Sob os Olhos do Napoleão escrita por Ana Barbieri


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Não me atirem pedras, eu sei que demorei... mas tenho uma desculpa: vida de estudante de direito não é FÁCIL! Enfim, boa leitura...



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Capítulo 12

Sherlock Holmes estava em seu sétimo cigarro daquele dia, enquanto tentava manter sua mente focada na resolução daquele caso. Ainda assim, volta e meia ela tornava a levar-lhe ao ápice da preocupação, forçando-o a pensar em como sua esposa estaria àquela altura. Fariam apenas dois dias desde seu desaparecimento, mas a falta de Anne era tamanha que sua falta era sentida em anos, não em horas. Cada tentativa da senhora Hudson em fazê-lo comer somente servia para deixa-lo ainda mais ansioso, pois se a senhora Holmes estivesse ali, tal insistência partiria dela e não da senhoria.

O pior realmente acontecera e agora nem mesmo para si mesmo conseguia negar. Acostumara-se a vida de casado e com as consequências que ela trazia. Todos aqueles anos que passara em Baker Street sozinho com Watson, sua juventude e infância, vitais para o estabelecimento de sua opinião acerca da instituição matrimonial, desvaneciam-se ao ressoar de um único nome em sua mente: Anne. Aquela infindável lista de maneirismos dela que a princípio ele taxara como irritantes, naquele momento lhe faziam falta. E que ela nunca o pegasse admitindo aquilo em voz alta, do contrário, nunca mais poderia sequer tentar ter a palavra final numa discussão.

Pensar que aquilo estava acontecendo por culpa sua, porque ele não havia sido rígido o suficiente com ela, permitindo que se intrometesse em seus assuntos a ponto de fazê-lo questionar a maior decisão que tomara em toda a sua vida, a de nunca se casar. Se não tivesse se deixado levar por aqueles olhos contraditórios, nada estaria acontecendo. A pura verdade era que ele nunca precisara da ajuda de Anne Bergerac para resolver nenhum de seus casos. Ele ainda era aquela máquina calculista de raciocínio, tão romanticamente ilustrada nos contos publicados no Strand. As respostas sempre lhe vinham à mente como um lampejo, em insights de genialidade.

Contudo, divertia-o assistir as tentativas dela para acompanhar seu raciocínio na mesma velocidade que ele. O modo como os olhos castanhos se iluminavam toda vez que ele completava seu raciocínio, deixando-a pensar que só chegara até ele por causa dela e de suas observações... Tais tolices de um homem apaixonado que gosta de ver sua companheira feliz havia custado o que mais amava nela. Sua mera insistência em sempre estar ali, mesmo quando ele dava claros sinais de que queria ficar sozinho...

─ Holmes? – chamou Watson, tentando extrair seu amigo de um visível momento de reflexão. – São sete e meia. Não acha que seus espiões estão demorando demais? Andar pelos limites da cidade não deveria gastar tanto tempo. – comentou o doutor, indo até a janela na intenção de fazer toda aquela fumaça proveniente do cigarro ir para outro lugar.

─ Wiggins não arriscaria trazer uma informação inútil e arriscar perder dois guinéus, meu caro. – observou Sherlock, esfregando a ponta do cigarro no cinzeiro. – Acredite, eles podem demorar o tempo que precisarem, mas no fim valerá a pena.

Watson não conteve um ruído de descrença. Para alguém que tem a esposa nas garras da mente mais perigosa de Londres, seu amigo se mostrava muito calmo – pensava o doutor. Mas, talvez ele soubesse melhor como deveria agir naquela situação. Nunca vira-o demonstrar as emoções que realmente sentia, talvez estivesse um caco internamente, mas se recusasse a demonstrá-lo até mesmo para o melhor amigo. Os vários cigarros consumidos que estavam sendo jogados naquele cinzeiro eram prova suficiente dessa teoria. Resolvendo, então, ignorar um novo humor que estava descobrindo no detetive, virou-se para avaliar o movimento de Baker Street – pensando em como Mary estaria preocupada – quando avistou um dos garotos de Holmes andando distraidamente na direção da casa. Era o tal Wiggins. Parecia empertigar-se na tentativa de disfarçar o quão eufórico estava.

