— White —

_______________________________

CAPÍTULO 1: Memórias na neve

______________________________

O vento soprava brando naquela gélida tarde de inverno. Algumas folhas secas, as últimas que restavam nos galhos de uma árvore próxima, caiam no quintal daquele que um dia fora um dos capitães da Seireitei.

— Ichigo! Venha ajudar o papai! — Gritava Isshin para o filho que, para variar, aparentava o ignorar. — Ichigo! — E fora interrompido pelo soco que Ichigo lhe deu no rosto.

— Pare de gritar, velho! Eu disse que já tava descendo! — Bradou com uma veia saltando na testa.

— Crueldade tem limite, sabia? Não bata mais no papai, se não, você vai se arrepende- — Alertava quando foi atingido em cheio no estômago. — AH!

— Não tenho medo de você. — Expressou com desdém. — Enfim. O que quer tanto que eu faça?

— Tome! — Isshin entregou uma vassoura para Ichigo que a olhou tedioso por alguns instantes e logo voltou a fitar o pai - que aparentava não se lembrar de ter levado um soco na barriga.

— O que é isso?

— Uma vassoura.

— Não me diga... — Debochou. — Quero saber, o que quer que eu faça com ela? Saia voando? — Perguntou olhando o objeto que mais parecia o meio de transporte das bruxas.

— Se quiser... — Brincou o moreno.

— Cala a boca!

— Varra o nosso quintal. — Ordenou apontando para a grande quantidade de folhas que a árvore do vizinho jogara no próprio terreno.

— Tá maluco?! Isso vai levar horas! — Enfatizou a última palavra inconformado com o dever.

— E você tem todo tempo do mundo, filhão. — Isshin deu uns tapinhas no ombro de Ichigo desejando-lhe sorte e alertando que se precisasse de algo era para contatá-lo pelo celular.

— Velho maldito! — Praguejou para o próprio pai e iniciou a cansativa tarefa.

(...)

O tempo passou rápido, já era noite quando Ichigo terminou de varrer o quintal. Estava finalizando o serviço recolhendo as folhas e colocando-as num saco de lixo qualquer quando foi surpreendido por algo, ou melhor dizendo: alguém.

— Kurosaki–kun, boa noite! — Desejou Inoue que passava pela casa do ruivo acompanhada de Ishida.

— Inoue, Ishida. — Sorriu levemente para os dois que se aproximaram.

— Limpando o quintal? — Questionou a ruiva entre sorrisos.

— É... — Suspirou Ichigo, exausto.

— Parece cansativo. Desde quando está nisso? — Indagou Ishida não demonstrando grande interesse.

— Sei lá. Que horas são? — O ruivo não fazia ideia de que horas eram, e não parecia muito preocupado com isso. Tirou o celular do bolso e constatou que eram quase oito da noite. — JÁ?!

— Nossa Kurosaki-kun, não está com frio?! — Interrompeu Orihime que sequer havia reparado até o momento que Ichigo estava de regata e com a jaqueta amarrada na cintura.

— Não... Não dá pra ficar com frio carregando peso e andando pra lá e pra cá o tempo todo. — Sorriu sem jeito bagunçando os fios laranjas.

— Estamos indo até o Café encontrar com o pessoal da escola... — Iniciou Ishida de súbito ajeitando os óculos no rosto.

— Quer vir conosco? — Adiantou a ruivinha.

— Ahn, seria legal... Mas eu, — Explicava enquanto colocava as folhas recolhidas dentro do saco. — tenho que terminar de limpar aqui fora...

— Kurosaki–kun, sentiu algo diferente esses dias? — Expressou quase que em um sussurro, porém alto o suficiente para que Ichigo ouvisse e pausasse o que fazia.

— Como assim? — Fitou a ruiva.

— Ah! Acabei de lembrar! — Virou-se de imediato para o colega ao lado. — Ishida–kun! Preciso buscar a Tatsuki–chan na casa dela! Ela não sabe onde fica o Café que nós vamos! Tenho medo que ela se perca e seja pega por aquelas coisas feias! — Riu para o vento. — Vou na frente, ok? Há, há! — E saiu correndo deixando os dois jovens para trás com uma gota escorrendo pelos rostos.

— Tá tudo bem com ela...? — Perguntou Ichigo para Ishida, que ainda olhava para a direção na qual a ruiva corria.

— Ah sim, — Respondeu. — Ela só está preocupada... Com, a Arisawa.

— Sei... — Assentiu dando continuidade a tarefa.

— Está tudo bem com você, Kurosaki? — Pela primeira vez, Ishida demonstrou certo interesse pelo estado psicológico do amigo/rival.

— Sim. — Foi o que Ichigo disse. Ele não queria prolongar ainda mais aquela conversa.

— Kurosaki, você sabe que não vale a pena ficar preso a essas memórias, não é? — Ishida iniciou um diálogo que certamente deixaria Ichigo irritado. O moreno, mais do que ninguém, sabia o que se passava no interior do rapaz e, de alguma forma, lamentava pelo seu atual estado emocional.

