Os Cinco Filhos da Aflição : Nerlinir nas 8 Terras escrita por Raffs


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo com o tamanho de dois, haha! Espero que gostem, deu o maior trabalho pra fazer



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Nada pode ser pior do que chamar a atenção quando se quer fugir.

Claro, é apenas força de expressão. Existe um série de coisas muito piores do que tal situação, mas naquele momento era o que eu pensava e sentia.

Porém apenas um instante depois, descobri uma sensação pior: culpa. Pensar que o homem que eu abandonara para morrer anos antes estava tentando salvar a mim e aos outros que mal conhecia fez com que o ar subitamente ficasse mais pesado.

Eu tivera meus motivos para enganar Gustaf, mas nunca o contara. Então por que ele estaria me ajudando?

–Se abaixe! - Ordenou Hvar, fazendo o mesmo.

Não tive tempo para isso, por isso me virei para trás do caixote mais próximo. Felizmente, haviam vários deles no porto.

Mais tiros.

–De onde estão vindo? - Perguntei.

Com o barulho, o idoso percebeu que não adiantava falar, e gritar chamaria atenção, então apontou para todos os lados com o indicador.

–Então estamos em fogo cruzado? - Hvar meneou com a cabeça em resposta à minha pergunta - Por que diabos os Ursos do Mar estão atirando se quem está sendo atacado é Arstan? - Olhei para trás e percebi que haviam Espadas Vermelhas no meio da multidão onde estávamos, mesmo que aquela fosse a zona dos Ursos.

Tive então uma ideia.

–Siga-me! - Gritei para Hvar.

Corri o quanto pude até a borda do cais, próximo ao grande navio dos Ursos, sem sequer checar se o ancião estava na retaguarda.

O mar estava calmo, como se os deuses marinhos estivessem totalmente fora de sintonia com a batalha que começava a se desenrolar no porto.

Quando parei, notei que Neved tinha conseguido me seguir, mesmo ofegante.

O cheiro de madeira queimada começava a se alastrar, o que indicava que o incêndio se expandira, atingindo cada vez mais embarcações.

À sombra do navio, me apoiei no casco dele, que para minha sorte estava distante demais do incêndio para ser foco de qualquer explosão ou fogo cruzado.

– O que pretende fazer? Ser capturado por outro bando? - Embora reclamasse, Hvar continuava fiel aos meus passos, que seguiam em direção ao convés do... Garra do Rei(era o que estava escrito em letras garrafais no casco do barco, ou foi o que presumi, pois alguns caracteres estavam manchados ou desbotados).

– Se pudermos enganar o maior rival de quem nos capturou, com ou sem incêndio a nosso favor, conseguiremos escapar.

Hvar aparentemente não havia entendido o que eu queria dizer, mas ainda assim gesticulou para que eu seguisse em frente.

O convés estava completamente vazio, em todos os seus deques. Deduzi que os homens do bando haviam descido para o cais para ver o que estava acontecendo com os Espadas.

Enquanto andava, o piso de madeira rangia sob meus pés, e havia um enorme buraco de onde era possível ver a área interna do casco. Mesmo com os tiros e gritos à distância, parecia pairar ali um estranho e profundo silêncio.

Pelo jeito, os donos da embarcação não eram muito organizados, ou sequer sabiam fazer reparos. Não que isso fosse grande coisa quando se fala de piratas, mas ali a regra era seguida à risca : nada parecia estar no lugar certo, e mesmo o que talvez estivesse corretamente posicionado estava quebrado ou velho.

Um sujeito de barba vermelha e com uma maçã mordida na mão saiu da cabine de comando.

Não carregava armas visíveis, e vestia uma roupa até casual demais para um pirata, além de utilizar um elmo com chifres que me impossibilitava de saber se possuía cabelo ou não. Ao me notar, olhou assustado para o chão e tentou voltar de mansinho para a cabine, achando que eu não o vira( afinal, ele estava num ponto cego para a maioria das pessoas.)

–Ei, você! - Chamou-o Hvar, como se previsse o que eu iria fazer. Talvez agora tivesse entendido o meu plano.

