Contagem Regressiva escrita por Beatrice


Capítulo 14
Capítulo 13: Otimismo quebrado


Notas iniciais do capítulo

Aproveitando esse carnaval para postar um capítulo recém-saído do forno o/ Para os que, assim como eu, estão em casa ao invés de pulando marchinhas ;D
Tenham uma boa leitura!



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— Então, aparentemente Thomas era um morador de rua há alguns anos, como você tinha descrito — Rebeca falava enquanto o avião acelerava para decolar. — Mas hoje em dia mora em uma casa simples, numa área que é direcionada a serviços sociais e coisas do tipo.

— Seu amigo conseguiu descobrir tudo isso? — Jason perguntou, desconfiado.

Rebeca deu de ombros.

— É o trabalho dele. Mas não se esqueça de não comentar isso com ninguém. O que ele faz não é exatamente legal.

— Não precisa pedir duas vezes.

Jason ficou pensativo por um momento. Naquela semana os alunos de Arquitetura haviam entrado em recesso devido às obras no prédio da universidade, o que foi a oportunidade perfeita para que eles fossem a Chicago. Jason comprou as passagens e alugou um hotel barato, o primeiro que achou, mas ainda assim com cuidado o suficiente para que fosse o mais longe possível de sua antiga casa.

Resolvera ir o mais rápido possível. Já estava cansado de quebrar a cabeça tentando desvendar o que tudo aquilo significava. Até a menor chance de conseguir uma explicação era válida àquela altura.

— Espere, como vamos fazer com que Thomas Orson fale com a gente? — perguntou de repente, a ideia surgindo na hora. — Ele pode nem se lembrar de mim. E, honestamente, se fosse eu, não deixaria dois jovens entrarem na minha casa para conversar.

— Verdade, eu não tinha pensado nisso. — Rebeca franziu os lábios. — Bom, se ele realmente não te reconhecer, podemos falar que somos de alguma revista ou algo do tipo e queremos fazer uma matéria. Vou inventar alguma coisa, pode ficar tranquilo.

Jason decidiu confiar, portanto não fez mais perguntas. Estava com o endereço anotado no celular e em um papel guardado no bolso das calças, só por precaução.

— Você sabe que não precisava fazer isso comigo, não é? — disse, chamando a atenção dela novamente. — Estou exigindo demais. Nem é sua vida para ter tanto trabalho. Não deveria se incomodar com uma coisa dessas.

Ela sorriu.

— Não é trabalho nenhum, muito menos um incômodo. Nós estamos juntos agora, o mínimo que eu posso fazer é ajudar. Além do mais, eu adoro uma aventura.

— Mas...

— Sem “mas” — ela o interrompeu. — Tente dormir um pouco. Você não descansa direito desde o funeral.

Era verdade. Jason estava com olheiras e mal mantinha os olhos abertos na maior parte do dia, mas simplesmente não conseguia dormir. Ficava pensando na visão do corpo do avô, na conversa com os pais, no homem de óculos escuros que os encarou perto da lápide.

Rebeca o beijou, dando o assunto por encerrado. Ele se ajeitou no banco do avião, tentando relaxar, mesmo com a expectativa de encontrar o homem que o salvara há catorze anos.

Antes, porém, de fechar os olhos, ele viu Rebeca pegar discretamente um caderno da bolsa e reler qualquer coisa que havia escrito. Ela segurava o objeto de uma maneira que parecia querer evitar que ele lesse o conteúdo.

Jason afastou o sentimento desagradável de que ela também estava estranha desde o funeral. Andava muito tempo fazendo pesquisas, mas sempre que ele perguntava o que ela estava vendo, ela fechava o computador e desviava de assunto. Não que isso fosse muito claro. Rebeca era uma mestra, e ele poderia até acreditar nela se certa vez não tivesse visto que ela não estava no site que dizia estar.

Sem querer se intrometer na vida dela, ele deixava essas questões de lado. Assim, voltou a apoiar a cabeça no banco para tirar um cochilo.

Pareceu que a viagem passou em dois segundos. Assim que abriu os olhos de novo, estavam aterrissando, e ele teve de pegar a mochila para desembarcar.

O aeroporto, a cidade, as pessoas... Estavam exatamente do mesmo jeito de antes. Os grandes e altos prédios espelhados permaneciam, assim como o barulho das buzinas e carros. Jason e Rebeca pegaram um táxi até o hotel, que era reservado e humilde, mas não menos confortável. Foram instalados em um quarto com duas camas de solteiro no terceiro andar.

Rebeca largou sua mochila no chão e se jogou na cama.

