Por quê Tobias faria isso? Apenas pra me defender do Eric? Mas eu não sou uma garotinha indefesa e ele sabe muito bem disso! O quê ele está planejando? Ele não ousaria tirar a liderança do Uriah já que ele nunca quis a liderança por motivos que eu desconheço.

–Tris! – grita Christina.

Me lembro que ainda estamos no quarto dos iniciandos .

A olho perplexa.

– Por quê você está gritando? – pergunto.

– Te chamei quatro vezes. - diz ela cruzando os braços.

Chamou?

– Ah! Desculpe. Eu estava dispersa . – digo.

Ela me avalia.

– Você tem comido? – pergunta ela.

Claro que tenho comido! Mas não quanto deveria...

– Sim! – minto.

Ela semicerra os olhos.

– Mesmo, é? – pergunta.

– Mesmo. – meu lábio inferior treme involuntariamente.

Ela revira os olhos.

– Está mentindo. – diz ela. – Está mentindo pra mim? – ela continua balançando a cabeça negativamente.

Ela sabe quando eu minto. Não tem como mentir pra Christina. Mas eu não quero falar sobre comida com ela agora! Preciso desabafar com alguém ou irei explodir.

Encaro Christina.

– O quê foi? – pergunta ela.

Penso e repenso se devo confiar nela para contar isso.

Decido que sim.

Prendo a respiração. Solto-a.

– Estou preocupada com Tobias e Uriah! – digo.

Christina parece não entender.

– Tobias? – pergunta ela.

Droga. Ela não sabe o verdadeiro nome dele.

O quê eu faço? Minto? Mas ela descobrirá.

–Sim! Meu amigo. – digo mudando o rumo da história.

Tento não desviar os olhos dela e mater a respiração regular.

– O que tem ele? O que ele tem a ver com o Uriah? – pergunta ela confusa.

Não a culpo.

– Nada. – continuo a mentir. – Ele só escolheu a erudição assim como o Caleb e não gosto de lá!

Tento parecer o mais natural possível.

– E o Uriah? – pergunta ela ainda confusa.

Pense em algo! Pense em algo! Em algo. Algo.

– Ah, hoje ele meio que insultou o Eric e não sei no que isso vai dar. – O quê não é mentira.

Isso me ajuda a controlar minha história inventada.

Só queria contá-la o que houve. Mas que idiota! Deveria me controlar ao falar do Tobias. Somente eu sei o verdadeiro nome dele, aqui dentro.

– Ah! Ele não vai se dar mal! - diz ela. – Ele é o Uriah, né! – continua ela passando a mão em seus cabelos.

– Verdade! – digo.

Tento forçar um sorriso, mas acho que não é muito convincente.

– Vou procurar o Will. – diz ela saindo porta a fora.

– Ok. - digo. Mas ela já se foi.

Por quê menti pra ela?

Bom... O segredo não é meu! Não posso sair por aí espalhando o verdadeiro nome do Quatro.

Decido procurar Uriah.

***

– E aí, Tris? – diz Uriah levando uma caixa lacrada para algum lugar.

– Oi! O que é isso? – Pergunto olhando para a caixa.

– Ah, isso aqui são novas facas para os alvos. – diz ele fazendo uma careta.

Por quê ele estaria carregando isso? Isso é trabalho para os ajudantes, ou para quem trabalha para os líderes. Alguém como eu.

– Por quê está carregando isso? – pergunto. – Você não deveria estar, sei lá! Aprendendo a ser líder ou algo assim? – continuo.

Ele me dá um olhar triste. Algo não muito comum em Uriah.

Suspiro.

Acho que sei o quê aconteceu.

– Uriah... – começo, mas não consigo terminar.

– Eles disseram que o pedido para a minha liderança foi revogado. – diz ele.

Estou odiando Tobias agora.

– Não! – é o que eu consigo dizer.

Ele respira fundo.

– Acho que como você não aceitou a liderança. Eles passaram para mim e se revogaram... – diz ele.

Mas o interrompo.

– Eles não vão me chamar, Uriah! – digo com firmeza.

Ele me encara atordoado.

– Como não, Tris? - diz ele. – Você foi a primeira colocada.

Não quero contar a ele os planos de Tobias. Mas nem mesmo eu sei quais são seus planos.

– Sinto muito, Uriah! Mas não sou eu a próxima líder. - digo.

Tobias me paga.

Uriah não diz nada.

– Preciso ir ! – digo. E volto por onde vim.