— Do que está falando? — Questionou Ichigo virando-se para trás em busca da vassoura de bruxa. Onde raios ela estava?!

— Já se passou um ano e você ainda está preso ao passado... Precisa esquecer do que aconteceu e- — Ishida se desviou da vassoura que, quase, atingiu-lhe o rosto.

— Não me diga pra esquecer. — Desviou o olhar para o chão, não querendo encarar o amigo a sua frente. — Acha mesmo... Que eu já não tentei me esquecer?! — Ichigo agarrou o moreno pelas roupas erguendo-o. Ishida o encarou não se preocupando com a singela ameaça do ruivo. Sabia que o máximo que poderia lhe acontecer seria a perda de alguns dentes, mas não acreditava nessa possibilidade.

Permaneceram naquela situação por alguns segundos até que Ichigo sentiu algo frio tocar sua pele, algo frio o suficiente para lhe arrepiar de imediato.

— Neve? — Ishida olhou para cima vendo alguns flocos caírem dispersos pelo ambiente.

Ichigo colocou Ishida no chão assim que percebeu que este estava começando a se incomodar com a proximidade exagerada de ambos. A vontade do ruivo era de se desculpar, mas seu orgulho falava mais alto, e por isso, não o fez.

O moreno arrumou sua roupa despediu-se sem muitos rodeios. Disse que estariam todos o esperando no Café e que Orihime ficaria feliz se ele fosse, mas nada mudaria a decisão de Ichigo, não desde o início.

Após um breve aceno, Ishida se afastou.

Ichigo suspirou pesadamente. Refletiu um pouco sobre as perguntas feitas pelos amigos, porém, logo desistiu de deduzir o que eles realmente queriam saber. Jogou o saco abarrotado de folhas na calçada e entrou em casa. Sua família, que acabara de chegar, o esperava para o jantar, que naquele dia, era lanche por conta do tempo que Yuzu perdera arrumando a casa.

— Está tudo bem, Onii-chan? — Perguntava a caçula.

— Claro. — Respondeu somente.

— Meninas! — Interrompeu Isshin desviando a atenção da menina — Vocês viram lá fora? Neve! Neve! — Gritava enquanto corria em direção a janela.

— Nossa! — Expressaram as irmãs juntamente, correndo para o local onde o pai saltitava contente.

— Vamos lá pra fora? — Sugeriu o moreno sorrindo para as filhas.

— Claro! — Responderam em uníssono. Calçaram os sapatos rapidamente e logo estavam os três pulando e brincando no quintal.

Ichigo observava. Optou por ir lá para fora também.

Uma bola de neve o atingiu assim que fechara a porta de entrada. Havia sido arremessada por Isshin, aquele velho maldito.

— Tá maluco?! O que você tem na cabeça?! — Esbravejou para o shinigami que, como resposta, atirou mais uma bola branca e gélida no filho ingrato. — Agora você vai ver seu... — Ameaçou formando uma bola de neve do tamanho de uma bola de basquete. Yuzu e Karin riam da cena.

Correram, trocaram tapas, mas ainda assim, estavam se divertindo. Graças a “guerra”, Ichigo se esqueceu, mesmo que momentaneamente, daquilo que o atormentava há tanto tempo.

Karin e Yuzu decidiram fazer um boneco de neve. Correram até a casa e buscaram todo material necessário para montar o rosto e decorar o corpo. A princípio, tanto Ichigo quanto Isshin, as ajudaram com a produção, mas logo estavam os dois lado a lado admirando a obra das meninas.

— Elas estão fazendo um ótimo trabalho. — Comentou Isshin estranhamente sério e olhando afetuoso para as filhas.

Ichigo o fitou um tanto surpreso e voltou seu olhar para a mesma direção do pai. — Sim. Estão sim. — Sorriu de leve.

— Neve... É tão, linda. Não acha? — Indagou o pai ainda sério.

Tal pergunta fez o ruivo se recordar de algo que estava esquecido até o momento.

— Sim... — Suspirou.

— Não se preocupe, você a verá novamente.

— Do que está falando, velho? — Fez-se de desentendido fitando o chão já com uma notável alteração na voz.

Isshin soltou um riso e voltou-se para sua casa pretendendo entrar.

— Você não me engana, idiota. Sou seu pai, esqueceu?

Ichigo resmungou olhando para o pai que caminhava em direção a casa. De repente Isshin virou-se para o filho o fitando com aquele mesmo olhar fraterno de antes.

— Logo... — Ichigo arregalou os olhos e sentiu seu coração palpitar fortemente. Sabia a que seu pai estava se referindo e isso o deixava bastante incomodado.

Procurou não olhar diretamente para ele, portanto, tratou de virar-se para observar o trabalho das irmãs, que por sua vez, haviam terminado o boneco.

— O que acha Ichi-nii? – Questionou Karin sorridente.

— Ótimo. — Sorriu.