Final Destination: After War escrita por VinnieCamargo


Capítulo 1
Capítulo 1 - Pulp Fiction


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta pessoal!
Enfim, não sei exatamente o que dizer.
Espero que curtam o primeiro capítulo e deixem reviews por favor!



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Another rock song, another kick on the stars

You hold my hand, you whisper:

everythings gonna be fine,

But baby you know that Im not stupid anymore

Lana, você acha que dá conta?

A frase veio tão fácil que ela encarou. Não era a primeira vez que Lana era questionada daquela maneira nos últimos dias. Também, não seria a última.

Claro.

No fim, é o preço que se paga por ser um sobrevivente. Ser questionado, julgado e condenado a esperar. Nada de fé. Nada de crença.

Em tal altura do campeonato, todos já tinham se acostumado com a ideia de feche os olhos e vá. E num mundo cujos maiores acontecimentos e as constantes ansiedades de um ser humano envolvem esperar e ver acontecer, não tem conversa. Apenas espere e terá sua resposta.

E aceite. Pois aceitar é tudo o que você tem.

Pedro esticou o braço e tocou na trava das portas do Jipe. Um segundo de silêncio. Todos se encaram.

O rapaz recua e respira. Ele olha para o lado do passageiro, Maria, sua namorada o encara de volta. Os cabelos compridos e castanhos, embora ainda carreguem vestígios de tinturas vermelhas e loiras usadas no passado, caóticos e em contraste com seu rosto exótico coberto de sardas, os olhos curiosos e lábios muito vermelhos, mesmo sem estar usando batom. Corpo delineado. O pensamento de Lana quando a viu pela primeira vez fora: eita genética boa. Já o namorado de Maria, Pedro, tinha envelhecido ao longo dos últimos meses. A barba escura um dia bonita e estranhamente sadia agora davam margem a um cara desleixado, quase que esquecido em algum lugar do passado do mundo. As pontas das tatuagens vazando pela gola da camiseta no pescoço e também no pulso, pela jaqueta jeans surrada. Lana tentou enxergar alguma coisa nos olhos escuros do amigo, sempre desconfiados, e viu medo. As marcas de expressão no rosto ainda jovem estavam ficando mais visíveis e Pedro era dois, três anos mais velho que ela. Lana então se perguntou se não estava olhando demais pra frente de seu próprio nariz. Triste mas verdade, ela também estava acabada.

Com aquele pensamento, ela tenta observar o próprio reflexo no vidro do Jipe. Os cabelos escorridos e escuros, um pouco maltratados em contraste com a pele alva. Os olhos castanhos esverdeados: uma bomba nostálgica; toda vez que via os próprios olhos lembrava de alguma coisa que acreditava que já tinha esquecido. Ela piscou. Breves olheiras e pequenas cicatrizes em pontos estratégicos de seu rosto mais os seios volumosos, Lana era mesmo estonteante em seus dias de glória, uma garota tumblr, agora estava acabada.

Ela vê o suor descendo no rosto dos companheiros. A adrenalina está na dose máxima. Anos de sonhos e esperança massacrados em percas refletidos nos olhos de cada um.

As memórias boas servem como um combustível, um doce fluído que escorre pelas artérias, regenerando corações, ativando os pontos fortes de seus corpos e reforçando proteção nos locais mais vulneráveis. E a contagem regressiva na mente de cada um começa.

E logo, no ar paira o breve momento em que todos os sonhos se congelam e tudo o que resta para cada um é a força. Todos os pensamentos partem para algum lugar distante e então é hora de repassar mentalmente tudo o que você precisa fazer: nunca parar de correr. ´

-

Os resgates eram semanais e estavam se tornando cada vez mais raros. Helicópteros desciam dos céus, pousavam, carregavam suas toneladas de lataria com as respectivas almas sofridas que ainda se encontravam vivas e as levariam para algum lugar melhor. Pelo menos um lugar sem zumbis.

