Prelúdio para a insanidade escrita por Zusaky


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Presente de amigo oculto para a Giovanna Prado. Espero que goste do presente, fiz o máximo para que a agradasse. E peço desculpas pela demora.



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“Que mau pressentimento”

Este havia sido o primeiro pensamento de Silla Harrison ao acordar pela manhã em seus aposentos no castelo do Reino de Gharnes. As pedras de granito o rodeavam, embora ele gostasse desse aspecto tedioso que o recinto lhe proporcionava.

Foi até a janela. Os olhos castanhos fitavam as águas longínquas que rodeavam uma parte do reino. Estava cedo, e o sol se mostrava hesitante em aparecer. Ainda que estivesse escuro, Silla conseguia enxergar as torres vigias, altas e majestosas; e mais abaixo, um amontoado de casas humildes, entretanto, bem feitas.

Dali uns instantes, os plebeus iriam erguer-se e começar mais um dia, apenas desejando que este não fosse tão longo quanto o anterior. Silla simpatizava com eles, por mais que fosse repreendido várias vezes pelos outros cavaleiros do castelo.

Nunca havia se importado com tais julgamentos.

Três toques lentos fizeram com que o jovem homem acordasse de seus devaneios.

— Entre — disse Silla, passando a mão pelos cabelos escuros, que chegavam a seus ombros, a fim de arrumá-los ao menos um pouco. Não adiantou.

No instante seguinte, um cavaleiro adentrou o recinto. Em sua mão esquerda havia um elmo dourado e reluzente. A armadura, dourada, parecia combinar perfeitamente com os curtos cabelos loiros do homem. Um sorriso desdenhoso se delineou em sua face.

— Irmão — disse o cavaleiro, olhando para Silla de cima a baixo. — Por que ainda não está vestido?

— Não estou nu, estou, Finley?

O Cavaleiro Dourado apoiou-se na porta ao ouvir o atrevimento do outro. Não compartilhavam o mesmo sangue, embora se considerassem família um do outro. Finley Ward era um Lorde, mas não o herdeiro, uma vez que era o segundo filho; tal fato o alegrava todos os dias. Tinha apenas 2 anos quando Silla havia chegado ao Reino Gharnes, órfão e sem memórias, no entanto, nos anos que se seguiram, mostrou-se um exímio lutador.

— De qualquer modo, a princesa Freya deseja a presença do comandante da Guarda Real em seus aposentos. — Finley segurou a maçaneta, mas continuava a observar o irmão. — Não se atrase. E coloque sua armadura, pelos deuses, é terrível a visão que tenho de você sem ela.

Silla apenas o olhou, sem responder à provocação, o que deixou o outro cavaleiro sem graça. Soltou um longo suspiro ao ver-se sozinho no quarto novamente.

Surpreendeu-se ao notar que a mesma sensação ruim de quando havia acordado estava presente, novamente.

— Tch… — fez, aborrecido.

..:X:..

O vento gélido que entrava pelas janelas balançou as madeixas longas e ruivas de Freya Lewis, acariciando-lhe as maçãs do rosto. Os dedos hábeis ocupavam-se em passear pelas cordas da harpa. Mesmo longe, era possível escutar a melodia majestosamente produzida. As pálpebras, antes fechadas, só se abriram quando a música, enfim, findou-se.

— Belíssimo, Vossa Alteza — disse uma das amas, com um sorriso franco. Nos segundos seguintes, entretanto, sua expressão parecia preocupada. — A ventania está bagunçando os seus cabelos. Se me permite…

A criada, hesitante, aproximou-se da princesa, mas antes que suas mãos alcançassem os fios rubros, uma mão tocou em seus ombros. Assustou-se, para logo depois acalmar-se ao ver que se tratava de um cavaleiro. Fez uma breve reverência à princesa e retirou-se do lugar, junto às demais amas.

Freya pousou os olhos azuis no homem.