— Ah, como eu odeio aviões — comentou, massageando o pescoço. — Deixam minhas costas toda dolorida.

Jason soltou uma risada, olhando pela janela a grande Chicago lá fora. A cidade dos ventos, refletiu. Nunca imaginara que retornaria por vontade própria algum dia.

— A passagem de volta está marcada para bem cedo depois de amanhã. Quando você acha que devemos ir?

Rebeca se sentou.

— Até a casa de Thomas? Bem, já está escuro. Acho melhor deixarmos para amanhã, é mais seguro.

Ele assentiu, sentando-se na cama de frente para ela.

— Você acha que vai dar certo? — perguntou, expondo a dúvida que o perseguia desde que haviam embarcado. — Digo, isso é muita loucura. Esse Thomas pode sequer se lembrar de mim. E, mesmo que se lembre, e se essa busca não der em nada? E se ele não tiver nada a ver com... com essa coisa que eu tenho?

— Nós temos que olhar pelo lado positivo — Rebeca respondeu imediatamente. — Isso é mais do que você já conseguiu por todos esses anos, não é? Ficar sofrendo por precipitação nunca fez bem a ninguém.

— Só estou sendo realista — ele se defendeu. — Não quero gastar mais um dia indo atrás de algo que não vai dar em nada.

— Então está na hora de ser mais otimista. Assim como esse Thomas pode não saber do que se trata, pode também ser a resposta para tudo.

— É muito improvável.

— Você acreditar que é improvável não significa que seja.

Jason ia rebater, mas Rebeca parou de prestar atenção a suas lamentações e foi falar com Halee pelo celular. Frustrado, ele foi desfazer a mala e pegar alguma coisa para comer no frigobar do quarto. Infelizmente, só havia água.

— Dá pra acreditar nisso? — Rebeca disse para ele. — Nossa graduação é daqui um mês. Um mês e teremos o nosso diploma em Arquitetura. Passou tão rápido...

O olhar dela ficou perdido por uns momentos, e Jason imaginou que ela relembrava os anos de faculdade. Dava para ver o quanto Rebeca era apaixonada pelo que fazia. As pessoas ficam mais bonitas quando falam sobre o que realmente gostam com paixão nos olhos, e ela fazia isso com maestria.

— O tempo passou voando mesmo — Jason concordou, embora não tivesse visto nem um quarto de todo o curso direito.

— A Halee está na comissão de organização da festa e da entrega do diploma. Aposto que tudo vai ficar lindo.

— Você não quis participar?

— Até quis, mas não ia ter tempo. Com o trabalho, os exames finais e essa viagem, eu não poderia me comprometer como deveria. Além disso, tenho que cuidar de Nilza. Ela recebeu alta do hospital, mas precisa de atenção redobrada, e não seria certo jogar tudo nas mãos de Serena. Mesmo assim, estou planejando tudo com a Halee.

Perto de tudo o que Rebeca fazia, Jason se sentiu um completo inútil. Ela ainda conseguia ter todas essas responsabilidades e permanecer sorrindo e com todo aquele otimismo que ele não sabia de onde vinha, andando por aí com saias e sapatos de salto.

Ficou olhando para ela de uma maneira nada discreta, até que ela ergueu os olhos do celular e percebeu.

— Bom, vou tomar um banho e depois nós descemos para jantar. Não morra sem mim.

— Vou fazer o possível.

Algumas horas mais tarde, após o jantar que o hotel oferecia, eles regressaram ao quarto. Conversaram mais um pouco, e então Rebeca puxou seu notebook e recomeçou suas pesquisas silenciosas enquanto Jason fingia não se importar.

Puxou o endereço de Thomas do bolso e o encarou por um longo tempo. Acabou adormecendo com o papel em mãos, sem saber ao certo o que esperar do dia seguinte.


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O táxi os deixou em frente a um bairro humilde e pequeno, perto do centro de Chicago. Todas as casas eram iguais, e tão simples como as ruas em que se encontravam. Não havia muito movimento ali, apenas uns ratos por trás das latas de lixo.

— Ok, então... Número 6 — disse Rebeca, confirmando o endereço e em seguida tocando a campainha da casa.

As mãos de Jason suavam, e ele as enxugou na calça. Pareceu levar séculos até que a porta fosse aberta e um homem surgisse na entrada, encarando-os com suspeita. Tinha cabelos pretos na altura do ombro, olhos escuros e uma pele maltratada de sol e vento. Usava roupas de moletom um pouco gastas, e Jason viu os dentes tortos quando ele falou.

