Uma Nova Chance escrita por Elvish Song


Capítulo 5
O Relato de Ângela




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– Ângela, eu sinceramente não vejo o que você possa ter a ver com meu relacionamento com Arya. – Declarou o guerreiro, ríspido.

– Tudo, é claro! Conheço a ambos melhor do que vocês mesmos, e não deixarei que um amor como esse seja envenenado por orgulho idiota!

Bufando, o Cavaleiro retrucou:

– E o que eu posso fazer? Arya é tão arrogante!

– Não a ela que eu me referia. – Retrucou a herbolária – Você está sendo estúpido, em não ouvir o que a moça tem a dizer.

– Ela traiu minha confiança, Ângela!

– Talvez; mas antes de julgá-la, compreenda a situação que ela viveu. Deixe-me contar o que aconteceu, desde o momento em que você subiu naquele barco.

Após alguns instantes de hesitação, Eragon finalmente aquiesceu e concordou. Satisfeita, Ângela começou a falar:

– Ela descobriu que teria filhos através de Blagden, o corvo branco ao qual o rei Evandar, pai de Arya, deu o dom da profecia. Descobriu-o na noite imediatamente posterior à sua partida, e eu nunca a vi tão transtornada. Por várias vezes ela chegou a escrever a respeito da gravidez nas cartas que lhe enviaria, mas nunca teve coragem de remetê-las. Ela sabia que, assim que lesse aquelas palavras, você iria querer voltar à Alagaësia, e se decidisse não o fazer, sofreria sob o jugo da culpa e da dor. Por outro lado, se retornasse, atrasaria a aprendizagem dos novos Cavaleiros de Dragão, e nossa terra precisava mais dos Cavaleiros do que Arya de você.

Já um pouco mais sereno, devido à tranquilidade das palavras de Ângela, Eragon se sentou sobre uma das altas raízes das árvores de Du Weldenvarden, e comentou:

– Sempre a mesma Arya. O dever acima de tudo, não importa quem ou o quê ela tenha de sacrificar.

– Ela fez o que achou certo. Mas deixe-me continuar: após muito tempo de indecisão, ela finalmente se decidiu por nunca lhe contar nada. Mesmo porque, após os primeiros tempos do pós-guerra, em que todo o reino dos humanos se reestruturou em suas bases e na relação com outros povos, começaram a surgir dissidentes.

– Dissidentes? Arya nunca os mencionou!

– Não era necessário. Haveria pouco ou nada que você pudesse fazer, à distância, ou mesmo se viesse para cá. Os nobres que haviam estado sob as ordens de Galbatorix ainda guardavam grande influência, mesmo os que, por seu apoio explícito ao tirano, haviam sido destituídos de suas funções.

– Como assim, mesmo o que haviam sido? Nasuada não os destituiu a todos?! – Perguntou o Cavaleiro, surpreso.

– Num primeiro momento, sim. Mas aqueles que não representavam ameaça, e que, durante o reinado de Galbatorix, permaneceram neutros na guerra, foram por ela perdoados e reconduzidos às posições que ocupavam. Alguns se tornaram fiéis aliados, mas outros, em conluio com a nobreza rebaixada por Nasuada, começaram a ver na justiça da nova rainha um sinônimo de fraqueza. Ambiciosos, fizeram brotar conspirações, plantaram boatos, e chegaram a promover atentados, muitos dos quais debelados por Arya, Elva e Orik. Nessa época eu estava, digamos, ocupada.

– E o que aconteceu, então?

– Esses inimigos ocultos voltaram sua raiva contra os lados mais fracos da corrente: Orik e, posteriormente, Arya, uma vez que ambos se encontravam com frequência longe de suas terras, e quase sempre sozinhos. Elva era um alvo impossível de atingir, graças à sua bênção/maldição. Ela fez o que podia para proteger os três soberanos, mas em sua ausência, coisas desagradáveis aconteciam. Felizmente, nenhuma das tentativas de matar qualquer dos três chegou sequer perto de obter êxito, e assim foi por alguns meses. Arya, por segurança, escondeu sua gestação por quanto tempo isso foi possível. Eu sugeri que ela parasse de viajar para fora das terras élficas até que as crianças nascessem, mas não fui ouvida: havia trabalho a ser feito, e ela não o deixaria de lado por causa de ameaças.