Ele se virou, assustado. Mesmo que estivéssemos desarmados, e um de nós fosse um idoso que mal conseguia correr 100 metros, estávamos em maior número.Além disso, ele estava claramente acima do peso e transpirava muito, como se nunca tivesse lutado antes. Penso que, se quiséssemos, poderíamos ter pegado o leme e tomado o navio ali mesmo.

–A-alto lá! - Disse ele, virando-se para nós e tirando o que parecia uma faca de dentro do espesso cinto que prendia sua protuberante barriga. - O que fazem aqui? - Ele percebeu o tumulto que se desenrolava no outro grande navio - Vieram tocar fogo no nosso navio?

Antes que Hvar pudesse falar, eu tomei a dianteira.

Levantei as mãos, mostrando que não carregava nada perigoso. Olhei para Hvar e ele fez o mesmo, mesmo contra a sua vontade.

– Do contrário, caro...

O homem notou meu problema.

– Chame-me de Anêmona por enquanto. Nomes verdadeiros nunca devem ser ditos, foi o que nos ensinaram. - Falou a última frase como se nós não estivéssemos lá, e sim um espelho.

–Muito do contrário, Anêmona - pronunciei o 'nome' aos poucos, tentando me acostumar, mesmo sabendo que piratas costumavam ter esse tipo de alcunha - Viemos alertar o seu capitão.

Anêmona aproximou a faca do meu abdômen.

–Que tipo de... alerta? - Seu olho esquerdo tremia sem parar. Ele estava definitivamente nervoso com nossa presença e com o que eu acabara de dizer.

–Pelo que bem se sabe, há um acordo de paz entre os bandos aqui, certo?

Eu não tinha certeza nenhuma disso. Era arriscado, e ele poderia me pegar na mentira ali.

Felizmente, ele balançou a cabeça positivamente.

Hvar me olhou, como que dizendo 'o que pensa que está fazendo?'. Devolvi o olhar dizendo 'se tiver paciência, entenderá' .

–Eu sou um informante dos - procurei rapidamente por algum desenho conhecido nas velas dos navios menores, aliados aos Ursos do Mar - Coroas de Prata, e me infiltrei nos Espadas Ver...

Anêmona me interrompeu.

–Não termine esse nome. Aqui somos estritamente proibidos de pronunciar essas palavras juntas. - Ainda apontava a faca para nós.

–Certo.

Hvar abriu a boca, com certeza para falar alguma piada sarcástica, mas percebeu que estupidez seria fazê-lo, então voltou a ficar quieto.

–Infiltramo-nos entre eles– falei, apontando para o navio de Arstan Garganta Vermelha - e ficamos sabendo de um plano engenhoso arquitetado pelo Garganta Vermelha.

–Prossiga.

Ali o plano começava a dar certo.

–Não posso falar isto para alguém que não esteja no comando. Preciso falar com seu capitão.

–E como saberei se estão falando a verdade?

Boa questão. Tive que pensar rápido.

–Juro aos deuses pelo meu nome que estou falando a verdade e nada mais que a verdade. - Estava aí uma das vantagens de possuir um nome impronunciável e amaldiçoado: juramentos relacionados a tal não surtiam efeito nenhum.

Mas como para a maioria das pessoas esse tipo de coisa era sagrada, ele aceitou o juramento e gesticulou para que eu o seguisse para a cabine.

Lá dentro, era como se subitamente tivéssemos nos transportado para outro navio. Diferentemente da área externa, o local era organizado e surpreendentemente para um antro de piratas, cheirava a rosas e camarão(pode parecer uma mistura estranha, mas sabe-se lá como, tornou-se agradável).

A resposta para os odores que sentia(Hvar fez uma careta ao senti-los) estava logo à frente, no fundo da cabine, que nada mais era do que um cubo oco de 24m² com paredes que mesmo de madeira eram lisas e velas acesas para iluminar. Ao lado de um barril de maçãs, com um camarão muito grande na mão esquerda, outro na boca e um livro empoeirado na mão direita, estava o capitão dos Ursos do Mar.

Ele me observou, analisando-me.

–Sim? - Fechou o livro e se levantou do banco de madeira polida onde se apoiava.