Era ele. Era Thomas Orson. Jason o reconheceria em qualquer lugar. O rosto estava levemente diferente, é claro, e mais bem cuidado do que quando o vira pela primeira vez, mas era a mesma pessoa, tinha certeza de que era.

Assim como teve certeza de que também fora reconhecido nos breves segundos em que ele o inspecionou, fazendo questão de desviar os olhos rapidamente para que ninguém percebesse.

— Quem são vocês?

Como já esperavam uma reação parecida, Rebeca tratou de falar:

— Somos redatores de uma revista e gostaríamos de ter uma entrevista com o senhor. Prometo que seremos rápidos.

Ele olhou para dentro da casa e depois lançou um olhar a Jason, que estava com o coração acelerado, antes de responder.

— Estou um pouco ocupado agora, acho melhor não.

— Tem certeza? Serão apenas alguns minutos, é realmente importante.

— Infelizmente, agora não é uma boa hora para isso — disse Thomas como quem quer se livrar deles logo. — Tenham um bom dia.

Começou a fechar a porta, mas não terminou. Num ato impensado, Jason colocou o pé na frente, impedindo-o de continuar.

— Por favor — pediu, desesperado. Não fora tão longe para ser literalmente barrado na porta. — Eu sei que você se lembra de mim. Sabe quem eu sou.

— Desculpe, você deve ter se confundido. Agora, se me dá licença...

Tentou forçar a porta, mas Jason não se moveu um centímetro.

— Sou o garoto que você salvou de um atropelamento há catorze anos.

— Olhe, já disse que não sei quem...

— Thomas, você sabe do que eu estou falando — insistiu Jason, empurrando a porta também com o punho. — Posso ver que sabe. Você tem que me ajudar. Tem que me dizer o que tudo isso significa. Por favor, é só isso que estou pedindo.

Thomas hesitou. Alternou o olhar entre ele e Rebeca duas vezes, depois fechou os olhos e suspirou.

— Entrem. Você merece mesmo uma explicação, ou ao menos uma parte dela.

Ele abriu caminho para que passassem, e Jason e Rebeca se entreolharam antes de entrar. Thomas indicou o sofá para que se sentassem e ocupou a poltrona em frente aos dois. Apoiou os cotovelos nos joelhos e cruzou as mãos para sustentar a cabeça, fitando as visitas.

No silêncio que se seguiu, Jason só ouviu as batidas do próprio coração ecoando. Aquilo era mesmo real? Estava perto de descobrir a verdade após todos aqueles anos? Ao se sentar, sentiu a mente tão vazia quanto uma bexiga.

— Então... — Foi Rebeca quem quebrou o momento constrangedor. — O que o senhor pode dizer?

Thomas voltou a fechar os olhos e suspirar.

— Não muito, infelizmente. Mas você está certo — falou para Jason. — Eu sei quem você é, Jason Kent. Sabia desde o início, por isso estava no lugar certo e na hora certa quando o ônibus passou.

Jason ficou atordoado.

— V-você já sabia quem eu era?

— Sim, eu o estava seguindo já fazia algum tempo. Você era minha missão.

— Missão? — repetiu Rebeca. — Que missão? Por que o estava seguindo?

— Eu só sabia que deveria passar essa capacidade de ver o tempo restante para as pessoas morrerem adiante. Mais especificamente, a você.

— Por quê? — Jason perguntou, a cabeça dando voltas e mais voltas. — O que eu tenho de especial? O que você é?

— Sou apenas um mensageiro. Não posso lhe contar mais do que isso.

— Como não? — Jason explodiu, levantando-se. — Você tem que me contar. A culpa de tudo isso é sua! Foi você que começou toda essa história, precisa me dizer tudo que sabe!

— Jason — chamou Rebeca, puxando-o de volta para o sofá delicadamente. — Acalme-se.

Me acalmar?, ele pensou, com raiva. Ele merecia respostas.

Thomas olhou de uma forma estranha para Rebeca, o que não passou despercebido para ela.

— Acho que vocês precisam conversar a sós. Vou esperar na cozinha — ela disse e se levantou, tocando o braço de Jason como um aviso para que ele não se descontrolasse.

Assim que ela passou pela porta, ele falou:

— Eu passei doze anos preso em um hospício por sua causa — acusou Thomas sem se importar se estava sendo mal-educado ou não. Estava cansado daquilo, de tudo, principalmente de ter esperanças inválidas. — O mínimo que você tem que fazer é me dizer o significado disso.

— Se eu disser, vou colocar nós dois em perigo — Thomas respondeu com calma, sem ligar para a acusação. — E a sua namorada também. Ela não sabe, não é?

Jason compreendeu que ele se referia aos sonhos.

