Fragmentos de Lembranças escrita por Yume Celestia


Capítulo 26
Assuntos Familiares




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– O que disse? - Perguntei espantado. Ouvi direito, mas as palavras que saíram de sua boca foram tão chocantes, que meu cérebro parecia não captar com clareza. Ela virou seu rosto, e fitou seu olhar ao meu. Seus olhos se enxeram de lágrimas em uma fração de segundos. Ela piscou, fazendo com que as lágrimas que se acumulavam em sua linha d'água escorressem sobre seu rosto pálido.

– Foi três anos atrás. A noite estava assim como essa, gélida, estrelada, mas chovia, chovia muito. Era tarde, e eu não me sentia nada bem. Estava doente, e precisava muito de um remédio, mas precisava de um remédio específico. Esse mesmo tinha acabado, então pedi para que minha mãe fosse compra-lo, mesmo tarde da noite. Ela se recusava a ir senão com meu pai. Depois de insistir, ela conseguiu convence-lo e os dois juntos entraram no carro. A chuva pareceu ter aumentado, e meu pai no volante, não estava muito calmo. Ele dirigia em alta velocidade, mas o que nem eu, nem eles, e nem ninguém imaginava, era que naquela noite, e naquela mesma estrada, havia um outro carro em alta velocidade. A estrada estava escorregadia devido a chuva, e como já se pode imaginar, os pneus perderam o controle quando ambos os motoristas tentaram frear ou até mesmo desviar um do outro. Acabou que um carro se chocou contra o outro, resultando na morte de meus pais, e até mesmo do motorista do outro carro. - Contou ela. Passou a mão em seu rosto, secando as lágrimas que escorriam enquanto ela se recordava de uma lembrança trágica.

– Sinto muito. - Falei abraçando-a.

– Fui eu quem fiz eles saírem aquela noite. Foi minha culpa, eu os matei. Se tivesse me contentado com os remédios que tinham lá aquela noite, talvez hoje eles estivessem entre nós. - Falou afogando-se em lágrimas que de repente, pareciam não ter mais fim.

– Não, não foi culpa. Você não pode se culpar por isso, Anabell. Eles se foram, mas não te deixaram para tristezas. - Sequei a lágrima que escorria de seu rosto. - Por favor, não chore, é difícil te ver assim, mais do que pensa.

Ela respirou fundo, e secou de vez seu rosto com a manga de seu casaco. E o rosto que antes estava melancólico, agora bordava um sorriso angelical. Diferente de mim, que deixava exposta minhas decepções, ela fazia o oposto e guardava para si, e somente para si. Suas tristezas estavam sufocadas atrás daquele seu sorriso maravilhoso.

No fim, tínhamos muito mais coisas em comum do que imaginávamos. Tanto na morte trágica de nossos pais, como na data. Assim como os pais dela, os meus também haviam morrido a quase três anos. A única diferença era que ela se culpava pelo ocorrido, enquanto eu desejava estar no lugar deles. Precisei dela pra enxergar a vida com outros olhos, e acabei notando que ela era meu outro par de olhos.

Um pijama foi deixado sobre sua cama enquanto ela tomava um banho. No andar de baixo, Sebastian preparava seu chá favorito, enquanto eu acariciava os pelos negros de Shadow e ao mesmo tempo observava o mordomo tão misterioso quanto sua patroa.

– Sebastian, você conhece esse tal de Richard Alouise? - Perguntei enquanto ele permanecia concentrado em pingar gotas de mel na xícara.

– Porque a pergunta?

– Tem algo nessa história que eu ainda não entendi. Se Richard era como um médico da família, e tentou salvar os pais de Anabell, porque ela o odeia tanto?

– Richard é bastante talentoso quanto a medicina, mas é egocêntrico. Nunca ligou de verdade para seus pacientes, o que lhe interessava mesmo era o dinheiro que eles podiam oferecer. - Falou enquanto colocava uma folha de hortelã no chá quase pronto.

– Ele me disse uma coisa que não consigo parar de pensar. Falou que ele sabia de algo que ninguém mais sabia. - Encarava o vazio enquanto me recordava de suas palavras.

