Diário do Silêncio escrita por Vaalas


Capítulo 7
No Fim Tudo Acabou Bem


Notas iniciais do capítulo

Cara, tenho muito talento para títulos de capítulos criativos, meu Deus.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/522751/chapter/7

“A palavra é tempo, o silêncio é eternidade.” Maurice Maeterlinck

“Não acredito que você está assim porque uma garota beijou você”

Josh realmente não estava ali para me apoiar. Sentados em um dos degraus de concreto da cantina, os gêmeos pareciam se divertir com meus problemas envolvendo amoras, beijos e cadernos. Certamente não estavam rindo tanto quanto Cassie após o beijo — o que não sei se é algo positivo ou negativo —, mas ainda assim pareciam descrer do meu nervosismo.

Assim como no dia anterior àquele fim de manhã de outubro, não estava quente. O céu estava estranhamente branco e mergulhado em um clima agradavelmente úmido. Puxei o capuz para cima quando cruzava o corredor principal ao lado dos dois idiotas que ainda sorriam pela minha desgraça.

Acho que estava óbvio que não desejava ver Cassie. Espero que, caso ela sem querer me reconheça, perceba isso e simplesmente pule fora do navio. Ou então eu realmente darei trabalho a alguém quanto aos miolos grudados no carpete e nas paredes.

James me cutucou e sorriu.

“Sua garota vem aí”

E pronto, obrigado por fazer meu pânico inflar.

Cassie surgiu das trevas com a mesma aparência de sempre, só que sem sua touca. Na minha concepção, em sua volta havia uma nuvem negra e olhos vermelhos prontos para me arrastar para o inferno. Engoli em seco, suando frio, quando ela pegou no meu cotovelo, disse algo aos gêmeos — apenas digamos que não estava mesmo conseguindo prestar atenção — e me puxou pelo corredor como uma criança puxa seu caminhão de fio. Enquanto me afastava um tanto atônito, Josh piscou e James acenou sorrindo, como se eu, de fato, não estivesse andando pelo corredor da morte.

“Está me evitando?”

Achei que estava óbvio! Era isso que queria dizer, escrever ou acenar, mas eu e você sabemos que sou fraco e sem mão-firme. Abaixei o rosto e fitei meus pés. Meus sapatos estavam incrivelmente sujos! Poxa, minha mãe ainda não tinha lavado-os?

E droga! Parecia até que ela era o cara da relação e eu a garota tímida.

Espera, relação?

Cassie tirou o capuz da minha cabeça — detalhe que, até então, havia esquecido.

“Olha, eu realmente não sabia que ao fazer isso você iria parar de falar comigo [...] Se é isso que pretende fazer, apenas esqueça, ok? A última coisa [...] é perder o único amigo que tenho aqui! [...] Idiota! Está entendendo? ”

Acenei positivamente, mais uma vez.

“Então estamos bem? ”

Fitei-a e suspirei. Até que não estava uma situação assim tão difícil. Talvez minha mente apenas goste de complicar as coisas e estivesse tentando transformar toda aquela situação em algo maior do que realmente era. Talvez as coisas fossem realmente simples, talvez até mesmo a resposta para o silêncio fosse algo simples. Talvez ser surdo não fosse algo tão difícil — ou talvez fosse tão difícil que acabava por se tornar fácil —, talvez o problema ambiental a respeito das folhas comestíveis sabor de amora fosse algo simples de ser resolvido, assim como estava sendo estupidamente simples resolver o problema do beijo inesperado.

— Sim. — conclui, passando a me sentir bem novamente.

“Ótimo.” Ela sorriu e bagunçou os cabelos “Posso te beijar de novo?”

Espera, espera, espera! Não tínhamos acabado de resolver isso?

Certo, eu era realmente fraco e a situação não estava assim tão simples. Talvez, de fato a resposta para o silêncio seja simples, talvez ser surdo seja realmente difícil, talvez os papéis comestíveis um dia destruam o mundo, mas a verdade foi dita de forma clara: o problema do beijo não era simples.

Eu não estava pronto para fazer isso. Digo, é de Cassie que estamos falando! Não que eu não goste dela, é só que... É Cassie!

— Não!

“Não precisa ficar tão vermelho, Hathaway” ela riu, e por um instante pude imaginar o som da sua risada. “Foi apenas uma pergunta inocente, o mesmo que perguntar a sua idade ou algo assim.”

