Frio e outros contos escrita por Lu Falleiros


Capítulo 6
Adiado pelo Colégio Grande


Notas iniciais do capítulo

>Baseado em uma história real
>Boa leitura
>(*)Se quiser acompanhar: https://www.youtube.com/watch?v=oofSnsGkops



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Por que eu não tenho iniciativa? Aquela situação me irritava. O silêncio ensurdecedor me incomodava, como se um alien fosse sair de meus ouvidos a qualquer momento. Mas sabe qual era a pior situação? A vontade de olhar o rosto da pessoa ao seu lado e não conseguir.

Minha respiração estava presa e eu não sabia o que fazer. Não sabia como encará-lo, mas até, que, até aquele instante, pelo menos, eu não estava me importando tanto com aquela relação silenciosa porém gentil de nós dois, por que aquilo tinha que mudar? Por quê?

...

Estudar em colégio grande dá nisso, você não conhece a todos que gostaria, você não se ajeita com todos que gostaria, mas acima de tudo, você não consegue ter relações com aqueles que gostaria, ou até, com aqueles que deveria.

Eu sou uma garota comum e pretendo não me ater demais a detalhes. Sou baixa, faço o último ano colegial e tenho cabelos e olhos castanhos como a maior parte dos seres viventes dessa terra – desconsiderem os chineses, porque senão olhos e cabelos negros são vitoriosos...

Eu sempre achei que tivesse uma vida boa, mas aquela pessoa tinha que chegar no colégio. Para ser sincera, também não sei se Ele realmente chegou no colégio no mesmo ano que eu, um ano depois, ou só agora, no terceiro ano. Já disse que é péssimo estudar em colégio grande. Ainda não entendeu o porquê? Oras... Porque eu não consigo conhecer nem conviver com quem gostaria! Simples!!

Mas, voltando a Ele, fora no meio do ano, um dia que sai mais cedo e fui pegar ao metro, que eu vi... Ele estava parado, com a mochila em um dos ombros esperando o metro ao meu lado. Eu não tinha certeza se Ele estava no colégio. Não era muito alto, mas seu rosto era jovem. Um alargador negro na orelha esquerda, o cabelo mais raspado do lado que em cima, um olhar, asiático, tão lindo que só de pensar em fita-lo por mais que dez segundos eu já queria desmaiar. Mas o que mais me intrigava era porque Ele nunca olhava para o lado!? Ao menos, não naquele dia... Será que eu o fiz se sentir constrangido porque fiquei a encará-lo por tempo demais... Era possível, mas eu simplesmente não sentia o tempo passar. E aquele, fora meu primeiro encontro.

E mesmo depois de memorizar, praticamente, seu rosto, eu decidi que ia descobrir se Ele estudava comigo, ou não.

Não fora muito difícil, não, não sai correndo atrás dEle em todas as salas do colégio, fora muito menos romântico que isso: Alguns dias depois, em algum dia de alguma saída, saí correndo novamente, e Ele cumprimentou um amigo meu, que tinha saído comigo naquele dia. Foi aí que eu tinha certeza:

Estudar em colégio grande é horrível!

Ótimo, eu sei que Ele estuda no mesmo colégio que eu... E sei como Ele é, sei em que estação Ele desce, em que bairro Ele mora – parece mais que estou a planejar um assassinato.... Que sou louca... Sei lá. NÃO! NÃO SOU! Eu acho...

...

Mais um dia que saí correndo da sala, desta vez com uma amiga. Ele simplesmente, saía rápido da sala, percebi isso, porque sempre que eu chegava um trem adiantada, Ele estava lá, agora, se eu atrasasse dois segundos. Pronto, o encontro era impossível. Acho que estou mesmo enlouquecendo.

Naquele dia, além de esperarmos o metro juntos, Ele acabou sentando próximo de mim e de minha amiga, fazer o quê? Eu não resisti, simplesmente desliguei minha mente de toda e qualquer outra coisa. Só conseguia encarar aquela pessoa, tentando fazer com que Ele sequer me notasse.

Minha amiga parou de falar quando percebeu que eu não respondia. — Está tudo bem? — Ela quase gritou, chamando a atenção de todos.

Concordei com a cabeça, tirando meu olhar daquele garoto gelado, por que seus olhos não conseguiam achar os meus? Eu estava ficando maluca, não é? Abaixei meus olhos o resto da viagem, vermelha de vergonha... Minha amiga voltava a falar.

Uma estação antes da que Ele descia... Por Deus! Sim, eu tinha decorado. Olhei para Ele uma última vez, tentando registrar seu rosto, foi quando, para minha surpresa, senti seus olhos nos meus. Um sorriso em seus lábios, e um inconsciente se formando nos meus. Não aguentei. Sim, eu praticamente entrei em transe naquele exato momento, o que eu ia fazer?! Ele me pegou completamente desprevenida... Mas não era um ele... Era Ele...

...