– Esse era um outro defeito dele. Ele se aproveitou da morte de Andrew e Elizabeth para ganhar fama. Disse a mesma coisa para a imprensa e virou notícia por toda uma semana, mas no final, não tinha nada a dizer. - Sebastian revelou.

– Talvez por esse motivo Anabell o odeie tanto.

– É, talvez. - Sebastian disse seco. Me serviu uma das xícaras, e colocou a outra em uma bandeja prateada.

– Deixa que eu levo para ela. - Falei pegando a bandeja das mãos de Sebastian.

Ele aceitou sem questionar. A bandeja era mais pesada do que aparentava ser, e equilibrar duas xícaras de porcelana em cima só dificultava. Eu pensava duas vezes antes de fazer qualquer movimento, com medo de acabar derrubando tudo. A cada degrau que eu conseguia subir sem que a bandeja escapasse de minhas mãos, era um momento de alivio. Ou eu era muito fraco, ou aquela bandeja era realmente muito pesada.

Quando finalmente consegui chegar ao quarto de Anabell, ela tinha adormecido. Estava deitada toda torta, como quem simplesmente se jogou na cama e ficou por isso mesmo. Coloquei a bandeja em um lugar firme, e procurei por algo para cobri-la. Encontrei dentre vários, um cobertor azul, tão macio quanto os cabelos dela. A cobri com toda a gentileza presente em mim, ainda preocupado em acorda-la. Apesar de cansada, ela dormia feito um anjo.

O vento forte fazia com que as cortinas da imensa cortina branca voassem. Me aproximei da porta que permitia a entrada do vento, para que assim pudesse fecha-la. De lá, uma pequena varanda onde proporcionava uma bela vista para o céu e as luzes do restante da cidade. Me aproximei do muro que impedia a possível queda de qualquer um, e de lá avistei um homem frente a casa de Anabell, aquele porém eu já sabia quem era.

Antes de abandonar aquele quarto, trancafiei a porta da varanda, apaguei as luzes, e fechei a porta do quarto, deixando apenas uma brecha. Desci as escadas com pressa, tropeçando até mesmo em meus próprios pés. Nem me veio a cabeça avisar Sebastian que eu já estava de saída, ou até mesmo que Anabell havia adormecido sem nem ao menos tomar o chá que ele preparou. Deixei aquela casa rapidamente, a fim de esclarecer toda aquela confusão.

Como imaginei, era Richard o homem frente a casa. Ele apoiava seu peso em seu carro de cor cinza, como quem esperava por alguém.

– Resolveu escutar o fim da história? - Ele perguntou debochado.

– Ela já me contou toda história, de começo, meio e fim.

– Ah, é? E o que ela te disse? - Tornou a perguntar.

– Que os pais saíram a pedido dela em uma noite chuvosa, e acabaram batendo em um outro carro em alta velocidade. - Comentei.

– Foi isso que ela te disse? - Ele riu histericamente. - Garota esperta. Nunca subestime-a, Eric. Esse é meu conselho.

– O que quer dizer com isso? - Perguntei confuso.

– O que entender.

– O que quer com ela?

– Isso é assunto meu e dela, não deveria se intrometer.

– Foi você quem me envolveu, se não fosse seus bilhetes eu nem sequer saberia da sua existência. Arque com a consequências.

– É tem razão. - Ele concordou. - É um acordo que nos une, não importa o quanto tentamos se distanciar, nesse caso, o quanto ela tente escapar. Sabe, Eric, não me contento com pouco, não sou de confiança, e ela sabe disso, mas não ligo. Não vou sossegar enquanto não conseguir o que quero.

– Acordo? Então era mesmo você o homem no hospital?

– Hospital? Do que está falando?

– Era você quem discutia com Anabell no hospital, eu ouvi, vocês falavam de um acordo.

– Discutimos apenas por telefonemas, não fui a nenhum hospital. - Falou com convicção.

– Se não era você, quem era?

– Não tenho porque mentir quanto à isso, Eric. Não sei e nem imagino quem seria, da Anabell espero de tudo e um pouco mais, você deveria fazer o mesmo. Acho que isso era tudo que tínhamos pra conversar, certo?