— Queria me ver, Vossa Alteza? — ele perguntou, sério. — Aconteceu algo?

A risada afável da princesa fez com que Silla arqueasse uma sobrancelha.

— Não é nada demais, Sir Silla Harrison — a ironia rodeava sua voz. Ela continuou sentada. — Você sempre foi assim tão atencioso?

— Não faço nada mais que minha obrigação, Vossa…

O cavaleiro foi interrompido:

— Você me chamava de Freya quando éramos crianças.

Ela levantou-se, ficando de costas para o homem. O belo vestido expunha o quão bela a ruiva havia se tornado. Poucos dias atrás havia completado suas vinte primaveras.

— Eu desejo ir à Vila hoje — disse a princesa, um sorriso inocente decorando sua face rosada. — Quero ver as crianças. Me acompanhe.

Silla não esboçou surpresa em seu rosto. Conhecia o coração bondoso que batia dentro do corpo de Freya, e o quanto ela gostava da companhia daqueles que nada possuíam. Os conselheiros da Corte desaprovavam suas ações.

— Você deve governar essas pessoas, e não fazer amizades com elas — dizia o ancião, em tom reprovador.

— Mas por quê? — ela sempre indagava. Uma menina deveras questionadora, era o que falavam.

— Eles são perigosos — contava às crianças do castelo.

O cavaleiro revirou os olhos ao lembrar-se disso.

“O perigo está aqui dentro”, pensou ele, mas se limitou a responder apenas ao pedido da princesa:

— Sim, minha Lady.

..:X:..

Silla sustentava um olhar pesaroso ao olhar para o pedaço de papel amarelado em suas mãos.

A lua já pairava no céu quando Freya e ele retornaram ao castelo naquele dia. Ao dirigir-se a seus aposentos, o cavaleiro notou a porta entreaberta. Sua espada foi rapidamente tirada da bainha, ao passo em que ele adentrou ao recinto velozmente, já preparado para qualquer imprevisto.

O lugar, no entanto, encontrava-se sem nenhuma outra presença.

Havia, entretanto, uma carta em sua cama.

De maneira apressada, o Harrison guardou a espada e pegou a mensagem deixada. Os olhos castanhos eram ávidos lendo o bilhete, ao passo em que sentia sua garganta ficar cada vez mais seca e as mãos, trêmulas.

— Mas o que é isso? — disse para si mesmo, em um tom elevado.

A carta, ele leu, parecia mais como uma ameaça, se lida nas entrelinhas. As palavras escritas ali pareciam estar vivas, lhe contando o que viria a seguir. Silla não conseguiu duvidar delas.

Um suor gelado escorreu pela sua têmpora. Havia uma data ali.

Iriam tentar assassinar a princesa.

..:X:..

Zumbidos. Ah, como ele odiava esses zumbidos que aquelas pessoas faziam ao tentar sussurrar.

Silla havia tentado, ainda na noite em que recebeu a carta, avisar aos demais. Não a todos, é claro, apenas à Guarda Real. As risadas que ouviu de seus companheiros vieram como um baque.

— Matar a princesa? — Um deles riu derrubando um pouco do liquido vermelho que estava em seu copo — Essa deve ser a… O quê? A quarta ameaça que você vem nos contar? E isso só neste mês.

— É verdade — concordou Finley. Silla sentiu uma mistura de amargura e fúria crescer dentro de si ao ouvir a voz do irmão. — Você é o mais íntimo de Sua Alteza, mas não precisa preocupar-se tanto. Isso ficará entre nós.

Um sorriso irônico decorou o rosto do Harrison ao lembrar que não havia sido exatamente assim, uma vez que até mesmo os serventes no castelo o olhavam desconfiados. Pareciam não fazer questão de esconder a pena que sentiam. Talvez o achassem louco. Talvez ele fosse realmente insano.

