Realidade Imaginária escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 40
Benvenuti a Roma!


Notas iniciais do capítulo

Darling estou de volta com mais um cap fresquinho!
Então que a missão se inicie!
Buon divertimento!



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Eu sempre me considerei uma garota bastante corajosa.

Mesmo antes de saber que era semideusa quase nada me causava verdadeiro pavor. Baratas? Elas podem até suportar uma bomba atômica, mas uma boa sapatada acaba com elas em um segundo! Aranhas? Acho que eu sempre tive meio que uma admiração por elas, que Annie não me escute dizendo isto. A forma como constroem suas teias sempre bem estruturadas e que parecem tão frágeis, mas servem de armadilhas perfeitas, belas e mortais. Cobras? Eu brinquei com uma quando eu e mamãe viajamos para a Índia! Resumindo, quase nada me assustava de verdade. Quase nada. Meu ponto fraco, meu calcanhar de Aquiles, eram as criaturas mais asquerosas, perigosas, nojentas e completamente apavorantes que existiam: Escorpiões! Esses bichos pareciam transpirar maldade e eram armas biológicas completas. Pinças afiadas na frente e ferrão mortal atrás. Até mesmo o menor da espécie me fazia gritar e correr feito uma garotinha. Mas depois que entrei no acampamento tinha certeza de que todo esse pavor havia sumido, até porque lutar contra Nico, Leo e Jason possuídos; Chris em toda a sua fúria e um crocodilo gigante duas vezes parecia ser bem mais apavorante do que escorpiões. Em minha mente eu estava livre desse medo.

Até aquele momento na floresta. Eu estava completamente enganada e percebi isso nos poucos segundos que levei para paralisar em frente a criatura que surgiu por entre as árvores. No momento que as pinças gigantescas abriram caminho pelas folhas verdes senti meu sangue gelar e o coração disparar. Me senti uma garotinha novamente e, em comparação ao tamanho daquela coisa, eu parecia mesmo uma garotinha. Mal pude piscar e a criatura saiu do meio das árvores com rapidez e se pôs a minha frente com toda a sua asquerosidade e horripilância. Eu estava seriamente pensando em me beliscar, quem sabe aquilo não era apenas uma grande e tenebroso pesadelo com um escorpião de três metros de altura que adoraria me devorar? Parecia o tipo de pesadelo que eu teria!

— Tudo bem, eu vou acordar a qualquer momento... - Engoli em seco e sussurrei para mim, mesmo tendo uma clara certeza de que tudo ali era bem real. Eu me sentia uma Annabeth na frente de aranhas, perplexa e sem reação. Minha espada parecia frouxa em minha mão e eu apertei os dedos contra ela, o único movimento que consegui fazer sem tremer tanto.

Senti os olhos de Arthur sobre mim, mas não encarei de volta. Minha atenção estava completamente no escorpião gigante a minha frente que abria e fechava as garras com ruídos estrondosos enquanto sua cauda respingava veneno marrom sem parar. Seria muito ruim ou humilhante se eu corresse em pânico naquele momento?

— Por favor, não me diga que tem medo de escorpião! - Arthur debochou ao meu lado, atento tanto aos meus movimentos quanto aos do escorpião o que me fez abortar o plano de fugir. Eu conseguia sentir a presença de todos os semideuses ao meu redor, todos preparados e prontos para lutar. O escorpião parecia do mesmo jeito, como se esperasse que um dos semideuses fizesse o primeiro movimento para a batalha. Receosa, tirei os olhos da criatura por segundos e encarei Arthur com os dentes travados e o suor escorrendo por minha testa. A expressão debochada do garoto deu lugar à preocupação quando ele viu meu rosto branco e assutado, percebendo o quanto meu pavor era real. De relance percebi uma expressão de surpresa em seu rosto, como se houvesse lembrado de algo, mas ele espantou o pensamento e respirou fundo com um olhar solidário para mim. - Oh, droga, você tem pavor de escorpião...

— É, acho que você acertou em cheio... - Suspirei e observei a criatura novamente tentando chamar a garota corajosa que havia em mim e estava escondida em algum lugar. Mas não fui rápida o bastante. Meus olhos se ergueram no exato momento em que uma das pinças mortais do monstro desceu em minha direção em alta velocidade.

— Duda! - Ouvi alguém as minhas costas gritar e senti mãos circundarem minha cintura e me puxarem para longe da garra rapidamente.

Senti o vento da pinça quando esta encontrou o chão onde antes eu estava e o escorpião soltou um guincho de raiva, mas eu já estava longe do lugar para ser o alvo de sua fúria novamente. O chão chegou rápido demais, grama entrou na minha boca enquanto uma dor aguda se espalhou por meu braço quando meu corpo caiu sobre este. As estrelas em minha visão se transformaram em olhos castanhos preocupados e logo todo o rosto de Leo apareceu claramente diante de mim. Lancei-lhe um sorriso débil e ele suspirou me ajudando a levantar do chão.

— Você está bem? - Leo perguntou e acenei afirmativamente enquanto ele tirava uma folha do meu cabelo. Ele segurou meus ombros com as sobrancelhas erguidas. - O que houve? Onde você estava com a cabeça para não sair da frente daquela garra? Você teria morrido seu eu não tivesse te empurrado dali!

— Eu... não sei. - Respondi derrotada enquanto batia a areia da minha roupa e ignorava a dor em meu braço. - Mas estou bem. Foi apenas um descuido.

— Duda, você está em campo! - Leo olhou em meus olhos seriamente, algo atípico para o filho de Hefesto, e tirou um grande martelo de bronze celestial de seu cinto de utilidades. - Um descuido pode ser fatal!

Concordei envergonhada e ele assentiu como se tivesse cumprido sua missão comigo. Quando ergui os olhos ele já corria para a batalha rodando o martelo entre os dedos como uma verdadeiro Thor. Respirei fundo e cerrei os punhos, tinha de superar aquele medo idiota. Eu era uma semideusa treinada e uma Língua Encantada poderosa, tinha de mostrar que era capaz de estar em campo junto com os outros e não seria um escorpião que tiraria isso de mim, mesmo sendo o maior e mais perverso que eu já vira! Balancei a cabeça e expirei lentamente enquanto apanhava minha espada caída no chão a poucos metros de mim. Senti-a quente contra meus dedos como se clamasse pela luta e sorri, sentindo a força que a arma me transmitia, a força de meu pai. Ergui os olhos determinada e corri para a batalha no exato momento em que Leo saltava sobre a criatura gritando como um guerreiro. Seu martelo chocou-se contra uma das pinças da criatura e tive a certeza de que aquela pinça já era. Mas qual não foi minha surpresa ao ver a garra intacta e inteira depois do forte impacto. Leo pulou para trás perplexo quando a mesma pinça que deveria estar destruída caiu sobre ele e por pouco não o esmagou. Travei no lugar, a metros da batalha que se desenrolava, e encarei as tentativas dos semideuses de acabar com o escorpião. Annabeth e Piper trabalhavam com suas adagas nas laterais do bicho e Jason lutava contra a outra pinça. Nico permanecia perto do rabo que pingava veneno e o golpeava com desenvoltura enquanto Percy pulou sobre o corpo do bicho e o atacava com sua Contracorrente. Mas todas as tentativas eram falhas. Nenhum dos ataques trazia danos ao monstro que apenas se remexia desconfortável e atacava os semideuses com ferocidade. Meus amigos pareciam formigas incomodando um elefante. Cerrei os dedos contra minha espada e voltei a correr para a luta, o medo sendo substituído pela raiva.

— Mais um da coleção 'Monstros Indestrutíveis”? - Perguntei sarcasticamente a Leo quando parei ao seu lado com a espada pronta para o ataque. Ele me olhou de lado com seu sorriso maroto enquanto martelava a pinça e se defendia dela ao mesmo tempo. Jason estava a minha direita lutando bravamente contra a sua garra. Sua espada de ouro reluzia contra o exoesqueleto marrom do escorpião e ele desviava facilmente dos ataques do bicho, mas eu sabia que aquilo não duraria para sempre, não quando o escorpião não podia ser machucado de forma alguma. Eu estava posicionada entre as pinças mortais, os olhos vermelhos do bicho estavam a centímetro de mim e pareciam dividir a atenção entre Leo e Jason enquanto o resto de seus sentidos focava nos semideuses espalhados pelo seu corpo. Aproveitei a distração e ataquei abaixo de seus olhos com a máxima força que possuía. Senti minha espada atravessar o exoesqueleto e entrar na carne da criatura o que fez meu estômago embrulhar. Puxei a arma rapidamente vendo uma gosma amarela escorrer pelo ferimento. Quase pulei de felicidade, esperando o escorpião cair morto, até ver o ferimento se fechando e a criatura fixar os olhos vermelhos em mim e soltar um guincho como se finalmente achasse o que procurava: Eu. Desviei com uma cambalhota da pinça que veio em minha direção e suspirei frustrada. - Melhor dizendo, esse entra pra lista “Monstros Indestrutíveis Caçadores de Duda”!