– Certo. - Concordei. Dei as costas e o deixei por lá. Eu sabia que aquela casa tinha segurança o suficiente, e que invadir ele não iria.

Ele mesmo disse que não era de confiança, Anabell afirmou que ele não era de confiança, mas as coisas que ele dizia eram suficientes para me deixar confuso. De que acordo ele falava? E se não era ele o homem no hospital, quem era? E o mais importante, qual era o acordo entre Anabell e esse homem?

–-x--

Eric passou a noite em claro pensando e repensando em possíveis acordos entre sua namorada e homens dos quias ele nem imaginaria quem poderiam ser. Ganhou um par de olheiras roxas, e cansaço pela manhã. Teve várias conclusões, a mais concreta dentre todas, foi de que tudo que Richard disse não passava de mentiras.

Naquela manhã, de tão cansado, ele acabou por inventar uma desculpa para não ter que ir ao colégio. Deitou sua cabeça sobre um travesseiro, e adormeceu num sono profundo.

Anabell, com sede de aprender, e de concluir de vez seus estudos, acordou junto do sol. Tirou suas vestes, e correu até o banheiro. Prendeu seu longo cabelo ruivo em um coque frouxo no topo de sua cabeça, e deixou que aguá quente escorresse sobre seu corpo.

Encontrou o uniforme dobrado e passado sobre sua cama. Secou seu corpo, e vestiu o uniforme logo em seguida. Calçou um par de sapatilhas qualquer, e soltou o coque frouxo que fizera antes.

No andar de baixo, Sebastian preparava seus típicos chás, tortas e bolos. Preparou a mesa com diversas de suas culinárias. Esperava por Anabell, como todas as outras manhãs. Ela por sua vez, não se surpreendia com a quantidade de coisas que esperavam por ela naquela imensa mesa de mármore. Sabia da capacidade de seu mordomo, e de seu talento para culinária entre outras deveras coisas.

– Bom dia. - Desejou Sebastian.

– Bom dia. - Ela retribuiu.

– Dormiu bem, senhorita? - Ele perguntou gentil.

– Como um anjo. - Ela respondeu também afável.

– Algum sinal de Richard? Descobriu aonde ele está se hospedando? - Perguntou enquanto devorava uma das várias fatias de bolos servidas.

– Em um hotel não muito distante. Se a senhorita desejar, posso leva-la até lá. - Sebastian sugeriu.

– Seria ótimo, Sebastian. Vou colocar de vez um ponto final nisso tudo. - Ela revelou. - Sente-se e sirva-se também. - Ela pediu. - Você merece, afinal de contas, preparou isso tudo sozinho. - Ele assentiu sentando-se na mesa junto de Anabell. Conversavam esquecendo a relação entre mordomo e ama.

–-x--

Eric acordou no auge da tarde. Caroline e Luíza desfrutavam de um café na cozinha. Conversavam sobre possíveis nomes para o bebê que Caroline esperava. Eric desceu as escadas com seus olhos ainda inchados devidos as horas de sono, desatento aos objetos que poderia encontrar enquanto caminhava.

– Bom dia. - Ele desejou atravessando a porta da cozinha.

– Boa tarde. - As duas corrigiram juntas.

– Está melhor, querido? - Luíza perguntou.

– Melhor? Melhor de que?

– Da enxaqueca. Disse que estava se sentindo mal pela manhã, por isso não foi ao colégio, não lembra?

– Ah sim, a enxaqueca. Estou melhor sim. - Mentiu ele.

– Que bom, querido.

– Então, do que falavam? - Eric perguntou curioso, sentando-se à mesa.

– De nomes para o bebê. - Luíza revelou contente.

– Ah, de nomes para o bebê, é? - Eric falou encarando Caroline. - Será que posso falar com você um instante? - Pediu à prima.

Caroline levantou-se da cadeira, e aproximou-se de Eric que levou-a até a sala, longe de Luíza.

– Ainda não contou pra ela? - Eric sussurrou.

