Biografia de Alguém escrita por Madu Loescher


Capítulo 19
Capítulo 19




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– Como é possível um ser humano tirar fotos tão boas? – pergunto, após uma seção quase interminável de fotos no: quintal, muro, quarto, piano e, uma das minhas preferidas: Diego babando no livro de ciências. – E não me diga que é questão de prática.

– Além disso, é uma questão de ver a foto antes de batê-la. Por exemplo… Tente tirar uma foto dos seus bichinhos de pelúcia. – ela me entrega a câmera, passa a alça por meu pescoço e abre o armário para que eu não solte nem uma das mãos da câmera. Pega um ursinho (meu bichinho de pelúcia preferido. Ele tem o nariz com formato de coração marrom escuro e uma blusa azul.) e me pergunta onde vou coloca-lo. Peço que coloque em frente à porta. Como ele é bem pequeno (do tamanho de meu antebraço) a porta fica imensa atrás dele. Louise se esconde da foto subindo em minha cama, e olho para ela em busca de aprovação. Ao ver um belo sorriso estampado em seu rosto, olho pelo visor da câmera e aperto o botão. A foto sai sem flash, mas o barulho dela sendo tirada é audível, o que é quase uma deixa para a aproximação de Louise.

­– E então? Como me saí? – pergunto. Louise segura à câmera, aperta uma série de botões com tanta rapidez que não sei quais foram apertados e então me mostra a foto. O ursinho mal apareceu, e ela fica muito desfocada. A porta branca fica uma mistura de bege com cinza… – É. Não sirvo para tirar fotos. – Louise só fez rir.

– Calma. Aqui… pronto. Agora tem flash. E mais uma coisa. – Louise segura minha mão e a posiciona no cano da máquina. – Olhe por aqui. Não está embaçado? – confirmo quando, nem mesmo com os óculos, consigo enxergar a imagem. – Então é só virar aqui. Para um lado ou para o outro. Mas vai com calma. Ah, se quebrar eu te mato. – Com esse feliz comentário, Louise se joga de volta na cama e observa-me com tanta atenção que fico da cor de meu cabelo. Ignoro-a, ou melhor, finjo ignorar, e giro o mecanismo até que fique razoavelmente bom. Aperto o botão e a foto tirada aparece no visor. Está focada! A parede aparece na cor certa e o ursinho aparece exatamente como ele é! – Caramba! Ficou boa! Você gostou? – Louise segura a câmera e aperta alguns botões, seu sorrindo aparecendo lentamente, até que tome todo seu rosto. Seus olhos brilham e, quando levanta o rosto, o contentamento torna impossível não sorrir junto.

– Você precisa postar isso. – a seriedade em sua voz chega a ser quase sinistra, se seu sorriso não quebrasse todo o mistério. – Agora. Vai conseguir mais seguidores que eu em poucos minutos. Principalmente se… – Louise sai da cama, se joga na cadeira e digita em meu computador a uma velocidade supersônica (exagero à parte. Eu não digito muito rápido, então fico muito impressionada). – Pronto. Agora você já postou a foto e tem… espera. – pega o celular e manda uma mensagem em um grupo: top feeds brasil. Eu, Igor, Laura… Você tem uns trinta seguidores. Nem todo mundo viu a mensagem ainda. Até o fim do dia, você vai ter pelo menos cem seguidores. É só ir seguindo os meus amigos fotógrafos. Depois, acho que você consegue continuar sozinha. – seus olhos apresentavam orgulho, como um mestre por seu aprendiz, e fiz força para compreender… Não sei bem o que devo compreender. Só o que sei, é que consigo me sentir inteiramente feliz, algo que não experimento há anos.

– Então… E agora? – penso alto. Já tiramos milhares de fotos, nos divertimos bastante. Mas não sei o que faremos.

– Agora? Não sei. Podemos descer para perturbar seu irmão.

– Irmão…? Diego não é meu irmão.

– Então por que você mora com ele? – demoro um pouco a responder. Principalmente, porque não sei a resposta. – Se a resposta não for muito boa não precisa dizer. Só fiquei curiosa.

– Não é que a resposta seja muito ruim. Eu só não sei responder.

– Ah. – um sorriso brincalhão se forma em seus lábios. O controle dela sobre si mesma veio com força total e, por mais obvio que pudesse ser, não pude identificar o que esse sorriso tinha por trás. Uma mensagem secreta? Uma lembrança? Ou simplesmente uma ironia? Impossível dizer. – Então… Tinha um piano lá embaixo. Você toca? Nunca fui a um show. Talvez isso conte como um.

– Não acho que contaria como um show. Além do mais, não sou eu quem toca piano. Esse é Diego.

