

Thalia sabia no que Annabeth estava pensando no momento em fizera sua primeira pergunta: Percy. Se ele tivesse realmente morrido naquela noite, quase cinco anos atrás, quando ainda tinha oito anos, ele provavelmente estaria naquele saguão, agora mesmo, se duvidar. Mas com crianças... infelizmente, vocês nunca morrem preparadas, Caronte dissera. Quanto tempo Percy teria de ter esperado antes de finalmente ter a paz que ele merecia? Quanto tempo até Caronte “se sentir generoso”?

De repente, Thalia teve vontade de socar alguém. Caronte, de preferência.

Thalia teve de repente uma sensação de vertigem. Eles não estavam mais indo para baixo, mas para a frente. O ar ficou enevoado. Os espíritos à sua volta começaram a mudar de forma. Suas roupas modernas tremiam e se transformavam em mantos cinzentos com capuz. O piso do elevador começou a oscilar.

Thalia piscou com força. Quando abriu os olhos, o terno creme italiano de Caronte fora substituído por um longo manto negro. Seus óculos de tartaruga haviam desaparecido. Onde deviam estar os olhos havia órbitas vazias – como os olhos de Ares, só que os de Caronte eram totalmente escuros, repletos de noite, trevas e desespero. Ele a viu olhando e disse:

– O quê?

– Nada. – Thalia conseguiu dizer.

Ela achou que ele estivesse sorrindo, mas não era isso. A pele de seu rosto estava ficando transparente, deixando que Thalia visse até o crânio.

O chão continuou oscilando.

Grover disse:

– Acho que estou ficando enjoado.

Quando Thalia piscou de novo, o elevador não era mais um elevador. Eles estavam agora dentro de uma barcaça de madeira. Caronte usava uma vara para movê-los ao longo de um rio escuro, cheio de óleo, com ossos, peixes mortos e outras coisas estranhas girando na superfície... bonecas de plástico, cravos esmagados, diplomas encharcados com bordas douradas.

– O rio Estige. – Murmurou Annabeth. – É tão...

– Poluído. – Disse Caronte. – Há milhares de anos vocês, seres humanos, quando o atravessam, jogam tudo nele... esperanças, sonhos, desejos que jamais se tornam realidade. Um modo irresponsável de tratar seu lixo, se querem saber.

A névoa subia em espirais da água imunda. Acima deles, quase perdido nas sombras, havia um teto de estalactites. A frente, a costa distante brilhava com uma luz esverdeada, a cor do veneno.

O pânico obstruiu a garganta de Thalia, nublando seus pensamentos. O que ela estava fazendo ali? Aquelas pessoas ao redor dela... estavam mortas.

Thalia sentiu Grover e Annabeth agarrarem cada uma de suas mãos. Em circunstâncias normais, isso teria deixado Thalia com raiva, pelo menos no caso de Annabeth, mas ela entendia como eles se sentiam. Queriam se assegurar de que mais alguém estava vivo naquele barco.

Thalia então percebeu que ela própria murmurava uma oração, embora não soubesse bem para quem estava rezando. Ali embaixo só um deus importava, e era ele que ela fora confrontar.

A praia do Mundo Inferior surgiu à vista. Rochas escarpadas e areia vulcânica negra se estendiam terra adentro por cerca de cem metros até um muro alto de pedra, que se prolongava para os lados até onde a vista podia alcançar. De algum lugar por perto nas sombras verdes, veio um som, reverberando nas pedras – o uivo de um grande animal.

– O velho Três-Caras está com fome. – Disse Caronte. Seu sorriso se tornou esquelético à luz esverdeada. – Má sorte para vocês, filhotes de deuses.

O fundo do barco deslizou sobre a areia preta. Os mortos começaram a desembarcar. Uma mulher segurando a mão de uma menininha. Um casal de idosos capengando lentamente, de braços. Um menino que não era mais velho que Thalia arrastava os pés em silêncio em seu manto cinzento.

Caronte disse:

– Eu lhe desejaria sorte, querida, mas isso não existe por aqui. Lembre-se, não deixe de mencionar meu aumento de salário.

Ele contou suas moedas de ouro em sua bolsa, depois pegou a vara. Gorjeou algo que parecia uma canção de Barry Manilow enquanto empurrava a barcaça de volta através do rio.