– Ela estava pondo as crianças em perigo!

– De acordo com sua lógica, se ela não se esforçasse por ajudar Nasuada a reestabelecer a paz, seus filhos correriam muito mais perigo, quando nascessem. E essa linha de raciocínio mostrou não estar errada; mas um dia, já perto de dar à luz, a vigilância da Dröttning falhou: ela foi envenenada durante um jantar com Nasuada. A água estava contaminada. O envenenador devia ter como alvo a própria Arya, uma vez que ela é sempre a única a evitar o vinho.

– Veneno?!

– E um que, tanto você, quanto ela, conhecem bem: Skilna Bragh.

– Skilna Bragh! – Exclamou o Cavaleiro, horrorizado. Aquele fora o veneno dado à elfa durante seu cativeiro, para que ela não pudesse fugir. O antídoto a cada dose de veneno lhe era dado em cada manhã, quando a elfa era levada à presença do espectro Durza, e o veneno em si, quando a levavam de volta à cela, todas as noites. De acordo com a própria jovem, era uma droga de ação rápida, que possuía um único antídoto: o néctar de Túnivor. Espantado, o guerreiro perguntou:

– E como ela sobreviveu?

– Os feiticeiros da Du Vrangr Gata foram rápidos em seu agir. O antídoto impediu a morte, mas o evento desencadeou um parto prematuro, e você sabe, a procriação é algo bastante complicado para os elfos. São pouco prolíficos, e os corpos das mulheres resistem às mudanças necessárias ao parto. Ela estava enfraquecida pelo recente envenenamento, e as feiticeiras, embora fossem excelentes parteiras para mulheres humanas, simplesmente não conseguiam ajudar uma mulher élfica. Nada fazia efeito sobre seu corpo, nenhum feitiço ou droga, e ela sofreu muito, durante mais de um dia, já que não havia outros elfos na cidade para ajudá-la. Por pura sorte, eu pressenti que havia algo de grave acontecendo, e retornei o mais depressa que pude ao palácio de Nasuada, onde Arya se encontrava.

– Onde você estava?

– Isso não interessa. Basta você saber que eu cheguei a tempo de salvar a vida de sua mulher e filhos. Mas, é claro, a rainha estava muito fraca devido à perda de sangue, e queimou de febre durante vários dias. Temi pelo pior, mas a teimosia desta elfa fez-se muito útil; a febre cedeu após uma semana. As crianças, apesar de toda a dificuldade em seu nascimento, eram grandes e saudáveis. Após dez dias, Arya já se encontrava perfeitamente recuperada, e foi essa a sorte que teve, pois logo se descobriu quem a havia envenenado: uma das feiticeiras de Nasuada mostrou-se uma traidora. Entrou no quarto em que a Dröttning e os bebês dormiam, e tentou esfaquear a Cavaleira durante o sono. Felizmente, nossa amiga despertara ao ouvir pés descalços esmagarem a lã do tapete, percebendo também o cheiro de aço. Mal sentiu uma presença perto de si, cravou a adaga que mantinha sob o travesseiro no corpo ao seu lado.

Eragon não disse nada: conhecia Arya suficientemente bem para saber que bastava fitá-la durante o sono para despertá-la subitamente. O que o surpreendia, no entanto, era que o inimigo estivesse tão perto sem que ela o houvesse detectado na corte.

– Ela não me contou nada do que acontecia na Alagaësia! Por quê? Eu poderia ter ajudado! Ter orientado melhor os aprendizes! Tê-los feito esperar até estarem mais preparados!

– Ela quis lhe escrever, e mais de uma vez, mas precisava que você cumprisse seu papel, treinando os novos Cavaleiros, que hoje fazem uma enorme diferença. Quanto a esperar mais, não serviria para nada, além de nos atrasar. Arya sabia disso, e fez de tudo para garantir que você cumprisse sua missão sem qualquer transtorno.

– E o que aconteceu depois?