–Capitão Elfjor, estes homens querem falar com o senhor. Tem relação com os outros. - Anêmona fez uma mesura e se afastou, deixando-nos frente a frente com Elfjor.

–E o que tem eles? Todos no porto sabem que não há maneira de infligirem perigo contra nossos homens.

–Temo que não. - Tomei a frente.Percebi que ele não nos reconheceu - Somos Raeji e Celleb dos Coroas de Prata. Por questões relacionadas ao nosso próprio bando, fomos enviados para conviver com os outros e descobrimos que Arstan possui um plano perigoso em mente.

–E como simples enviados saberiam de informações do capitão de um bando?

Aquele homem era excessiva e perigosamente inteligente para um pirata.

–Subimos de posto. Fomos enviados há tempos, para recolher o máximo de informações possíveis, e sentimos que esta foi a gota d'água. Temos em mãos o que pode evitar o estopim de uma guerra que destrua novamente essa ilha. - Não fora eu, e sim Hvar quem dissera tais palavras. Não podia negar que o velho era bastante convincente.

–Interessante. Por que não sentam? Contem-me o plano. Querem um copo de rum? - Elfjor se direcionou a outro barril, e de lá tirou uma garrafa de vidro e dois copos.

–Não. - Eu sabia que dizer "obrigado" não era algo muito comum entre os piratas, até mesmo num diálogo com um superior, então ignorei o uso da palavra.

–Certo. Expliquem tudo.

Agora a parte difícil: contar uma mentira bastante convincente de forma improvisada.

–Acredito que está sabendo do incêndio no outro lado do porto.

–Sim, mandei homens para averiguar a situação.Sabe como aquilo aconteceu?

–Os homens de Garganta Vermelha infligiram aquilo contra o próprio navio propositalmente.

Anêmona se assustou, mas o capitão não mostrou nenhuma reação.

–Apenas isso? Não duvido nem um pouco da possibilidade de rebelião naquele bando, afinal Arstan não possui moral nenhuma com seus homens. Exceto, é claro, com o Covarde. Mas, afinal, o que isso tem a ver com mim e meus homens?

– Eles atearam fogo no navio propositalmente às escondidas, para assim poderem culpar os Ursos do Mar e arranjarem um álibi convincente.

Novamente, o capitão pareceu imóvel. Já o marujo de barba ruiva parecia prestes a desmaiar.

–Leif, saia daqui. Tenho que conversar a sós com estes homens.

Anêmona, ou melhor dizendo, Leif, saiu e fechou a porta imediatamente, mas não sem antes fazer outra mesura.

–Então...? - Perguntou Hvar, e eu não posso negar que estava tão ansioso por uma resposta quanto ele.

–Eu sei o que pretendem.

–Sabe?

–Sim, Ishtar. Eu sei.

Perguntei-me quantas pessoas saberiam me reconhecer apenas pela aparência.

–Como sabe que eu...

–Travei muitas batalhas com o Primogênito na costa de Atterax. Você é, certamente, o mais semelhante a ele entre os cinco.

Ele não falara nenhuma mentira.

–Presumo que foram capturados pelos Espadas Vermelhas - surpreendeu-me que ele dissera o real nome da gangue rival - e querem me fazer forçar um fim do cessar-fogo entre nós, para que assim possam escapar sem serem notados. - Bebeu a garrafa inteira de rum que tinha nas mãos - Muito esperto, devo admitir.Mas os Ursos do Mar não são idiotas, ao contrário da esmagadora maioria dos piratas. O capitão que me antecedeu me ensinou tanto a lutar como a ler e escrever, e acima de tudo, a ser sensato. Não fiquei sabendo de nenhum espião dos Coroas de Prata, e se soubesse, vetaria a ideia imediatamente. Caso não saibam, todos os piratas nesta zona oeste me obedecem cegamente. Alguns rebeldes aqui e ali? Sim, mas todo líder precisa enfrentar resistência às vezes. Talvez um homem como Arstan Garganta Vermelha caísse nas suas falácias, mas os nortenhos como eu nunca tiveram um bom relacionamento com a estupidez. Preferimos criar laços com o bom senso.

Fiquei imóvel.

–E o que pretende fazer a nós?