— Não.

— Quando pretende contar?

— Não pretendo. E é melhor você também não se atrever a mencioná-los na frente dela.

— Essa decisão é arriscada — observou Thomas.

— Tudo está parecendo arriscado ultimamente.

O homem balançou a cabeça, com uma expressão de derrota.

— Não posso lhe dizer mais do que já disse, Jason. Sinto muito por isso e pelos anos no hospício. Mas não tenho permissão para explicar nada, embora acredite que o momento está próximo. Preste muita atenção nos números. O responsável por eles irá encontrá-lo logo e tudo fará sentido.

Jason deu uma risada amarga.

— Foi isso que eu ouvi das últimas vezes, quando uma voz do além falou comigo. Que estávamos ficando sem tempo. Da primeira vez, uma mulher morreu. Da segunda, todos os vidros de um prédio explodiram. Só que acho que você também não vai me falar o que aconteceu, não é?

Thomas permaneceu calado. Jason entendeu aquilo como uma confirmação. Travando os dentes de raiva, levantou-se do sofá e foi até a cozinha chamar Rebeca. Os dois estavam abrindo a porta para ir embora quando Thomas falou novamente:

— Jason, eu sinto muito.

— Suas desculpas não vão me dar nenhuma resposta, então até mais.

— Você não gostaria do que ia ouvir.

— Qualquer coisa seria melhor do que nada.

Com isso, eles o deixaram para trás. Jason estava tão transtornado que foi até o fim da rua repetindo para Rebeca as palavras de Thomas.

— Jason! Ei, você quer parar de andar? Escuta aqui! — Ela o puxou pelo braço, obrigando-o a encará-la. — Não adianta se estressar agora.

— Isso foi uma total perda de tempo! Nem deveríamos ter vindo aqui para começo de conversa. Só o que ele fez foi falar um monte de merda que não nos serve de nada para entender o que eu vejo.

— Nós temos mais coisas para pesquisar agora! Você não pode desistir agora.

— Não posso desistir? Não é desistir, é aceitar que não há nada para se fazer.

— Thomas disse que logo você entenderia, não foi? Então vamos esperar.

— Esperar quanto tempo? — Jason se exaltou. — Esperar até o quê? Um sinal divino? Outra morte?

Uma dor lancinante cruzou seu crânio assim que terminou de falar, levando para longe qualquer pensamento racional que lhe restava. Era como se estivessem serrando seu cérebro ao meio, e ele levou as mãos à cabeça, encolhendo-se, sem ter certeza de estar gritando ou não.

Ouviu Rebeca chamá-lo, a mera menção de um eco longínquo, embora soubesse que ela estava bem ao seu lado.

Jason, saia daí. Agora!

Aquela voz outra vez falando com ele. Mas Jason não conseguiu obedecer a ordem, pois não era capaz de se mexer com aquela pressão na cabeça, que a cada segundo aumentava, dando-lhe a impressão de que estouraria seus miolos.

Vá embora! — a voz insistia.

— Jason! — Rebeca gritou, trazendo-o de volta a realidade, como se sua voz servisse de âncora. Sua visão clareou e a dor o abandonou, deixando-o tonto. — Ah, meu Deus, o que aconteceu? Você está bem?

O sol foi coberto por inteiro por uma sombra enorme que passou por cima deles, mas Jason não conseguiu ver o dono. Quando olhou para Rebeca de novo para lhe responder, quase teve uma crise de arritmia bem ali. Os números dela estavam enlouquecidos, mudando em uma velocidade surpreendente, embaralhando-se entre si, um sinal claro de que não estava segura.

— Temos que sair daqui — ele balbuciou, chocado.

— O quê?

— Vamos, temos que sair daqui agora!

Pegou a mão dela e disparou pela rua até entrar em um bairro mais agitado, onde não demoraram a encontrar um táxi disponível. Quando o motorista deu a partida, Jason não pôde evitar olhar para trás e ver, onde estivera alguns segundos antes, uma coluna de fogo subir para o céu.


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Notas finais do capítulo

Eu acabei juntando dois capítulos porque não queria me demorar muito nessa visita ao Thomas, já que tem mais coisa para acontecer em breve. Por isso, talvez tenha ficado meio rápido, já que eu cortei algumas cenas, mas ainda assim espero que tenham gostado *-*
Mas agora é a vez de vocês falarem: desabafem mesmo, me digam o que acham que tudo isso significa, o que Thomas é de verdade e o que foi essa cena final. As coisas estão esquentando, e vão continuar assim daqui para frente!
Obrigada por lerem, e até os comentários!



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