– A rainha voltou para casa e passou algum tempo sem deixar Ellesméra, cuidando dos filhos e se recuperando dos sustos. Assim como escondeu Fírnen do mundo, enquanto era pequeno demais para se defender, o fez com seus bebês. Só se sabia dela através de suas cartas, de caráter puramente oficial, nas quais jamais mencionava os pequenos. Dois anos depois, finalmente, voltou a viajar pela Alagaësia e a comparecer aos Conselhos e reuniões dos líderes, em vez de mandar embaixadores em seu lugar. Um dia, durante sua ausência de Ellesméra, tentaram roubar as crianças. Por sorte, eu e Arya havíamos deixado Elva a cuidar de ambos, e a menina não se deixou pegar de surpresa: avisou aos elfos da presença de estranhos na cidade, enviados para sequestrar os gêmeos. Como aqueles homens conseguiram entrar na floresta e, mais ainda, na capital élfica, é algo que nenhum de nós conseguiu compreender. Depois disso, Arya nunca mais deixou os filhos sozinhos, e quando tinha de viajar, levava as crianças e Elva consigo.

– Por que ela não ficou em Du Weldenvarden?

– Não está ouvindo o que eu digo? Nem mesmo Ellesméra era segura o bastante! E ela não podia deixar de fazer seu trabalho. Aos poucos, o que era apenas uma conspiração de poucos se espalhou. Hoje, embora não seja oficial, o movimento ganha força em Surda e nas terras do Sul. Os anões têm tido problemas com as tribos de Urgals das montanhas, e já se ouve falar de ursos Beorya cavalgados por esse povo, atacando embaixadores elfos e humanos que vão aos reinos anões. Agora... Isso tudo se concentra no sul. O que você acha que está acontecendo?

– Obviamente, os revoltosos tentam isolar os anões do restante da Alagaësia. Eles são os principais elementos que sustentam a união de Surda ao reino, seus mediadores. Corte esse elo, e tem-se um prato cheio para os separatistas; a guerra civil se instala, pois todos os pequenos ducados que pensem ter força para tanto buscarão obter hegemonia sobre as áreas circundantes, e a partir daí, obter a emancipação de suas possessões. Desse ponto, avançarão sobre os territórios vizinhos, até que um predomine, e comece a ampliar seu poder, como Galbatorix o fez.

– Pelo que vejo, as aulas de Brom e Oromis serviram para algo – comentou a herbolária, irônica - Pode imaginar o caos que isso significaria? Arya tem usado sua influência de rainha para evitar ao máximo as disputas, e como Cavaleira de Dragão, esteve pessoalmente nos embates entre as tribos do Sul. Você não tem ideia de quantas vezes ela arriscou a própria vida para garantir a paz.

– Eu poderia ter enviado Saphira, se ela me houvesse avisado.

– Precisávamos de você e Saphira onde estavam, Eragon. Treinando os jovens Cavaleiros que, sob a direção de Arya, têm feito verdadeiros milagres para impedir a guerra civil. Agora me responda: se tivesse sabido da situação, se soubesse que Arya tivera filhos seus, e que o reinado de Nasuada estava ameaçado... O que teria feito? Eu apostei que ficaria lá, se Arya pedisse, mas ela o conhece bem melhor, e afirmou que você viria imediatamente para cá, não importando o que ela fizesse ou dissesse. Que teria tentado levá-la consigo a Vröengard de qualquer modo. Quem estava certa?

De cabeça baixa, o Cavaleiro respondeu:

– Arya me conhece bem demais. Melhor do que eu mesmo.

– Então... Após saber de tudo o que aconteceu, ainda acha que ela estava errada?

Já profundamente arrependido das coisas terríveis que dissera à mulher que amava, Eragon se levantou e falou para a herbolária:

– Com sua licença, Ângela, mas preciso me retratar por certas palavras ditas num momento de ciúme e mágoa.

– Eu ficaria ofendida se não fosse fazê-lo; teria gasto minha saliva à toa. – Sorriu a mulher loura, deixando que o humano fosse ao encontro da elfa. Ao lado dela, pousaram Saphira, Fírnen e os dois filhotes.

– Como me saí? – Perguntou a mulher aos dragões.

Os quatro lhe deram cabeçadas amigáveis em resposta, e pareceram sorrir.


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Notas finais do capítulo

Agora, Eragon e Arya têm de se acertar. Como irá correr essa conversa?