Na prática, ninguém tinha realmente certeza de para onde os helicópteros estavam indo. Poderia ser uma ilha, poderia ser um mundo subterrâneo, até mesmo uma cidade coberta por muros. Campos de concentração, câmaras de tortura, gás, desinfecção, até mesmo pro inferno. As teorias não faltavam.

O aviso tinha sido ouvido uma semana antes. O grupo almoçava embaixo de uma pitangueira seca quando o helicóptero de resgate sobrevoou a região. Um alto falante incrivelmente sonoro tagarelava muito rápido a respectiva posição, data e horário em que voltariam para buscar mais pessoas.

E agora o grupo estava ali. Na frente da antiga fábrica de celulose antes do entardecer. O Jipe encostado junto a grade arrebentada. Duas horas mais cedo haviam repassado o plano; atravessar corredores cheios de zumbis, pular do térreo para o andar subterrâneo e finalmente atravessar a sala de máquinas em direção ao fundo de um grande galpão, guiando ao heliporto na estreita torre sul. E se Deus quisesse, o resgate para o desconhecido estaria lá.

O desconhecido aparentava ser um ótimo anfitrião agora.

Era um dia criativamente escuro. Nuvens densas amontoavam a região ao redor da fábrica, ainda que o clima estivesse abafado. E isso explicava o suor.

Lana encarava através do vidro escuro os zumbis que já os esperavam na entrada dos corredores. O vestiário de alguns ainda seguia um padrão, e Lana supôs que eram os uniformes dos trabalhadores. Ela deu de ombros e ergueu o revólver rente ao próprio peito.

Ow galera Luís soltou, sentado logo atrás do banco de Lana, ainda sem tirar os olhos da munição nas mãos. Luís ainda mantinha aquela atitude amigo do bar, estatura média, o sorriso sempre brilhando, a barba sempre feita - oposto a Pedro, contudo as entradas em sua testa estavam ficando cada vez maiores. Aquilo tudo em conjunto com a maneira exageradamente paulistana de lidar com todas os problemas que aconteciam, mesmo que não fizesse sentido algum, aquela vibe fascinava Lana, considerando a merda louca que estavam presos. O incrível era que Luísa, a esposa, cujo pescoço estava sempre acolchoado pelo braço de Luís, carregava exatamente o mesmo feeling. Tão polida quanto o marido, os cabelos curtos e escuros, naturais e até que bonitos considerando a falta de cuidados adequados. Baixinha e dinâmica, Luísa era mais amorosa também. Posição de sempre.

Beleza, - Syd respondeu com um sorriso, um sotaque bonito. Ela abraçou Jo, sua irmã, e começou a estalar os dedos.

Syd e Jo tinham vindo da Califórnia para um intercâmbio em uma cidade do interior de São Paulo. A polaridade da terra foi inversa e as duas garotas se viram incapazes de voltar para sua terrinha laranjada. Era curioso notar como tinham acostumado tão rápido com a merda toda. Syd era durona, cabelos e olhos castanhos, espertos como de uma águia, corpulenta, pernas longas e um sorriso duro. Jo era quase o oposto: muito loira, pequena, olhos azuis e erráticos, feições delicadas. Ela tinha a expressão de que estava sendo caçada o tempo inteiro, mas ainda, tão fofa que se caísse quebrava. Uma granada vulnerável.

A posição de sempre era o modus operandi do grupo. Era a formação específica para os casos de fuga ou emergência. Principalmente no meio de zumbis. Pedro, Lana e Syd na frente. Maria, Jo e Luísa logo atrás com os mantimentos e as mochilas, Betão, Marco e Luís atrás, cobertura. Sempre tinha funcionado. Pedro era bom em encontrar caminhos, além dos tiros. Lana e Syd eram talentosas a curta e a longa distância. Maria, Jo e Luísa eram descartáveis segurando armas (por esse mesmo motivo carregavam os mantimentos que o resto do grupo armado era incapaz de trazer), e finalmente, Betão, Marco e Luís finalizavam.