Pulei para o lado quando a cauda do escorpião passou por sua cabeça como uma bala e fincou-se no chão onde eu estava. Aproveitei e finquei a espada em seu ferrão, ele guinchou de raiva e arrancou o ferrão do chão, este sem sofrer nenhum arranhão com meu ataque. Irritada, me afastei em direção a uma das árvores da clareira tentando bolar um plano enquanto meus amigos voltavam a atacar a criatura com ferocidade. Suor encharcava minha camiseta e senti alguns cachos grudarem em minha testa, mas meus pensamentos giravam em torno de algo que pudesse derrotar aquele monstro. Minha cabeça estava a mil, mas tudo sumiu em um segundo quando senti algo duro bater contra minhas costas e me lançar pelo ar em direção a árvore. Sem conseguir diminuir a velocidade, meu corpo se chocou contra o tronco e a dor que se alastrou instantaneamente foi inenarrável. O ar saiu de meus pulmões e em um piscar de olhos me vi sentada contra a árvore com o corpo mole e dolorido. Minha cabeça rodava como nunca antes e eu tentei me erguer mesmo que minhas pernas bambas pedissem por um descanso. Sabia que um mortal teria entrado em coma ou morrido com aquele ataque e agradeci aos deuses pela minha resistência de semideusa me deixar apenas dolorida e zonza. Pisquei freneticamente me apoiando na árvore enquanto subia lentamente, mesmo com os poderes de semideusa eu precisaria de ao menos alguns minutos para me recuperar. Mas minutos era o que eu não tinha. Quando ergui os olhos vi o escorpião se torcer como um gato de repente fazendo os semideuses ao seu redor serem jogados para todos os lados. Seus olhos vermelhos se fixaram em mim e sua pinça que me lançara contra a árvore abria e fechava com expectativa. Ele se aproximou rapidamente e eu ergui minha espada com as mãos tremendo, não mais de medo, mas pela dor que ainda latejava em meus membros. Mais uma vez eu estava ali enfrentando uma quase morte contra o meu maior pesadelo. Sentia as forças voltarem a correr por meu corpo aos poucos, mas ainda não era capaz de sair de onde estava. Me posicionei o melhor que pude enquanto o escorpião chegava mais perto. Ainda vi os semideuses caídos olharem em minha direção com pavor quando a criatura desceu sua pinça contra mim. Bravamente ergui minha espada pronta para tentar uma última defesa.

Mas um vulto pulou em minha frente e com movimentos ágeis cortou a pinça do escorpião com destreza. O guincho da criatura não poderia ter sido mais alto. Perplexa vi a garra rolar pelo chão e parar aos meus pés enquanto sangue amarelo e gosmento saía da pata do escorpião. O bicho se afastou com grunhidos irritados encarando o vulto que me salvara. Depois do choque pude observar quem estava a minha frente como um escudo. O garoto respirava com dificualde e seus cabelos castanhos e ondulados grudavam no pescoço, quando se virou em minha direção seus olhos azuis perderam a fúria e se tornaram limpidamente aliviados. Rapidamente ele me abraçou e eu sorri conseguindo respirar fundo pela primeira vez. Arthur se afastou de mim e sorriu com admiração.

— Minha santa Ísis, garota você é de ferro! - Ele passou a mão pelo cabelo enquanto a outra segurava sua espada curva que agora estava manchada de gosma amarela.

— Como... Como você fez isso? - Apontei para a pinça caída aos meus pés e dei um passo para o lado enquanto Arthur limpava a espada no tronco da árvore. - Como conseguiu cortar a garra do escorpião se as nossas armas não fazem nem cócegas nesse bicho?

— Digamos que ele é um velho conhecido. - O garoto deu de ombros como se isso não fosse nada demais e eu o encarei abismada. - Vocês provavelmente nunca o viram na vida, mas nós sabemos lidar bem com essa raça.

— “Nós”? - Perguntei e corri ao lado dele de volta a luta. Os semideuses já haviam se recuperado e ao ver o feito de Arthur renovaram as esperanças. No fim aquela coisa não era indestrutível, mas parecia temer apenas à arma de Arthur o que me deixou ainda mais curiosa. O garoto ao meu lado piscou com um sorriso maroto.

— Nós. Eu e meu povo.

E ele encerrou a conversa ao pular sobre o escorpião e cravar sua espada curva nas costas do bicho que guinchou e o sacudiu para longe. Arthur caiu para o lado, com as mãos na cabeça, mas logo se recuperou. Parei ao lado da criatura sentindo minhas forças voltarem completamente e percebi que Percy lutava ao meu lado. Seus olhos encontraram os meus com uma pergunta óbvia: “Você está bem?”. Assenti com um sorriso tentando despreocupá-lo e ele retribuiu o sorriso, atacando novamente o escorpião. Alguns minutos de luta se passaram e mesmo com as investidas de Arthur o monstro ainda parecia inteiro e preparado para lutar. Estava claro que seu alvo era eu já que sempre que podia se voltava para mim com o ferrão pronto para o bote. Não podíamos perder mais tempo e eu lembrei de como o crocodilo gigante havia sido derrotado. Por sorte eu levara um livro para a missão, precisava apenas ler alguma parte que fizesse o escorpião ser destruído e voilá! Mas eu teria tempo? Olhei ao redor, os semideuses ainda lutavam mesmo que parecessem mais cansado e Arthur ainda conseguia causar danos à criatura, girando em torno dela e acertando todas as parte que conseguia mesmo que sua precisão não fosse tão boa quanto a de Nico ou Percy. Aquilo tinha de ser distração o bastante. Me afastei mais uma vez da luta, desta vez com um plano certo em mente. Corri poucos metros em direção a antiga árvore que quase me matara e pousei a mochila no chão. Abri o zíper da mochila rapidamente, já pensando nas partes do livro e imaginando qual se encaixaria para o problema com o escorpião.

Mas o tempo não foi suficiente.

— SWAN!

Antes que pudesse procurar o livro dentro da mochila ouvi a voz apavorada de Nico gritar meu nome e senti o chão tremer sobre os meus pés mostrando que a criatura se aproximava de mim com rapidez. Olhei para o lado e pude ver Arthur caído a alguns metros de mim, seu olhos me encarando tão perplexos como se vissem um fantasma. Voltei os olhos para a mochila, mas o tempo se esgotara. Fechei o zíper com um suspiro e segurei minha espada ainda agachada próxima ao chão. As passada grotescas do monstro se aproximavam cada vez mais as minhas costas e eu apenas repassei em minha mente um dos treinos que tive com Nico.

— Saltar para trás e cravar a espada. Simples, você fez isso nos treinos mesmo que não fosse com um boneco de três metros de altura e que pode ter matar se der uma passo em falso. - Joguei os pensamentos mórbidos para o fundo da mente. Aquilo tinha de funcionar, era minha última chance. Olhei para minha espada que reluzia e sussurrei como uma prece a ela. - Por favor, só desta vez, cause algum dano mortal nesse escorpião super desenvolvido!

Minha espada brilhou ainda mais e na minha outra mão o anel de íbis cintilou como uma estrela. Senti a aproximação do escorpião cada vez mais palpável enquanto ouvia ao longe o som de vozes gritando meu nome. Quando ouvi a pinça do monstro fechar a centímetros de mim eu saltei para trás e rodopiei no ar. Tudo pareceu em câmera lenta e vi meu corpo sair do chão como se voasse. Um metro, dois metros, três metros, quatro metros. O vento batia contra mim como uma carícia e firmei a espada na mão quando me vi descendo sobre o escorpião. Ele parecia desorientado e não percebeu que agora eu estava por cima. A gravidade fez seu trabalho e me puxou de volta ao chão e eu mergulhei com a espada afiada a frente do corpo. O vento forte fazia meu cabelo rodopiar feito louco, mas me espremi como uma flecha buscando ganhar mais velocidade. O escorpião finalmente me viu e tentou erguer sua pinça restante para me capturar no ar, mas era tarde demais para ele. Em menos de um segundo senti minha espada se cravar entre seus olhos e, diferente da última vez, ele pareceu sentir uma dor intensa pois gritou alto e passou a se remexer incessantemente. Meu corpo caiu sobre as suas costas com um baque que me tirou o ar e eu me segurei ainda mais no cabo da espada, a única parte dela que ainda era vista para fora do corpo da criatura. Desnorteado o monstro ergueu o corpo na tentativa de me expulsar, mas ele apenas piorou sua situação. Com um sorriso vitorioso apertei o punho da espada e puxei fazendo a espada ainda cravada no escorpião escorregar por suas costas. Meu corpo descia em alta velocidade pelas costas do bicho assim como minha espada que partia-o no meio pouco a pouco. Ergui o rosto e quase vomitei ao ver a gosma amarela misturada às entranhas pularem para fora da criatura enquanto eu escorregava em direção ao rabo dele. Mesmo gravemente ferido a coisa ainda lutava e como não tinha mais corpo para isso mexia a cauda loucamente com o ferrão pronto para cravar em alguém. Quando cheguei ao fim do corpo do monstro não perdi tempo e saltei para o chão fazendo minha espada encharcada de gosma cair precisamente sobre a junção da cauda com o resto do corpo e pude ouvir a carne ser rasgada de um extremo a outro. Nunca me senti tão aliviada com um grito de morte quanto naquele momento. Quando minhas pernas pousaram no chão senti o baque do rabo cair a minha frente. Ele ainda se mexeu por algum tempo, mas logo ficou imobilizado e, como num passe de mágica, se transformou em areia. Olhei para o corpo do escorpião que agora estava dividido em dois e caído sobre a grama. Assim como o rabo vi o monte de carne e gosma se transformar em areia e ser levada pelo vento que corria pela floresta. E tudo silenciou, não havia mais nenhum vestígio que houvera uma tremenda batalha naquela clareira. A grama verde estava intacta e até mesmo a gosma que cobria meu corpo a segundos atrás havia se tornado areia e caído de meu corpo. Minha respiração profunda era a única coisa que eu conseguia focar no momento além de olhar abismada para a espada em minha mão que ainda parecia brilhar contra o sol. Alívio e surpresa lutavam em meu corpo. Como eu fizera aquilo? Como se um peso caísse sobre minhas costas, cambaleei para frente sentindo minhas pernas falharem, mas logo fui aparada por braços quentes que rodearam meu corpo em um abraço tranquilo. Mesmo sem olhar para cima sabia que era Percy quem me segurava protetoramente e ouvir sua voz foi como uma certeza de que tudo havia acabado.