Inesperadamente, Elfjor Capa Dourada(era o que dizia um letreiro atrás do banco onde se sentava) riu.

–Hahaha! - Gesticulou pedindo para que esperássemos e riu mais um pouco - Não os farei nada. Para falar a verdade, os ajudarei. Se foram capturados pelos Espadas - cuspiu no chão assim que terminou a palavra - então têm algo contra eles. E se possuem algo contra aqueles bastardos de Arkhang, então são meus aliados temporários. Só peço para que... deem o fora daqui assim que puderem.

Ele andou até um criado-mudo, abriu uma das gavetas e de lá tirou um...

–Tome uma pistola. - E jogou o objeto na minha direção.

–Não posso. Não sei manusear, e prefiro magia a isso. - O devolvi.

Elfjor me olhou desconfiado.

–Prefere magia a armas de fogo?

Eu não sabia nem a definição de arma de fogo à epoca, mas concordei.

–Sim. Tecnologia à base de pólvora não me fascina nem um pouco.

Hvar pensava diferente.

–Isso vai me ajudar a matar alguns piratas desgraçados?

–Acredito que sim.

–Então dê-me esta merda agora mesmo! - Tomou a pistola da mão do capitão e começou a procurar um botão, um catalisador ou qualquer coisa do tipo.

–Você tem que apertar o gatilho. - Indicou Elfjor.

–Aqui? - Hvar já estava com o dedo posicionado; ele aprendia rápido.

–Sim, mas não atire aqui. Eu mostro no caminho. - Virou-se para mim - Não vai querer uma rapier ou algo assim? - Mostrou-me uma bela espada com a lâmina comprida e fina, e com um também belo, porém não menos estranho cabo, com filetes de metal se alongando para encaixar na mão do espadachim.

–Vai servir. - Peguei a espada e tentei manuseá-la sem cortar nada no caminho. Era de bom material, e serviria para a situação que estávamos prestes a enfrentar.

...

O porto estava um caos.

Se imagine num local cheio de criminosos do mais baixo nível lutando uns contra os outros sem nem saber o porquê, enquanto uma espessa fumaça invade seus pulmões à força, lhe obrigando a tentar não respirar. Some a isso o fato de que toda a bagunça foi tecnicamente culpa sua. Pronto, você tem a receita para a paralisação das pernas no meio de fogo cruzado.

Foi difícil conseguir me mexer e sair dali.

Elfjor dava ordens para seus homens para que ajudassem a mim e ao velho.Abrimos passagem até o centro da batalha : o navio em chamas, que afinal não estava tão em chamas, muito em parte pelo fato de alguns homens dos Espadas Vermelhas estarem jogando baldes de água. Normalmente não surtiria efeito pela proporção do navio, mas eram centenas de piratas fazendo o mesmo cansativo trabalho, mesmo que enquanto o faziam também tinham que escapar dos tiros e ameaças de inimigos.

Pelo que notei, Leif, o Anêmona que encontramos antes, espalhara a notícia do falso plano que eu e Hvar havíamos contado ao seu capitão. Provavelmente por esse motivo vários homens nortenhos( que obedeciam aos Ursos do Mar ) travavam duelos contra os arkhens que serviam a Arstan Garganta Vermelha.

Andei mais alguns metros para me aproximar do semi-destruído Dracaon(novamente, era o que dizia o nome no casco, embora desbotado e chamuscado) e vi Mahrmed Per Petuum.

–Mahrmed! - Tive que gritar e acenar para que ele me localizasse - Onde estão os outros!?

–Outros?Que outros? - Desviamos de uma rajada de tiros contra o navio.

–Os que estavam amarrados próximos ao mastro deste navio!

–Ah, fala desses. - De repente, o sacerdote começou a falar mais baixo.-Estão lutando em algum lugar por aí! O que a propósito, também deveríamos estar fazendo.

–Não importa!E Gustaf, onde está?

–O rusko? Quanto a esse não faço a menor ideia. Aquele homem...se é que ele é um...ele é a destruição em pessoa! Não vi uma pessoa aqui que tenha ficado a frente a frente com ele e esteja vivo.