***

Ando pelos corredores escuros que já conheço como a palma da minha mão. Vagueio e tento achar uma solução. Mas não a encontro.

Nunca quis ser líder. Sei como isso importa para Uriah.

Cansei de me perguntar por quê Tobias faria isso. Apenas aceitei na hora em que ele disse. Deveria ter argumentado. Mas estava considerando a ideia. Quando ele me deixou a mesa dizendo que precisava resolver algo importante e que passaria o dia fora do complexo da Audácia. Esse é o motivo pelo qual eu ainda não fui esclarecer nada com ele. Mas vou esperar ele chegar e resolver tudo isso. E se der, talvez eu consiga convencê-lo a abdicar sua liderança.

Esse pensamento é egoísta. Meus pais não se orgulhariam. Mas não ligo! Não sou mais uma abnegada. Sou audaciosa. Sou brava. Egoísta.

***

– Oi. – diz Tobias em um sorriso afetado.

– Oi. – respondo secamente.

Estamos em um corredor do complexo. São 00:30 e recebi um bilhete para encontrá-lo aqui.

Nos encaramos em silêncio.

Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro.

– Como foi o seu dia? – pergunta ele tenso.

Ele sabe que estou cheia de perguntas e furiosa.

– Foi bom. – não pergunto o dele.

– Bom... – diz ele refletindo as minhas palavras.

Nos encaramos em silêncio novamente.

Lanço a ele um olhar voraz.

Ele fecha a mão em punho, com a tensão aumentando.

Deveria dizer algo agora. Mas não tenho a mínima vontade.

Então passamos os próximos minutos apenas nos encarando sem dizer uma única palavra.

Até que ele finalmente quebra o silêncio.

– Eu sei, Tris! Eu sei! está bem? – diz ele suspirando.

Respiro fundo e o que faço a seguir é inesperado e esperado ao mesmo tempo.

Dou-lhe um tapa. O mais forte que eu possa dar.

– Tris. – ele diz se recompondo.

– Não! Você não tem o direito... – Se não conhecesse Tobias diria que ele está prestes a chorar. – ...de tirar a liderança dele. – digo nervosa.

Ele fecha os olhos e coloca os dedos no topo de seu nariz.

– Me escuta... – ele suplica.

Não! Não escuto, não!

Começo a andar pelo corredor o mais rápido que posso, o abandonando.

Mas uma mão quente atinge minha cintura e me empurra contra a parede delicadamente.

– Me solta, Quatro! – digo com raiva.

Ele não o faz.

– O quê você quer, Tris? – Ele está calmo. Mas algo em seus olhos ferve enfurecidamente. – Quer respostas? Eu te dou! – continua ele.

Reviro os olhos.

– Acho que se fosse me dar alguma resposta, teria me dado na mesa do refeitório e não saído daquele jeito. – respondo quase gritando.

Me lembro que não podemos gritar aqui ou chamaremos a atenção. Aqui é escuro. Mas não distante dos outros.

Ele me olha nos olhos intensamente.

– Não! Não! Você não entende, Tris! – diz ele sussurrando. Ainda suplicando.

Estamos compartilhando o mesmo ar.

Essa proximidade não me afeta mais. Ou talvez seja apenas a raiva.

Espero ele continuar. Mas ele não continua.

– O quê? – pergunto. – Não entendo o quê, Quatro?

Seu rosto está a centímetros do meu.

– Não me chame assim, Tris! – diz ele.

Ele está uma mistura de Tobias ameaçador com Tobias suplicador.

– Ok. – respondo automaticamente.

Ele encosta a testa na minha.

Perco o fôlego.

Não! Eu estou brava com ele! Não!

– Me perdoe, Tris! – diz ele ainda segurando meus braços contra a parede. – Eu sei que o Uriah merece ser líder. Eu não mereço! Eu não quero! Nunca quis! – ele está ofegante como eu.

– Mas por quê... – começo.

Ele me interrompe.

– Algumas coisas estão mudando na audácia, Tris!

Ele parece chateado.

– Não queria te envolver nisso! Mas parece que não me resta escolha.

O quê ele está dizendo?

– O que está mudando? E o que isso tem a ver com o Uriah e... O que isso tem a ver com você ? – pergunto confusa.

Ele roça os lábios nos meus. Eu permito.

Quero beijá-lo. Preciso beijá-lo. Mas essa pergunta precisa ser respondida.

Afasto minha boca da dele.

Ele assente.

– Venha comigo! – diz ele me soltando da prisão das suas mãos. – Eu vou te mostrar uma coisa!