Saint Seiya - Flood of Flames escrita por Sieglain


Capítulo 1
Prólogo




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O glorioso sol do ocidente descambava por detrás dos montes escarpados, que projetavam suas sombras sinuosas sobre as frondosas árvores prostradas aos seus pés. Corvos grasnavam, cobras sibilavam, tordos chilreavam, grilos cricrilavam; a Criação entoava o mais belo dos cânticos para louvar o Sol Poente que abdicava ao seu trono e o entregava à sua eterna amante.

Contudo, conspurcando a perfeição do crepúsculo, dois homens, trajados em simplórias couraças de couro, digladiavam-se como leões famintos que disputam uma presa, erigindo colunas de fumaça a cada árvore que derribavam com seus golpes devastadores. Eram alheios àquele espetáculo que ocorria perante seus olhos; sequer permitiam aos seus fadigados olhos refrescar-se com a beleza do pôr-do-sol. Porquanto o Sol, em sua louvável benevolência, lhes agraciasse com a gentil brisa crepuscular, jamais haveriam de se queixar sobre o cansaço que notavelmente lhes consumia. As dores em seus ossos e músculos desapareciam conforme o sopro celeste lhes tocava a pele.

Um deles era esbelto e jovem. Seus olhos alaranjados, semelhantes ao âmbar, atenuavam o fulgor dos cabelos castanhos que se emaranhavam sobre sua cabeça. Era dotado de grande estatura e de um corpo robusto, atributos que lhe conferiam estonteante e imponente beleza. Possuía, ainda, um inexpugnável semblante dissoluto, que não se curvava perante as circunstâncias; embora lhe subjugasse seu oponente, permanecia de pé, como árvore que não cede aos ventos atrozes.

O outro possuía um semblante mais maduro. Seu límpido olhar dissoluto parecia enxergar através de tudo; englobava em sua visão o ambiente, o oponente, o futuro. Parecia, de fato, possuir o dom da clarividência; sabia com exatidão que reação seu oponente teria perante suas investidas. Aquilo, contudo, não era senão sua invejável experiência de batalha, que lhe conferira fama pelos quatro cantos do mundo. Era uma relíquia dos tempos de guerra do passado; era uma lenda.

Quando a Lua tomou seu lugar como rainha do céu noturno, os dois findaram seu embate. Porém, permaneceram confrontando-se com seus olhares ferozes e hostis; distorciam o próprio vento com a pressão que exerciam um sobre o outro através de seus olhos.

– Estou surpreso. Há duas semanas, tu sequer conseguias suportar o furor da batalha até o término do dia. No entanto, hoje lutaste desde o amanhecer até o pôr-do-sol, sem, contudo, desmaiar pelo cansaço. Se continuares evoluindo neste ritmo, logo te sagrará um Cavaleiro de Atena! – exclamou o de aparência madura.

– Ainda assim, só pude lutar por tantas horas, pois não lutaste com o teu melhor. Se, porém, o tivesses feito, asseguro-te que eu já estaria caído há horas atrás. – disse o outro.

– Não se menospreze Elyon.

– Não me menosprezo. Apenas sou sincero comigo mesmo. Melhor que eu mesmo confronte a verdade, do que outra pessoa me faça fazê-lo. Mas juro-te – Elyon olhou para os céus. – Que me tornarei uma estrela tão radiante – não, ainda mais radiante que tu, irmão.

– Eu aguardarei por este dia chegar ansiosamente. - o homem sorriu. – De qualquer forma, é melhor retornarmos para casa. Kriot deve estar se corroendo de preocupação.

Elyon assentiu com um gesto de cabeça, e seguiu seu irmão enquanto ele adentrava na floresta negra, sem temer os olhares sanguinários que os espreitavam ou os grunhidos e arquejos que irrompiam das sombras. Na verdade, não havia o que temerem; nem mesmo o mais voraz dos ursos ou mais feroz dos leões poderiam subjugá-los.

Traçando atalhos pela densa floresta, não demoraram em chegar a uma clareira, onde imperava a tranqüilidade e paz do paraíso. Pirilampos suavemente flutuavam pelo local, adornando-o com suas luzes adoráveis. O cricrilo dos grilos era o único som no local; porém, não chegava a ser irritante. Pelo contrário, era uma melodia tão serena que poria qualquer infante para dormir. O doce aroma da relva alastrava-se graciosamente por toda a clareira, adentrando pela narina dos dois irmãos e amainando seus conturbados corações, lhes convidando ao sono dos justos.

No centro da clareira, havia uma choupana simples e humilde. A estrutura de madeira gasta, repleta de marcas de cupins, já tencionava ruir. As janelas desprovidas de vidraças não garantiam quaisquer sentimentos de segurança. A porta frágil e ruidosa cambaleava toda vez que era movida. Ainda assim, os três rapazes que viviam ali se sentiam felizes; não eram cobiçosos ou desejosos por luxos. Sorrisos se lhes serviam de ouro, e risadas se lhes serviam de prata. Contanto que estivessem juntos, aquela morada – se é que podia ser chamada disto – lhes seria o mais ostentoso dos palácios; no calor dos braços de seus irmãos, se sentiriam tão seguros quanto detrás dos muros de Jericó.

Elyon e seu irmão cruzaram a clareira com passadas largas e velozes, rumando para a choupana. Entretanto, antes que sequer pudessem agarrar a maçaneta, a porta abriu-se, e dela irrompeu um garoto, em cuja face reluzia a pureza da infância. Seus cabelos lisos e descoloridos hauriam a luz do luar, emitindo uma luz tão cálida quanto a do Sol da Manhã. Seus olhos azulados e profundos eram semelhantes a gemas que adornam os diademas das rainhas. Seus lábios devidamente avermelhados já profetizavam quão bela e doce seria sua voz, não conspurcada pela lascívia ou ganância que dominam os homens que a elas se rendem.

