O pânico me tomava lentamente mesmo que continuasse com o rosto impassível. Aliel estava no mesmo local que eu. Ok. Estava tão focado em me arrumar que nem tinha notado a ausência de sua presença angélica. E com quem ela estava? Não que devesse me preocupar. Primeiro, o cara poderia ser o Brad Pitt que Aliel não cairia nos seus encantos. Segundos, não que eu estivesse muito interessado.

Talvez se repetisse isso mentalmente, convencesse meu coração.

“Tudo bem.”, dei de ombros.

Jason ergueu uma sobrancelha.

“Você não vai surtar e nem ir atrás dela?”

“Não irei surtar.”, garanti, omitindo a certeza da segunda parte. Jason pôs a mão no peito aliviado e sorriu. “Relaxe, cara. Sarah está com ela e o namorado?”

Jason abriu a boca para me responder, mas fomos bruscamente interrompidos pelo pessoal do time que quis nos cumprimentar. Por alguns minutos, me permiti ter uma vida normal, apenas trocando farpas e indiretas com meus amigos. Rindo por besteiras e virando quantidades absurdas de álcool sem perceber.

Gostava de ter essas lembranças, para poder comparar como minha vida era fácil e descomplicada antes das asas tomarem meu coração. E o quanto essa possibilidade estava diante de meus olhos e mesmo assim eu estava disposto á jogar tudo para o alto por aquela mulher que tinha destruído e pisado em meu coração.

“Sabe quem está aí, Jerry?”, Michael provocou com uma expressão boba. “A sua Branca de Neve.”, ele gargalhou sendo seguido pelos outros rapazes. Apenas levantei uma sobrancelha, não sentindo a mesma necessidade de achar graça de algo que tanto tinha me ferrado. Michael revirou os olhos. “Qual é, cara? Wendy é uma gata. E aposto que está prontinha para outra.”

Então, eu disse a coisa mais estúpida do mundo. Gostava de me ferrar.

“Estou namorando, Mike.”

“Pensei que você e a morena tinham terminado.”, Ian destacou confuso. Coçou os cabelos cor de areia e suas bochechas coraram. “Eu estava pensando em chamá-la para sair. Mas já que vocês ainda estão juntos...”

Minhas mãos se fecharam em punhos, entretanto minha cova já tinha sido cavada. Ian recuou diante do meu olhar mortífero e comecei a respirar ruidosamente. Fechei os olhos, me controlando. Não poderia perder o controle perto de Jason, ou ele daria um jeito de me tirar dali.

Não poderia sair sem vê-la.

“Não. Estou com Mary Bogossian.”, afirmei com a voz trêmula. As palavras soaram estranhas aos meus ouvidos, quase não me fazendo reconhecê-las como minhas. “Eu e Aliel...”, hesitei respirando fundo e colocando convicção á minha pronuncia. “Terminamos. Eu e Aliel terminamos.”, dei um meio sorriso forçado. “Ela finalmente conseguiu enxergar que Jeremy Read não fica preso.”

Os caras do time riram e concordaram com as minhas palavras estúpidas, comentando entre si as inúmeras vezes em que pisei na bola com garotas legais. Jason estava mais distante, com os braços cruzados, observando tudo no mais profundo silêncio. Quando nossos olhos se encontraram, ele balançou a cabeça, decepcionado com minha atitude imatura.

“Lembra-se de quando a Britney chorou?”

“E quando Amber pichou o armário dele?”

“Tantas cartas de dia dos namorados.”

“Jerry, você é um verdadeiro Don Juan.”

Tinha que sair dali antes que minha cabeça explodisse. Estava no meu limite e qualquer passo em falso seria o suficiente para ultrapassá-lo. O orgulho que eu sentia antes por esses feitos se tornou nojo da pessoa cruel e frígida que era. Deixei-os falando sozinhos. Estavam tão bêbados que seria fácil arrumar outro para focar a atenção.

Peguei meu copo e comecei a vagar pela festa, reconhecendo cada rosto por trás das máscaras. Balancei a cabeça no ritmo da música, aparentemente distraído com o ambiente. Todavia, meus olhos estavam atentos. Meus ouvidos preparados para qualquer um que chamasse meu nome. Ainda mais se fosse uma morena com longos cabelos cacheados.

Uma mão se fechou em meu bíceps, me puxando para fora da multidão. Pisquei com força, demorando a ver o rosto que estava por trás daquela máscara. As luzes piscando em um ritmo quase impossível de se acompanhar, borrado o rosto de Adriel com cores berrantes. Seus olhos verdes estavam frios, combinando com sua expressão rígida.

