Diário do Silêncio escrita por Vaalas


Capítulo 5
Maldita Amora




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“Fala se tens palavras mais fortes do que o silêncio, ou então guarda silêncio.” — Eurípedes.

Após minha nada breve crise doentia na escola, fiquei bem dois dias depois e cheguei certinho em uma sexta feira menos fria — olha a sorte: um dia antes da semana acabar! —. Tenho consciência de que perdi muito assunto, mas tenho em mente também que não estou mais ferrado que Josh e James, que haviam chegado à escola duas semanas após o início das aulas.

“Tudo lá era perfeito, Elliot” dizia Josh, movendo as mãos com os sinais de palavras.

“Havia fast-foods em cada esquina” completava James.

“Fliperamas com direito a sorvete e chocolate grátis. ”

“Éramos VIP, então tínhamos direto a tudo lá”

“Tudo”

“Ah, havia uma jacuzzi”

“Hidromassagem é algo que jamais esquecerei”

“As banheiras públicas também eram boas”

“Sim, sim, uma pena que houvesse mais homens gordos e velhos do que mulheres bonitas”

E assim foi se seguindo a conversa que perdurou por mais ou menos meia hora. Eu deveria estar junto a eles nessas férias. Eis que minha mãe não deixou, usando o argumento de que os dois idiotas eram muito irresponsáveis e acabariam me levando para o mundo das drogas, bebidas e prostitutas.

Bem, minha mãe tem mesmo juízo.

“Você deveria estar lá” Falou James enquanto mastigava sem nenhuma cortesia um pedaço de torta seca, exibindo seu olhar de insatisfação com a comida. “Esse pessoal da cantina nunca acerta! ”

Havia sentido falta deles, admito. Eles eram o que minha tia gostava de chamar de “confusão à dois”, sempre fazendo artimanhas e saindo impunes, era um dom, eu diria, mas minha mãe realmente não aprovava minha amizade com eles.

A questão é, cara mãe, você não pode tirar as únicas amizades que eu tenho haha.

Depois de muito falatório da parte deles e vários acenos de cabeça de minha parte, a velha rotina de aulas voltou.

James e Josh eram simplesmente idênticos, tão idênticos que nem eu, que convivo com eles há dois anos e meio, consigo diferenciá-los sem a cicatriz — Josh possui uma cicatriz no queixo graças ao dia em que apostou com o irmão que conseguiria andar pelo telhado da casa do vizinho sem ser pego. O resultado foi uma queda de quatro metros e meio, uma mordida de cachorro, um braço quebrado e um rasgo no queixo.

Ambos tinham cabelos cor de areia e olhos cor de mel, mesma altura, mesma cara, mesmo modo de andar curvado e mesmos braços magrelos e desengonçados. Completavam-se em tudo e tinham um laço tão forte, que geralmente me sentia um intruso andando com eles. Haviam aprendido a linguagem dos sinais só para conseguirem se comunicar melhor comigo, o que eu, sem dúvidas, admiro. Digo, pouco depois de 7 meses sendo meus amigos eles já conseguiam entender, e isso era, bem, muito bom para mim.

Realmente, não importa o quanto minha mãe desgoste deles, sei que são amigos.

“Bem, tenho que ir” Josh se levantou e botou a bolsa no ombro. “Ouvi dizer que Mr. Wand realmente me detesta, não serei louco de me atrasar para a aula dele. ”

Sorri, vendo-o desembalar um pirulito e pondo-o na boca quando se retirava. Acho que outra característica que ajudava a diferenciá-los era o modo como andavam. Podia dizer que Josh andava com mais estilo.

“Qual sua aula agora? ” Foi James quem indagou, sinalizando e empurrando a torta seca para o centro da mesa.

“Cálculo, acho” Ele assentiu e eu me levantei. “Não vai ir? ”

“Nhé, hoje não. Pego o próximo horário. ”

“Tem certeza? Desse jeito é provável que não passe. ”

Ele sorriu e se levantou, se aproximando para bagunçar meus cabelos.

“Pare de se preocupar, vá logo. ”

E eu fui. Queria mesmo estar na sala de aula.

[...]

Algumas semanas depois...

“Fico feliz que esteja melhor, Elliot”

Estava sentado no mesmo lugar de costume, sob a árvore que infelizmente não dava frutos, aguardando minha mãe em mais uma de suas demoras seculares. Cassie mais uma vez se jogou do meu lado, afundando a cabeça nos braços e puxando a touca branca para cobrir os olhos fechados.

Não estava tão frio, então não sabia o porquê de ela querer usar toucas em uma manhã assim, mas apenas ignorei. Admito que a touca ficou legal nela, os cabelos pareciam menos bagunçados e sua aparência ficava mais feminina. Puxei meu caderno recém comprado para o colo — sim eu comprei você, caderno azul feio.

Cassie sempre ficava comigo esperando o irmão embaixo da árvore. Apenas tínhamos aula de biologia juntos, então geralmente aquele era o único momento em que conversávamos de verdade. Sempre conversávamos por escrita, no entanto, a conversa que tivemos naquela tarde foi a mais importante de todas.

Acho bom colar a folha de grande importância aqui, já que coisas importantes têm que ser coladas, certo? É uma regra da vida, cole coisas importantes em diários feios.

Então eu olhei, ergui o rosto por um instante — um instante mínimo, mas tão mínimo que nem deveria ser considerado um segundo — e me espantei com a velocidade em que ela pulou na minha direção. Sua boca se chocou contra a minha em uma mistura de timidez e calor. Seus lábios eram quentes, aliás. Não diria que eram carnudos, porque não eram, nem mesmo que tinham gosto de mel, porque não tinham.

Cassie tinha os lábios com gosto de amoras.

E admito que no meio daquela cena vergonhosa em que meu rosto se tingiu de vermelho, tudo o que eu conseguia pensar era se ela estava comendo os malditos papéis comestíveis sabor amora da minha imaginação.


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Notas finais do capítulo

E é isso, haha, Cassie é louca ajsbdkjabsjdbas
Mas bem, se dependesse de Elliot as semanas iam se passando e nada mudaria, então né, bom trabalho, Cas.
Espero que tenham gostado. Já estamos agora na metade da história, sintam o cheiro de adeus. Sim, sim, chegando ao fim, triste.
Bem, até a próxima.