Biografia de Alguém escrita por Madu Loescher


Capítulo 13
Capítulo 13




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Após a loucura de Diego sobre a banda, decidimos que precisávamos ensaiar. Lucas foi lá a casa no dia seguinte, e levou uma espécie de bateria mais fácil de carregar. Não sei muito sobre instrumentos desse tipo, então digamos que é uma bateria que dá para carregar.

Diego praticamente vive lá em casa agora. Ele dorme no meu quarto e me encobre para que eu possa dormir no quarto de Bianca.

Eu morro de saudades dela e, como o quarto dela é a personificação perfeita dela em forma material, sinto como se ela estivesse lá. Abraçando-me e conversando comigo. Às vezes converso com ela. Em voz alta mesmo. Diego finge que está lá, para que eu não acabe indo para um manicômio, onde eu provavelmente deveria estar nesse exato momento.

Ouço o som do solo de bateria da música Love Bites (So do I), do Halestorm.

– Estou indo Diego. – grito para o nada. Diego está ficando cada dia mais preocupado comigo, o que eu entendo. Estou indo para a escola normalmente, e tentando não me meter em confusão. Agora, ele parece mais um segurança do que um irmão. Ou melhor, um “amigo”. Só porque as circunstâncias não são muito amigáveis, não quer dizer que eu não me sinta como já me senti antes sobre ele. Na verdade, acho que estou transferindo o meu amor por Bianca para ele.

Estranho.

Não fazia ideia de que pensava em Bianca daquele jeito.

Desço as escadas e, lá embaixo, Lucas está completamente concentrado em seu solo de bateria. Quando a música acaba, eles notam que estou ali, com o piano de vovô e meu violão. Conecto o violão no amplificador, pego a palheta e pergunto:

– E então? O que vamos tocar?

– Nós podíamos começar com covers. – comenta Lucas. – Que tal Photograph, do Nickelback?

Preparo o violão, já afinado em Mi bemol, e toco a sequencia exata de acordes. Diego acompanha com o piano e canta a música. A percussão fica com Lucas e a música fica ótima. Bem, ainda precisa de alguns (leia-se MUITOS) ajustes, mas no geral não estava tão ruim assim. Tocamos mais uma última vez a música e gravamos para ver os erros e fazer tudo concordar e entrar nos trilhos.

Lucas volta para o apartamento de Diego e eu e ele voltamos para meu quarto. Como já tinha feito meu dever de casa de madrugada, eu o ajudei com o dele.

Respiro fundo, ligo a TV e me preparo para mais uma seção de puro tédio na tela da TV. Deito-me na cama e tento prestar atenção á uma reprise de todos os vitoriosos do The Voice Brasil. Nesse exato momento, Sam Alves e Marcela Bueno cantavam A Thousand Years. Diego acompanha a música, mas eu me recuso. Não estou com paciência para aguentar uma música melosa dessas.

Jogo a cabeça para trás.

– Mas que droga! – exclamo.

– O que houve? – pergunta Diego. Ele parece, mais uma vez, preocupado.

– Eu não faço nada, mas sem Bianca, “nada” perde a graça.

– Eu… - Diego tenta responder a essa. – Ela…

– Diego, não dizer o nome dela não vai mudar o fato de que Bianca morreu, e que nunca mais vai voltar. Encaremos os fatos: acabou.

– Helena! O que houve com você?!

– O que você acha? Minha avó morreu e eu estou em depressão. E, possivelmente, bipolar também.

– Temos que dar um jeito nisso.

– Como Diego?! Como?!

– Eu ainda não faço ideia. – ele me abraça, e começo a chorar. Nesse momento, percebo que eu tenho várias fases: Irônica, Estressada, chorona… Talvez eu já tivesse isso antes, talvez não. Eu sei que preciso liberar a raiva em alguma coisa.

Levanto da cama no automático e desço as escadas. Lá no quintal, abro o alçapão que leva ao nosso armazém de coisas inutilizadas e pego o saco de pancadas. Tento levantá-lo de primeira, mas é muito pesado e acabo caindo lá dentro, sobre um monte de tralha. Subo por onde entrei e uso mais força ainda para levantá-lo.

Quando finalmente consigo arrastar o saco de pancadas para fora, tenho que fazer um esforço a mais para conseguir prender as correntes na árvore e poder socá-lo à vontade. Com isso Diego me ajuda.

Respiro fundo, recostada na árvore e, quando julgo ter descansado o suficiente, me ponho em posição de frente ao inimigo. Soco a primeira vez com a mão direita, e então revezo entre a primeira e a esquerda. Aos poucos, adiciono chutes a sequencia. E, junto com os socos, vêm as dores e os roxos.

A cada golpe, tento, sem sucesso, evitar a dor. E, aos poucos, as lágrimas vêm à tona. A cada golpe, um momento feliz, uma risada, um abraço. A cada lágrima derramada, uma lembrança mais antiga, da grande família feliz. E, a cada novo hematoma, a cada estremecimento, um ponto a menos para mim e um a mais para a morte.

Por muito tempo, o placar permaneceu Morte 1 vs. Eu 0. Mas, quando a morte conseguiu mais um ponto no placar, acho que afrouxei a defesa. Agora, cada passo, cada ação, é um passo a mais que eu dou para que a morte consiga marcar 3 – 0 em mim e terminar logo esse jogo.

Quando a lua aparece por detrás das nuvens escuras, que não permitem às estrelas darem o ar de sua graça, Diego tenta me convencer a voltar para dentro, cuidar dos machucados e descansar. Corto-o com o máximo de delicadeza que uma garota desesperada e raivosa poderia fazer.

Durante alguns minutos, ele continua tentando me levar para dentro. Mas, após ter seus planos cortados pela raiz, ele acaba por se juntar a mim.

– Maldita! – ele grita para o mundo. – Por que você fez isso comigo Bianca?!

– Por que você nos deixou? – grito também. Os gritos aliviam a raiva mais facilmente. Não há dor no processo de gritar. Mas, a medida que nossas gargantas ficam mais secas, as nuvens decidem que também merecem atenção, e a chuva vem para nos encharcar mais e nos ajudar a limpar o suor. E, junto com a chuva, nossa sanidade escorre temporariamente para longe de nós. Enquanto nossos gritos vão se tornando mais agressivos e o sentido das palavras vai se perdendo, nós nos desviamos do assunto de sempre, Bianca, e acabamos “falando” sobre “nós”.

– Eu te odeio Bianca! Sabia disso?! – ele grita. – Também te odeio Helena! Nunca foi tão difícil para eu dizer eu te amo!

– Eu também te amo Diego! Que droga! Já não tinha deixado obvio o suficiente?!

– Sim! Quer dizer, Somos amigos. – nesse ponto já estamos ambos sussurrando, por não conseguir nem ao menos falar, quanto mais gritar. Paro de socar e me viro para ele.

– Não foi isso que eu quis dizer. Eu te amo mesmo. – estou com os nervos à flor da pele e a respiração acelerada. Dou um soco no saco de pancadas e tenho que me apoiar nele para não cair. A visão embaça e Diego me segura.

– Eu também te amo mesmo. – ele ri e me beija.

Fico sem reação. Continuo parada e com a respiração mais acelerada do que antes. Diego se afasta um pouco, com uma expressão triste. Quando ele me solta, caio para frente e, com um abraço caloroso, tudo fica completamente escura.


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