Betão era um monstro de academia: braços gigantes, vascularização em seu ápice, corte de cabelo militar. Expressivo e um pouco atrapalhado. O que havia surpreendido Lana era como o coração dele ainda conseguia ser maior que os músculos Lana o adorava e ela sabia que era recíproco. Apesar de gigante, ingênuo. As vezes Lana sentia que tinha que pegá-lo pela mão. Já Marco era uma ironia: um advogado de poucas palavras. O último a se juntar ao grupo, as vezes irritava Lana por sua mania esquisita de cagar regras. Cabelos escuros e rebeldes num rosto esquecível, um homem baixinho. Ambos Marco e Betão eram bons com armas.

A regra da tática era clara, nunca parando de correr, mas sempre atento quanto à posição do resto do grupo. Era um bom plano. E no três!, Pedro destravou as portas e o grupo pulou do veículo.

Lana era uma boa garota. Pelo menos era o que ela gostava de afirmar para si mesma quando acordava de pesadelos em noites longas - o corpo gritando por seu combustível traiçoeiro. Naquele instante, por mais que tentasse se focar no grupo e em correr, o fundo de sua mente começava a se erguer, tentava pregar peças, e então ali, parada na frente do carro, ela já não tinha tanta certeza se daria conta. Ela sentia o monstro tremendo, maliciosamente calculando o momento certo para dar as caras. Droga. Se pelo menos Barbara ainda estivesse ao seu lado.

Mas também fora Barbara que tirara sua liberdade. Lana não quis estender o raciocínio naquele ponto.

Foda-se ela disse, puxou o gatilho e explodiu a cabeça do primeiro zumbi que havia se aproximado.

No instante que descera do veículo, Lana percebera a mudança do clima. O mormaço havia sido substituído pelo vento parado. E aquilo estava okay para ela.

O cheiro sutil de gasolina havia sido trocado pelo cheiro da carne podre. Não era necessário torcer o nariz. Não era tão ruim depois de um tempo. Pensar na composição pútrida que exalava tal odor ainda era uma coisa nojenta a ser considerada: milhares de cadáveres suados, vomitando e cagando tudo aquilo que já são.

O mundo se tornou uma privada orgânica. Ainda que habitável.

Lana virou-se para checar se o grupo estava intacto. Eles eram, em certas partes, sua responsabilidade. Betão no fundo percebeu o gesto preocupado e teve o trabalho de formar um coração com a mão e então voltar ao serviço. Lana sorriu.

E então ali na sua frente estava Barbara. Os cabelos escuros e sebosos tombados sobre o decote vermelho, também recheado. Batom vermelho. Olhos castanhos meio avermelhados, a chama vermelha. Tudo naquela mulher era vermelho. O cheiro. Aquele cheiro de um bebê cercado por incensos distribuídos e acesos numa sequência única, como que se assim desencadeassem uma essência diferente. Barbara estava diante de seus olhos como se a terra e a podridão ainda não a tivessem sequer tocado. Então Lana piscou e Barbara havia ido embora.

Barbara havia sido seu refúgio. Sua amiga, namorada, vadia e esposa.

E então, literalmente cortando o flashback, veio o cheiro do álcool puro. Já haviam alcançado o fim do corredor de zumbis e Luís já tinha esvaziado as garrafas de álcool. Livrando-se dos recipientes vazios num canto aleatório, tratou de alcançar a caixa de fósforos no bolso de trás. Riscou.

A única coisa que a Lana de três anos atrás tinha e que não era totalmente caipira, era o próprio nome. A desenhista esquisita da família da cidade pequena, não demorou muito tempo para a mesma perceber que estava no lado errado do país. Pensou em toda a infância sozinha. Pensou em toda a adolescência que passou sozinha. Pensou na adulta que se tornaria naquela cidade. Odiou o que pensou.

E Lana estava sozinha em São Paulo. Woah, no fim não foi grande coisa. Prédios maiores, mesma merda. E então após ser chutada do décimo ateliê por um sapato de salto alto caríssimo e uma perna ossuda, enquanto se afogava numa poça de uma calçada (São Paulo), aos soluços Lana se perguntou, tomei a decisão correta?