— Duda, você está bem? - Ele ergueu meu rosto procurando vestígios de machucado, mas eu sorri debilmente e suspirei.

— Estou, só um pouco tonta. - Passei as mãos pelos cabelos e retribui o abraço de Percy. - Só preciso de alguns minutos para me recuperar cem por cento!

Ele me olhou com a sobrancelha erguida e eu baguncei seu cabelo tentando mostrar que não precisava se preocupar. Aproximei a espada da minha pulseira e logo o tridente minúsculo estava novamente em minhas mãos. Prendi-o na pulseira enquanto via um círculo de semideuses se formar ao meu redor. Todos me olhavam surpresos e pareciam querer falar ao mesmo tempo, mas foi Annie que deu voz as perguntas.

— O que acabou de acontecer aqui?

— Hã, nós derrotamos um escorpião gigante...? - Respondi em dúvida e com os ombros encolhidos o que fez Annie cruzar os braços.

— Duda, você sabe muito bem do que estou falando. E, no caso, você derrotou um escorpião gigante. - Ela ergueu os braços exasperada e com os cabelos assanhados. - Como, em nome de Atena, você fez isso? Aliás, o que era aquela coisa? Aquilo não deveria nem existir! Nunca vi nem ouvi falar de um monstro como aquele.

— Eu... não sei como derrotei aquilo. Minha espada também não estava fazendo muito efeito contra ele assim como as armas de vocês. - Suspirei e coloquei as mãos nos bolsos do short. - Então lembrei o que derrotara aquele crocodilo indestrutível no acampamento. Por isso saí da batalha para pegar o livro que trouxe, mas não deu muito tempo.

— Não deu muito tempo? Pequena, você quase morreu! - Percy prendeu os dedos no cabelo me olhando com uma mistura de fúria e alegria, como se eu estar viva ali fosse o maior milagre de sua vida. - Você não sabe o que senti ao ver aquela coisa correr em sua direção e saber que eu não teria tempo de fazer nada! Você deu as costas para a batalha e ficou vulnerável. Duda, estamos em campo agora....

— Um descuido pode ser fatal, eu sei! - Respondi com os braços cruzados. - Mas era nossa última chance e quando percebi que não teria tempo de pegar o livro eu sabia o que teria de fazer, mas precisava que ele chegasse bem perto. Desculpe ter te preocupado, mas fiz o que tinha de ser feito para acabar com aquele monstro. Você tem que entender que eu sempre vou fazer isso, mesmo que me arrisque no processo.

Ergui o rosto decidida e encarei cada um na roda. Muitos me encarava com admiração, mas Nico pareceu furioso com minhas últimas palavras. Dei de ombros e voltei a encarar Percy quando este suspirou derrotado.

— Eu sei. - Ele me olhou com seu sorriso de lado. - Estou mais uma vez dividido entre ficar furioso por sua irresponsabilidade ou orgulhoso por sua coragem. Você foi demais! Que salto foi aquele?

Ri abertamente com a mudança drástica de sentimentos do meu irmão e me vi encarando Nico lembrando da aula que ele me ensinara o golpe que salvou nossas vidas do monstro. Mesmo ainda chateada e triste com o filho de Hades tinha de admitir que, direta ou indiretamente, ele já salvara minha vida várias vezes. Ele retribuiu meu olhar tentando manter a carranca, mas pude ver um mínimo sorriso despontar em seus lábios.

— Bem, eu tive ótimos professores. - Voltei os olhos para Percy e o abracei de lado sentindo a segurança que ele me transmitia com seu toque. Olhei para Annie que me encarava com empatia e alívio por eu estar bem. - E sobre o que era aquela coisa, eu também não faço ideia. Mas Arthur parecia saber como lidar com ele.

— Estranho. Por falar nisso, como nosso hipotético mortal e companheiro de viagem conseguiu ferir aquele escorpião com uma espada saída do nada enquanto nossas armas não fizeram nem cócegas na coisa? - Annie questionou enquanto seus olhos seguiam para algo as minhas costas com curiosidade. - E porque ele está sentando na grama perplexo até agora?

Segui o olhar de Annie que caía sobre Arthur sentando no chão à poucos metros de mim. Sua espada não parecia estar mais em lugar algum e logo me lembrei da suposta outra dimensão. Se bem que depois daquele escorpião, eu poderia acreditar em quase tudo! Corri em sua direção e me ajoelhei ao seu lado, seu olhos azuis estavam arregalados e ele mexia a boca como se quisesse dizer algo, mas as palavras não saíam. Toquei seus cabelos calmamente e o encarei preocupada.

— Arthur, você tá legal?

— Seu nome... seu nome é Swan? Eduarda Swan? - Foi a única coisa que disse olhando profundamente em meus olhos como se lesse minha alma. Seus braços pendiam ao lado do corpo e sua respiração parecia acelerada.

— Você falando assim eu me sinto uma verdadeira agente secreta, tipo: Eu sou Bond, James Bond!” - Tentei amenizar o clima que pareceu pesado de repente, mas meu sorriso não mudou em nada as feições do garoto que continuava a me encarar intensamente o que me deixou desconfortável. Suspirei e passei a falar tão sério quanto ele. - Sim, meu nome é Eduarda Swan. Mas depois de tudo o que aconteceu é isso que te deixa mais surpreso?

Ele pareceu arregalar ainda mais os olhos azuis, se é que isso era possível, e pousou as mãos na cabeça bagunçando os cabelos ainda mais.

— Não, não, não... - Ele murmurou e me olhou novamente com uma mistura de horror e preocupação. - Não pode ser.

— O que? O que não pode ser? - Me levantei e ergui uma sobrancelha enquanto o garoto continuava a falar consigo mesmo. - Arthur, você está me assustando. O que aquele monstro fez com você?

Ele parou de murmurar e suspirou profundamente. Pareceu finalizar a conversa consigo mesmo antes de erguer seus olhos em minha direção com cautela e culpa, parecia ter voltado a ser o Arthur que conhecia. Ele ergueu o braço em minha direção e o ajudei a levantar. Como se nada tivesse acontecido ele limpou a sujeira da roupa e segurou meus ombros calmamente.

— O monstro não fez nada comigo. - Ele me encarou com um brilho no olhar e um sorriso resplandescente. - Eu... eu... apenas fiquei preocupado. Estou feliz que você está bem.

— Mas o que? - Como o assunto mudou tão drasticamente? Segurei o braço de Arthur com a sobrancelha erguida. - Não, você pode contar agora mesmo o porque de ter ficado tão...

— Hey, galera! - O grito de Jason me interrompeu bruscamente e pude ouvir o suspiro aliviado do garoto ao meu lado. Olhei-o desafiadora, prometendo que aquele não era o fim da conversa, mas voltei meus olhos para Jason e Piper que surgiram do meio das árvores voltando de algum lugar. O loiro sorriu para o grupo que ainda estava na clareira. - Eu e Piper encontramos a saída. Fica a uns cinco metros. Vamos logo, acho que já tivemos atrasos demais para um dia só!

Todos concordaram e seguiram o casal pelas árvores. Depois de alguns minutos caminhando estava pronta para retornar ao assunto com Arthur quando percebi que ele não estava mais ao meu lado e sim ao lado de Annabeth conversando seriamente com ela. Ele escapara de mim direitinho! Apressei o passo e pude ouvir o garoto respondendo que era uma história muito longa e que Annabeth poderia se preocupar com isso depois da missão. A loira se surpreendeu por Arthur saber sobre a missão e pude vê-la trocar um olhar desconfiado com meu irmão que estava do seu outro lado. Arthur afirmou que ele não era um espião e não estava ali contra nós, mas que não poderia revelar mais do que isso pois seu povo não deixaria. Ouvir isso pareceu deixar Annie ainda mais curiosa. Arthur olhou para trás e ao me ver ele pareceu ansioso. Quando estava prestes a pedir para conversar com ele e Annie prestes a fazer mais perguntas ouvimos o grito de Leo.

— Oh deuses, finalmente a civilização. Não sabe como senti sua falta, asfalto!