“Não faça isso.”, ele murmurou.

Só com uma frase pude perceber que não estava sendo tão discreto quanto imaginava. Cruzei os braços mostrando que não me sentia intimidado com sua presença. Saindo do clima da festa, Adriel levantou a máscara, prendendo-a em seus cabelos loiros e deixou seu rosto rigoroso totalmente aparente.

“Não sei do que você está falando, Crista.”

Adriel desviou os olhos por um curto segundo.

“Jeremy, quando os céus me fizeram escolher entre eles e Mellany, minha decisão foi difícil. Demorei uma semana para perceber que precisava ser humano e que estava disposto a largar tudo por ela.”, ele suspirou e tornou a me encarar. “Aliel tem que sentir a dor de te perder antes de tomar qualquer decisão concreta.”

Soltei um riso amargo e carregado de sarcasmo.

“Ela já não tomou sua decisão?”, perguntei retórico. Adriel permaneceu em silêncio, observando minha reação. “Ela terminou comigo e disse com todas as letras que meu lugar era com outra. Que o que eu sentia iria acabar. Adriel, se isso não é uma decisão concreta, realmente não sei o que é.”

Quando essas palavras saíram de meus lábios, percebi que estava indo pela direção errada. Mellany tinha me dito que um jeito de chegar até Aliel era através dos amigos dela e se Adriel ainda não tinha me dado as costas e ido embora, era porque queria me dizer alguma coisa importante. Como uma confirmação para os meus pensamentos, ele franziu os lábios e soltou o ar, fazendo com que seus ombros relaxassem.

“Eu a quero de volta, Adriel.”, revelei fazendo o estreitar os olhos, descrente de minhas palavras. “Sei que não sou o modelo de garoto do ano e...”, pausei olhando para o copo em minha mão. Ele seguiu meu olhar e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Revirei os olhos e pus o copo em cima de um móvel qualquer. “E que não deveria ter atrapalhado o caminho de Aliel desde o início. Estou tentando consertar isso, seguir minha vida e fazer o que ela quer. Mas... Eu não consigo. Começo a andar no caminho certo e – no primeiro sinal de sua presença – não hesito em desviar. Se ela quer uma prova de que a amo, darei. Se ela quer distância, darei.”, movi meus ombros. “Depois de entregar meu coração, o resto não é grande coisa.”

O Anjo Caído ficou me observando por alguns segundos, como se quisesse ter certeza da veracidade de minhas palavras. Recriminei-me internamente. Estava ficando uma manteiga derretida fazendo declarações exaltadas e um tanto exageradas. Ele mudou o peso de seu corpo para o outro pé, um pouco incomodado.

“Você não errou por ser humano, Jeremy.”, Adriel disse e suspirou. Engoli a seco. Essa era uma frase que soava constantemente na minha cabeça. “Nem ela, por ser um Anjo. O problema é que as criaturas vivas – no geral, seja com asa ou não – têm a péssima mania de desafiar seus limites.”

“E eu fui o dele.”, Mellany disse nos interrompendo.

Ela também tinha tirado a máscara exibindo a maquiagem pesada contornando seus olhos cinza. Os lábios estavam pintados de vermelho e estavam torcidos em um meio sorriso. Diferente de todas as vezes em que a encontrei, estava de vestido. Era escarlate, talvez para combinar com seu batom. Os desordenados cachos presos em um coque despojado, mas alguns tinham escapado dando-lhe um ar sexy.

“Exato.”, Adriel respondeu olhando admirado para a Brown e pondo um braço ao redor de seus ombros. Ela se aconchegou em seu peito. Demorou alguns segundos para que ele recuperasse o foco de nossa conversa. “O que eu quero dizer, Jeremy, é que Aliel está enfrentando os sentimentos que ela reprimiu por um longo tempo. E agora ela está sendo obrigada a aceitá-lo para poder decidir qual vai ser sua atitude diante deles.”, colocou uma mão em meu ombro. “Dê um tempo para que ela possa digerir isso.”

Passei as mãos pelo rosto, ignorando o olhar de Mellany de eu te disse.

“Então devo desistir?”

Mellany bufou.