Hvar se aproximou, atirando sem parar, como uma criança quando aprende a usar seu novo brinquedo.

–Isso é a coisa mais divertida que faço em anos! Para quê lâminas, se podemos nos matar à distância e sem grandes estragos?HAHAHA! - Parecia não ter percebido que estávamos juntos a ele, e quando notou fechou a boca subitamente - Você.O sacerdote.Onde está aquele calouro?

A resposta veio com a aparição de Mljet à nossa frente, arrancando o braço de um corsário dos Jubartes Negros com uma espada semelhante à minha, com a única diferença do padrão de cores no cabo e na lâmina.

Ele manejava a complicada arma bem até demais para alguém tão jovem.

–Já conseguimos a distração - até demais, pensei - E temos o apoio dos Ursos do Mar.O que faremos agora para escapar?

–O que vocês farão. Eu permanecerei aqui.

Eu tinha sérias suspeitas de que Mahrmed sofrera uma fortíssima lavagem cerebral nos últimos anos.

–Está louco? Depois do que fez aqui, não será perdoado por pirata nenhum que restar!A propósito, como tocou fogo no navio?

–Todos temos segredos. Ckao'ner me ensinou alguns que ele guardava apenas para julgar mortais.

Após prestar a devida atenção, foi possível perceber: mesmo que o navio não estivesse sendo engolido pelas chamas, não importava quanta água usassem, uma fagulha sempre restava e crescia novamente até ser apagada.O ciclo continuava, mas o navio não era eterno. Em algum tempo a única lembrança que os piratas teriam do Dracaon seria carvão, e de baixa qualidade.

Elfjor Capa Dourada se aproximou correndo até nós.

–Não tenho dúvida que apreciaram meu apoio- falou, ofegante - Mas custaria pelo menos nos ajudar a travar esta batalha?Ou pelo menos cumprir o prometido e ir embora o quanto antes?

–Bem que gostaríamos, capitão. Mas não sabemos onde ou como arranjar uma embarcação grande o suficiente para nos levar e discreta o bastante para não ser notada na fuga. Além disso, qual a possibilidade de sairmos sem nenhum arranhão? Acho que teremos que esperar até os ânimos se acalmarem.

O capitão parecia determinado.

–Sinto informar, mas assim que os ânimos se acalmarem, como você diz, seremos seus inimigos declarados por terem tentado enganar o capitão da maior frota de piratas existente no mundo conhecido.

Estava mesmo difícil encontrar uma boa notícia naquele turbilhão de má sorte que nos capturara.

E para piorar, no mesmo momento uma verdadeira manada humana chegava descendo a colina por trás do porto. Homens de vermelho e cinza, reconhecidos como seguidores de Arstan Garganta Vermelha. A príncipio achei que eram centenas, mas logo se tornaram milhares.

Mahrmed aparentemente teve uma ideia.

–Ishtar, sabe conjurar?

Odiava ter que atender por aquele nome.

–Sei.

–Ótimo. Que tipo de conjurament, especificamente, só por via das dúvidas?

–Ah, depende. Sei usar fogo, gelo, raio...

–FOGO!

–Mas eu não ter...

–Fogo!Use fogo!

–O que quer dizer?

–Meus conjuramentos são poderosos, mas só posso usá-los uma vez por dia. Estou com minhas energias esgotadas. Basta usar a mesma ideia que eu usei.

–Que seria? - Falamos eu e Hvar em uníssono.

–Conjure fogo. Mas não fogo comum. Pense no pior sentimento que você possui, aquele buraco na sua alma que sempre está lá, mas você finge ignorar, e traga-o à tona junto com o fogo!

–E o que isso faria de diferente? - Eu não queria ter que fazer isso, mas sabia que ninguém ali além de mim sabia conjurar. O pior sentimento que possuo...até hoje tenho calafrios só de pensar nele.

–Fogo fantasma.

Então compreendi. Fogo fantasma, a chama que destrói tudo, que queima almas, que nunca se apaga. Então, basicamente eu estaria praticando magia negra de uma maneira simples.

Eu não queria mesmo ter que fazer aquilo.

–Não há tempo para discutir! Se isso os ajudará - Elfjor atirou em mais algum transeunte - apenas o faça!