E então Barbara surgiu na calçada. Os cabelos escuros e sebosos tombados sobre o decote vermelho generoso ela gritava vintage. Batom vermelhíssimo, olhos castanhos, ainda que a chama vermelha pudesse ser vista dançando lá dentro. E aquele cheiro. Foi aí que o jogo começou.

Barbara tinha sido sua amante. O martelo de seu prego. O batom vermelho de que precisava. Barb era a decisão correta.

E por intermédio de Barbara, Lana conheceu todas as maneiras de se aproveitar as noites.

A heroína era a única piranha cujos efeitos em Lana eram mais alucinantes que os de Barbara. E então foi assim que a liberdade de Lana foi tirada.

Barbara sentia muito.

Houve o WOOOSH instantâneo quando o fósforo atingiu a poça de álcool e o fogo foi refletido nos olhos de cada um do grupo. Com um sorriso, entraram no bloco enquanto o resto dos zumbis os encaravam bloqueados do outro lado da fogueira.

O grupo observou. O bloco era um galpão enorme todo revestido de concreto. Só que estava vazio. Sem zumbis. Sem materiais e mesmo assim, Lana chutou que aquele local costumava ser o almoxarifado da empresa. Ela podia dizer pelas marcas e riscos no chão, ocasionados pelas dezenas de anos em que foram submetidos aos fundos de caixas, madeira, carrinhos, rodas e solas de sapato. Davam um efeito ligeiramente de quase como se aquela empresa ainda funcionasse. Em algum sonho distante, em alguma realidade em que o mundo ainda era feliz, o chão daquele lugar ainda seria submetido a muita pressão. E Lana deu de ombros.

Ao longo das enormes paredes, janelas enormes pelas quais o vento entrava e soava em ecos, misturados com o som apressado dos passos abafados do grupo.

Esse é um lugar medonho Betão concluiu mais pra si mesmo do que para qualquer outra pessoa.

Ninguém respondeu.

Houve um estrondo absurdo e Lana parou repentinamente. Ali, na frente de seus olhos, abriu-se um buraco no chão de concreto e uma cratera enorme se espalhou cresceu, em direção a ela.

Lana tombou para trás, gritando.

O buraco era assustador. Tremendo e engatinhando, Lana esgueirou-se na ponta para tentar observar o fundo, assustada e ainda curiosa com o que tinha acontecido. E então ela viu.

Havia chamas no fundo do buraco. Tinha cerca de quinze metros de profundidade. E quando Lana percebeu, seu estômago revirou pela vigésima vez aquele dia.

Barbara estava levitando acima das chamas. Os cabelos vermelhos secos e sem vida. O rosto esquelético. Mas os braços... faziam um movimento... estavam chamando Lana.

O buraco... e foi tudo que Lana conseguiu exprimir enquanto recuava. Olhou pra cima, esperando ver a reação do grupo, já descrente que ninguém parecia tão surpreso quanto ela.

Luísa a encarava desconsertada.

Não há buraco, Lana.

Lana fechou os olhos. Abriu. E lá estava o chão.

Os segundos que seguem parecem os mais longos da vida de Lana. Ela continua sentada no chão, observando o local onde o buraco nunca tinha estado. Os membros do grupo suspiram um pouco desconfortáveis e as garotas repousam os mantimentos nos pés.

Desculpa.

Betão e Luís a erguem e ela sente o olhar de Pedro sobre os outros, quase como uma ordem casual de que todos deveriam esquecer aquela cena.

E Lana está mais envergonhada que nunca.

Betão a pega pelo braço.

Tá tudo bem.

Quando a cadela da heroína corria pelas veias de Lana, a mesma alcançava o céu. Era como se a cama, o colchão, ou até mesmo o chão deixasse de fazer sentido e a gravidade simplesmente fosse para o inferno. Lana poderia voar. Ela atravessaria a janela e cruzaria o país em questão de segundos e sorrindo.

Sempre sorrindo.

E quando Hero (apelido carinhoso que Lana ouviu alguém dizendo para heroína em algum beco e resolveu roubar para si mesma) não estava escorregando no interior de seu corpo magro, era como se o botão do inverso, a válvula da negatividade fosse ligada em seu corpo e tudo que ela fosse capaz de ver ou sentir: era ruim.