“Óbvio que não.”, revirou os olhos e se soltou de Adriel para poder botar as mãos na cintura e assumir sua pose de Bad Girl. “Mas não é para ficar seguindo-a como criança atrás do doce. Aja naturalmente. Demonstre que ainda a espera, mas que respeita a sua decisão.”, jogou as mãos para o alto. “Continue com Mary, mas não pare de lançar esse olhar super sexy na direção de Aliel.”, Adriel lhe deu uma cotovelada. “O que foi? Estou dizendo a verdade.”

Segurei o riso e assenti.

“Pensei que você quisesse que eu ficasse com Mary.”, evidenciei.

Mellany sorriu.

“Pensei que você quisesse enfrentar o pessoal da Companhia de Jesus.”, retrucou. Adriel balançou a cabeça, desistindo de discutir com a namorada. “Somos exceções, Read. O Céu tem medo de pessoas como nós e tentam nos desarmar. Só que ninguém tira nada de Mellany Brown. Muito menos um Anjo.”, entrelaçou as mãos nas de Adriel e riu. “Ah, quase esqueci.”, se virou novamente para mim. “Mary estava te procurando. Queria te ver antes de irmos nos apresentar.”

“Oh, obrigado.”

Afastei-me dali para poder dar privacidade ao casal e me vi por entre a multidão de pessoas novamente. Avistei Mary perto do pequeno palco montado no centro da sala e segui em sua direção. Simultaneamente, parecia que algo que puxava para a direção oposta, como uma força magnética. Eu sabia muito bem o que era, só não me julgava mais preparado para segui-la. Queria botar meus pensamentos no lugar antes que fizesse besteira.

Mary usava um vestido dourado que moldava perfeitamente seu corpo magro e minúsculo. Ela tinha posto um fino cinto preto e saltos combinando. Sua máscara era dourada e fina, quase não cobrindo os olhos azuis. Seus cabelos loiros estavam soltos e ondulados caindo pelos ombros em ondas. Ela estava tão distraída verificando a bateria que tomou um susto quando a abracei. Tinha noção dos olhares curiosos de mais da metade da festa em nós.

“Jeremy, me assustou.”, ela disse e rodeou meu pescoço com seus braços. Mesmo de saltos, ela ainda teve que ficar na ponta dos pés. Segurei sua cintura para lhe dar equilíbrio. “Você está muito bonito.”, elogiou.

“Você está mais.”, abaixei meu rosto até que nossos lábios se tocassem levemente. Ela não os tinha pintado essa noite. Ignorei os arfares e os cochichos ao nosso redor, dando uma leve mordida em seu lábio inferior. “Está muito ocupada ou ainda tem alguns minutinhos para mim?”

Ela soltou um muxoxo e fez bico.

“Adoraria te dar todo o tempo do mundo, Jerry, mas a banda vai tocar daqui a pouco.”, ela soltou uma das mãos de meu pescoço e gesticulou para a bateria. “Ainda nem terminei de arrumar isso.”, me lançou um olhar quente. “Mas se você quiser, pode ir para casa comigo e...”

“Mary, pare.”, a interrompi ficando sério. Seu rosto ficou confuso com minha mudança brusca de humor. “Não precisa fazer isso para me prender. Se oferecer desse jeito. Eu gostei de você por ser diferente e não por fazer exatamente o que as outras fazem.”

A boca de Mary se abriu como se ela tivesse levado um tapa. Passou os dedos trêmulos pelos cabelos, deixando-os um pouco despenteados. Suas bochechas assumiram um tom de vermelho berrante que quase rivalizava com a cor do vestido de Mellany. Senti-me um idiota posteriormente a ter dito aquilo. Só que não estava confortável com suas investidas.

“Desculpe.”, murmurou com os olhos baixos. “É que eu via todas as meninas da escola fazendo isso com você e o jeito como você aceitava. Você nunca me enxergou antes, Jerry. Queria que visse que posso chegar aos pés das outras...”

Balancei a cabeça, não acreditando no que ela dizia.

“Esqueça as outras, certo?”, forcei um sorriso e pus os dedos na ponta de seu queixo, obrigando-a a me olhar. “Faça um bom show. Vou guardar uma dança para nós dois.”

Ela concordou e me deu mais um beijo, se afastando com rapidez. Coloquei as mãos no bolso e – ainda ignorando os olhares incrédulos – fui andar pela festa em direção a cozinha. Queria companhia masculina e até aceitaria escutar mais algumas besteiras. Pena que o meu caminho foi extraviado – novamente.

