Biografia de Alguém escrita por Madu Loescher


Capítulo 20
Capítulo 20


Notas iniciais do capítulo

Sei que demorei a postar novamente e peço desculpas a todos os leitores que me acompanharam até aqui. Também agradeço aos novos leitores, que estão entrando agora no universo de Diego e Helena. Espero que estejam gostando. Estamos quase no fim da primeira parte da Biografia de Alguém. Posso pedir uma coisa? Vocês acham que eu deveria fazer outra história como continuação dessa ou escrevo a segunda parte aqui?
Bem, obrigada pela atenção e... Ao capítulo!



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Os meses se passam da mesma maneira. Isso poderia ser chamado de monotonia por muitas pessoas. Até mesmo no dicionário, a definição seria essa. Mas não para mim. Essa “monotonia” é maravilhosa. Eu não a trocaria por nada.

Eu e Diego entramos no ônibus que nos leva ao colégio todo dia às seis horas da manhã. O sol ainda não nasceu direito nesse horário e, mesmo assim, já estou à mil. Conheci melhor as garotas, e nos tornamos grandes amigas. Ainda que a intimidade com Louise sempre tenha sido maior do que com as outras garotas, eram todas pessoas maravilhosas, que não trocaria por nada.

Com várias personalidades e posturas diferentes entre nós, é realmente surpreendente que o grupo já dure tanto tempo.

Num piscar de olhos, esses meses se tornaram anos. Já estamos no segundo ano do ensino médio e, ainda que nosso conhecimento sobre todas as matérias tenha aumentado, nossa idade mental continua minúscula. Digo: que tipo de grupo se junta para uma maratona de filmes de terror e tem mais medo do barulho do carro do que do filme em si? E quando alguém conta uma piada idiota, como a do peixe que caiu do 13º andar? A risada dura até a próxima semana! Sim, somos um grupo de retardadas e sim, não poderia ser melhor.

As lembranças desses anos rolam por minha mente enquanto tenho que sobreviver até o fim da última aula do ano. Assim que o relógio bater 04h30min, minha cabeça poderá, finalmente, esquecer tudo o que aprendi durante todo um ano letivo. Pode parecer errado o que digo, mas definitivamente é a verdade: quando as férias chegam, todos esquecem o que aprenderam. A não ser, é claro, que refaçam os exercícios durante as férias, o que eu duvido que alguém faça.

– Helena? – pergunta o professor, em sua rouca e grave voz. – Pode, por favor, me dizer quanto… e tudo o que ouvi, além disso, foi uma música ambiente em minha cabeça. Após alguns instantes, seus olhos arregalaram, pedindo uma resposta rápida. Provavelmente, antes que o sinal tocasse. – Helena, a pergunta está no quadro. Pode, por favor, responder? – ajeito os óculos no rosto e formulo a resposta, quando ele adiciona mais um incentivo – se acertar, a turma toda pode sair agora. Se não, vão ter que esperar mais quinze minutos. – o desespero bate à minha porta, mas não o deixo entrar. Respondo exatamente como pretendia e então ele simplesmente abre a porta e diz triunfante – Podem sair. Boas férias para aqueles que passaram e nos vemos segunda feira para quase a turma toda que ficou de prova final.

– Você não gosta mesmo da gente, né?

– Nem um pouco. – responde, sorrindo. Rio de volta e me atiro porta afora. Verificando que realmente faltavam quinze minutos, sento-me no chão, em frente à sala de aula do resto do grupo e ligo o celular. Em menos de um minuto, a música já está tocando. Entro no whatsapp para tentar conversar com Louise. Não sei se ela já está online, mas o horário de nossa conversa diária por Skype é quatro e meia. São quarto e quinze.

Eu: Lou, tudo bem?

Sua resposta é automática:

Louise: Que é isso, hein garota? Usando o celular em sala de aula? Que feio!

Eu: Hahahahahah. Lou, ele liberou mais cedo.

Louise: Ah, ufa! Estava tentando entender quando minha modelo ruiva foi corrompida e levada para o lado negro da força! Haahahahha.

Eu: Então, como vão as coisas aí In Deutschland?

Louise: Hahaha. Tudo ótimo. Você não tem noção do frio que está fazendo aqui! São uns dez graus negativos!

Eu: Como você ainda está viva para falar comigo?

Louise: Eu nasci aqui. Acho que tenho uma resistência para esse frio. E o calor?

Eu: Mais quente a cada ano. Quando você vem nos visitar? Não nos vemos há três anos!

Louise: Não posso. Você sabe que já estou estudando para a faculdade.

Eu: (Emoticon triste) Tudo bem. Ainda vamos dar um jeito. Temos uma grande notícia para te dar.

Louise: Fala!!!! Por favoooorr!!!!!

Eu: Só posso falar com o grupo todo junto. E por favor, você pode não dizer que eu mencionei a surpresa, Okay?

