Esse é um capitulo reflexivo que não interage diretamente com a história.

O segredo para ser feliz é não se preocupar. Aprendi isso desde cedo. É difícil no inicio, como iniciar a academia. Talvez os exercícios sejam ainda mais dolorosos, no entanto, quando começam a vir os resultados, torna-se algo tão fácil quanto ganhar dinheiro traficando drogas. Quando eu era pequeno pouco sabia sobre relacionamentos e coisas do tipo, mas apaixonei-me por uma menina.

Numa férias de verão em que passei no sul da Italia com meus avós, conheci a mais complexa das criaturas até então. Ela era magra, alta e seus cabelos amendoados andavam sempre desalinhados. Seu nome era Gabriele.

Gabriele foi meu primeiro amor. Resolvi passar um ano por lá para ficar ao seu lado. Nunca sofri tanto. Tenho para mim que aquela menina era louca. Ou feliz. Ela não se preocupava muito com nada, se fosse pra ser, seria. Perdi minha virgindade com ela, disse-me estar apaixonada, escrevia cartas e poesias, passava comigo os pores-do-sol a beira mar. Sua pele sempre salgada me fornecia o néctar agridoce. “Sou o único?” eu perguntava, ela respondia que não. Doía-me o peito toda vez que me falava com quem havia passado o dia, ou a noite. Terminado meu ano letivo lhe disse que ia partir, já não acreditava em suas juras, nada mais me prendia ali.

Gabriele chorou intensamente, caiu de joelhos e pediu que eu ficasse. Não compreendi. Questionei-a sobre o por que do choro se nunca fora fiel a mim, que diferença fazia eu ficar ou não?

– Mai mentito. Se dico ti amo è perché è vero. Gli altri sono tutti passeggeri, distrazioni frivole per passare il tempo, il piacere. Dimmi che non è per voi di tornare tutti al tramonto del sole? (Nunca menti para você. Se digo que lhe tenho amor é porque é verdade. Os outros são todos passageiros, distrações levianas para passar o tempo, ter prazer. Diga-me pois, não é para tu que volto todo pôr-do-sol?)

Fui embora. Passei algum tempo tentando entender o que Gabriele quis dizer. Ela havia me dado a formula da felicidade. Para aqueles que não respiraram a essência de suas ações, eu explico. Não adiantava preocupar-me com detalhes de uma relação, não me importa o que ela fazia enquanto eu não estava perto. O que doía em meu peito não era sua traição, mas meu próprio narcisismo. Entreguei-me completamente para ela e tomei como ingratidão a falta de exclusividade. Minha insegurança me fez pensar não ser o suficiente para ela, e o que importava se não era? No final de tudo ela voltava para mim, como dar prova maior de amor?

Namorei ainda algumas vezes depois, vi que ela estava certa. Mais me valia uma Gabriele nos fins-de-tarde do que outras que se integraram inteiramente à mim e, ao toque de qualquer novidade, se agarraram a ela deixando-me só.

Bendita filosofia de vida que me livrara de toda ingratidão mundana. Bendita Gabriele que quebrara meu coração para que eu pudesse espatifar o de tantas outras. Não espere dos outros o reconhecimento pelo seu esforço. Não lamente. Não pense no passado, ele não mudará. Não sofra por antecipação. Foque sempre no presente, deste você não pode escapar. Lembre-se por ultimo que, pequenas pedras no sapato podem te incomodar, mas não lhe farão perder o pé.

Meu único arrependimento é de nunca ter voltado para agradecê-la… Ah Gabriele.