“Você perdeu a noção de vez?” Gritou Manuela, andando pela garagem onde Davi dormia. “Uma coisa é tentar conviver com ela pacificamente, outra é conviver grudado com ela.”

“Manu, eu não tinha escolha, ok? Se não fosse eu, seria você. E tenho certeza que você não ia aguentar meio dia junto com a Megan, antes de vocês duas saírem no braço.” Ele se sentia péssimo em mentir para a namorada, mas não havia outro jeito. “Olha, é um projeto importante, e eu quero participar dele. E não vai ser algo 24 horas por dia, sete dias por semana, o Jonas mesmo disse. Eu ainda tenho funções na Marra com você e com ele.”

“Qual é Davi, você é ingênuo demais, ou finge ser. Você sabe que essa gringuinha tá louca para colocar as mãos em você, e você só tá facilitando para ela.”

“Você tá duvidando que eu te amo? Que eu quero ficar com você?” O programador franziu o cenho, se irritando. “Na boa Manuela, se eu quisesse ficar com a Megan, teria feito isso a muito tempo, lá atrás, quando ela estava praticamente se jogando no meu colo. Mas eu não quis, porque eu estava, e ainda estou, apaixonado por você. E se você não confia em mim...”

“É claro que eu confio em você.”

“Mas não parece.” Davi suspirou. “Olha, eu to de cabeça quente, você também. Acho melhor cada um ficar no próprio canto hoje, para não discutirmos mais.”

“Pronto, já começou.” A nordestina apanhou a bolsa que havia levado. “Melhor mesmo cada um ficar cada um ficar no próprio canto, porque eu gosto demais de você para arriscar tudo por causa da gringa.”

E saiu batendo a porta.

Davi suspirou, caindo sentado e massageando as têmporas, cansado. Começava a se questionar se havia sido uma boa ideia, levando em conta o quanto seu relacionamento já estava balançado.

Mas tinha feito uma promessa, e levava isso muito a sério. E confiava na palavra de Megan quando ela dizia que estava mudada e não faria nada contra seu relacionamento. Sabia que a americana podia ser louca e inconsequente, mas era doce e sensível, especialmente quando o assunto eram seus pais.

“Você viu o que estão falando do meu dad?” Lembrava da voz assustada, do olhar perdido, do medo que parecia emanar dela quando a abraçou. Não havia como aquela garota ser o monstro que Manuela dizia, ou a vadia que mostrava para o mundo.

Talvez, se ajudasse a verdadeira Megan a emergir, seria mais fácil para ela se aproximar verdadeiramente das pessoas, fazer amigos, aguentar tudo que estava acontecendo. Não queria se livrar dela, mas diminuir a carga de responsabilidade que sentia, seria de muito alívio.

Sentiu o celular vibrar, o apanhando no bolso do casaco que usava. Sorriu ao ver que era uma mensagem de Megan, na certa com alguma maluquice.

“Hey hero, só para desejar boa noite e dizer que estou ansiosa para começarmos a trabalhar. Tive algumas ideias, gostaria de lhe contar elas o quanto antes. Diga-me sua agenda, ok futuro-presidente da Marra Brasil. See you. ;*”

Tamborilou a perna por alguns instantes, pensando no que responder.

“Tenho a manhã livre amanhã. 9h na Marra, ou é muito cedo para você?”

Esperou poucos minutos para a resposta chegar.

“Antes do meio dia, qualquer hora é cedo. Mas estarei lá. Good night.”

“Boa noite, durma com os anjos.”

Se repreendeu pela mensagem, tão acostumado a mandá-la para a namorada, quando não passavam a noite juntos. Mordeu o indicador, com medo do que Megan iria pensar ao ler aquilo.

“Acho que os anjos preferem manter distância de mim, porque eu sou, like, uma capetinha. But, tentarei.”

Suspirou aliviado, subindo as escadas e apanhando o pijama, o vestindo com rapidez. Caiu na cama, já pronto para pegar no sono, mas a culpa não deixava. Apanhou o celular, digitando mais um mensagem, dessa vez para Manuela.

“Não gosto de dormir brigado com você. Durma com os anjos, já que eu não estarei com você. Te amo.”

Não quis esperar pela resposta, e nem saber se ela viria. Apenas sentiu o alívio de dever cumprido, virando para o lado e adormecendo logo depois.

~M&D~

Durma com os anjos. Durma com os anjos. Anjos? Ela devia ter dormido velada pelo próprio Deus, se é que ele existia. Nunca havia se ligado muito a entidades divinas, tendo sido criada na crença do Mistério. Mas naquela noite, Megan acreditou que o que quer que houvesse na imensidão do mundo, havia sido velada e cuidada por ela, porque nunca na vida dormira tão bem.

“Good morning mom, good morning dad.” Praticamente saltitou para dentro da sala de jantar, surpreendendo os pais pelo horário. “Tenho reunião com Davi às 9h. Pode me dar uma carona para a Marra, dad?”