Pesadelos esquisitos de infância que, se um dia sequer ela pudesse ter achado que tinha superado, voltavam em um tipo de 3D anos 90 e simplesmente arrancavam o coração de Lana. Buracos se abriam, paredes surgiam, sangue jorrava dos céus tudo para impedir que Lana continuasse. E eles eram eficazes, Lana era só uma garotinha. Uma garotinha presa em uma fase de videogame em 8-bit que era impossível de ser concluída pois, simplesmente, os programadores nunca haviam finalizado aquela fase. Era o workprint do inferno.

E com o apocalipse, Lana lutou. Ela encontrava heroína pelo caminho, sim, mas não mais como antes. E então as últimas semanas estavam parecendo o purgatório na terra. Se pelo menos Lana ainda tivesse Bárbara. Ou Hero.

Quando o grupo entrou na sala de máquinas, Lana já não estava mais à frente. Ela estava misturada entre a segunda fila e ocasionalmente esquecida entre os meninos que estavam cobrindo a traseira do grupo.

Ela não poderia fazer nada. Ocasionalmente, carregada pela comoção e movimento do grupo, ela observava cérebros molhados jorrando no ar inúmeras fontes de água, quase de zumbis aleatórios que surgiam e desapareciam de seu caminho.

Cara, ela pensou, eu tô mal.

Lana, vamo!

Alguém disse. Ela afogou a sensação e continuou. Tentou se focar nas máquinas: geladas e desligadas, a encaravam de volta ao longo daquela sala estranha cuja porcentagem de ar parecia estar em seu nível mínimo.

Outro zumbi caiu em seus pés. Ela pulou e se acotovelou nas garotas, que timidamente se afastaram.

Aquilo matava Lana. Ela olhou para as máquinas mais uma vez e observou um zumbi se debatendo, os braços já podres e presos nas ferragens. O uniforme decentemente limpo. O cara se transformou enquanto trabalhava. Não fazia sentido. Quando a mente se fora, o cara perdera o controle e enfiou os braços no equipamento. Ficaria preso ali para sempre. Preso em sua própria fase.

Fazia algo em torno de cinco meses que Barbara tinha ido embora. Ambas estavam alojadas no interior de um carro no meio do estacionamento de um prédio gigante. Lana ficara de vigiar enquanto Barbara dormia.

Você derrubou sua arma, Lana Maria disse.

Lana olhou para a própria mão, a arma no chão. Olhou para Maria. O grupo parando novamente. Lana abaixou-se e pegou a arma. Encarou Maria novamente. Maria desapareceu no ar e Barbara dormindo no banco ao lado surgiu em sua mente. A arma desapareceu e Lana observou enquanto a seringa tomava forma em sua mão.

Lana lembrou de que, quando ficou de vigiar para que Barbara descansasse, ela estava com uma seringa na mão e uma porção de heroína já moída na colher. E ao invés de olhar por Barbara, Lana preferiu viajar.

Lana voltou ao presente. O grupo atravessou a saída da sala de máquinas e subiu uma escadaria estreita. Um dos rapazes chutou uma porta e de repente e o ar gelado da luz do dia iluminou o espaço estreito. Também cruzou o rosto de Lana. Ela inspirou. O grupo comemorou em silêncio enquanto se acotovelavam para o heliporto. Lana também. Ela sequer se assustou com a saraivada de tiros que o grupo disparou contra uma horda de cinco ou seis zumbis.

Mesmo que escuro e ventando, Lana ainda adorava a luz do dia.

O heliporto era tão padrão quanto o resto da fábrica. Marcas de borracha de helicópteros riscavam o chão, misturados com uma espécie de mapa em azul. Ao lado uma torre de comunicação gigante imponentemente apontava em direção ao céu.

Essa era a direção que eles tomariam. Eles tinham conseguido. Alguma das garotas estava chorando.