Arthur riu, mas pude ver o alívio quando ele suspirou lentamente por ter sido salvo pelo gongo mais uma vez. Bufei irritada quando passei pela última árvore e pousei os pés na estrada. O grupo já se organizava para continuar o caminho e vi o aeroporto a poucos metros da estrada. Percy me entregou minha mochila que eu havia deixado na clareira e agradeci com um sorriso. Quando o silêncio se instalou todos os olhares se voltaram para Arthur que permanecia distante de nós alguns passos.

— Então acho que isso é um adeus. - Ele sorriu com as mãos atrás do corpo. - Obrigado por confiarem em mim e me deixarem viajar com vocês. Serei eternamente grato.

— Mas espere! - Annie ergueu a mão e deu um passo a frente. - Você não pode ir assim, ainda tenho muitas perguntas e sei que você sabe mais do que nos revelou até agora.

— Sim, eu sei. Mas revelei o que era necessário e o que podia revelar. - Ele suspirou cansado e nos encarou com melancolia. - Como já devem ter percebido, não sou um simples mortal que vê através da névoa. Mas revelar quem eu sou ou o que sei sobre o Mestre e aquele escorpião gigante seria quebrar a maior e mais importante regra do meu povo. Vocês são os que mais entendem sobre segredos, não é?

Annie assentiu com um sorriso triste e encarou Arthur com satisfação. Parecia se segurar para não fazer mais perguntas, mas sabia que aquele não era o momento.

— Entendemos perfeitamente. - Ela deu de ombros e estendeu a mão que Arthur apertou. - Mas não pense que desistirei de descobrir tudo sobre você e seu povo. Sou uma pesquisadora no fim das contas.

— Isso nunca passaria por minha cabeça. Aliás, acho até que deixei spoiler demais sobre mim. E, bem, eu contar sobre mim é uma quebra da regra, mas vocês descobrirem por si mesmo, isso é outra história!

Ele sorriu de lado e piscou o que fez Annie rir e assentir determinada. Por fim Percy tomou a frente e também apertou a mão de Arthur.

— Acho que falo por todos ao agradecer por você ter lutado bravamente ao nosso lado contra aquele monstro. - Meu irmão pigarreou e me olhou de lado com um sorriso. - E principalmente por ter salvo a vida da minha irmã. Nunca poderei agradecer o suficiente. Foi um prazer viajar com você.

— Igualmente. - Arthur sorriu e seus olhos se voltaram para mim com admiração o que me fez corar. - E sobre salvar a vida da sua irmã saiba que faria isso mil vezes se fosse necessário.

Percy acenou cortês e me encarou com uma carranca de ciúmes enquanto todos se despediam de Arthur, até mesmo Nico que deu um aceno de cabeça irritado e se voltou na direção do aeroporto. Quando o grupo tomou uma certa distância me voltei para Arthur com um sorriso zombeteiro.

— Então você conseguiu escapar da nossa conversa! - Cruzei os braços e ergui a mão pedindo para Percy esperar quando este gritou meu nome. - Não pense que será para sempre.

— Um dia nos veremos de novo. É algo que sei aqui. - Ele segurou minha mão e levou-a até seu peito onde senti seu coração bater calmamente. Ele me olhou com carinho. - E então tudo será explicado.

— Esperarei ansiosa. - Respondi olhando profundamente em seus olhos. - Nunca imaginei que meu sequestrador se tornaria meu amigo.

— Então agora estou em seu círculo de amizade? - Ele perguntou com uma risada que eu acompanhei.

— Está. - Me aproximei mais dele e o abracei fortemente sentindo seus braços circundarem minha cintura e me erguerem para aprofundar o abraço. - Foi um prazer conhecê-lo, Arthur.

— O prazer foi todo meu, Bajea. - Ele respondeu e eu estranhei o nome pelo qual me chamou, principalmente por saber o que significava. Cisne.

Antes que pudesse falar qualquer coisa Arthur tirou do bolso um pequeno frasco cheio de areia e o abriu jogando a areia para cima. De repente a areia rodopiou cada vez mais rápido formando um furacão ao nosso redor. Eu nunca vira algo assim na vida! Assustada voltei os olhos para Arthur que sorria tranquilamente. Ele segurou meus ombros com firmeza e deixou um beijo em minha testa, desceu os lábios para minha orelha e sussurrou:

Rieayat jayidat min alhalbat, Bajea.

Então senti sua mãos me empurrarem para fora do pequeno furacão e suas palavras ainda rodarem em minha mente. Tropecei em uma pedra no caminho e caí sentada na estrada, mas quando ergui os olhos não havia mais nada a minha frente. Arthur havia sumido junto com seu furacão de areia. Me levantei e batia a poeira de minha roupa até sentir uma mão segurar meu pulso firmemente e Percy me encarar com cuidado.

— Duda, o que houve? - Ele me puxou em direção ao grupo de semideuses que pareciam ansiosos e surpresos. - O que diabos foi aquele tornado no meio da estrada?

— Arthur. Ele fez aquilo. - Respondi e olhei para todos com uma expressão perplexa. Ergui a mão e olhei para meu anel que destacava a íbis no centro e lembrei das últimas palavras de Arthur, palavras em uma língua estranha para mim, mas que seu significado pareceu se montar em minha mente como um quebra cabeça. - E disse para que eu cuidasse bem do anel.... Mas como ele sabia sobre o anel?

— Ok, com certeza esse é o cara mais estranho e enigmático que eu já vi na vida! - Piper finalizou com as mãos na cintura e um olhar cansado. Jason a puxou para perto e concordou com a cabeça olhando para a estrada onde o garoto estava a minutos atrás.

— E põe enigmático nisso! - Annabeth confirmou e colocou a mão sobre o queixo olhando ao redor em busca de alguma pista sobre para onde ele pudesse ter ido, mas nem mesmo resquícios de areia do furacão restou. Ela suspirou derrotada e passou o braço pela cintura de Percy. - Mas agora temos que nos concentrar na missão, ao menos temos mais pistas do que quando saímos do acampamento! Quando voltarmos ficarei encarregada de descobrir tudo sobre Arthur e seu povo misterioso. Não é possível que eu nunca tenha ouvido falar....

E então todos seguiram em direção ao aeroporto enquanto conversavam sobre nossa louca passagem pela floresta e Arthur, meu ex-sequestrador/amigo, que escondia segredos demais. Olhei uma última vez para trás antes de me juntar ao grupo, Percy passou um dos braços por meu ombro enquanto a estrada terminava em uma calçada de pedras e esta levava à entrada do Aeroporto de Long Island. Passamos pelas portas automáticas sentindo o ar condicionado gelar nossos corpos de repente. Táxis se amontoavam na entrada enquanto pessoas iam e viam com malas enormes e conversando alto. Olhei ao redor vendo crianças brincando e pessoas comprando suas passagens ou apenas caminhando calmamente e senti certa inveja daquele mundo tão normal onde ninguém precisava se preocupar com monstros ou missões suicidas. Com um suspiro cansado segui o grupo que agora corria em direção aos guichês fazendo quase todos do aeroporto voltarem os olhares surpresos para nós. Como se já não fosse ruim o bastante estar completamente desgrenhada agora achavam que eu era louca!

— Que beleza! - Murmurei tentando prender os fios de cabelos que se soltaram e limpar o suor que escorria por meu pescoço. O grupo parara perto de alguns bancos enquanto Annie mostrava nossos tickets para a atendente. - Chegar suada e descabelada em Roma era realmente meu plano perfeito!

— Quem sabe os nativos não apreciem uma morena desgrenhada? - Leo respondeu parando ao meu lado e tirando uma folha seca do meu cabelo. - As selvagens são as melhores!

Não consegui segurar a risada e empurrei Leo de lado no momento que Annie voltava ao grupo com as passagens em mãos e um sorriso vitorioso.

— A boa notícia é que nosso voou atrasou o que deu tempo de chegarmos aqui para pegá-lo! - Ela entregou os tickets a cada um e logo puxou Percy em direção as escadas rolantes com pressa. - A má notícia, ele sai em quinze minutos!

Aquele pareceu ser o gatilho para que todos nós saíssemos em disparada. Subimos as escadas e logo foi possível ver a aeronave pela grande janela de vidro. Naquele momento lembrei de minha última viagem de avião, uma lembrança não muito boa. Como disse, poucas são as coisas que me apavoram. Escorpião é uma delas e avião é a outra! Culpo minha parte semideusa por isso. Eu sabia que era um medo irracional até porque acidentes de carro são bem mais frequentes do que de avião. Mas medo não foi feito para ser racional e, olhando para o gigante de metal no qual eu ia entrar, voltei a sentir os efeitos do medo que tinham sido mascarados pela adrenalina que corria por meu corpo depois da batalha. Annabeth e Percy já passavam pelo portão de embarque e logo a moça pediu minha passagem. Minha mão tremia quando entreguei o pequeno papel, ela o analisou e logo me devolveu com um sorriso indicando qual era minha cadeira e desejando uma boa viagem. Tentei devolver o sorriso, mas saiu mais como uma careta. Forcei minhas pernas a passarem pelo portão e segui pelo túnel que ligava o aeroporto à porta do avião. Minha última chance de fugir, pensei, mas logo balancei a cabeça. Respirei fundo, eu precisava me acalmar para que a viagem não terminasse como da última vez. Sinceramente, meu medo de avião deveria ser ínfimo comparado a tudo que iria enfrentar quando pousasse em Roma, mas atravessando as portas metálicas e caminhando pelo apertado corredor entre as poltronas eu só consegui pensar em como aquilo parecia feito para confinar e o quão longe eu ficaria da terra e, até mesmo, da água depois que decolássemos. Pensar nisso pareceu acelerar ainda mais meu coração e eu corri o restante do caminho até minha poltrona que era uma das últimas no avião.