O grupo seguiu os espíritos por um caminho já muito percorrido.

~~~~~~~PJO~~~~~~~

Thalia não sabia muito bem o que estava esperando – os Portões do Céu, uma ponte levadiça grande e escura ou coisa assim. Mas a entrada para o Mundo Inferior parecia uma mistura de segurança de aeroporto com a autoestrada de New Jersey.

Havia três entradas separadas embaixo de um enorme arco negro que dizia VOCÊ ESTÁ ENTRANDO EM ÉREBO. Em cada entrada havia um detector de metais com câmeras de segurança instaladas no alto. Depois disso, havia cabines de pedágio operadas por espíritos como Caronte.

Os uivos de animal faminto eram agora muito altos, mas Thalia não conseguia ver de onde vinham. O cão de três cabeças, Cérbero, que deveria guardar a porta do Hades, não estava em lugar nenhum.

Os mortos formaram três filas, duas identificadas como ATENDENTE DE SERVIÇO e uma como MORTE ESPRESSA. A fila MORTE EXPRESSA estava avançando sem parar. As outras duas se arrastavam.

– O que você imagina? – Thalia perguntou a Annabeth.

– A fila rápida deve ir diretamente para os Campos Asfódelos. – Respondeu ela. – Sem contestação. Eles não querem se arriscar ao julgamento do tribunal, porque pode ir contra eles.

– Existe um tribunal para gente morta?

– Sim. Três juízes. Eles se revezam na magistratura. O rei Minos, Thomas

Jefferson, Shakespeare... pessoas assim. Às vezes olham para uma vida e concluem que aquela pessoa precisa de uma recompensa especial: os Campos Elísios. Às vezes decidem por um castigo. Mas a maioria das pessoas, bem, elas apenas viveram. Nada de especial, nem bom nem mau. Então vão para os Campos Asfódelos.

– E fazem o quê?

Grover disse:

– Imagine-se em um campo de trigo no Kansas. Para sempre.

– Dureza. – Comentou Thalia.

– Não tanto quanto aquilo. – Murmurou Grover. – Olhe.

Uma dupla de vultos de mantos negros havia puxado um espírito para o lado e o estava revistando junto à mesa da segurança. O rosto do morto parecia vagamente familiar.

– Ele é o pregador que saiu no noticiário, está lembrada? – Perguntou Grover para Annabeth.

– Ah, sim. – Annabeth respondeu, mas Thalia não sabia do que os dois estavam falando, e nem queria saber.

– O que estão fazendo com ele? – Perguntou, ao invés disso.

– O castigo especial de Hades. – Adivinhou Grover. – As pessoas realmente más recebem atenção particular dele quando chegam. As Fúr... as Benevolentes vão preparar uma tortura para ele.

Pensar nas Fúrias fez Thalia estremecer (embora ela nunca admitiria isso se perguntassem). Ela percebeu que naquele momento estava no território delas.

– Mas se ele é um pregador – falou – e acredita em um inferno diferente...

Grover encolheu os ombros.

– Quem disse que ele está vendo este lugar do mesmo modo que nós? Os seres humanos veem o que querem ver. Vocês são muito teimosos... ahn, persistentes, nisso.

O trio chegou mais perto dos portões. Os uivos ali eram tão altos que sacudiam o chão embaixo de seus pés, mas ainda assim Thalia não conseguia perceber de onde vinham. Então, cerca de quinze metros à nossa frente, a névoa verde tremulou. Exatamente no lugar onde o caminho se dividia em três estava um monstro enorme e indistinto.

Thalia não o tinha visto antes porque ele era meio transparente, como os mortos. Até se mexer, sua imagem se fundia com o quer que estivesse atrás dele. Somente os olhos e os dentes pareciam sólidos. Ele a estava encarando.

O queixo dela caiu. Tudo o que pude pensar em dizer foi:

– É um rottweiler.

Sempre imaginara Cérbero como um grande mastim preto. Mas ele era obviamente um rottweiler de raça pura, a não ser, é claro, por ter duas vezes o tamanho de um mamute, ser quase invisível e ter três cabeças.

Os mortos andavam na direção dele – sem nenhum medo. As filas das placas ATENDENTE EM SERVIÇO se separavam, cada uma para um lado do monstro. Os espíritos de MORTE EXPRESSA caminhavam direto por entre as patas da frente e por baixo da barriga, o que podiam fazer sem sequer se abaixar.

– Estou começando a vê-lo melhor. – Murmurou Thalia. – Por que será?