Louise: Vou pensar no seu caso...

Eu: Hahahahah. Ei, o pessoal chegou. Já pode atender chamada de Skype?

Louise: Com certeza! Mas quero ver seus rostos!

As garotas saíram da sala delas da mesma maneira de sempre: gritando. Ao nos ouvir, Lou solta uma bela risada, que é ouvida por todas as pessoas do corredor. Alguns alunos param para entender, outros continuam correndo e ainda há os que simplesmente veem que tem a ver conosco, pensam “é coisa de louco” e continuam andando.

Elas se espremem para aparecer na câmera e acabam bloqueando a passagem do corredor. Enquanto algumas pessoas pegam outros caminhos, outras pulam sobre nós. Não faz diferença nenhuma. Estamos todas juntas e isso é a base para o resto do mundo desaparecer completamente.

– Meu Deus! Vocês são cada vez mais loucas, sabiam? – berrou Louise, tentando ser ouvida por todas nós. Em compensação, as pessoas da praça na qual ela está, lá na Alemanha, ouvem melhor do que pretendem.

– Sabemos! – grito. – Mas você também não é muito certa das ideias não!

– Estamos morrendo de saudades! – gritamos em uníssono. Então começa uma correria pela procura de algo verde. Enfio meu indicador na boca de Lis, onde a borracha do aparelho é verde. Então todos lutam para enfiar a mão na boca dela. A cena é um pouco nojenta, mas o que posso fazer? Somos assim mesmo.

– Ai! Gente, vocês podem deixar para fazer isso depois? – pergunta Lou, do outro lado da tela (e do mundo). Ela sempre foi um pouco fresca com coisas babadas. – Isso está nojento. – então Camilla dá um tapa no próprio fichário e grita, vitoriosa:

– Preto é mais forte! Toma!

A risada é geral. Até mesmo a coordenadora do seguimento, que vinha para dar uma bronca, ri com essa demonstração de controle sobre “mandraque”.

Após uma meia hora, chegamos a minha casa e nos arrumamos. Eu, as garotas e Diego nos amontoamos sobre a cama e ligamos a TV. Nela, a chamada por Skype aparece, com a imagem de Louise, sua voz, e nós no canto da tela.

– Só faz meia hora, mas já estava com saudades de vocês. Diego! Tudo bem?

– Oi Louise! – Diego tenta se comunicar, enquanto as garotas perguntam sobre os alemães, sua família, a faculdade, o curso de literatura inglesa… Ela está muito animada com a ideia do curso. Sempre foi seu sonho estudar literatura inglesa na faculdade e, quando descobriu que isso seria quase um gasto de dinheiro, pois não conseguiria nenhum emprego como especialista em literatura inglesa, desistiu. Agora, com esse curso que é quase uma faculdade, ela tem o que queria!

– Ei! – Camilla grita, acima de todos. – Eu conto! Sis – é abreviação de sister e como Camilla a chama. – Não sei se é uma noticia boa ou não, mas a Helena também não sabe. – Minha expressão deve ter sido tão estranha, que todas riram da minha cara. Disseram-me que os pais de Lis e Isis haviam comprado passagens de avião para que Louise pudesse passar as férias aqui conosco. E, até agora, eu acreditei plenamente nisso. – Helena, descobriram que você está aqui ilegalmente. Mas, como em alguns anos você já vai ser maior de idade, a mãe de Diego conseguiu convencer a justiça a deixar você longe do orfanato. - Não sei quem está mais chocada: eu ou Louise. Engulo em seco e tento entender o que tudo isso tem haver com Louise ao mesmo tempo em que comigo. Ainda que ela seja amiga minha, não faz muito sentido... - Mas ainda assim você não pode continuar a morar aqui, Helen - ela me chama assim às vezes, é só acostumar. - então sabe onde você vai morar...? Espero que seu Alemão esteja afiado, porque vai morar com Louise!

Todas as garotas começam a sorrir para mim, felizes. É possível ver claramente no rosto de Lis que estão sorrindo para não acabar me deixando triste de deixar o Brasil e todas elas lá. E, no fundo, eu estou à beira das lágrimas. Mas a perspectiva de ver Louise novamente, de poder conversar com ela ao vivo e em cores e, principalmente, abraçar minha melhor amiga novamente, não deixa que o sorriso se desmanche em meu rosto. As palavras não saem de minha garganta, até que Lou começa a falar sobre onde eu vou dormir, comprar roupas de frio, o horário, o colégio... Em resumo: tudo o que vai mudar.

–... E eu tenho que te apresentar ao pessoal daqui. Também tenho alguns amigos fotógrafos aqui e... Espera! Você vai amar esse pessoal! - pega o celular e põe no viva voz.

– Halo Louise! Wie geht's? - Após isso, a conversa toma uma linguagem tão complicada, que acabo incapacitada de compreender.