Pedro correu em direção à beira, Lana havia percebido que Pedro gostava de observar seu Jipe na estrada a distância. Aquela seria a última vez. Maria se aproximou de Pedro e esfregou sua mão contra a dele. Ela encostou a cabeça contra o peito dele e chorou mais uma vez. Ele a abraçou.

Luís e Luísa se beijaram sorrindo as vestes balançando contra o vento. Jo e Syd se abraçaram com muita força e fizeram um tipo de cumprimento entre irmãs.

Betão abraçou Lana enquanto cumprimentava Marco. Betão a ergueu e a jogou para cima. Lana desatou a rir. Até Marco ajudou a erguê-la. Ela sentia as lágrimas já secando no rosto.

O grupo correu, ainda comemorando, em direção ao centro do heliporto, atentos e também encarando o céu, a procura de algum movimento que indicasse que a salvação estava a caminho.

E por um único momento, houve apenas o som do vento.

Ela sorriu. Todos sorriram. Os dias de merda... tinham acabado? Ela esperava que sim.

E então, da outra ponta do heliporto, outro grupo se aproximava. Mais gente tinha sobrevivido. Mais gente pegaria o helicóptero. Eram cinco ou seis.

Ao mesmo tempo, todos do grupo de Lana empunharam as armas. Lana sentiu os músculos enrijecendo. E percebendo a reação, o pessoal do outro grupo ergueu os braços acenando enquanto se aproximavam eles não queriam guerra nem nada. Eles também precisavam ser salvos.

Todo mundo ser salvo, pessoal. Jo sussurrou.

Nós não queremos briga nem nada, - o homem franzino do grupo disse num sotaque sulista e estendendo a mão. Nós também ouvimos a mensagem.

Vocês são de onde? Marco perguntou olhando de relance a mão do homem e o grupo novo, os dedos ainda duros na espingarda.

Vocês são em cinco mesmo? Pedro disparou, nervoso, parecendo esperar mais gente pipocar das escadas para o heliporto.

Porto Alegre, - um dos garotos mais jovens disse.

Sim, - uma mulher, parecia ser a esposa de alguém se adiantou, - somos em cinco. Somos uma família.

Ótimo.

Ótimo.

E então os homens estavam se cumprimentando. As mulheres também. E Lana estava observando o céu mais uma vez.

Não demorou para que o grupo ouvisse o som do helicóptero se aproximando. Lana tombou a cabeça para trás e deixou apenas o momento a engolir. Deixou tudo cair em seu lugar. E alguém estava a abraçando novamente. E todos estavam comemorando.

O helicóptero pousou. Era um bimotor Black Hawk. Um chutador de cus. A aeronave mais fodona que Lana poderia imaginar. Um militar, um cara grande pulou do interior, usando um colete da aeronáutica, uma metralhadora ameaçadora embaixo do braço.

Vocês estão limpos? ele perguntou, enquanto já olhava cada um dos membros do grupo com atenção.

Ambos os grupos esperaram. Então um segundo homem loiro e acima do peso desceu da aeronave e começou a revistar os bolsos de todo mundo.

Um terceiro homem baixinho desceu da aeronave com uma caixa. Lana se perguntou quantos homens ainda desceriam daquela aeronave e quantos assentos a aeronave teria.

Vocês vão precisar colocar suas armas aqui. Assim que pousarmos vocês irão registrá-las e pegá-las de volta.

Onde vamos pousar? Pedro perguntou quase que gritando sob o som das hélices.

Sudoeste de São Paulo. Uma hora e meia de helicóptero. Temos um campo protegido por lá.

Algumas pessoas sorriram. Lana continuou imóvel. Ela achava que ainda estavam no estado de São Paulo. Uma hora e meia de helicóptero resultaria numa quantidade longa de quilômetros. As hélices do helicóptero não paravam de girar.

Então nós podemos confiar em vocês? Marco perguntou, um sorriso sacana e desconfiado no rosto.

E a mesma pergunta passou na mente de cada um que ali estava.

O terceiro homem encarou Marco.

Vocês podem.

Logo Lana observou que seriam necessário duas viagens para levar os dois grupos.