Mas ainda com sua insanidade, era seu dever proteger a princesa. Sua Lady.

..:X:..

Aquela era a véspera da data escrita no papel. Silla havia passado todo o dia andando pelo castelo, desde os Jardins Reais, até as Masmorras, por mais fétidas e desagradáveis que estas fossem.

Talvez mandassem algum assassino de aluguel. Não, o castelo era bem protegido contra este tipo de pessoa. Uma invasão estava fora de cogitação: o exército de Gharnes era composto de exímios matadores, e não eram poucos. Os arqueiros – Freya costumava dizer que possuíam olhos de águia – eram os melhores já vistos. E ainda haviam os espiões para além das terras do Reino.

Silla suspirou pesadamente. Havia ido novamente a um dos Jardins, numa parte mais isolada. O silêncio havia se tornado seu melhor amigo desde o recebimento da carta. Finley já não era mais o mesmo. Os outros cavaleiros também se afastaram dele.

— Droga — praguejou baixo. Um corvo, escondido nos galhos de uma das árvores, pareceu o repreender com o seu grasnar. — Oh, eu te assustei?

A ave o respondeu com seu silêncio e um olhar rápido. No instante seguinte, ela voou para outra árvore, um pouco menor que a primeira. Parecia querer comer uma das frutas vermelhas da planta. O cavaleiro se levantou-se rapidamente.

— Não! — havia certa aspereza em sua voz, o que fez o corvo gritar e bater as asas de modo sobressaltado. — Essa fruta é tóxica, pode te matar, idiota. É um veneno.

E como se entendesse as palavras de Silla, o pássaro se distanciou do lugar.

O homem passou a mão pelos cabelos, bagunçando mais do que já estavam. E então parou de súbito. O coração acelerou e um frio percorreu sua espinha. O mundo pareceu girar ao seu redor.

“É tão óbvio que parece ser estúpido”, pensou. Olhou para o céu. O sol já estava no topo.

Iriam envenenar a princesa.

Estava longe demais das acomodações de Freya; era preciso correr. Com sorte, a servente ainda não havia levado o almoço para os aposentos reais. A armadura dificultava a corrida, mas parar para tirá-la seria tolice de sua parte.

Por mais que tomasse cuidado para não derrubar ninguém, parecia impossível evitar esbarrar nas pessoas, que o olhavam aterrorizadas e com desprezo. Silla não se importou, não tinha tempo para elas naquele momento.

Ao chegar no corredor que desejava, tirou a espada da bainha. Com a outra mão, procurou sua adaga no cinto, entretanto, não a encontrou. Deveria ter caído em algum lugar enquanto ele corria. Não importava agora.

Tentou girar a maçaneta, mas a porta parecia estar trancada por dentro.

— Freya? — gritou. Nenhuma resposta veio — Freya, sou eu, Silla Harrison. Abra a porta!

O cavaleiro não esperou por uma resposta, simplesmente chutou a porta. No terceiro chute, conseguiu romper a fechadura. Entrou correndo no recinto.

A garganta secou ao fitar a cena. Respirar se tornou algo difícil. Silla caiu de joelhos. Freya estava sentada no chão, as pernas cruzadas e uma harpa ao seu lado. A cabeça pendia para o lado. O vestido branco era manchado pelo sangue que escorria de seu peito. Uma adaga estava fincada ali, apenas o seu cabo era visível. Os olhos azuis estavam abertos, arregalados.

Silla sentiu uma queimação intensa em seu interior. Algo dentro de si doía como nunca. Era como se Freya estivesse lhe olhando, por mais que não houvesse luz alguma em seus olhos.

Ah, como ele adorava quando a princesa focava-se nele, como se ele fosse mais especial que os demais, como se apenas ele fosse merecedor de sua atenção. Ainda que soubesse que ela apenas o veria como seu leal cavaleiro. Mas não importava, apenas queria que toda a atenção da jovem estivesse focalizada nele. Que os angélicos olhos fitassem apenas ele.