– Helena esse é o Rudy. Vocês vão se dar muito bem, tenho certeza! Rudy, sie heiβt Helena. Ah... Okay. Ciao.

– Não entendi nada. - ri. - Você vai ter que me treinar.

O resto do dia, só conversamos em alemão. Lógico que Louise teve que ir dormir algumas horas depois, mas continuamos mesmo assim. Como entrei depois delas no colégio, minha dificuldade é muito grande, mas após um tempo consigo me comunicar com uma facilidade muito maior que antes, ainda que nem chegue aos pés delas. Às 20h00min, as garotas vão embora e fico sozinha com Diego, que se isolou do grupo a tarde inteira.

– O que houve? – pergunto. – Você está chateado... Por favor, não me diga que é por causa da viagem.

– Er... É sim. Anne, eu não sei se vou conseguir ficar longe de você. E tem uma grande chance de você ficar por lá. Conhecer um alemão loiro com olhos azuis e ter filhos meio ruivos meio loiros com olhos azuis e viver feliz para sempre com ele longe do Brasil e... De mim. – Diego tem os nervos à flor da pele, e não consegue se segurar. Sento-me a seu lado e, quando ele levanta o rosto, vejo seus olhos. Não são azuis como os dos alemães. São mais profundos. Eles não pertencem a lugar nenhum. Com toda a animação da viagem, nem pensei em como ele estaria se sentindo! Sou um maldito monstro! E tenho que resolver. Ou, pelo menos, tentar. Toda a extensão de seus pensamentos é mostrada ao mundo por eles. Mas só para quem sabe vê-los. Encobrindo esses pensamentos, uma camada d'água ameaça transbordar de sua superfície e, quando a pequena lágrima desce serpenteando por seu rosto, sinto-me destruída por dentro. Meu coração bate mais forte, na tentativa de não me culpar por ter-lhe feito isso.

– Harry, eu... Desculpa. Prometo que vou voltar. Você sabe que eu não conseguiria viver longe dessa casa muito tempo. E sabe por quê? Não é somente por Bianca. É porque uma pessoa maravilhosa mora aqui. – Diego sorri por entre as lágrimas, que me impedem de ver a chegada de uma piadinha.

– Também adoro minha mãe. Ela é uma pessoa incrível!

– Diego! Você sabe de quem estou falando, sem dúvida nenhuma. – Tento segurar seu rosto em minha mão, como ele sempre faz quando tenta me animar. O tamanho de meus dedos parece insignificante se comparado ao de seu rosto. Uma barba rala começou recentemente a surgir, e esta se choca contra minha pele. Um sorriso cansado se abre em seu rosto, e sua mão envolve a minha no abraço que queria poder dar-lhe: quente, acolhedor e doce.

– Claro que sei. - sua voz, que antes eu já pensava ser aveludada, é agora tão grave, que sua voz antiga parecia até mesmo voz de criancinha. – E só para deixar claro, em nossa relação absurda, eu sou o cara que te anima. E você é a garota que precisa do cara animador aqui por perto. – ele me envolve em seus braços, tentando acalmar a si mesmo. Sinto-me minúscula, mas, ao mesmo tempo, melhor que eu qualquer outro momento. – Acho que finalmente entendi porque você não vai me deixar por um estrangeiro qualquer de olhos azuis e cabelos loiros.

– Por quê? Fiquei curiosa para saber sua opinião. Será como a do triângulo das bermudas?

– Você nunca vai esquecer a teoria do triângulo?

– Diego, um monstro feito de bermudas come as pessoas e veste as bermudas delas, enquanto brinca com os navios?! É o tipo de coisa que nunca se esquece. – a lembrança traz nossa história à tona. Junto com os momentos tristes, os felizes também. Meus olhos acabam podendo ser comparados aos dele: ambos marejados. Mas, ainda assim, seus olhos sempre foram os mais belos.

– Eu te abracei porque precisava de ajuda. E, além de você ter me ajudado, você se sentiu protegida no abraço de um garoto que precisa de você. Isso prova que precisa de mim. Não se deixa o que precisa.

– Não é bem isso. Sabe, eu adoraria morar lá na Alemanha. Imagine só! Uma cabana de madeira, coberta de neve. Duas crianças brincando no quintal com seus casacos de neve... Ruivas com profundos olhos cinza. Imagine! Um mini Diego a mais na minha vida! E você ainda teria que aguentar uma Helena extra.

– Seria maravilhoso! Mas sabe o que temos que fazer? Ainda não te levei naquele encontro que te prometi. Lembra?

– Claro que lembro!

– Okay. Então... vá arrumar as malas que eu vou arrumar tudo. Beleza?

– Beleza.

– Te vejo lá no nosso quarto.

– Do jeito que você é detalhista, eu já estarei dormindo.

– Boa noite então, bela adormecida.

– Boa noite meu cavaleiro de armadura.


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