Depois daquela troca de sorrisos, acho que nunca mais o vi. Um dia, cansada, voltando para casa, suspirei e pus-me a pensar. Detestava aquela situação. Por que eu simplesmente não conseguia tomar iniciativa? Por que eu me poupava palavras quando queria gritar? Por que eu simplesmente não conseguia: ‘Olá! Como é seu nome?’. É tão difícil assim? Meu coração martirizava meu cérebro que passava a culpa para minhas cordas vocais inertes.

É que eu sentia como se... Caso tentasse, tudo daria errado, o conto de fadas teria fim, não tinha como ser real. Não tinha como ele ser mesmo Ele, tinha?

Talvez isso fosse só medo, só medo de ir para a realidade, mas era assim que eu era. Uma jovem, formanda, de 17 anos e que nunca! Nunca na vida tinha tido um namorado. Que nunca! Nunca na vida tinha ficado com alguém. Que nunca! Nunca na vida tinha tido maturidade suficiente de conhecer um cara. Ou seja... Que nunca! Nunca na vida tinha tomado qualquer iniciativa para fazer qualquer coisa, e por estar tão destreinada, por ser um campo tão desconhecido, aquilo era extremamente difícil para mim. Eu via, conhecia pessoas que namoravam, tinha amigos que tentavam me convencer de que não era nada disso, que era tão mais simples do que eu moldava em minha cabeça...

Mas o que eu podia fazer? Eu era daquele jeito. Eu simplesmente não sabia o que fazer. Eu era inexperiente e sonhadora... Tem algo mais complicado que acreditar em príncipe encantado aos 17 anos? Tem algo mais bobo do que achar que vai conhecer o anjo de sua vida no metro? Tem algo mais patético que não conseguir emitir som na frente de um garoto!? Não... Na minha idade, não...

Um suspiro profundo passou por mim, e uma garoa fina começou logo que minha linha de raciocínio resumiu: ‘É você é super patética... Recluse-se em um canto e morra sozinha com 30 cachorros – eu simplesmente não gosto de gatos.’

‘Ah! Mas cachorro é bicho para quem tem família, não patéticas como você!’

‘Não me importo!’ – ricocheteei de volta para minha própria consciência.

O que eu ia fazer?

Pensei enquanto corria para o buraco de baixo da terra.

...

Era o fim de ano, aquela correria toda, aquela entrega de provas patéticas, aquela tentativa de vender o corpo e a alma para o professor demônio tentando conseguir nota, como sempre, eu só pedia, implorava, pelas minhas férias.

Não... Nada dEle desde então. Aquilo me entristecia um pouco, mas o que eu podia fazer, eu sei que eu não conversaria com Ele mesmo, mas talvez se fosse só ele... Não! Sempre seria Ele.

Não acredito! Olhei mais uma vez em minha bolsa, ando muito distraída comigo mesma. Onde eu enfiei a maldita carteira? Não! Não tinha como ser! Eu bati em minha testa, devo ter deixado cair no subsolo maldito que era aquele metro! Não tinha jeito, né?

Suspirei indo correndo até a aula para não me atrasar. Como sempre, já expliquei a correria do fim de ano, né? Bom... Fazer o quê? Foi mais um dia daqueles, além de ter que ouvir os xingamentos – mentais – do coordenador, contra mim, devido ao esquecimento da porcaria da carteira. O pior? Acho que terei que pagar para conseguir outra... Realmente não sei onde posso ter perdido aquilo.

A aula, como sempre, sem motivos para ser assistida, só queria ir para casa, ter a decepção diária de não vê-lo e seguir com minha vida.

— Garota! — Gritou minha amiga, sim, a mesma de lá de cima... — Por que parece que alguém morreu? — Ela perguntou.

Neguei com a cabeça. Não era nada... Porque realmente, realmente não era. Eu nem se quer tinha ouvido a voz do garoto, porque então iria ter emoções por não vê-lo?!

Voltei ao metro, naquele dia, mais tarde que o normal, passei por cada milímetro daquele lugar buscando por minha carteira escolar, e de repente ouvi uma voz amigável chamando por mim.

— Garota da mala bege! — Virei com um pouco de emoção, será quê?!

É claro que não... Por que eu continuo imaginando coisas como se existisse um amor verdadeiro? Choraminguei internamente, contudo, devido a decepção.

— Sim? — Perguntei para o guarda do metro.

— Deixou cair isso hoje de manhã, só que anda tão rápido que preferi dar na hora da saída do colégio.

— Obrigada. — Peguei a carteira em mãos, me despedindo e seguindo até meu buraco da desolação – literalmente, se for pensar bem.

Eu entrei no metro cabisbaixa, parece que era o que eu mais fazia desde aquele dia em junho que eu achava que tinha visto um anjo no metro... Nossa, isso me lembra uma música(*)... Neguei com a cabeça tentando tirar a letra de minha cabeça.

Alguém sentou do meu lado no metro, que hoje, estava especialmente cheio, não tem problema, na estação que Ele desce, sempre esvazia, não estou falando conotativamente – bom, também, para mim, mas o metro realmente esvazia na estação que Ele desce.