Temos oito lugares, mas podemos apertar se for preciso unir alguém - o militar mais jovem e baixinho gritou, arremessando a caixa com o armamento do grupo de Lana para dentro do helicóptero.

Quem vai primeiro? O primeiro homem perguntou. Nós faremos duas viagens.

O nosso grupo, - Betão se adiantou. Somos em nove, podemos ir.

Os membros do grupo de Lana se juntaram ao redor de Beto. O homem contou duas vezes. Nove? - Ele concordou do mesmo jeito.

Voltaremos logo, - o homem baixinho disse. Bem rápido. Só fiquem espertos.

Relutantes, a outra família concordou enquanto o grupo de Lana embarcava no helicóptero. Lana ouviu sobre a esposa resmungando algo de cavalheirismo. Lana não a culpou.

O homem loiro deixou a caixa de armamentos da outra família. Eles tinham apenas uma espingarda e um revólver.

As portas se fecharam. O bimotor iniciou a decolagem. Lana observou os dois homens mais velhos no heliporto, se abaixando e pegando as armas da caixa. Atentos. Lana suspirou dolorosamente, os cabelos dançando rebeldes com o vento.

Olhou ao redor.

O grupo estava num puro sorriso. Jo era a única que continuava observando a família que havia ficado. Lana esfregou a perna dela. Jo olhou.

Eles vão ficar bem, - Lana disse. Esses caras vão voltar.

Jo concordou, o sorriso brotando no rosto.

E então veio o som do motor reiniciando, um baque, um barulho de colisão de metal e o helicóptero balançou com muita força, arrancando todo mundo que estavam sem cinto de segurança de seu respectivo lugar. Luzes piscaram, corações acelerando.

Todos gritaram.

Inúmeras sirenes de segurança encheram o ar. Apitos. Os homens da aeronave gritaram também enquanto lutavam pra retomar ao assento em que estavam.

O vidro do painel dianteiro da aeronave quebrou e estilhaços choveram pelo interior da aeronave, os cacos vindo como uma onda de choque, cortando devorando - todo mundo que estava em seu caminho. Mantimentos e armas foram arremessados para todo lado atingindo as pessoas .

Num relance violento, Lana observou um amassado grande na torre de comunicações e um cabo de aço enroscado nas hélices.

Estúpido demais, ela pensou. E gritou mais uma vez.

Não havia nada a ser feito. O helicóptero estava no alto. Lana tinha visto filmes suficientes e sabia que, a partir daquele instante, o inferno tomaria conta da aeronave.

O motor da aeronave roncou sonoramente, ecoando e fatiando os neurônios de Lana. Ela tentou olhar no rosto de cada um do grupo e tudo que viu foram pessoas desesperadas demais pra dizer ou pensar em alguma coisa útil. E todos sangravam.

Era o fim.

Lana começou a chorar enquanto observava um filete de sangue saindo de seu braço e riscando o ar jogada que nem uma marionete de um lado para o outro presa no cinto de segurança.

As sirenes fatiavam seu íntimo, berrando pânico em sua alma. Alertas de perigo ressoando em fervor, como se as pessoas ali presentes já não soubessem que o tinha acontecido com a aeronave era ruim o suficiente.

Veio o som crescente do motor lutando pra retomar força. Subindo gradativamente enquanto o helicóptero balançava mais e mais. Lana se perguntou o quão longe do chão todos estavam.

Foi aí que o metal rugiu outra vez e uma hélice atravessou o vidro da porta da aeronave. Tão repentinamente, tão desesperadamente, a hélice atravessou o vidro da porta e o sangue em profusão jorrou ao redor de Lana.

Lana tentou piscar, tentou limpar o campo de visão, mas o sangue era horrível. Ela gritou. Engoliu sangue de alguns de seus amigos que haviam sido fatiados pela hélice intrusa. Então engasgou.

A cabeça de Lana parecia prestes a explodir. O ar não estava mais em seu pulmão. Ela lutou e ao limpar o campo de visão, se arrependeu de tê-lo feito.