Ao soar de uma batida insistente na porta, Sherlock levantou-se com energia do sofá, ajeitando seu casaco com súbita felicidade. Por um momento, toda aquela tarde de espera e tédio foram resumidas a nada quando a senhora Hudson abriu a porta do apartamento e abriu espaço para o irregular entrar. Wiggins meteu logo a mão num dos bolsos internos de seu casaco e entregou o bilhete para seu chefe. Essse, por sua vez, ergueu as sobrancelhas em completa surpresa.

─ Onde conseguiu isso, Wiggins? – perguntou calmamente, mesmo já sabendo a resposta.

─ Com a senhora Holmes, chefe. – respondeu o menino dando de ombros. – Nós a avistamos numa das casas do lado leste da cidade, mas antes que pudéssemos vir falar com o senhor, ela fez sinal para que esperássemos. Achei melhor mandar os outros meninos embora e esperar para ver o que ela queria. Quando dois grandalhões saíram da casa, ela fez sinal por uma das janelas do fundo para que eu me aproximasse e me entregou esse bilhete. Disse que eu deveria entregar somente ao senhor. – explicou.

─ Muito bem, Wiggins. – parabenizou Sherlock retirando duas moedas de dentro do bolso. – Aqui está o seu prêmio.

─ Obrigado, chefe. – agradeceu ele eufórico.

─ E amarre direito esse cachecol, está fazendo frio lá fora. – sugeriu Holmes num tom anormalmente paternal, notara Watson. Wiggins apenas sorriu e fechou a porta. Finalmente a sós, o bom doutor pode voltar sua atenção ao conteúdo do bilhete que deixara seu amigo tão surpreso. – E o que me diz disso, Watson?

─ Ora, mas são os mesmos desenhos que tivemos que analisar no caso dos dançarinos... escrito num pedaço de lençol. – observou ele, surpreso.

Holmes soltou uma gargalhada alta e começou a andar pela sala com o bilhete em mãos. Estava em completo êxtase, Watson percebeu, não contendo sua própria risada tão pouco.

─ Ela realmente faz jus ao seu nome. – comentou o doutor, admirado.

─ Confesso, meu caro, que por vezes até eu mesmo subestimo as habilidades cognitivas dela. Moriarty realmente não esperaria um movimento tão ousado. Não dela. Ah, quando eu a vir... – disse Holmes encantado.

─ O que, Holmes? – provocou John antes que seu amigo pudesse concluir seu raciocínio. Percebendo as entrelinhas do comentário, Sherlock limitou-se a limpar a garganta, recobrando a compostura.

─ Eu a parabenizarei pela perspicácia. – respondeu ele na defensiva. – E agora, meu amigo, mais do que nunca precisarei de sua ajuda. Alguma chance de ainda ter os seus diários guardados? – indagou Sherlock, ansioso.

─ Por certo que sim. – garantiu Watson, orgulhoso. – Mas, eu ficaria admirado se você não se lembrasse do trabalho que fez para decodificar esse código.

─ Absolutamente, meu caro. – retrucou o detetive um tanto ofendido. – Não o alertei certa vez sobre o limite de espaço em nossos cérebros? Se eu armazenasse a decodificação de cada código com que já tive oportunidade de trabalhar, não haveria espaço suficiente para me lembrar do conteúdo de todas as minhas monografias. No entanto, se ainda estiverem com você às mensagens antigas, será mais rápido. Anne só pode ter usado letras que já conhecia, e as conhecia porque memorizou as mensagens descritas por você. – explicou ele.

─ Pois bem, se assim o diz. – assentiu Watson. – Contudo, acho que deixei alguns deles para trás depois que me mudei. – observou ele mirando Holmes.

─ Provavelmente Anne os manteve para si. – concordou o pomposo detetive, virando-se para os lados a fim de analisar a sala. – Ah, sim. O baú com seus livros. Ela sempre os guardava lá em cima em seu antigo quarto. – lembrou-se ele saindo para busca-los em seguida.

─ Acaba de me ocorrer, Holmes. Como farão com a chegada do bebê? – perguntou John, retirando um pouco da formalidade daquela situação. – Digo, onde irão instalá-lo. Crianças costumam ocupar espaço...