— Ao menos se ele cair de frente terei uns segundos a mais do que quem está lá na frente... - Ponderei e sentei no meu lugar. A poltrona do lado da janela. Com um movimento rápido fechei a pequena abertura, reclinei a cadeira e coloquei o cinto firmemente. Tentei relaxar, mas os pensamentos continuavam a encher minha cabeça. - Tudo bem, tenho que parar com esses pensamentos mórbidos! Percy está logo a frente e mesmo assim já enfrentei um escorpião gigante hoje, esse avião deve ser fichinha. Está na hora de superar mais um medo!

Repetindo as mesmas palavras mentalmente fechei os olhos e respirei fundo conseguindo tranquilizar minha pulsação. Antes que eu caísse no sono senti alguém parar na poltrona ao meu lado. Abri os olhos para conhecer quem seria meu companheiro do lado e qual não foi minha surpresa ao ver o garoto de cabelos negros me encarando exasperado enquanto analisava seu ticket para saber se aquele era mesmo seu lugar.

— Só pode ser brincadeira! - Eu e Nico murmuramos ao mesmo tempo.

Cruzei os braços e encarei a janela fechada enquanto o Filho de Hades caía na poltrona ao meu lado. No fundo minha raiva do que eu havia presenciado no acampamento tinha diminuído bastante. Sim, a droga do meu coração ainda doía ao pensar na cena, mas eu estava disposta a tentar não pensar mais nela tão frequentemente e manter a amizade com Nico até porque era tolice eu ficar chateada com ele só porque ele escolheu ficar com uma garota que não era eu. Friendzone, mas é a vida que segue! O real problema foi que depois do nosso encontro com Arthur na floresta Nico se tornou distante e calado e assim ficou até aquele momento no avião. Olhei de relance para ele que não parecia nada satisfeito em estar ao meu lado pois sua carranca era bem visível. No mesmo momento vi Leo caminhar pelo corredor em direção à última poltrona do avião que era única e ficava logo atrás do assento onde eu estava. No momento que ele sentou soltei o cinto e me ajoelhei sobre minha poltrona olhando para Leo com expectativa.

— Leo, vamos trocar de lugar? - Eu e Nico falamos em unissono. Surpresa, encarei o garoto ao meu lado que também me encarava com os olhos arregalados. Ele estava em pé, voltado para Leo e com a mesma ideia de não compartilhar o assento comigo. Revirei os olhos enquanto Leo tentava segurar a risada nos observando.

— Foi mal galera, mas eu vou continuar na minha amada poltrona solitária por dois pequenos motivos. - Ele levantou dois dedos para nós ilustrando suas palavras com um sorriso maroto nos lábios. - Primeiro, sou super individualista quando se trata de assentos confortáveis em aviões, gosto de ter os dois braços da poltrona só pra mim e foi minha primeira exigência à Annabeth quando ela entregou os tickets. E segundo sou um romântico irreparável e meu maior desejo é ver vocês dois se entendendo e isso não vai acontecer se não sentarem juntos, entendido?

Leo terminou com uma piscada e logo se reclinou na cadeira e fechou os olhos. Eu sentia meu rosto arder em vergonha e quando encarei Nico percebi que seu rosto não estava melhor que o meu. Voltei a sentar na poltrona enquanto Nico reclinou a sua e tirou ou sapatos. Voltamos ao silêncio avassalador interrompido apenas pelos roncos de Leo na poltrona atrás. Mexi impaciente no ar condicionado acima de mim e bufei irritada com toda aquela calmaria, nunca fui uma pessoa muito silenciosa no dia a dia ainda mais quando estava dentro de um avião, falar me ajudava a concentrar em outras coisas e esquecer o medo. Estava pronta para dizer algo para Nico, nem que fosse para irritá-lo, quando ouvi a voz anasalada da aeromoça.

— Senhores passageiros, permaneçam em suas poltronas e coloquem os cintos. Iremos decolar em alguns instantes.....

E ela continuou a dar suas instruções, mas ao ouvir a palavra decolar afivelei o cinto rapidamente e senti minha pulsação voltar a acelerar. Para mim as duas piores coisas em um avião eram a decolagem e a aterrissagem. A sensação de que o avião estava completamente perpendicular à terra e indo direto pro espaço fazia meu estômago revirar só em imaginar. A terceira pior coisa era aquilo que ela citou pouco tempo depois. Turbulência. Voar a mais de quarenta mil pés do chão na tranquilidade já era assustador para mim. Agora imagina voar à quarenta mil pés do chão com o avião tremendo! Enquanto a aeromoça repetia as instruções em francês eu já estava com as unhas enfiadas no braço da poltrona como se minha vida dependesse disso e os olhos voltados para cima como se suplicasse que a máscara de oxigênio caísse naquele momento porque eu já sentia o pânico me dominar. Então a aeromoça se calou após desejar uma boa viagem a todos e logo ouvi as turbinas começarem a funcionar. Meu coração deu um salto no momento que senti a aeronave se mover.

— Duda, logo vai acabar. Coragem... - repeti para mim mesma, mas de nada adiantou.

De relance percebi Nico me observando e eu até tentei mostrar que não era tão medrosa como ele poderia estar pensando, mas quando senti o avião se mover mais rápido pela pista meu orgulho foi pro espaço e eu fechei os olhos sentindo minhas mãos arderem de tanto que apertavam o estofado da poltrona. Eu sentia que faltava pouco para a aeronave sair da terra pela velocidade com que ela aumentava e não sabia como iria reagir quando a gravidade me puxasse de volta para a terra enquanto eu ainda estava sentada na poltrona, aquela era a pior sensação de todas! Entretanto no momento que senti o avião se inclinar para o alto algo quente e macio tocou minha mão. Curiosa abri os olhos minimamente e vi a mão de Nico acariciar meus dedos e logo se entrelaçar neles firmemente. Aquele simples gesto pareceu aquecer todo meu corpo e acabei por focar tanto no calor da mão dele contra a minha que esqueci que estávamos no meio da decolagem com o avião subindo em disparada. Naquele momento eu podia jurar que nem a gravidade era tão forte quanto as batidas do meu coração. Baixei a cabeça e olhei para Nico que continuava com os olhos fechados tranquilamente e o corpo relaxado. Ainda estava olhando para o perfil do garoto ao meu lado, tentando entender porque ele parecia tão bipolar comigo, quando o avião se estabilizou e a aeromoça anunciou que poderíamos tirar os cintos e ligar os celulares. Antes mesmo que ela terminasse de falar Nico puxou bruscamente sua mão da minha como se percorrido por uma corrente elétrica. Encarei-o exasperada, mas Nico continuava de olhos fechados e ainda teve a audácia de me dar as costas o que me deixou vendo em vermelho.

— Porque você está fazendo isso? - Perguntei irada e soltando o cinto de segurança para poder encarar o filho de Hades de frente.

— Fazendo o que? Dormindo? - Ele respondeu ainda de costas e fingindo uma voz de sono.

— Você não está dormindo. - Revirei os olhos e cruzei os braços. Nico se remexeu e ficou de costas na cadeira, cabeça erguida e olhos fechados fazendo eu encarar novamente seu perfil e ver seu peito subir e descer.

— Claramente não porque você não para de falar, mas ainda estou na tentativa - Ele se aconchegou na cadeira e puxou o capuz do moletom sobre o rosto. - Incentivo você a fazer o mesmo.

— Não, eu quero saber porque diabos você está me ignorando. - Falei e peguei dois copos de água que o comissário de bordo que passava pelo corredor ofereceu.

— Eu não estou te ignorando. - Ele respondeu abrindo um único olho para pegar o copo d'água e dando um longo gole em seguida, me ignorando completamente no processo.

— Na floresta você disse que sempre estava me ouvindo.... - Resmunguei e me reprimi logo em seguida por soar tão manhosa, mas Nico não pareceu perceber.

— Eu estou te ouvindo! - Ele respondeu e pude imaginar seus olhos se revirando por baixo das pálpebras. - Porque acha que estou respondendo e não dormindo?

— Bem, achei que tivesse ficado mudo já que passou a maior parte do caminho até aqui em completo silêncio.

— Primeiro, eu sou um cara calado, você já deveria saber disso. - Ele abriu um olho novamente e me observou com curiosidade. - Segundo, foi você que passou a me ignorar depois do que houve no acampamento!

— Sim... eu... - Cocei a nuca me sentindo envergonhada. Ele realmente tinha um ponto.

— Garotas... - Ele suspirou e tirou um celular do bolso do casaco colocando os fones no ouvido. - Sempre tão complicadas.....

— Hey, eu estou tentando reatar nossa estranha amizade, mas você não está facilitando! - Irritada, puxei o fone de sua orelha esquerda e cruzei os braços quando ele me encarou surpreso.