Do jeito que ele falava parecia fácil.

Conjuramentos são complicados, ainda mais quando não se possui nenhum item para canalizar a magia, como um grimório ou uma orbe. A situação também era estressante, o que tornava concentração complicada.

Mas eu teria que me forçar a invocar o fogo, ou não conseguiria escapar dali.

–Enquanto você conjura o fogo, eu irei subir para pegar o que tiver de útil no Dracaon. - Mahrmed não esperou ninguém dizer não e rapidamente já subira no convés do navio.

Todos olhavam para mim, ansiosos. Mljet se juntou ao grupo quando nos notou.

Estendi as mãos.

Pensei no fogo em sua forma primordial, nas forjas dos deuses. Fechei os olhos e vi as forjas pessoalmente. As chamei até mim, que vieram dançando de não se sabe onde até minhas mãos, em formas de anéis, girando num elipse sem fim.

Senti o calor e tive que semicerrar com os olhos com o clarão que saía das minhas mãos. Aquelas chamas não eram muito estáveis, por isso eu tinha que continuar rapidamente.

Faltava a última parte, a mais difícil.

Enquanto pensava em mais chamas vindo das forjas divinas, também tentei pensar ao máximo no que Mahrmed me havia dito.

O pior sentimento que você guarda.

Eram tantas cicatrizes...ficava difícil achar o sentimento certo naquele momento. Mas então me veio à mente o dia.

O dia em que fomos traídos. Julgados. Jogados na lama como se tivéssemos cometido um crime ao nascer. O dia em que todos os que pareciam ser nossos aliados nos abandonaram, e o povo que amava a meu pai foi destruído em chamas.

De repente, a imagem da forja dos deuses sumira. Em seu lugar, eu via o rosto de Deostius, sorrindo. E as faces dos meus pais sofrendo, como se aquela prisão de trevas e dor fosse durar pela eternidade e além dela.

Conti as lágrimas, e chamei a aura daquele local para que viesse a mim. Para que se juntasse às chamas.

Quando abri os olhos e voltei ao 'mundo real', nada acontecera.

–Então? Alguma coisa especial?

–N-nada. - Eu tremia. Pensar naqueles sentimentos me trouxeram uma melancolia absurda. - O que faremos? Não deu certo.

–Se não consegue, não consegue e pronto. Não podemos perder tempo tentando isso. Vamos à luta. - Mahrmed já voltara, com armamentos, incluindo o meu machado e a adaga que Lonpak me dera.

Os piratas da colina se aproximavam cada vez mais.

–Podemos tentar uma coisa. - Disse Mljet, pensativo. - Onde está Essen, aquele poderoso e misterioso mágico que tanto nos ajudou? - A proposta da ideia era estúpida, mas poderia funcionar.

–Essen, ajude-nos, por favor, ou o enredo terá seu fim nesse exato momento! - Disse o rapaz westesi, apontando uma pistola(provavelmente tomada de algum pirata morto) para a própria cabeça. Eu fiz o mesmo, só que com a rapier no meu pescoço. Percebi que os outros não pareciam entender absolutamente nada do que estávamos fazendo.

Como sempre, o mágico surgiu da maneira mais estranha possível.

Sobre as nossas cabeças.

Antes que pudesse cair, ele se pendurou num desnível do casco do navio em chamas.

–Não façam isso!Vocês são meus personagens preferidos!

Ali estava. Finalmente uma boa notícia, ou quase isso.

–Então ajude-nos a escapar!

–Eu o faria de bom grado, mas tenho regras. Não interfiro.

–Você acabou de quebrá-la ao nos impedir.

Ele não tinha o que dizer contra aquele argumento.

Ficou fitando o horizonte, como que pensando.

–Tudo bem. Que tipo de ajuda querem?

–Impeça aqueles homens de nos matar e arranje algo onde possamos fugir.

–Duas ajudas? Para isso, existe um preço.

–Certo, certo, diga logo o que temos que fazer. - Disse Hvar, apressado e olhando com nervosismo para os piratas que se aproximavam agora que sua pistola não possuía mais projéteis.