Sherlock apenas mirou Watson por um instante, mas não respondeu. Anne e ele ainda não haviam sentado para discutir o assunto, e ele não ousaria tomar qualquer decisão ou formar qualquer opinião antes de ouvir o que ela teria para dizer. Tanto porque acreditava que a mãe deveria ter sua participação em tal decisão, quanto porque tal conversa propiciaria uma gostosa discussão, a qual ele não estava disposto a abdicar. Em todo caso, aquele não era o momento certo para pensar sobre o bebê. Precisavam desvendar aquele enigma e encontrar a outra progenitora, antes que fosse tarde demais. Sendo assim, Holmes simplesmente ignorou a pergunta de Watson e continuou a folhear o caderno com a narração do conto “Os Dançarinos”.

─ Aqui está! – exclamou Holmes, mais uma vez animando-se. – Agora... onde será que coloquei aquele antigo quadro negro...? SENHORA HUDSON! – gritou, enquanto vasculhava a sala. Os passos da senhoria foram ouvidos quase imediatamente após o grito.

─ O que é, senhor Holmes? – indagou ela, aflita, mirando a bagunça que ele estava fazendo com ainda mais desespero.

─ Quantas vezes eu já lhe disse para não tentar arrumar nada nesta sala?! – bradou meu amigo, jogando mais de vinte papeis para o alto. – Aquele meu quadro negro, onde a senhora o colocou?

─ A senhora Holmes o mudou para o antigo quarto do doutor Watson. – respondeu a senhora Hudson com desdém, ofendida pelas maneiras de seu inquilino.

─ Meu bom Deus, quando não é obra de uma é da outra! – voltou a exclamar Holmes, mais uma vez subindo para o andar de cima.

─ Mas ele nunca irá reconhecer que não o viu enquanto esteve no meu antigo quarto, há exatos cinco minutos atrás. – comentou Watson, fazendo a senhoria reprimir o riso, dando um tapinha amigável em seu braço.

─ E quem pode culpa-lo? Está desnorteado desde que a pobrezinha se foi... Não posso dizer que não esteja acostumada com seus hábitos, doutor. Mas, tenho medo de que piorem caso alguma coisa venha a acontecer com ela... O luto da senhora Holmes já me preocupou o suficiente. Eu não seria capaz de controlar o senhor Holmes numa situação parecida.

─ Ainda não é o momento para as suas divagações pessimistas, senhora Hudson. Obrigado. – interveio meu amigo, descendo as escadas. – Agora, deixe-nos. – concluiu acenando para que ela saísse.

─ Vamos, meu amigo, seja justo. – interveio Watson ainda mirando a porta que acabara de ser fechada na cara da senhoria. – Você não é o único preocupado com Anne. A senhora Hudson a tem quase como uma filha...

─ De fato, meu caro, a preocupação dela apenas demonstra a amizade que dedica à senhora Holmes. – concordou Holmes, analisando as transcrições das mensagens endereçadas a Elsie Cubitt. – Contudo, não deixa de ser uma distração. – comentou ele, colocando um ponto final no assunto. – Aqui está o E e o I.

─ E o A e o R que também desvendamos na última mensagem. Prepare-se... ah sim, e também o P. – disse Watson, enquanto Holmes já completava metade da frase. – Espião? – indagou o doutor perplexo.

─ Na Yard. – completou o outro, deixando o resto da mensagem de lado para se sentar em sua poltrona, ainda com o pedaço de lençol em mãos.

Watson observava a reação de seu amigo, munida com todos os sinais que a frustração poderia trazer ao rosto de um homem. Por certo, ele pensara que Anne teria escrito sua localização e não aquilo. Realmente, ambos encontravam-se surpresos com a escolha da senhora Holmes. A única chance que provavelmente teria para falar com ele e ao invés de aproveitá-la para resolver de uma vez aquele caso, utilizara-a para acrescentar mais uma peça ao quebra cabeça. Num movimento súbito, Sherlock levou o pedaço de lençol ao nariz, provavelmente procurando sentir a essência das mãos de sua esposa ali. Aquilo deixou o doutor constrangido. Como se a própria Anne estivesse ali e ele estivesse invadindo um momento bastante íntimo do casal.

─ Suponho que ela tenha medo de que Moriarty descubra seu pequeno ato de transgressão, e não revelar seu endereço minimize os danos que ela supõe que ele possa causar a ela... – ponderou Holmes, pensativo, atirando o bilhete no fogo.