Tinha certeza que não, mas sem o caderno não podia falar muita coisa. Sabe, ser surdo era uma bosta. Tenho tentado evitar falar disso desde que comecei a escrever aqui, mas auto-piedade é uma bosta também. Por mais estranho que pareça, o pior de ser surdo não é não poder escutar, pois durante toda minha vida aprendi a compreender as coisas por sinais e linguagem labial, então escutar era algo fácil de ser substituído. No entanto, o pior de ser surdo é não poder falar.

E naquele momento, não poder falar era um grande pé no saco.

— Hm — disse apenas.

Cassie sorriu com meu olhar para baixo e puxou meu braço para que eu a seguisse de volta ao prédio escolar. Acho que a campa sinalizando o término do almoço havia soado, vendo que ela me arrastava junto ao mar de alunos para a sala de Biologia.

Eu tinha até esquecido de que ela fazia biologia comigo. E francamente, eu não quero nenhum pouco assistir a essa aula.

Mas sabia que era tarde demais para fugir quando sentei na mesa ao lado da garota, que parecia feliz por tudo ter acabado bem. Na verdade ainda não acabou, mas como no momento tudo está bem, é comum usar a frase “no fim tudo acabou bem”, mesmo que o fim possa ou não possa estar longe.

Essas frases que os velhos usam ficam cada vez com menos sentido.

A tal professora novata que nunca sabia explicar o assunto entrou em sala não muito tempo depois. Pelo menos era pontual, algo para compensar o modo péssimo como ela ensinava. Na verdade era errado reclamar do modo como ela gaguejava e não falava nada com nada, porque isso dava a chance dos outros conversarem e se divertirem enquanto ela tentava lecionar, até que, vendo não ter mais controle da sala, a professora apenas sentava na mesa e lia um livro, pois não tinha coragem de brigar com a turma com sua voz baixa e sem efeito.

Maldoso e triste, mas é a vida.

“Pelo jeito não terá biologia hoje, de novo” Cassie fechou o seu fichário que provavelmente cheirava a amora. Aliás, por que amora? Amora não tem um cheiro tão bom assim. “Vamos conversar por escrita. Não saber o que você quer falar me irrita”

Tentei pôr sentido no que ela falava e demorei um pouco para entender, como sempre. Sabe, quando se ler lábios, você apenas pega alguns pedaços e dá seu jeito para juntar e formar o sentido, e quando você o consegue, sente que já pode morrer em paz.

Peguei você, diário feio, e o pus sobre a mesa, escrevendo com minha caneta preta.

A folha está um pouco amassada porque a arranquei ontem e decidi que iria colar aqui, mas esqueci, e por sorte tirei ela da calça antes que minha mãe a lavasse. Por pouco um pedaço da minha história de vida não se perdeu.

Se você pensar bem, todos os dias um pedaço da sua vida se perde, mesmo que um pedaço insignificante.

Tipo, você lembra do primeiro banho que tomou?

Da primeira vez que cortou o cabelo?

Do seu primeiro dia das bruxas?

Do dia em que sua mãe o forçou a tomar suco de beterraba com cenoura pela primeira vez?

Do dia em que usou uma camisinha como um balão, a encheu de água e arremessou contra a parede?

E por fim, você lembra do seu primeiro beijo?

Bem, não sei, mas acho que ficaria sem um pedaço de minha vida se perdesse essa folha. Pois sabe, durante todas as aulas de biologia com a professora novata os alunos conversavam, riam e esqueciam que estavam em aula. Todos eles tinham histórias para contar, besteiras para escutar.

Eu ficaria apenas sentado riscando meu caderno e fingindo que sabia desenhar olhos mangá, envolvido no meu silêncio abissal inquebrável e curioso sobre a mancha no teto, me perguntando sobre o que seria e de onde teria vindo.

Aquela folha, no entanto, foi a primeira conversa-ignora-aula-de-biologia que eu tive.

E tinha a mesma importância para mim quanto tinha o meu primeiro dia das bruxas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Postagem Programada.
Enquanto você lê isso eu estou sofrendo em um lugar sofredor ;-; E sim, vou ficar me lamentando aqui pela vida, mesmo que nada tenha acontecido ainda, pois veja, ainda é 157 aqui. Sou uma autora muito legal, poderia fazê-los esperar até semana que vem, mas como não tenho certeza de que voltarei viva (vai que caio na água e sou engolida por um boto maligo) vou jogando os capítulos por aqui.
E sim! Eu sou do passado MUÁHÁHÁHÁ... ha... ha.
Até logo, amiguinhos. Comentem e eu responderei quando voltar do fim-do-mundo-sem-internet.