Eu sou o milagre escrita por Thais Barreto


Capítulo 1
Um




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Eu não escolhi isso pra mim. Não escolhi sofrer, ainda quando estava dentro do ventre da minha mãe, eu nem falar sabia, não pensava, não pedi pra sofrer assim, mas nós nascemos chorando. Contudo, nunca achei que fosse passar por tudo o que passei.

Rio de Janeiro, agosto de 2004, 17:00 PM

- Ei, garoto, vem aqui!

Eu tinha 8 anos de idade quando meu tio me chamou no quarto dele. Eu estava brincando com meus carrinhos, ainda era muito inocente, já tinha um conhecimento muito básico do mundo, mas só sabia o que meus pais me ensinavam dentro de casa.

- Garoto, vem aqui!

Meu tio nunca foi muito carinhoso comigo. Acho que ele nunca gostou muito de mim. Todas as vezes que meus pais precisavam sair aos finais de semana e eu não tinha com quem ficar, eu sempre ia pra casa do meu tio. Se aprendi todas as maldades que aprendi, foi quando saí com ele. Meu tio em dias de sábado a noite chegava em casa de madrugada bêbado, a minha tia ficava nervosa e eles sempre começavam a discutir e então ela sempre ia pro quarto chorando. Foram inúmeras as vezes que eu acordei de noite ouvindo a gritaria dos dois.

Naquele dia, eu me surpreendi porque meu tio não tinha saído de casa, a minha tia saiu para fazer compras e estávamos eu e ele sozinhos em casa. Eu nunca gostei muito da ideia de ficar só com ele, mas eu tinha que aceitar os fatos, afinal de contas, ele era mal, mas nunca encostara um dedo sequer em mim.

- Tio? - Apareci no quarto dele de leve na porta.

- Vem aqui. - Disse ele pedindo batendo a mão no colchão da cama afim de que eu me sentasse do lado dele.

- Sim?

- Hoje nós dois vamos brincar, mas essa brincadeira vai ser um segredo que precisa ficar só entre nós dois, nem seus pais, nem sua tia podem ficar sabendo, você está me entendendo?

- Sim, mas que brincadeira é essa?

Sem me responder, meu tio começou a desabotoar o botões da minha camisa e da minha calça e quando observei, estava apenas de cueca, e logo em seguida, começou a desabotoar as calças dele.

- Deita nessa cama, garoto, e lembre-se do que eu te disse: isso é segredo.

Sem saber o que fazer, eu deitei na cama e comecei a vivenciar o pior dia da minha vida. Ainda era criança e inocente, não tinha noção de nada, não gosto muito de contar o que aconteceu de mais íntimo, mas posso dizer que não foi nada agradável ser estuprado pelo meu próprio tio. Só ouvia o meu tio gemendo muito e não abria os olhos porque não queria enxergar aquilo, eu sabia que não era algo bom, até que chegou uma hora em que eu comecei a chorar e gritar ''Tio! Para! Para! O que é isso? Tá doendo, para agora!'' e chorava até não aguentar mais. Foi o pior dia da minha vida.

Rio de Janeiro, setembro de 2011, 10:00 AM

Meu cachorro era o meu único amigo. Eu não suportava mais aquela escola, eu sempre fui motivo de piada, sempre faziam bullying comigo de alguma forma e não tinha nenhum amigo sequer, porque aqueles que até talvez me achassem um garoto legal, tinham vergonha de andar comigo pelo fato de eu ser o mais zoado da escola.

- Olha quem tá passando! Que garota feia... Ah, não, espera, é um muleque mesmo! Hahahahahah, vira homem, mulherzinha, volta de onde você veio porque aqui ninguém te quer!

- Esse garoto é muito estranho, qual é a dele?

- Sei lá, cara, só sei que de gente estranha eu quero distância.

Foram 3 anos de ensino médio suportando pessoas chatas ao meu redor, que me zoavam até cansar, mesmo quando a piada ficava sem graça eles precisavam falar mal de mim, porque eu era a piada da escola. Deus nunca foi um ponto forte na minha vida, mas eu agradeci a Ele quando a escola terminou e felizmente consegui entrar pra faculdade.

Rio de Janeiro, abril de 2014, 09:00 AM

Esse é o terceiro ano que eu estou cursando a faculdade de jornalismo, a minha vida não mudou muita coisa desde o ensino médio, infelizmente, eu perdi o meu cachorro e a minha dinda, que eram as coisas mais importantes pra mim nessa vida. Nunca fui muito próximo dos meus pais e agora que já sou mais velho, posso ficar sozinho em casa e não sou mais obrigado a ter que ir pra casa dos meus tios, quando quero falar com a minha tia, eu ligo pra ela.

Como eu disse antes, a minha vida sempre foi muito parada. Nunca tive com quem conversar sobre como me sentia e de uns tempos pra cá, a minha única companhia tem sido Deus. Ás vezes, eu recebia convites pra festas de faculdade e até ia, mas nunca conseguia me relacionar com alguém pelo fato de eu ser envergonhado até demais. Eu ia nas festas, chegava e sentava, bebia alguma coisa e quando começava a ficar entediado eu voltava pra casa. Nem em festas eu conseguia me animar. Havia um pessoal na faculdade que de vez em quando me dava um oi ou conversava rapidamente comigo, mas ninguém nunca foi muito próximo de mim.

Levar uma vida monótona nunca esteve na minha lista de desejos, mas aquela era a minha vida. Eu nunca pedi pra sofrer, eu nunca pedi pra ficar sozinho, mas eu estava. Eu prometia que nunca mais eu choraria, mas eu chorava. Eu desejava e pedia a Deus, implorava, dizia pra Ele que se Ele realmente existisse, eu queria que algo acontecesse que viesse mudar a minha vida. E por várias e várias noites eu chorei, até chegar aos meus cortes. As marcas não mentem, elas mostram a dor que se passam dentro de nós. Uma vez eu li uma frase que dizia que ninguém se mata por puro prazer, mas nos matamos pra tentar nos livrar da dor e os meus cortes eram uma forma de aliviar tudo o que eu sentia, pra no dia seguinte poder sair na rua e fingir como se nada tivesse acontecido no dia anterior.


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