– Você toca alguma coisa? Sei lá, talvez eu possa sair por aí dizendo que tive um show com a aprendiza do Jimi Hendrix ou qualquer coisa do gênero. – rimos da minha cara, por mais que em situações diferentes, com entendimentos diferentes da graça.

– Violão. Não é guitarra, e não chego nem perto do Jimi Hendrix, mas…

– Ai meu Deus! Você precisa me ensinar a tocar! Se não vou ficar muito bolada com você.

– Não precisa ficar bolada comigo! Vou lá pegar meu violão.

Desço as escadas, sentindo o chão frio contra o calor de meus pés. Como sempre acontece quando estou de mãos vazias, brinco com meus dedos, simplesmente por não ter nada melhor para fazer com eles. Abro a porta do “escritório”. Na verdade, ele é só um quarto de acúmulo de coisas. Nele, guardo meu primeiro violão: um pequeno Di Giorgio. Gosto de chamá-lo de cavaquinho, por seu tamanho. Quando era criança, implorei tanto por um violão, que acabei ganhando meu cavaquinho de aniversário. Vovô adorava contar a história de sua procura por meu cavaquinho. Era muito difícil encontrar um violão do tamanho certo para crianças tão pequenas quanto eu era, então não importava em quantas lojas de instrumentos ele fosse, nenhuma delas tinha violão para mim. Ele estava quase comprando um violão relativamente grande, mas menor que a média, quando um homem o chamou, perto de um beco, dizendo que tinha o que ele precisava. Sabendo que provavelmente seria assaltado, escondeu todo o dinheiro e o seguiu. Sua surpresa foi tamanha que não pôde expressá-la com palavras suficientes, quando viu uma lojinha de instrumentos musicais. No balcão, quase ao lado da porta, um homem terminava de fazer um pequeno violão, com suas próprias mãos. Meu avô comprou-o na hora.

Com meu cavaquinho nas costas e meu atual violão, com tamanho ideal, subo as escadas, um tanto animada. Nunca havia me imaginado ensinando algo.

Quando abri a porta, o olhar de contentamento de Louise não poderia ser expresso em palavras. Finalmente tenho uma opinião formada sobre ela: Seus sentimentos são muito expressos. É tudo ou nada.

– Não acredito! Isso é sério?

– Não vai se animando com o maior, porque eu vou te emprestar o pequeno. E ele é meu preferido, então tenha tanto cuidado com ele quanto com a sua câmera.

– O pequeno… Por que você preferiria o pequeno?

– Ele foi meu primeiro violão. Criei uma afeição especial por ele. – tiro-o da capa e o entrego em suas mãos. Sento-me em frente a ela em minha cama e a ajudo a segurá-lo corretamente. Vejo a mim mesma em seus movimentos, um tanto desajeitados, tentando por os dedos nas casas indicadas do “cavaquinho”.

– Que música é essa? – sorrio torto e abaixo a cabeça, absorta na canção. Em7, G, D4, A4… Os acordes fluem com facilidade e, com o mesmo mistério que me assombrou toda a minha vida, a música mostra-se para o mundo. Antes que as palavras possam coroá-la, Louise solta um gritinho de animação e começa a música:

Today is gonna be the day
That they're gonna throw it back to you
By now you should've somehow
Realized what you gotta do
I don't believe that anybody
Feels the way I do
About you now

– Posso cantar junto ou vai rolar o UFC?

– Pode. – seu sorriso mostra a veracidade de suas palavras. – Abro uma exceção para você. Mas só hoje!

– By now you should’ve somehow realized what you gotta do.

– I don’t believe that anybody feels the way I do – sua voz, antes aguda, se torna grave e melodiosa com a velocidade que a musica começa a fluir. É possível, por mais absurdo que pareça, ver as notas entrando por suas veias, e mudando o código genético dela, trazendo à tona outra Louise. Uma Louise com voz grave, que dá uma voz diferente a uma musica muitas vezes antes ouvida, cantada… Milhares de versões e arranjos diferentes da música, mas nenhuma delas pôde emocionar e cativar ao público como ela fez.

– About you now. – uma voz conhecida que, por incrível que pareça, parece errada junto com a de Louise, completa a frase, criando no aposento um verdadeiro show. Dois incríveis cantores e eu, no fundo, com o violão. Essa cena sempre estará em minha memória, como um momento épico. Não sei o que acontece comigo, mas minha respiração fica acelerada, meu coração bate mais rápido, e consigo senti-lo até mesmo contra minha garganta. Quando a música termina, crio coragem de interromper e exclamo:

– Uau! Louise…

– Quem era você quando cantou aquilo? – Diego mostra ter ficado tão impressionado quanto eu. – Um anjo possuiu você ou alguma coisa assim? Porque, sinceramente, só um anjo para cantar desse jeito. – envergonhada, tudo que Louise soube fazer foi sorrir e, a cada momento, enrubescer mais.

– Er… Obrigada!


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