–Ah, não precisarão pagar agora. - Falou com um malicioso sorriso - Mas saberão qual é o preço quando a cobrança chegar.

Aquilo era assustador, mas era nossa única opção.

–Vamos, ajude-nos logo, aceitamos a proposta!

Elfjor balançou a cabeça positivamente e foi embora, atirando nos homens mais próximos, dando ordens para que os Ursos do Mar continuassem nos apoiando.

Essen fechou os olhos e começou a respirar pesadamente.

Inúmeras serpentes saíram das mangas do sobretudo do mágico, e começavam a se enroscar até formar uma colossal cobra, que facilmente engoliria o tigre de pedra do templo. Aquele truque já se mostrara perigoso antes, e eu agradeci aos deuses por Essen estar do nosso lado.

Também ajudei, conjurando chamas(isto é, chamas comuns) e lançando-as contra os corsários que há muito já haviam descido a colina. Como animais selvagens, alguns deles pareciam temer o fogo, mas a maioria permanecia em marcha na nossa direção, com Arstan na vanguarda(não que houvesse qualquer indício de organização naquele bando de homens sujos e iletrados).

A serpente, diferentemente do meu fogo, surtiu efeito e fez com que os inimigos se dispersassem em várias direções. Essen parecia não ter controle sobre si mesmo e permanecia imóvel enquanto dava ordens ao monstro gigante que criara.

–Um...bote. Vão... agora. - Disse o ilusionista, com dificuldade.

–Um bote?Mas não há bote nenhum... - Mljet calou-se ao ver que um bote surgira de sabe-se lá onde e estava ancorado próximo a nós, com espaço para 7 pessoas.

Na pequena embarcação, estava o símbolo dos Espadas Vermelhas.

–O símbolo vai lhe permitir fugir discretamente dos arkhens, por pensarem que são aliados. - Deduziu Mahrmed.

–Tem certeza que não quer ir conosco? - Perguntei ao Per Petuum.

–Não irei. Minha missão é permanecer aqui e a cumprirei até o fim dela, ou o meu fim.Mas tenho alguém que quer ir com vocês - Puxou algo, ou alguém, de detrás da prancha de acesso ao convés .

Kalysa estava visivelmente assustada.

–E Lonpak? - Perguntei.

–Não temos tempo para esperar mais ninguém. Apenas vamos! - Hvar, infelizmente, tinha razão.

Antes que fôssemos, lembrei.

–Essen!

–S-sim?

–Dê uma mãozinha a Brunne, Alyssandre e os outros. Não sabemos onde eles estão.

–Não posso... prometer.

–Só tentar já basta.

Corremos até o barco e rapidamente pulamos nele. Em um compartimento haviam vários itens inexplicavelmente úteis a nós, além de mantimentos para dias em alto-mar(mesmo que Elnet não fosse tão distante das Oito Terras).

Olhei uma última vez para o porto quando embarcamos. Prometi a mim mesmo não olhar para trás nem me preocupar com os que corriam risco de vida, como eu fizera tantas incontáveis vezes anos antes.

Mas antes que pudéssemos zarpar, uma forma bizarra de urso com chifres(??) correu até nós, e enquanto se aproximava ia tomando forma humanoide, até se tornar alguém bastante conhecido.

–Lonpak!?

Assim que se mutou para sua forma normal, o elfo-dos-campos se jogou no barco.

–Sem perguntas, eu peço. Explico na viagem. - Olhou para nós com estranheza - Onde está... Gustaf?

Um volume que ninguém notara antes debaixo das redes de pesca levantou-se, completamente sujo de sangue.

–O esquadrão está pronto. Que tal se zarparmos...agora?

Não foi difícil entender porque Gustaf dissera o agora com tanta convicção.

A sombra de não apenas uma, mas duas serpentes enormes, estava praticamente acima de nós, pronta a dar o bote.

Elfjor olhava para nós. Seu olhar queria dizer duas únicas palavras, que captei perfeitamente.

–Zarpar. Rápido.

Ninguém contestou minha ordem.


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Notas finais do capítulo

Críticas ou elogios aceitos com todo o prazer, capítulo 8 quando a inspiração vier(esperemos que isso não demore)



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