Quando dei por mim, estava de volta ao mesmo lugar em que tinha conversado com Adriel e Mellany. Só que dessa vez, meu corpo estava sendo pressionado na parede por Wendy Lancaster. Ergui as mãos em sinal de inocência, caso alguém passasse e visse, o que eu achava quase impossível já que estávamos praticamente escondidos pelas sombras embaixo das escadas.

“Jerry.”, ela disse meu nome com a voz rouca e seu hálito de menta bateu em meu rosto. Seus olhos verdes me devoraram e ela mordeu o lábio inferior. Ela tinha trocado o corte dos cabelos escuros desde a minha festa a fantasia, optando por um Chanel. “Não de sinal de vida.”, passou as unhas por meu rosto e estufou os peitos, praticamente oferecendo-os para mim. “Você prefere que eu use aquela fantasia de Branca de Neve?”

“Wendy, aqui não.”, pedi apreensivo. “O que aconteceu entre nós foi a muito tempo. Estava bêbado e chapado.”, foi um erro, acrescentei mentalmente. “E você sabe muito bem que não te procurei porque estava namorando. E, veja a ironia do destino, estou namorando novamente.”

Ela revirou os olhos e estalou a língua em sinal de desgosto. Suas unhas desceram por meu corpo até alcançarem o meu cinto e fez com que nossos quadris roçassem. Com a outra mão pousada em minha nuca, tentou puxar meu rosto em direção ao seu. Ok, eu não era de ferro. Wendy era uma das garotas que eu poderia me orgulhar de ter levado para a cama. Mesmo que fosse tão falada – e rodada – quanto Melissa.

Deixei-me aproximar até que nossos lábios estivessem a um suspiro de distância. Ela soltou um gemido baixo e rouco que fez todo o meu corpo responder. Os caras do time tinham razão sobre uma coisa: Jeremy Read era um cafajeste com todas as letras. Minhas mãos deslizaram por suas costas até chegarem a sua bunda. A apertei e fiz com que roçasse em mim. Ela fechou os olhos e passou a língua nos lábios.

“Parece que sua namorada não tem feito o dever de casa.”, sussurrou provocativas. Sua mão saiu de minha nuca, deslizando por meu ombro até suas unhas rasparem em meu bíceps tencionado. Ficou na ponta do pé para que seus lábios tocassem minha orelha. “Acho que ainda lembro o jeito que você gosta.”, mordeu meu lóbulo.

Eu iria ceder. Isso não era dúvida para ninguém. Poderia me justificar mais tarde, só queria ter a liberdade de errar mais uma vez. Meu plano era empurrar Wendy para algum dos banheiros do segundo andar e extravasar toda aquela tensão que se acumulou em meu corpo ao longo dos meses. Deixar que meu lado animal sobressaísse o racional. Esses pensamentos se concretizaram em minha cabeça...

No segundo em que meus olhos captaram os cabelos ruivos de Sarah.

“Wendy, foi mal...”, afastei-me dela, pondo seu corpo de lado e não desviei meus olhos dos cabelos de Sarah. “Tenho que ir, ok? Qualquer coisa, te ligo. Se o que eu estiver planejando não der certo, eu realmente te ligo.”

Não escutei sua resposta, empurrando todos que entravam no meu caminho até a ruiva. Só consegui alcançá-la quando ela já estava quase na cozinha. Pelo menos nisso Deus tinha me ajudado. Se Jason visse o jeito como segurei o antebraço de sua namorada e a fiz virar bruscamente na minha direção – quase proporcionando uma queda de seus saltos – eu seria um cara morto.

“Jeremy, o que foi?”, ela exigiu estreitando os olhos verdes e passando as mãos pelo vestido. “Para me fazer quase cair, tem que ser uma coisa importante, no mínimo.”

Cruzei os braços, sério.

“Você sabe muito bem o que é, Sarah.”, disse vendo-a ficar desconfortável. “Onde está Aliel?”

Sarah abaixou os olhos verdes.

“Jeremy, eu...”

“Você nada.”, controlei minha voz, respirando fundo. Fechei os olhos por alguns segundos e me acalmei. “Sarah, por favor, me diz onde ela está. Só quero conversar com ela.”

“Você está namorando, Jeremy.”, ela ressaltou.

“Foda-se meu namoro.”, respondi entredentes. Abaixei meu rosto o suficiente para que ela visse o meu desespero. “Só que saber onde Aliel está.”

Sarah abriu a boca para responder, mas foi cortada por outra voz que soou atrás de mim.

“Estou aqui, Jeremy.”