─ Ou a você. – considerou Watson. – Acredito que a taxaria como uma tola, se não estivesse com medo do professor. Ainda assim, tenho certeza de que ela está mais preocupada com o que ele pode fazer a você, do que a ela.

─ E eu temo exatamente pelo oposto. – retrucou Sherlock, acendendo um cigarro.

─ Bem, ninguém pode dizer que depois de tanto tempo, suas mentes não passaram a se completar. – comentou Watson num tom que beirava ao romântico, ao que Holmes respondeu com um meio sorriso delicado.

─ Se ao menos eu tivesse feito Wiggins esperar. – ele tornou a dizer. – Poderíamos ter perguntado.

─ Não acho que seja uma boa ideia. – disse John, sentando-se de frente para ele. – Nem mesmo Anne ousou revelar seu esconderijo. E, convenhamos meu amigo, Moriarty pode descobrir que ela falou com você...

─ E se descobrir irá muda-la de lugar. – concluiu Holmes, deduzindo a linha de pensamento de seu amigo. – Estão certos. – assentiu ele, também jogando o cigarro no fogo. – Não há motivos para acelerar o desfecho desse jogo, se queremos que ela volte para casa. Porém, não posso dizer que ela não tenha nos ajudado.

─ E como descobriremos a identidade desse espião, Holmes? – perguntou Watson.

─ Utilizando a melhor arma de que dispomos nesse momento, Watson. – respondeu o pomposo detetive, adquirindo um ar mais cômico. – O código de fidelidade dos agentes da Scotland Yard. – disse frente ao olhar confuso do médico.

†††

Em toda uma vida, tendo contato com os mínimos detalhes referentes à personalidade dos marmanjos de Londres, nunca encontrei razão para os riscos que sempre se encontra nas paredes das celas da delegacia. Os cálculos realizados pelos seus habitantes pareciam-me supérfluos, pois raras eram as ocasiões em que eles sairiam dali para revelar o resultado a algum de seus antigos amigos. Contudo, à luz da situação em que me encontrava um clarão de entendimento fez com que uma justificativa passasse pela minha cabeça.

Aqueles riscos, por mais simplórios que fossem, poderiam simbolizar a única fonte de esperança para um marginal londrino. Manhãs viriam, noites cairiam e aqueles pequenos riscos demonstravam que por mais frios que pudessem ser, aqueles marginais ainda acreditavam no poder de um novo dia na vida de um ser humano. Eu, pessoalmente, me apaguei a essa nova filosofia quando acordei em meu quarto dia longe de Baker Street e da minha família.

Fora mais uma noite sem conseguir dormir, pensando nos avanços que Sherlock estaria fazendo. Se eu realmente ainda tivesse algum crédito com Deus, Wiggins teria conseguido entregar a mensagem diretamente a ele sem maiores problemas e Holmes, por óbvia consequência, a teria desvendado em menos de alguns minutos. A sua reação, no entanto, era um completo mistério para mim. Terá ele esperado que eu revelasse o meu endereço? De fato, em qualquer outra circunstância, eu o teria feito. Mas, algo me dizia que se fosse pisar fora da linha com Moriarty, não deveria pisar tão fundo.

─ O professor está aqui para vê-la e pede que desça para tomarem o desjejum juntos. – disse um dos meus captores, abrindo a porta do meu quarto com violência.

Respirei fundo, ainda sendo observada por ele, e sai à frente nas escadas, pensando nos motivos que teriam levado o professor a me prestar aquela visita de cortesia. Aquela altura, eu já estava convicta de que apenas assuntos extremamente relevantes faziam com que Moriarty deixasse sua rotina em Londres para arriscar um encontro com suas vítimas. Por isso, eu já sabia que aquele café da manhã não acabaria bem.

Lá estava ele, sentado na mesma mesa e no mesmo ângulo em que se dispusera no nosso primeiro encontro. Em seus olhos, no entanto, eu notava um brilho assassino contido que me fez desejar com todas as forças que Holmes estivesse ali ao meu lado.

─ Bom dia, senhora Holmes. – as palavras saíram carregadas de uma ameaça quase sutil. Ele sabia... foi a primeira ideia que me veio a cabeça. – Vejo que não tem passado muito bem as suas noites.