Três dos amigos no assento a sua frente estavam decapitados. Ela identificou Pedro pois a lâmina havia atravessado do nariz pra cima, e incrivelmente Lana ainda conseguia enxergar a barba do amigo no pedaço do rosto que ainda restava mesmo que dilacerado.

Aquilo era injusto.

Com outro ronco feroz, Lana percebeu que estavam girando e finalmente caindo. Finalmente aquilo acabaria logo. Alguém agarrou sua mão. Os gritos continuavam. Um dos homens voou pelo vidro dianteiro. Alguém soltou sua mão.

Sangue dançava no interior da aeronave. Escorria pelo vidro, girava pelo ar e voltava atingindo Lana. Então a hélice saiu da aeronave, levando um pedaço do teto e a porta junto.

Os três corpos inertes a sua frente foram sugados pelo ar e desapareceram deixando um rastro de sangue que logo desapareceu também.

Lana estava imóvel. Presa em seu assento, Lana estava imóvel.

O bimotor fez outro movimento brusco e virou de nariz pra baixo, descendo de ponta em direção ao chão. Duas sequências de cinto de segurança arrebentaram e as mulheres de seu lado foram arremessadas em direção à cabine do piloto. Elas ricochetearam sem reação nas poltronas da frente e também desapareceram pelo vidro dianteiro.

O mundo girava e aquilo ainda não tinha sido suficiente para matar Lana. Tudo que estava solto na aeronave, desde munição, armamento, roupas e até mantimentos voou pela abertura da porta que já não estava mais ali. O cabelo de Lana grudado e empapado no próprio rosto devido ao sangue.

Lana vomitou. Ela olhou pra frente bem a tempo de ver o próprio vômito desaparecendo no ar, e então Jo, metade dos cabelos arrancados, couro cabeludo exposto, uma expressão impassível, um revólver na mão e o cano na boca. Jo disparou e um jato de sangue jorrou atrás dela, seguido da cabeça tombando pra frente e exibindo para Lana o grande estrago que um belo revólver pode fazer em uma nuca.

Houve uma explosão em algum lugar. As pernas de Lana estavam pegando fogo. O chão subia a ela em um borrão amarronzado e girava. Lana sentiu as pernas derretendo, um estalo.

O cinto havia arrebentado. Lana se precipitou em direção ao teto e voou enquanto sentia o helicóptero se esvaindo em chamas atrás dela.

Lana voou mais uma vez na vida. E não foi por causa da heroína. Ela teria adorado. Voar de verdade é muito mais esquisito, é gelado. Lana estava caindo. Incontáveis milésimos de segundo que ela observou o heliporto girando lá em baixo, os destroços em chamas caindo, a torre de comunicações e um lago verde. No lago abaixo ela viu seu reflexo voando, as chamas riscando o céu.

Ah sim, ela também estava pegando fogo. Ela também era um destroço

Ela se sentiu vulnerável. Uma merda.

Um flashback de quando acordou no carro dois meses mais cedo, após uma dose de heroína, e tudo que encontrou de Barbara foram suas pernas a alguns metros do lado de fora do veículo. Tudo muito vermelho. Barbara foi arrancada do carro por zumbis enquanto Lana usava heroína. Barbara fechou a porta ao sair para morrer e apesar de tudo, salvou Lana.

E aí Lana atingiu o chão. Escureceu.


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Notas finais do capítulo

Algumas considerações:
1. Eu sei que ainda não surgiram muitos zumbis. Eles vão aparecer em massa nos capítulos seguintes
2. O trechinho do começo do capítulo é de uma composição minha escrita especialmente para a história.
3. Sei que ninguém aqui é bobo, mas só pra deixar claro, o capítulo todo é narrado a partir de Lana. Vocês viram o que ela vê, desde o início. Portanto, considerem isso ao relacionarem alguns acontecimentos futuros.
4. O suicídio da Jo na visão, o João me apontou que ficou meio inverossímil, considerando que tudo tava voando e o mundo acabando. Eu vou explicar isso mais pra frente.

Qualquer outro erro me avisem!
Acho que é só isso mesmo. Deixem reviews e obrigado por ler!



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