“Claro peanut, com o maior prazer do mundo.” Jonas sorriu para a animação da filha, que retribuiu o gesto. “Teve alguma ideia?”

“Algumas, mas I don’t know. Vou contá-las ao meu partner e ver o que ele acha.” Ela brincava com uma torrada, enquanto os pais a admiravam. “What? Tem algo no meu rosto?”

“É tão bom vê-la assim, so happy.” Garantiu Pamela, com carinho. “Fazia tempo que não via isso.”

“Eu gostei dessa ideia do dad, é bom ter algo para fazer.” Jonas deu um sorriso amarelo. “E é sempre bom ficar perto do Davi, right?”

“Megan...”

“Eu sei dad, eu sei. Já prometi, não vou fazer nada para atrapalhar o namoro dele com a nerdestina, pode ficar tranquilo. Mas nós podemos gostar de ficar perto dos nossos amigos, não podemos?”

“Of course sweetie.” O empresário sorriu. “Bom, termine de comer e vamos, ou então se atrasará para sua reunião.”

~M&D~

Manuela estacionou o carro em frente à Marra, descendo em silêncio. Davi fez o mesmo do outro lado, logo a pegando pela mão, os dois em um clima estranho e desconfortável. Entraram na empresa e se separaram, já que ela tinha uma reunião com o departamento comercial e ele... Bom, não era muito segredo que ele encontraria Megan, e esse era o motivo de estarem se estranhando.

Ela havia respondido a mensagem com um “eu te amo, vem para cá”, mas ele já estava dormindo a essa altura e ela ficou esperando. Quando ele respondeu pela manhã, ela o convidou para ir de carro com ela. No trajeto, ele comentou a reunião em meio a sua programação do dia, e o clima novamente ficou denso.

Subiu para o terraço da empresa, querendo ter alguns minutos para pensar. Estava convicto de seu plano, mas o aborrecia que Manuela não confiasse nele e em seu amor, seu carinho, devoção. Havia se apaixonada de maneira tão inocente, burlado tantas regras, arriscado tantos sonhos, tudo por ela. Claro que também estava fazendo muito por Megan, mas para ajudá-la e cumprir uma promessa, não por amor.

Suspirou cansado, tirando os óculos e massageando os olhos, até ouvir uma voz.

“Começo a concordar cada vez mais com você. O Rio é uma cidade realmente maravilhosa.” Virou o rosto, encontrando uma Megan sorridente. “Estava indo te encontrar, mas acabamos nos trombando.”

“Até por quê, a Marra é minúscula.” O programador riu, enquanto ela sentava ao seu lado. “Preciso conhecer a Califórnia, e aí resolvemos esse impasse.”

“Sendo um dos presidentes da Marra, isso deve acontecer logo. Dad terá que apresentar você e Manuela para os acionistas, mais cedo ou mais tarde. E conhecendo aqueles abutres de gravata, será cedo.” Davi riu dos termos que ela usava, enquanto a via encarar a paisagem. “Você estava parecendo sad... Aconteceu alguma coisa?”

“Nada de mais, apenas coisas cotidianas.”

“Manuela?” Ele ergueu os olhos, enquanto Megan ria. “Imaginei. Ela me encarou really mad agora a pouco.”

“Digamos que ela não tem muitos motivos para confiar em você.” Davi tentou não ser rude.

“Eu sei, não fui a melhor pessoa do mundo com ela, e nem em relação ao namoro de vocês. Mas como eu disse, não está nos meus planos ser uma bitch destruidora de relacionamentos.” Megan virou para o brasileiro, um sorriso doce no rosto. “Estou feliz que você tenha concordado em participar disso comigo.”

Ele engoliu em seco, pensando no que ela pensaria se soubesse que foi ele quem criou a situação para trabalharem juntos.

“É uma prazer para mim, Megan. Eu adoraria colocar o Vander para ver o sol nascer quadrado um tempo, mas infelizmente assédio não gera isso, no máximo uma multa e serviços comunitários.” Davi bufou. “Então, vamos tentar fazer algo para ajudar que essas coisas se repitam com outras pessoas, que podem não ter a mesma sorte que você.”

“I really liked it.” Megan pulou animada, estendendo a mão. “Come, dad reservou uma sala de reuniões para trabalharmos.” Davi alternava o olhar da mão para o rosto de Megan. “Ok, sem mãos, não precisa. Mas vamos, please.”

Ele sorriu ao ver os olhos dela brilhando, e apanhou sua mão, se levantando e sendo puxado por ela, que tagarelava sem parar. Nunca havia imaginado que ela ficaria assim ao ser posta para trabalhar, e cogitou que ela realmente estava querendo impressionar e provar seu valor para o pai.

E isso o fez se sentir muito mais orgulhoso e seguro de sua decisão.