─ Estou sobrevivendo, apesar das circunstâncias. – respondi. Ele só poderia estar se referindo ao fato de meus olhos estarem fundos e meu cabelo estar mal alinhado, muito diferente do meu estado quando me encontrou em Baker Street há quatro dias.

─ E espero que sua condição não tenha se tornado um empecilho. – ele acrescentou tentando me alfinetar. De fato, os meus enjoos vinham em horas variadas. Muito diferente do que Watson havia me alertado. Segundo ele, a maioria das mulheres grávidas sentia o enjoo pela manhã, o que não era sempre o caso.

─ Como eu disse, professor, tenho sobrevivido as circunstâncias. – disse forçando um sorriso.

─ E a senhora diria que essas circunstâncias estão abaixo do que se pode dispor a um refém, senhora Holmes? – indagou o professor, observando atentamente enquanto eu me servia de uma xícara de chá.

─ Pelo contrário, o senhor mesmo deixou claro que eu não era uma refém qualquer. – comentei, nervosa.

─ Acredita que é uma mulher sensata, senhora Holmes? – ele tornou a indagar, ignorando completamente a minha resposta a pergunta anterior.

─ Sim, e desde que me casei com Sherlock tento unir a minha sensatez com a cautela. – disse levando a xícara aos lábios uma segunda vez. – Nunca são demais. – acrescentei com falsa autoconfiança. Ele assentiu.

─ E quanto ao senhor Holmes, acredita que ele seja sensato? – perguntou Moriarty outra vez, após um instante de silêncio ameaçador palpável. O brilho em seus olhos se intensificara, e de tal forma que me senti compelida a abaixar a xícara lentamente, sem deixar de mirá-lo. Mais uma vez sendo tomada pelo desejo de segurar a mão de meu marido.

─ Considero o nosso casamento a maior prova disso, professor. – retruquei, tentando manter um tom descontraído. O silêncio tornou a se instaurar sobre a sala e nenhum de nós se mexia; no meu caso, por medo.

─ O senhor Holmes alguma vez lhe deixou a par de como costumo tratar minhas... vítimas, senhora Holmes? – inquiriu ele, entoando cada sílaba com um tom diferente de malícia.

─ Ele...

─ Sabe por que meus homens não tentaram nada contra a senhora diretamente até agora? Por que a senhora não é uma refém qualquer? – ele continuava a perguntar, e eu pude ouvir o som do couro de suas luvas se mexendo sob a mesa, o nítido som de um punho se fechando dentro de luvas de couro.

─ Eu...

─ Apesar de sempre estar no meu caminho, não posso dizer que não tenho grande admiração pelo trabalho de seu marido. Sei apreciar inteligência, quando aflora em um ser humano, como qualquer acadêmico que se preze. Contudo, não gosto de ser desafiado, senhora Holmes. – comentou James Moriarty, me fazendo engolir em seco. – A sua integralidade física depende única exclusivamente de um fator nesse jogo: a sensatez de Sherlock Holmes.

Fechei os olhos e levei as mãos ao colo, tocando o lugar em que normalmente a minha aliança estaria. Não havia mais dúvidas de que ele descobrira sobre a mensagem. Como, no entanto, era uma questão completamente diferente. E eu precisava me manter calma se tinha qualquer intenção de descobrir.

─ Reconhece isso, senhora Holmes? – abri os olhos na esperança de encontrar os dançarinos estampados na minha frente. Todavia, o que vi foi uma boina surrada que me era familiar. Pequena, no tamanho exato da cabeça de uma criança. Só tornei a mirar Moriarty nos olhos quando finalmente lembrei onde eu havia visto-a antes, e o pequeno grito rouco de terror que soltei pareceu diverti-lo. – Podem trazê-lo.

Ozzie se debatia nos braços de um dos brutos, estava com os joelhos da calça rasgados e com um grande arranhão sob o olho direito. Ele ergueu os olhos para mim com medo e eu senti meu coração subindo a boca quando me virei para encarar Moriarty novamente. O brilho assassino em seus olhos chegava a ser sádico e minhas mãos tremiam só de pensar no que se passava naquela cabeça pervertida.

─ O que significa isso? – indaguei usando os últimos resquícios de coragem que ainda conseguia reunir aquela altura.