– Acho... – Annabeth umedeceu os lábios. – Sinto muito, mas acho que é porque estamos mais perto de ser pessoas mortas.

A cabeça do meio do cão se esticou na direção deles. Ele farejou o ar e rosnou.

– Ele consegue farejar os vivos. – Falou Thalia.

– Mas está tudo bem. – Disse Grover, trêmulo ao lado dela. – Porque temos um plano.

– Certo. – Disse Annabeth. Thalia nunca tinha ouvido a voz dela soar tão baixa. – Um plano.

Os três avançaram na direção do monstro. A cabeça do meio rosnou para eles, depois latiu tão alto que as pupilas de Thalia chacoalharam.

– Você consegue entender? – Perguntou a Grover.

– Ah, sim. – Disse ele. – Eu consigo entender.

– O que ele está dizendo?

– Não acredito que os seres humanos possuam um palavrão tão grande assim.

Thalia pegou um pedaço de madeira que tinha na mochila – um pé de cama que ela tinha arrancado de um modelo em exposição de Crosta, a Safári Deluxe. Segurou-o no alto e tentou canalizar pensamentos caninos felizes para o Cérbero – comerciais de ração, cães engraçadinhos, postes. Tentou sorrir, como se não estivesse prestes a morrer.

– Ei, garotão. – Gritou. – Aposto que eles não brincam muito com você aqui.

"GRRRRRRRRRAUl"

– Bom menino. – Ela respondeu, fraquejando.

Thalia acenou o bastão. A cabeça do meio do cão acompanhou o movimento. As outras duas fixaram os olhos nela, ignorando completamente os espíritos. Ela tinha toda a atenção de Cérbero. Não sabia muito bem se isso era bom.

– Vá buscar! – Thalia atirou o bastão para as sombras, um lançamento perfeito. Ouviu o tibum! no Estige.

Cérbero a olhou, feroz, nada impressionado. Os olhos eram cheios de ódio e frios. Fim do plano.

O monstro agora produzia um novo tipo de rosnado, mais profundo nas suas três gargantas.

– Ahn. – Disse Grover. – Thalia?

– Sim?

– Apenas achei que você gostaria de saber.

– Sim?

– Cérbero... Ele está dizendo que temos dez segundos para rezar para o deus que escolhermos. Depois disso... bem... ele está com fome.

– Espere! – Disse Annabeth. Ela começou a revirar sua mochila.

Epa, pensou Thalia.

– Cinco segundos. – Disse Grover. – Corremos agora?

Annabeth surgiu com uma bola de borracha vermelha do tamanho de uma grapefruit. A etiqueta dizia PARQUE AQUÁTICO AQUALÂNDIA – DENVER, COLORADO.

Antes que Thalia pudesse impedi-a, ela ergueu a bola e marchou na direção de Cérbero. Ela gritou:

– Está vendo a bola? Quer a bola, Cérbero? Senta!

Cérbero parecia tão perplexo quanto Thalia e Grover.

As três cabeças se inclinaram de lado. Seis narinas se dilataram.

– Senta! – Gritou Annabeth outra vez.

Thalia tinha certeza de que a qualquer momento Annabeth se transformaria no maior biscoito para cachorro do mundo, o que, sinceramente, não a deixou tão desanimada assim.

Em vez disso, porém, Cérbero lambeu seus três pares de lábios, sacudiu o traseiro e sentou, esmagando imediatamente uma dúzia de espíritos que passavam por baixo dele na fila MORTE EXPRESSA. Os espíritos produziram um chiado abafado ao se dissipar, como ar escapando de pneus.

– Bom menino! – Disse Annabeth.

E atirou a bola para Cérbero. Ele a agarrou com a boca do meio. A bola mal tinha tamanho suficiente para ele morder, e as outras cabeças começaram a avançar na do meio, tentando pegar o novo brinquedo.

– Solta! – Ordenou Annabeth.

As cabeças de Cérbero pararam de brigar e olharam para ela. A bola estava presa entre dois dos seus dentes como um pedacinho de chiclete. Ele soltou um lamento alto e assustador, depois largou a bola, gosmenta e quase rasgada no meio, aos pés de Annabeth.

– Bom menino. – Annabeth pegou a bola, ignorando a baba de monstro.

Ela se virou para Grover e Thalia.

– Vão, agora. Fila da MORTE EXPRESSA... essa anda mais rápido.

– Mas... – Grover argumentou.

– Agora! – Ordenou ela, no mesmo tom que estava usando com o cão.

Grover e Thalia avançaram devagarzinho, cautelosos. Cérbero começou a rosnar.

– Fica! – Ordenou Annabeth ao monstro. – Se quer a bola, fica!

Cérbero ganiu, mas ficou onde estava.

– E você? – Thalia perguntou a Annabeth quando passaram por ela.