– Vocês demoraram! Disseram-me que retornariam antes que o sol se pusesse, e, vejam, a lua já nasceu faz quase uma hora!

– Perdão, Kriot. Mas tamanha foi a empolgação que me sobreveio enfrentando Elyon que me esqueci do que te prometera. Porém, estamos de volta a casa, não estamos? Entremos e comamos. O que preparaste para nós, Kriot?

Kriot, guiando seu irmão pela mão para dentro da morada, apontou para o centro do cômodo, onde a tênue chama de um lampião alumiava uma pequena porção do cômodo, revelando a imagem de um peixe que repousava sobre a mesa. Os três irmãos avançaram e assentaram-se nas cadeiras de pernas vacilantes e espaldares frouxos e, dando graças a qualquer que fosse seu deus, dedicaram-se única e exclusivamente ao sabor sagrado daquele peixe. Aquela parca refeição lhes era como os ostentosos banquetes dos reis e fidalgos.

Tendo saciado sua fome, os três engajaram numa conversa, como lhes era de costume:

– Por ventura vocês escolheram este dia para me surpreender? Há muito não como comida tão saborosa!

– Empenhei-me em preparar o mais apetitoso dos jantares para satisfazer seus paladares.

– E não nos decepcionou. De qualquer forma – o mais velho dos três se levantou. – Devemos ir dormir. Logo pela alvorada daremos início ao treino diário, Elyon, e, portanto deves estar descansado. Creio que o treino de hoje exaurira tuas forças, não?

Elyon, sem nada dizer, assentiu e ergueu-se, silencioso como uma serpente que espreita sua presa. Inclinou-se e beijou a cabeça de Kriot; transbordava de seus lábios um amor tão casto que nem mesmo as estrelas poderiam ilustrar. Rumou para seus aposentos vagarosamente, demonstrando quão fadigado estava. Kriot o seguiu após abraçar o mais velho.

Quanto ao mais velho, permanecera acordado, a despeito da ordem que dera aos seus irmãos. Dirigira-se para fora da choupana e, deitado sobre a relva macia, contemplava as constelações que luziam no firmamento. Chamava cada uma por seu devido nome, e elas, como se pudessem ouvi-lo, respondiam luzindo com intensidade ainda maior.

– Deves saber que não podes ocultar-te de mim. Revela-te. – disse ele, sem desviar seu olhar fito nas estrelas.

De detrás dos arbustos surgiu um homem. Era vigoroso como um touro e alto como um abeto, características que, somadas a sua vilosidade e aos cabelos ruivos e desgrenhados que lhe caiam sobre a face, lhe faziam assemelhar-se a um bárbaro qualquer. Sua barba ruiva, besuntada em óleo perfumado, e o manto de caxemira, porém, lhe davam um ar mais respeitoso, mas ainda assim amedrontador.

– Como se chamas?

– Aseroth. – respondeu o homem, com a voz rouca que se esperava.

– A serviço de quem vens até mim, meu caro Aseroth?

– Venho a ti sob ordens de Vossa Santidade, meu senhor.

– Tal qual eu imaginara. – disse ele, assentando-se e olhando para Aseroth. – Suponho que vieste para anunciar a profecia que Delios recebera, correto?

– Sim, meu senhor. – Aseroth prostrou-se, demonstrando respeito por aquele homem, que de fato o merecia. – Fora esta a profecia...

Se quiseres a desgraça precoce evitar

E tempo ter para encontrar a esperança

Deverás temer uma frágil criança

E um cordeiro da casa de Prometeu sacrificar.”

O homem ergueu-se num salto, demonstrando em seu semblante certo temor. Compreendia cada verso da profecia; compreendia-os, e por isto os temia.

– Aseroth, quando Delios entregou-te esta mensagem, estava ele aflito?

– Perdoe-me, senhor, mas receio não ter como responder-te com certeza.

– Entendo. – o homem assumiu um tom de voz langoroso. – Aseroth, quando retornares ao Santuário, diga a Delios que não tema esta profecia, pois o destino cumprir-se-á, e não há nada que possamos fazer para evitá-lo. Diga a ele que eu, porém, já o aceitei.

– Claro, meu senhor. Irei me retirar, com licença.

– Porque não dormes aqui Aseroth? Creio que devas estar fadigado devido à tua longa viagem. Repouse em meu lar esta noite, e, pela manhã, tome teu caminho. Apenas peço-te que não deixes meus irmãos notarem tua presença ou te virem.

– Obrigado. – disse Aseroth, aliviado. Há dias não descansava apropriadamente, tamanha era sua dedicação à tarefa que lhe fora entregue.

Os dois adentraram na choupana, onde a Aseroth foi designado um quarto: um quarto preenchido por uma cama – nada mais, nada menos. Quanto ao outro homem, não necessitava de cama alguma, ou quarto algum; não viria a dormir naquela noite. Ao invés disso, engajar-se-ia em caminhar a esmo pela floresta obscura, aproveitando a tranqüilidade daquele ninho de predadores para lavar sua mente de toda e qualquer preocupação advinda das palavras recitadas por Aseroth. Cada vez que se lembrava de tais palavras, sentia sobrevir-lhe um peso esmagador. Seus olhos marejados fitavam as estrelas com pesar, como que clamando para que estas estivessem enganadas em sua profecia. Seus passos vagarosos se tornavam cada vez mais lentos e hesitantes. Sua dor se tornava cada vez mais intensa – e insuportável.

– Porque – disse, ajoelhando-se, em prantos. – Porque ele?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.



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