─ Um movimento ousado de seu marido. Mandar um garoto vigiar meus passos dentro da Durham. Sinceramente, com o suposto bem mais precioso dele em jogo, jamais imaginaria que seria capaz. – o tom dele era o mais frio que alguém conseguiria empregar numa situação parecida.

─ Com todo respeito, professor, mas não acho que isso tenha sido ousado da parte de Holmes. – retruquei com a voz trêmula. – Ele costuma ter esse desejo por conhecer os hábitos de seus inimigos.

─ Uma afronta aos limites implícitos a esse jogo, senhora Holmes. – rebateu ele. – Uma afronta a mim. E mandar uma criança fazer o trabalho... de fato, uma atitude muito estúpida. – disse levantando-se da cadeira, indo em direção a Ozzie, retirando uma pistola de dentro de um dos bolsos do casaco. Tomou o braço do pequeno, fazendo sinal para que o homem que o segurava fosse para fora.

─ Ele não tem culpa de nada. É só um garotinho de dez anos que estava tentando ganhar um guinéu a mais... o que... – dizia também me colocando de pé, sendo então segurada por outro dos homens de Moriarty. Meus olhos queimavam da mesma forma que haviam queimado quando Holmes caiu daquele penhasco dois anos antes. Compreendia perfeitamente o que ele pretendia fazer... – Não! Pelo amor de Deus, professor! Ele é só um garotinho... Puna a mim! Foi o meu marido que atentou contra você, afinal de contas! Deixe-o em paz!

─ Senhora Holmes... – chorou Ozzie, com a arma apontada em sua cabeça. O modo como ele me chamou, foi o mesmo que um filho usaria para chamar sua mãe no meio da noite... e então eu comecei a soluçar. Estaria vivenciando uma cena que provavelmente tornaria a se repetir no futuro? Uma arma apontada para a cabeça de meu filho e eu incapaz de fazer qualquer coisa para salvá-lo? Meus olhos dançavam entre Moriarty e Ozzie, enquanto as lágrimas escorriam pelos meus olhos.

─ Por favor, por favor... – repetia tentando me soltar. – Ele é só um menino...

Moriarty tornou a pressionar a ponta da arma contra a cabeça de Ozzie, mas agora seus olhos não mais brilhavam frente a eminência de um assassinato. Ao contrário, toda sua expressão tornara-se anormalmente taciturna. Por fim, ele acabou afastando a arma da cabeça de Ozzie, abaixando-se para ficar da mesma altura que ele.

─ Vá lembrar seu chefe de quem sou eu. – disse jogando Ozzie para frente. Agitado, ele tratou de correr para o lado de fora.

─ Nem mesmo o senhor seria tão cruel. – disse secando os olhos, tendo sido liberada. Moriarty caminhou até a janela, abrindo-a para deixar a brisa entrar.

─ A senhora tem permitido muito que a sua mente se limite pelo que outros escrevem a meu respeito, senhora Holmes. – retrucou ele estalando os dedos com força para o lado de fora. Primeiro silêncio, em seguida o som de um tiro.

Soltei um grito seco e corri para o lado de fora. O corpinho de Ozzie estirado no chão a poucos metros da casa e eu fiz menção de correr para segurá-lo, impedida pelas mãos fortes de Moriarty que me segurava pelos pulsos. “Possa Deus escurdar-me e proteger-me das presas do Pai dos Demônios”.


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Notas finais do capítulo

A frase final foi retirada do livro de Edgar Allan Poe, do conto O Gato Preto.
Concordamos que essa cena comporá um trauma para a senhora Holmes, certo? E que também fique registrado como Anne é uma péssima mentirosa. Quando não tinha nada a esconder de Moriarty, foi capaz de falar de igual para igual com ele. Dessa vez, dificilmente compôs uma frase completa... e a falta da autoconfiança que a presença de Holmes trás a ela... GENTE! ÀS VEZES EU RELEIO O QUE ESCREVO E PENSO EM COMO ELES SÃO FOFOS! *Momento fangirl com meu próprio casal*

Então, é isso! Capítulo maiorzinho para compensar minha ausência causada pelo excesso de coisas que tenho que fazer para a faculdade - leia-se semana de provas - Espero que gostem! Deixem reviews lindas para que eu saiba a opinião de vocês, queridos leitores!! Bjooooos!