– Sei o que estou fazendo, Thalia. – Murmurou ela. – Pelo menos, tenho quase certeza...

Grover e Thalia seguiram por entre as pernas do monstro.

Por favor, Annabeth, Thalia secretamente rezava. Não o mande sentar de novo.

Eles conseguiram passar. Cérbero não era menos assustador visto de trás.

– Bom cachorro! – Disse Annabeth.

Ela ergueu a bola vermelha esfrangalhada e, provavelmente, chegou à mesma conclusão que eu – se recompensasse Cérebro, não restaria nada para mais um truque.

Assim mesmo, ela jogou a bola. A boca esquerda do monstro a agarrou imediatamente, só para ser atacada pela cabeça do meio enquanto a cabeça da direita gemia em protesto.

Enquanto o monstro estava distraído, Annabeth marchou energicamente por baixo da barriga dele e juntou-se a nós perto do detector de metais.

– Como fez aquilo? – Thalia perguntou, um pouco impressionada.

– Aula de adestramento. – Disse Annabeth sem fôlego, e Thalia realmente ficou surpresa ao ver que havia lágrimas em seus olhos. – Quando eu era pequena, na casa do meu pai, nós tínhamos um dobermann...

– Não tem importância. – Disse Grover puxando a camisa de Thalia. – Vamos!

Eles estavam a ponto de disparar pela fila de MORTE EXPRESSA quando Cérbero gemeu de dar dó, com todas as três bocas. Annabeth parou.

Cérbero arfava ansioso, a pequenina bola vermelha despedaçada em uma lagoa de baba a seus pés.

– Bom menino. – Disse Annabeth, mas sua voz pareceu melancólica e insegura.

As cabeças do monstro se inclinaram, como se ele estivesse preocupado com ela.

– Logo vou trazer uma bola nova para você. – Orometeu Annabeth, insegura. – Você quer?

O monstro choramingou. Thalia não precisava falar língua de cachorro para saber que Cérbero ainda estava esperando a bola.

– Bom cachorro. Venho logo visitar você. Eu... eu prometo. – Annabeth virou-se para nós. – Vamos.

Grover e Thalia passaram pelo detector de metais, que imediatamente soou e disparou a piscar luzes vermelhas.

"Pertences não autorizados! Mágica detectada!"

Cérbero começou a latir.

O grupo se lançou pelo portão MORTE EXPRESSA, o que disparou ainda mais alarmes, e correram para dentro do Mundo Inferior. Alguns minutos depois, estavam se escondendo, sem fôlego, no tronco apodrecido de uma imensa árvore negra, enquanto os espíritos da segurança passavam correndo, berrando pela ajuda das Fúrias.

Grover murmurou:

– Bem, Thalia, o que aprendemos hoje?

– Que cães de três cabeças preferem bolas de borracha a pedaços de pau?

– Não. – Respondeu Grover. – Aprendemos que seus planos são muito, muito ruins!

Thalia não tinha essa certeza. Talvez fosse o caso de Thalia e Annabeth terem tido a ideia certa. Mesmo ali, no Mundo Inferior, todo mundo – até mesmo os monstros – precisa de um pouco de atenção de vez em quando.

Thalia pensou nisso enquanto esperavam que os espíritos passassem, fingindo que não vira Annabeth enxugar uma lágrima ao ouvir o lamento triste de Cérbero a distância, sentindo falta da nova amiga.


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Notas finais do capítulo

Ok, eu queria começar pela minha palavra de arrependimento por ter demorado: Sorry. Mas essa semana têm sido ótima para mim: ganhei um celular novo, tirei 10 em Redação, passei para a 3ª fase da Olimpíada Ortográfica, cortei o meu cabelo que chegava no quadril para se tornar um chanel... É, podia ser pior.

So... Ah, sim, esse capítulo não teve muita ação, mas eu prometo que o próximo será melhor. Eeee, tem uma coisa que eu queria dizer para vocês, que, eu pelo menos, considero importante.

WARNING: dia 10 de junho é meu aniversário! E eu vou fazer... *tambores*... 13 anos! Nada me deixaria mais satisfeita se vocês dessem recomendações como presente! Porque são das recomendações que eu mais gosto, e eu acho que eu mereço... Mas vocês que sabem, né.

Mais uma coisa: algum de vocês joga QuizUp? Se alguém jogar, eu sou a "Nogitsune". Desafiem-me, conversem, ia ser legal.

Seven kisses for you!

P.s.: Talvez eu poste no feriado, apenas talvez.