— Espera, o quê? - Agora toda a atenção do filho de Hades estava voltada para mim, ele ansiava por ouvir mais do que eu tinha a dizer.

— Eu... eu exagerei sobre o que aconteceu. - Respirei fundo mandando a dor em meu coração para o mais longe possível. Eu tinha de ser madura. Nico não me via como nada além de uma amiga e eu precisava manter ao menos esse título até porque estávamos em missão naquele momento, uma missão perigosa, e manter raiva ou discussões entre nós não ajudaria em nada. Eu estava disposta a tentar esquecer, mesmo que pensar naquilo ainda doesse como o inferno. - Eu não tenho nada a ver com tudo aquilo e errei ao entrar em seu chalé sem esperar que você aparecesse...

— Eu não me incomodo com você aparecendo do nada, Swan! - Ele falou com angústia, como se tivesse muito mais para falar, mas as palavras não queriam vir a tona. Ele se ajeitou na poltrona e seus olhos negros se firmaram em mim. - Tudo aquilo aconteceu porque sou um idiota. As vezes cometemos erros que nos arrependeremos pro resto da vida. Esse é um deles.

Seus olhos pareciam implorar por perdão, mas eu não queria voltar a pensar nos motivos que levaram Nico a fazer aquilo. A vida era dele, eu apenas queria sua amizade de volta se era essa a única coisa que poderia ter dele. Pigarrei e sorri, tentando amenizar o clima.

— Bem, de qualquer forma, eu fui infantil e idiota pela forma que agi. Mas culpo minha total surpresa por isso. - Engoli em seco e apontei para o peito dele com as sobrancelhas franzidas. - Não é todo dia que se encontra a sua arque inimiga no chalé do seu amigo!

— Ela disse algo com você? - Ele questionou já cerrando os punhos. - Porque se tiver dito....

— Não, ela apenas ficou me encarando feito uma cobra pronta para dar o bote! - Dessa vez ri de verdade ao lembrar da cara nojenta de Drew e como ela achava que me faria chorar em sua frente. Tudo bem que eu corri pro meu chalé e chorei, mas ela nunca saberia disso e nem Nico! Dei de ombros. - Mas acho que lidei bem com ela.

— Você sempre lida. Mas ainda assim quero pedir desculpa mais uma vez pelo que você viu. Eu... - Ele me encarou com os dedos se mexendo freneticamente e eu sorri calorosamente, tentando mostrar que ele não precisava explicar mais, até porque eu também não queria mais pensar naquela história.

— Tudo bem, Nico. Mas eu sou sua amiga e me preocupo com você. - Meu coração queimava feito uma fornalha, mas apenas suspirei mantendo o sorriso calmo. - Só acho que a Drew não é boa o bastante para você! Ela só se importa com qual será o rosto bonito da vez e, mesmo você querendo mostrar que é o garanhão, eu sei que você não é assim realmente. Você merece alguém melhor do que isso. Alguém como... como...

— Como...? - Ele ergueu as sobrancelhas e pareceu se aproximar ainda mais de mim como se minha resposta fosse salvar o mundo.

— Ah, sei lá, não conheço as garotas do acampamento assim tão bem. - Soltei a respiração que nem sabia estar prendendo. Minha pulsação tinha acelerado quando Nico se aproximou e eu prendi a resposta real que eu gostaria de dar entre os lábios como medo que a palavra “Eu!” escapasse sem querer. Nico se afastou ao ouvir minha resposta como se estivesse decepcionado. - Mas sei que a garota certa está por aí em algum lugar. Ela vai te fazer rir, vai te fazer sentir completo e vai saber que quem você é de verdade não é apenas o que mostra do lado de fora!

— Porque acha que eu busco isso em uma garota?

— Não é isso que todos buscamos na pessoa perfeita?

— Então você é uma romântica, Swan? - Ele perguntou com seu sorriso de lado e apoiou o braço na poltrona e a cabeça na mão me encarando com curiosidade. - Tudo bem, qual seria a sua pessoa perfeita?

— Só se você prometer não rir! - Apontei o dedo seriamente e Nico ergueu uma mão como uma promessa. Eu me recostei na cadeira com ar sonhador. - Ok, eu procuro alguém que me faça rir, mas que fique ao meu lado e entenda quando eu precisar chorar. Alguém que me proteja, mas que também me deixe protegê-la. Que me complete e que saiba e aceite quem eu realmente sou. E, deixando meu lado leitora romântica vir a tona, quero um garoto que me dê flores e chocolates, que me leve para ver a lua e as estrelas, que viva aventuras comigo e que me ame acima de tudo!

Abri os olhos e percebi Nico me olhando com um brilho diferente. Admiração, era isso que seus olhos mostravam. Senti minhas bochechas enrubescerem e pigarreie fazendo Nico balançar a cabeça e sair do mundo da lua.

— Você definitivamente nasceu na década errada. - Ele riu o que me fez revirar os olhos. Logo senti sua mão tocar meu braço e ele me olhou com intensidade. - Mas você merece tudo isso....

Sua voz parecia veludo e senti sua respiração cada vez mais próxima. Surpresa, senti seus lábios pousarem em meu ombro causando uma deliciosa pressão. Porque ele fazia aquilo? Porque parecia brincar comigo? Aos poucos afastei meu braço das mãos dele e pigarrei tentando fazer minha voz não sair tão rouca.

— Tudo bem, agora que somos oficialmente amigos novamente pode me explicar porque ficou mudo na viagem? - Questionei ainda vendo os olhos de Nico queimarem em meu corpo o que causou uma formigamento pela minha espinha. Foco, Eduarda! - Você se calou completamente depois que Arthur se juntou à nossa viagem e...

— Arthur... - Ele vociferou e passou as mãos pelo cabelo, o olhar antes intenso passando a ser raivoso. - Esse garoto é exatamente o problema.

— Porque?

— Porque ele te sequestrou e depois de apenas alguns minutos viajando com ele todos já pareciam confiar cegamente nele. - Ele apontou para mim com acusação. - Você antes mesmo disso!

— O sequestro foi um acidente, Nico. Ele é uma cara legal e admito que o considero um amigo depois de tudo. - Nico não parecia querer me ouvir e eu virei sua cabeça em minha direção. - Ele me salvou daquele escorpião!

— Ok, ele tem um ponto por isso. - Ele admitiu, mas logo suspirou e me encarou profundamente. - Mas, assim como você disse sobre Drew, não acho que uma cara que apareceu do nada e gosta de manter toda a sua vida no anonimato seja bom o suficiente para você.

— Espera, você acha que eu gosto dele dessa forma? - Ergui uma sobrancelha e Nico bufou e cruzou os braços como um garotinho birrento. - Nico, pelo amor dos deuses, não! Você acha que eu saio me apaixonando por todo garoto bonito e sexy que eu vejo pelo caminho?

— Você acha ele bonito e sexy? - O tom da voz de Nico subiu uma oitava e ele cerrou os punhos, mas logo pulei e tapei a boca do garoto com as mãos, rezando para que Percy na poltrona da frente não tivesse acordado.

— Nico, eu estava brincando! - Soltei a boca dele lentamente e ele me encarou mais calmo. - De qualquer forma, qual o problema se eu achar? Achar alguém bonito não é o mesmo que se apaixonar!

— Então porque passou a viagem inteira sem sair do lado dele? - O garoto me perguntou com um sorriso raivoso e eu poderia jurar que ouvi certo toque ciúme em sua voz. Para de sonhar, Duda!, me repreendi mentalmente.

— Eu estava ganhando a confiança dele, criando uma amizade. - Eu respondi e me abaixei na poltrona tirando os sapatos para ficar mais confortável. - E funcionou. Eu sabia sobre ele fazer parte de um povo mágico antes mesmo dele contar a vocês.

— Mais um motivo para eu não confiar nele. Além de ser um completo estranho ainda esconde muitos mistérios sobre povos e monstros totalmente diferentes dos que conhecemos.

— Mas ele deu dicas que podem nos ajudar na missão e sei que Annie vai descobrir tudo sobre ele e seu povo quando retornamos. - Sorri soando mais esperançosa do que me sentia e pensando “Se retornamos da missão....”. Balancei a cabeça, espantando o pensamento, e vi Nico concordar e voltar a descansar a cabeça na poltrona confortável. - E, de qualquer forma, ele já voltou para onde pertence. Se bem que garotos misteriosos e enigmáticos fazem meu tipo completamente. Quem sabe eu não tente contatá-lo e....

Nico virou-se para mim de repente com os olhos furiosos e quase não consegui segurar a risada quando ele invadiu minha poltrona fazendo cócegas em mim. Depois de eu suplicar que ele parasse e prometer que nunca mais falaria algo assim novamente ele voltou a sua poltrona ajeitando os cabelos e sorrindo abertamente enquanto eu tentava me recompor.

— Então... Estamos bem? - Ele perguntou coçando a nuca e me olhando com expectativa.

— Sim, estamos. - Eu sorri e estendi a mão como se selasse um acordo e ele apertou com um sorriso nos lábios.

— Então as regras de amizade também voltam?

— Com certeza! - Falei e vi os olhos dele seguirem para nosso braços quase colados por conta da proximidade das poltronas. Suspirei. - Ok, a regra da distância de um braço está suspensa até que a gente pouse. Mas só porque não vou deixar de recostar meu braço só porque o seu está no mesmo encosto!