Sem que eu percebesse, ainda olhando para baixo, um bilhetinho escrito em um papel de redação do meu colégio foi posto em minha perna, lá estava: ‘O que foi?’. Ri da simplicidade, imaginando já que fosse meu amigo, como sempre, ele era surpreendente. Olhei para o lado, já imaginando quem seria.

Mas meu cérebro se fez estático, meus olhos não se mexiam, e como sempre acontecia, minhas cordas vocais pararam de funcionar. ‘Ele...’ Batia meu cérebro de novo e de novo, repetidas e incessantes vezes.

Neguei com a cabeça em resposta, virando novamente para a frente, sem ter de fita-lo. Por que quando queremos muito uma coisa, por vergonha, não conseguimos fazê-lo? Suspirei, ficando estática, daquela forma, eu não ia me mexer, não ia olhar. Eu me recusava a acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Minha mão tremia, e tudo que eu ficara meses me convencendo também, as barragens novas e fortes que eu implantara de não acreditar no destino de um amor, estavam começando a entrar em ressonância.

Não respondi, não olhei. Não ia fazer isso.

O papel fora retirado de minha coxa e o trem anunciava a estação antes da que Ele saia. Eu queria tanto ver, queria mesmo, nem que fosse por dois míseros instantes da minha vida, mas de alguma forma, sentia que o fazendo, acabaria doendo mais depois, como doía agora.

O papel voltou, a letra angelical escrevia novamente: ‘Próxima estação. Mas, não tem problema, vou esperar.’.

Um grunhido de meia risada escapou por meus lábios, senti que o garoto se mexeu no banco ao meu lado. E, comigo ainda apoiando a mão no bilhete sua mão veio até a minha, segurando-a.

Fitei-a por alguns instantes, ele era mais moreno que eu, sua mão, quase duas da minha, aconchegava a pequenina, minha, que estava debaixo da sua. Era quente, tão quente que eu não queria soltar até que o equilíbrio de nossas mãos fosse atingido, afinal, a minha estava fria. Bastante.

— Hum... — Grunhi.

O garoto pegou o papel de novo. ‘Não vai falar comigo?’. Ele perguntou.

Neguei com a cabeça, sua mão esquerda ainda segurando a minha.

Ele escreveu novamente. ‘Sabe, não gosto de estudar em um colégio grande, não conheço pessoas que deveria conhecer, no momento em que desejo’.

Ri em resposta, como aquilo era possível, ele agora lia pensamentos?

Não aguentei mais. Olhei para Ele.

Um sorriso gentil percorreu sua face harmônica. Era a primeira vez que o via tão de perto. Eu estava certa, o alargador, pequenino, só do lado esquerdo o deixava mais bonito. O cabelo liso e sempre bem aparado, também. Os olhos puxadinhos, combinavam com o sorriso na boca carnuda o suficiente, nem demais nem de menos. Era lindo... Era Ele.

— Finalmente. — Disse. Sua voz aveludada, mais grave do que eu pensava, que incitou meus ouvidos. Ele ainda sorria. — Olá. — Disse.

— Oi... — Respondi de forma fraca.

— Vai descer aqui? — Era a estação final.

Neguei com a cabeça. Eu havia perdido minha estação.

— Eu também não... Que azar. Vamos ter que pegar outro trem.

Concordei rindo, ele parecia estar me tratando como criança, mas eu era mesmo um tanto quanto infantil.

— Quer vir comigo? — Ele perguntou arqueando uma das sobrancelhas. Não sei porque, mas outra bomba de beleza me atingiu. Ele tinha que parar com isso, ou eu nunca conseguiria falar com Ele direito.

Concordei com a cabeça. — Sim... Por favor.

...

Eu disse que nunca mais creria em amor e destino. Mais uma vez, como sempre, eu estava errada. Era possível que o conto de fadas não fosse verdade. Sim... Mas eu sabia de uma coisa, eu nunca mais perderia a oportunidade. Nunca mais. Eu quase o perdi uma vez, e não é como uma estação de trem. Eu não posso voltar atrás. A vida não é fácil assim.

Eu ia correr atrás daquilo que eu queria, nunca mais ia cometer aquele erro, porque eu quase o perdi. Sou grata, apenas e principalmente, a Ele.

Obrigada por me notar, desde o primeiro dia. No final, fui eu que perdi o trem. Ele havia entrado no colégio, no primeiro ano, eu só o vi no terceiro. Ele sabia de mim. Fui eu... Fui eu que quase o perdi, fui eu que deixei passar. Não Ele.

Não percam a simplicidade dos detalhes das oportunidades dessa vida, elas são únicas. Podem nunca mais voltar, e não queremos nos arrepender, da chance de encontrar e perder a chance de dizer:

— Ah! Aí está você! Te achei. E te amo.

— Eu te achei primeiro. Mas você demorou... Quase perdeu o trem.

As mãos, que agora jamais se viam separadas, finalmente estavam na mesma temperatura, e para assim continuar, assim deveriam ficar, juntas, pelo tempo que fosse necessário, pela viajem que estamos a criar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!! :3



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