- ...e todas as noites ela nos põe na cama, eu tenho um quarto só meu, nossa casa é grande mesmo com o bebê a caminho...
Ela me contava animada sobre sua vida perfeita.

Eu já havia me dado conta de que o sinônimo de Rochester era perfeição.

Seu pai tinha um trabalho estável no banco da cidade, tinham uma vida boa, ela possuía um irmão mais velho e outro estava para nascer, até o natal. Ela era feliz e não fazia questão nenhuma de esconder.
Eu poderia sentir inveja disso.
- Mas e você? – ela perguntou parando de falar um pouco.
- Não há nada de interessante para falar – eu respondi.
- Impossível – ela falava sempre sorrindo. – Você veio de outro estado, outra cidade... Tem que ter alguma coisa para contar!
- Acredite – eu murmurei cansado. – Às vezes o que vocês fazem aqui pode ser mais interessante...
- Como é uma cidade grande? – ela perguntou com seu tom sonhador e eu lhe sorri. – Eu nunca sai daqui...
- Aqui é melhor para morar – eu tentava acreditar nisso. – Não há tantos carros nas ruas e as pessoas são mais alegres... Em Seattle não se pode ficar correndo assim na rua e nem jogando bola na casa dos outros, as pessoas por lá são mais mal humoradas.
- Eu não acredito – ela disse sentando na grama e abraçando os joelhos.
- É sério – eu ri a encarando.
- Todos falam tanto das cidades grandes...
- E mesmo assim continuam aqui – ela deu de ombros. – Algum motivo tem de ter!
- Eles só se acostumaram com a vida daqui...
E naquele dia eu já sabia que ela não era como as outras, havia resquícios das mulheres perfeitas em seu jeito de ser, mas, ao mesmo tempo, Rosalie parecia possuir um espírito livre como se as fronteiras de Rochester não fossem o suficiente.
- Então eu cumpri minha parte do acordo – puxei o assunto minutos depois, depois do silêncio em que ambos apenas olhávamos para frente sem nada a ser dito.
- Hmm – ela deu de ombros. – Você pode me acompanhar até em casa, assim eu vou pensando – ela só queria se fazer de difícil, mas eu sorri mesmo assim me entregando ao seu joguinho.
- Parece justo...
Não havia contato algum entre nós dois, duas crianças, ela carregava as coisas dela e eu as minhas e hora ou outra conversamos sobre alguma trivialidade. Mas foi nessas trivialidades que descobri sua paixão por pássaros – e pelo que eles representam, liberdade –, e que sua comida preferida não importa qual seja é a feita por sua mãe, e que também sua cor preferida é roxo, e não rosa como todos pensam.
Assim, nessas trivialidades eu acabei contando que minha comida preferida era uma batata frita com carne, e que azul era minha cor preferida.
Muitos casais morrem sem saber algo trivial um do outro, nós já estávamos um passo a frente. E eu não sabia, mas naquela época eu já a imaginava como minha.