— Então quem sabe a gente não aproveita essa suspensão para outras coisas? - Ele sorriu malicioso e se aproximou. Rapidamente dei um tapa em sua cabeça e ele logo se afastou alisando o local. - Ai! Tudo bem, foi brincadeira! Agora que estamos acertados, literalmente, que tal dormir de verdade. Eu estou quase desmaiando de sono e só temos mais ou menos duas horas para o fim da viagem...

— De acordo! - Bocejei, me ajeitei na poltrona e fechei os olhos.

Senti a mão calma de Nico colocar um dos fones em meu ouvido e, com um sorriso, ajeitei-o e passei a ouvir a música que ele selecionou. Era um rock calmo que fez meu cérebro trabalhar ainda mais devagar.

— Aliás, obrigada por me ensinar o salto com golpe. - Falei em um sussurro sentindo meus sentidos se perderem aos poucos para o cansaço. - Se não fosse por ele não sei se ainda estaria viva pra contar a história.

— Não precisa agradecer. Até porque eu não te ensinei a saltar mais de três metros no ar, você aprendeu isso sozinha... - Pude ouvir Nico bocejando e senti seu braço se encostar ainda mais no meu quando ele se remexeu na poltrona. - Agora vai dormir, Swan!

E ele não precisou pedir duas vezes. Logo senti o sono me dominar, mas antes que me deixasse levar completamente percebi o quanto conversar com Nico suprimiu meu terror de avião. Eu nem ao menos me lembrei que estava dentro daquele monstro de metal e sorri ao perceber que esse parecia ser o principal super poder dele.

 

Graças aos deuses não tive nenhum sonho e dormi feito um bebê até sentir uma mão passear por meus cabelos e meu nome ser sussurrado calmamente em meus ouvidos.

— Swan?

Abri os olhos lentamente a primeira coisa que vi foi a pequena janela do avião aberta com vista para um céu azul e para um chão cinzento cheios de pessoas com coletes laranjas andando para lá e para cá. A segunda coisa que percebi foi que minha cabeça não estava mais apoiada na poltrona confortável, eu estava inclinada na cadeira com a cabeça descansando no ombro de Nico que me encarava com um sorriso preguiçoso.

— Onde estamos? - Perguntei com a voz grogue de sono enquanto voltava a me sentar ereta na cadeira e desafivelava o cinto que provavelmente Nico havia colocado em mim. - Já pousamos?

— Sim, chegamos! - Ele coçou os olhos e olhou pela pequena janela no momento que o avião parou de vez e a aeromoça informou que havíamos chegado a nosso destino.

Em pouco tempo todos já andavam calmamente pelo corredor do avião e quando a porta metálica se abriu eu respirei fundo sentindo o chão firme sob meus pés e sabendo que mais um medo havia sido superado. Nosso grupo logo passou pelos guardas do aeroporto e chegamos as portas de saída. O vento bagunçou meus cabelos e além dos táxis e estradas de asfalto era possível ver uma grande floresta que se estendia ao longe. E além dela estava a famosa cidade com seu Coliseu e Panteão, os principais pontos turísticos. Mal podia esperar para ver tudo aquilo, Roma era uma das cidades que nunca havia conhecido e, mesmo que o fato de eu estar lá fosse por conta de uma missão suicida, eu estava super feliz. Acho que sem querer soltei um gritinho de animação enquanto caminhávamos para um dos grandes táxis porque senti Nico se aproximar e, rindo, sussurrar em meu ouvido:

Benvenuti a Roma...

Entramos no carro, mas permaneci com o arrepio causado pela respiração de Nico no meu pescoço durante toda a viagem. Como eu ia suportar isso? Como superar esses sentimentos se ele parecia gostar de me fazer sentir assim mesmo sem perceber? Murmurei um palavrão em português por estar cada vez mais sem controle em relação a Nico, mas logo deixei tudo de lado quando nosso táxi passou ao lado do belo Coliseu. Eu já vira a estrutura diversas vezes pela internet, mas ao vivo e em cores ela totalmente indescritível. Era gigantesco e me vez pensar nas batalhas e apresentações que já haviam passado por lá, o que eu não daria para presenciar algo assim pessoalmente? A cidade parecia misturar o antigo e o novo perfeitamente bem. Fontes clássicas de mármore no meios dos parques que eram rodeados por grandes prédios e empresas multinacionais. Eu estava fascinada e quase não ouvi quando a conversa começou dentro do táxi.

— Tudo bem, finalmente estamos aqui. - Leo falou juntando as mãos. Ele estava apoiado na outra janela do banco atrás do meu e encarava Annie que estava ao meu lado. - Mas e agora?

— Agora precisamos nos hospedar em algum lugar enquanto cumprimos a parte da missão em Roma. - Ela respondeu e olhou para Nico que estava no banco da frente ao lado do motorista. - Então Nico, alguma ideia de onde podemos ficar?

— Eu tenho o lugar perfeito. - Ele se virou para ela e piscou. Logo voltou os olhos para o motorista dando instruções em italiano. O motorista afirmou e dobrou na esquina seguindo por uma rua repleta de casas coloridas. Nico se virou novamente para trás com um sorriso. - Quem sabe até não consigo um bom desconto na hospedagem?

— Tudo bem, quem é a garota que você conquistou por aqui, Nico? - Jason perguntou com um tom de riso e eu fiquei ereta de repente olhando com curiosidade para Nico que apenas riu com vontade e se voltou para frente.

Garota? Que garota? Finquei minhas unhas no estofado ao imaginar as amigas italianas de Nico. Ccom certeza ele teria várias! Duda, isso não é da sua conta, me repreendi mentalmente e voltei a olhar para a cidade fora da janela, mas ela não parecia mais tão emocianante com antes. Bufei e recostei a cabeça no banco, mas logo senti o carro parar. Olhando pela janela vi a entrada de um grande hotel com estrutura rústica e plantas decorando a fachada. Pessoas elegantes entravam e saíam do lugar sobre um grande tapete vermelho que se estendia da rua até as portas de vidro automáticas. Tudo era delicado e elegante, tudo o que eu esperava de um hotel em Roma. Logo ouvi as portas sendo abertas e todos saindo do táxi enquanto Nico pagava o taxista dizendo um “Grazie” ao sair do veículo. Ok, já era difícil manter os sentimentos por Nico distantes da superfície, mas com ele falando italiano o tempo todo parecia ainda mais impossível fazer isso! Saí do taxi e fechei a porta com uma batida suave seguindo o grupo que já passava pelas portas de vidro sendo guiados por Nico. Olhei para cima rapidamente e lá no alto letras douradas e brilhantes informavam o nome daquele quase castelo. Parco del Principi.

Por dentro o hotel era ainda mais glorioso. Flores douradas e vermelhas enfeitavam o lugar e pilastras brancas e douradas davam um toque ainda mais rústico o que me fez lembrar do acampamento grego e imaginar como seria o acampamento romano. Percy tinha de me levar lá! O balcão de atendimento era bem polido e parecia brilhar refletindo as chaves douradas penduras na parte de trás. Nico se aproximou enquanto eu e o resto do grupo continuávamos a admirar o lugar que parecia tão brilhante quanto o sol, principamente o lustre gigantesco que tomava quase o teto inteiro. Eu admirava um quadro de arte clássica romana quando ouvi a voz de Nico se dirigindo ao concierge.

Buon pomeriggio.— Ele falou com um sorriso e imaginei ser algum cumprimento como “boa tarde”. O concierge inclinou a cabeça com educação e esperou que Nico prosseguisse. Graças aos deuses ele continuou em inglês. - Me chamo Nicolas di Angelo e gostaria de falar com Venília Caelinus, prego?

O rapaz atrás do balcão hesitou por alguns segundos, mas ele nem ao menos precisou sair do lugar pois logo uma moça apereceu por uma das grandes portas espalhadas pelo salão esbanjando elegância.

— Nico! É você mesmo, mio angelo? Sua voz é inesquecível! - A voz dela era harmoniosa e parecia extremamente feliz por ver Nico. Seus saltos batiam no chão com destreza e passei a analisá-la com os olhos cerrados. Ela vestia um vestido amarelo que colava em cada curva de seu corpo e deixava as pernas torneadas de fora. Seus cabelos eram negros e caíam até a cintura emoldurando um rosto afilado e olhos cor de mel que pareciam angelicais e provocativos ao mesmo tempo. Em poucos passos ela cobriu o espaço até Nico e logo rodeou o pescoço dele com seus longos braços, dando-lhe um abraço apertado e quase eterno. Então essa é a tal garota?, pensei escondendo os punhos cerrados atrás das costas e tentando manter a expressão neutra enquanto ela se afastava dele apenas o suficiente para deixar um beijo casto em cada uma das bochechas, uma tradição italiana que não me agradou nenhum pouco naquele momento. Ela parecia comê-lo com os olhos e Nico não parecia nem ao menos incomodado pois permanecia com as mãos na cintura dela com um sorriso nos lábios. Me aproximei calmamente do grupo que agora parecia ter sua atenção voltada completamente para a nova estranha e ela parecia ter sua atenção voltada apenas para Nico. - Senti tanta saudade! Dimmi, o que o traz de volta ao meu hotel?