Freya agora o olhava, mas não como ele desejava.

Voltou à realidade. Havia, agora, outras pessoas no quarto. Os cavaleiros apontavam longas lanças para seu chefe. Os olhares fixos nele, as gritarias e o susto. O cheiro de sangue insistia em estar presente.

— Silla Harrison. — Foi Finley Ward quem fez todos os outros presentes se calarem. — Você é acusado de matar Sua Alteza, a princesa Freya Lewis. — O loiro parecia pesaroso ao dizer tais palavras. Até mesmo incrédulo. — Prendam-no.

E assim os guardas o fizeram.

Silla ainda teve forças para sentir seu corpo amolecer e as pálpebras descansarem.

..:X:..

— Foi um fim extremamente triste. Para a princesa, eu digo.

Havia um pequeno grupo de mulheres reunido próximo a uma pequena lagoa. As mãos de todas elas esfregavam freneticamente as peças de roupas.

— Sim, oh, pobrezinha — a voz de outra senhora expressava uma tristeza franca. — Quem diria que aquele homem iria matá-la, hein? Sempre achei que ele nutria algo a mais por ela. Nunca achei que fosse ódio.

Uma outra mulher ergueu-se de súbito, chamando a atenção das demais. Esta parecia ser mais nova, embora as olheiras e as rugas denunciassem que a idade já estava chegando para ela também.

— Pois pra mim, tudo isso é armação — segredou, num tom de voz quase inaudível — Ou então Sir Silla ficou louco. Mas não acredito nisso.

— E no que nossa opinião irá mudar isso? — disse a que havia falado primeiro. — Nós acreditando ou não, o poder permanecerá nas mãos da realeza. Somos apenas como cães para eles agora que a princesa Freya se foi.

As três mulheres suspiraram juntas, de maneira angustiada. A mais nova foi quem encerrou o assunto:

— Ainda acho que Silla ficou louco.

..:X:..

O corpo de Silla se remexia no chão de maneira frenética. Gotículas de suor escorriam em sua face pálida, e logo se misturavam com suas madeixas negras. Por fim, olhos se abriram de repente. Tudo não passava de mais um pesadelo, apesar de achar que ainda estava dormindo, pois a sensação estranha que insista em lhe invadir o peito ainda estava presente.

Estranhou o ambiente ao seu redor. Havia grades no lugar de uma das paredes. Seu corpo vibrou repentinamente. Ele se agarrou ao metal. As mãos suavam.

— Alguém venha até aqui rápido! — gritou, e ouviu passos apressados em sua direção. Dois guardas apareceram. — Vamos, me soltem. Vão tentar matar a princesa Freya. Eu preciso impedir.

Um dos soldados se pôs a rir descontroladamente, enquanto o outro não sabia como reagir. A voz de Silla soou novamente, exasperada:

— Pelos deuses, abram isso. Vão matar a princ...

— Você a matou, seu traidor.

O primeiro guarda cessou as risadas e afastou-se da cela. O segundo logo o seguiu.

Os olhos de Silla arregalaram-se, e ele fitou o chão por alguns segundos, fechando-os logo em seguida. Ele agarrou sua cabeça, passando as mãos pelos cabelos. Sempre fazia isso quando estava nervoso, como uma mania sua.

Ele, então, abriu os olhos, observando ao redor. Agarrou-se novamente às grades de sua cela.

— Alguém me ajude, vão assassinar a princesa. — E ao notar que ninguém viria ao seu encontro, o ex-cavaleiro foi escorregando até o chão, lentamente. — Alguém… Alguém…

Sua voz foi finalmente perdendo o som, até que somente o silêncio restasse ali.

Silla ainda estava vivo. Sua sanidade, porém, havia acabado de deixar seu corpo.

As moradoras da Vila abaixo do castelo estavam, quem diria, certas.


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