– Sobre a gravidez, contei sim. - Ela respondeu irônica.

– Haha, engraçadinha. Não vai contar que pretende dar o bebê para um adoção?

– Enlouqueceu? Ela está curtindo a ideia de que será vovó. Não posso tirar esse pedaço de alegria dela.

– Então vai ficar com a criança?

– Não. - Ela respondeu seca.

– Caroline, quanto mais cedo você contar à ela, menos ela vai sofrer. Já pensou, ela sustenta essa ideia por meses, pra quando o bebê nascer, você finalmente decidir contar que ele vai ser deixado em um orfanato?

– Tá legal, senhor certinho. Conto pra ela depois. - Caroline prometeu.

– Assim espero, Caroline. Assim espero.

–-x--

A lua de meia-noite deixava um certo brilho no céu tão negro. Aquela noite porém, tão escura que nem mesmo as estrelas à iluminavam. Eric por algum motivo, sentiu que sua namorada estaria em perigo, e por intuição, correu até a casa de sua amada. Se surpreendeu ao ver a menina dos cabelos de cobre sendo puxada violentamente pelos pulsos, e empurrada contra sua vontade para dentro de um carro.

Tentou impedir, mas foi tarde de mais. O carro logo entrou em movimento, deixando as marcas de seus pneus no asfalto. Se desesperou. Sua namorada fora sequestrada perante seus olhos, e ele não conseguiu fazer nada que pudesse interceptar aquele ato incompreensível.

Do lado de dentro do carro, Anabell permanecia sentada transmitindo seu ódio apenas com o olhar. Ao seu lado, um homem de cabelos castanhos, e alguns fios grisalhos.

– É assim que pretende resolver as coisas? Me sequestrando? - Ela perguntou irônica.

– Não estou te sequestrando. Quero me livrar de você tanto quanto você de mim.

– Então saía da cidade. É simples.

O homem se estressou com o deboche da garota, enquanto a mesma caçoava. A puxou novamente pelo pulso, ameaçando-a.

– Se você não der o que quero, vou destruir essa vidinha perfeita que você construiu nessa cidade ridícula e conto toda a verdade pro seu namoradinho. - Gritou enquanto a segurava forte pelos pulsos, aproximando-a dele.

– Como quase fez ontem? - Falou furiosa soltando seus pulsos. - Eu te destruo antes que destrua qualquer outra coisa. - Ameaçou também.

– Olha só a Anabell que eu gosto e que ninguém conhece. - Ele riu alegre. De fato, adorava quando ela se mostrava ameaçadora. - Acha mesmo que tudo é perfeito? Que tudo vai dar certo e que você vai escapar dessa? Um dia todos vão descobrir aquilo que você tanto esconde, e esse dia não está longe.

– Não foi esse nosso trato, se me lembro bem, você dizia ser um homem de palavra. - Recordou.

– É, eu menti, e você não pode me julgar, faz isso tão bem quanto eu. Estou avisando, ou você me da o que quero, ou conto toda a verdade pro seu namorado magrelo, e até mesmo pra polícia. Quem sabe você não acaba em um bom hospital psiquiátrico, onde já deveria estar. E caso tente fazer algo contra, eu juro que vou destruir seu paraíso, Anabell.

– Sabe que se eu me der mal nessa história você também vai, certo? Ou esqueceu do que fez em troca de dinheiro, Richard? Falou rindo psicoticamente. - O máximo que pode fazer contra mim e inventar um mentira da qual ninguém acreditaria, seria uma falsa acusação, injúria..

– Você só se esqueceu de um simples detalhe, Anabell, eu tenho provas. É você quem decide, pode fazer do jeito fácil, ou melhor dizendo, do meu jeito, ou pode tomar o caminho difícil, onde sua máscara cai. A escolha é toda sua, meu doce. - Declarou vitorioso.


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Notas finais do capítulo

Finalmente vocês irão descobrir um pouco mais sobre esse trágico e infortúnio passado de Anabell, não é mesmo? Espero que tenham gostado, e espero vê-los no próximo capítulo, que aliás, está carregado de emoções.
Até breve!
xoxo, YC



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