— Seu hotel, Veni? - Nico perguntou com um tom curioso, mas o sorriso ainda brilhando nos láios. - O que houve com o grande Artorius Caelinus?

Papa provavelmente está surfando em uma das grandes ondas da Austrália. - Ela riu inclinando a cabeça para trás com as mãos bem presas aos braços de Nico. Até a risada dela parecia me irritar! - Ele decidiu se aposentar para curtir o que a vida ainda poderia lhe dar junto com a mamma e resolveu que eu já estava na idade de liderar o seu grande império. Poi agora você está olhando para a mais nova dona do Parco del Principi!

Complimenti! - Nico respondeu dando um beijo casto na mão dela que sorriu maliciosa. Era só eu ou mais alguém estava querendo vomitar com aquela cena? Olhei ao redor, mas o grupo de semideuses parecia apenas se divertir com toda a conversa. Nico pigarreou e deu um passo para trás quando ela tentou colar o corpo ao seu e ele inclinou a cabeça em nossa direção o que fez a moça tirar os olhos dele pela primeira vez e nos encarar com um sorriso simpático. - Veni esses são meus amigos. Nós resolvemos passar alguns dias aqui em Roma, uma viagem de férias, e eu me lembrei da grande hospitalidade que tive em seu hotel.

— Ospitalità! Sì, realmente senti muita falta de nossa...hospitalidade. - Ela respondeu e lançou uma piscadela em direção à Nico que engoliu em seco e pela primeira vez voltou seus olhos para mim que apenas mantive minha expressão neutra porque se tentasse fazer qualquer outra coisa iria sair mais como uma careta de raiva, melhor não arriscar!

— Então... nós precisamos de um lugar para ficar por apenas três dias. - Ele continuou com as sobrancelhas erguidas e um olhar manhoso, digno de Oscar, e ela sorriu de lado com os braços cruzados. - Você pode ajudar, Veni? E, caso não se lembre, está me devendo uma....

— Então está me chantageando, Angelo? - Ela ergueu uma sobrancelha delineada e Nico tentou se explicar, mas ela apenas se aproximou dele calando-o com um dedo fino sobre os lábios dele. Senti minhas unhas fincarem ainda mais na pele de minha mão ao ver esse ato, mas ninguém pareceu notar que eu estava fumaçando. Logo o sorriso cheio de dentes brancos estava novamente nos lábios vermelhos da italiana. - Tenho dois quartos que servirão perfeitamente à vocês. Sigam Peter e ele lhes acomodará.

Ela tocou um sino e logo um rapaz uniformizado chegou ao salão se curvando brevemente e apontando para o elevador dourado ao lado do balcão.

Seguimi, prevo. - E o rapaz, Peter, caminhou até as portas do elevador sendo seguido pelo grupo.

Eu acabei por ficar no final da fila e não pude me conter de olhar o “casal apaixonado” quando ouvi a voz melosa de Venília soar novamente.

— Eu não me esqueci do que fez por mim, Nicolas. Nenhuma das coisas. - Ela passou as unhas vermelhas pelo pescoço de Nico lentamente e com sorriso predatório. - Acho que agora estamos quites!

— Com certeza. - Ele acenou e tentou dar um passo para trás, mas a italina prendeu as mãos no casaco dele com força. - Grazie de tutto, Veni!

Non così in fretta! Caso precise de um serviço de quarto especial já sabe o que deve fazer! - Ela falou quase como um ronrronado, passeando os dedos pelo peito de Nico e com os olhos vorazes sobre ele. - Estou louca para lhe dever mais alguns favores...

E, rapidamente, ela aproximou seus lábios de Nico, pronta para um beijo casto. Prendi a respiração plantada no lugar enquanto de relance percebia o grupo já entrando no elevador. Eu precisava seguir em frente. E se Nico correspondesse ao beijo, qual seria o problema? Além do meu coração se quebrar ainda mais, isso não era problema meu, o caso com Drew deixou isso bem claro! Mas, mesmo eu gritando para mim mesma que deveria dar as costas para aquela cena e parar de pensar tanto se Nico irira aproveitar o beijo ou não, eu continuei com os olhos cravados na cena e quase senti um peso sair de mim quando vi Nico segurar os braços de Venília e afastá-la cautelosamente antes que seus lábios se encontrassem. Ele a afastou... minha mente continuava a repetir isso e senti um sorriso despontar em meus lábios. A italiana encarou Nico com surpresa e decepção enquanto ele segurava seu rosto e deposistava um beijo rápido no alto da testa dela.

— É um prazer revê-la, Veni! - Ele se afastou um passo e lançou uma piscadela rápida para a moça que logo sorriu para ele com uma sobrancelha erguida, um olhar de quem não aceita ser dispensada dessa forma e não desiste tão fácil do que quer. Nico caminhou ainda olhando para ela e chegou ao meu lado dando um último aceno para a mulher. - Addio!

— Ainda não acabou, Angelo! - Ela respondeu e soltou um beijo no ar voltando pelas portas de onde saíra, com um rebolado sedutor.

Nico revirou os olhos e suspirou quando a mulher sumiu pelas portas de madeira. Logo seus olhos se voltaram para mim e ele me puxou para as escadas já que nosso grupo havia sumido pelo elevador junto com Peter.

— Você não a beijou. - Eu falei resignada e quase me bati. Porque eu falara aquilo? Meus olhos se voltaram para ele quando chegamos aos primeiro degrau coberto por um tapete vermelho. - Porque?

— Porque eu não quis beijá-la! - Ele respondeu simplesmente e nos passamos a subir a escada. Ele sorriu de lado e me cutucou com o ombro. - Não é porque ela é bonita e sexy que vou sair me apaixonando!

— Mas vocês já tem uma história. - Revidei quando chegamos ao primeiro andar e Nico continuou a me guiar pela escada. - E ela não pareceu reagir muito bem à sua reijeição. O que só comprova que beijos eram bem comuns entre vocês!

— Nós não tivemos bem uma história... - Ele respondeu parecendo ansioso e coçou a nuca. - Depois da Grande Guerra resolvi passar oito meses aqui na Itália para espairecer e tentar pensar em outras coisas que não fosse monstros, mortes ou o salvamento do mundo. Foi quando acabei conhecendo a Venília e nós tivemos alguns encontros. Nunca foi nada sério, nenhum de nós queria isso. Um dia estávamos no parque à noite quando um monstro apareceu. Ele havia sentido meu cheiro e acabou por atacar Veni, mas logo o derrotei. Para ela eu havia acabado de salvá-la de uma lobo gigantesco e por isso ela ficou me devendo uma.

— Bem, ela pareceu querer ficar devendo mais algumas... - Murmurei e ele me encarou divertido quando chegamos ao segundo andar e continuamos a subir. Ergui a sobrancelha tentando imitar a voz cheia de sotaque da italiana. - “Serviço de quarto especial”?

— Isso não vai acontecer! - Ele respondeu imperativamente e piscou para mim. - Digamos que estou fechado para balanço.

— Desde quando? - Ri abertamente.

— Desde o momento que vi você parada no meio do meu chalé me encarando com completa decepção. - Ele falou seriamente e vi em seus olhos negros a firmeza de suas palavras. - Nunca mais quero ver um olhar como aquele....

Aquelas poucas palavras fizeram minhas pernas bambearem e eu engoli em seco. Como ele conseguia fazer meu pulso acelerar com apenas algumas dúzias de palavras? Coração idiota! Balancei a cabeça e desviei do olhar intenso de Nico. Ele se importava tanto assim com minha opinião sobre seus relacionamentos? Porque? Deixei que as perguntas rodassem em minha cabeça e escolhi uma que fizesse o clima amenizar mais.

— Ãhn... Nico você realmente sabe onde é nossos quartos? - Cruzei os braços e encarei-o. - Porque acho que está tão perdido quanto eu!

— Que nada, sei exatamente onde estamos indo. O terceiro andar é destinado completamente a grupos de viajantes por isso são maiores para abrigar mais camas. - Ele respondeu e logo chegamos ao terceiro andar onde vimos de longe nosso grupo de amigos saindo de dois quartos e se reunindo no meio do corredor. Nico me encarou com um olhar vitoriso. - Eu tive tempo para conhecer o hotel...

Caminhamos lado a lado até o grupo. Chegamos à pequena roda no momento que Percy virou seus olhos em minha direção.

— Você perdeu o elevador!

— Não me diga! - Revirei os olhos e o abracei com um sorriso. Encarei todos na roda que pareciam ansiosos. - Então, porque estamos parados no meio do corredor e não curtindo nossos quartos super luxuosos?

— Porque precisamos ter uma conversar em algum lugar privado, mas ao mesmo tempo aberto, que não gere tanta suspeita.– Ele olhou para Nico. - Sabe de algum lugar assim. Nico?

— Conheço um bom lugar para podermos conversar. - Ele responde com um aceno e logo encarou Annie com uma seriedade no olhar. - Mas porque você precisa conversar em um lugar assim?

— Porque acredito que descobri exatamente onde precisamos ir para cumprirmos a primeira parte da missão!

Meu peito se acelerou e senti minhas mãos suarem.

Então é isso...

Que os jogos comecem!

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham amado!
Nos vemos em breve.
Kisses!



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