Um menino no espaço - 2ª parte escrita por Celso Innocente
Algumas horas mais tarde, me levantei; ainda estava doente. Em passos lentos, me dirigi à porta que se abriu. Saí, indo até uma saleta, onde havia uma geladeira, idêntica à da Terra. Abri-a e apanhei um frasco de uma bebida, tipo iogurte. Abri-o, era verde como abacate; sem me importar com a cor, experimentei-o; apesar de estar com a boca amarga e dentes grossos por falta de higiene bucal, o gosto era bom e não pude identificá-lo; tomei tudo, depois tirei o papel tipo seda que envolvia o frasco e o devorei, pois era feito de um produto comestível, assim como casquinha de sorvete. Retornei, seguindo ao sentido da cabine da nave. Parei na porta de entrada e fiquei observando Rud e o espaço, através do visor frontal, como um pára-brisa de carro, só que bem maior e mais nítido. O espaço estava escuro e tudo que se podia ver, eram milhões de lampadinhas, que brilhavam a nosso encontro. Eu já sabia que eram as luzes das estrelas; pois com nossa enorme velocidade, parecia que as estrelas corriam conosco, mesmo sabendo que elas estavam a milhares de anos-luz de distância.
— Entre, Regis! — Chamou-me Rud. — Sente-se na outra poltrona.
Obedeci-o, calado.
— Você ainda está doente?
Acenei que sim.
— Comeu alguma coisa?
— Não tenho fome! — Neguei.
— Se continuar assim, não vai sarar nunca!
— Não me importo!
— Você quer morrer?
Balancei os ombros, como a dizer: Tanto faz.
— Você precisa deixar desse bico e procurar ficar contente; afinal, você é o único menino de seu planeta, a ter uma aventura no espaço.
Não pude me conter e recomecei a chorar.
— Pode parar com isso! — Ordenou-me Rud. — Vamos fechar essa torneirinha! Você só sabe chorar... Chorar... Não dá pra ficar feliz um pouco?
Nesse momento, entrou Tony, que a me ver, disse à Rud:
— Não se importe muito com ele. Ele é um problema do Frene.
Virou-se para mim, dizendo:
— Ouça aqui garoto: quero que você saiba que se dependesse de mim, jamais lhe buscaria novamente. Por isso, nada de brigar comigo.
— Sequestrador que faz o que outro manda, é bandido igual!
— Se eu fosse você, procuraria ficar um pouco feliz e aproveitar a viagem. Chegando a Suster, você convence o Frene, a te devolver à Terra e pronto.
— Daqui quanto tempo? — Perguntei chorando. — Um ano talvez! Com isto meus pais ficam loucos!
— Seus pais sabem que você está conosco, Regis. — Insinuou o senhor Rud. — E eles sabem que o amamos e o tratamos bem! Portanto, eles irão entender.
Levantei e fui me retirando devagar.
— Regis. — Insistiu o senhor Rud.
Olhei para trás.
— Perdoe a gente; tá!
Não respondi e saí devagar.
— Deixe, Rud. — Pediu Tony. — Logo ele ficará bom.
— Regis! — Insistiu o senhor Rud.
Olhei para trás e ele pediu:
— Vá ao banheiro e escove os dentes! Está com mau hálito.
Apesar de eles serem duros na queda, sabia que no fundo, os dois me compreendiam e me davam razão em estar muito triste e revoltado.
©©©
O tempo foi passando lentamente e eu continuava muito revoltado. Não aceitava a idéia de ter sido novamente retirado de meu mundo, como se fosse um objeto qualquer, fazendo sofrer, a todos a quem gosto, inclusive a mim próprio.
Já havíamos viajado pelo menos umas quinhentas horas susterianas; o que significava pouco mais da metade do caminho, para Suster. Ou seja: uns trinta e sete dias terráqueos de viagem. Para mim, não mais do que quatro ou cinco. Eu continuava triste e sem vontade sequer, de sair de meu quarto. Geralmente o senhor Rud me visitava e passávamos horas conversando, onde, quase só ele falava. Quando estava sozinho, passava o tempo lendo, escrevendo ou desenhando. Às vezes, ia até a cabine e ficava observando o espaço, que geralmente, estava escuro como trevas, mas às vezes, era dia como na Terra.
Desta feita, o senhor Rud, entrou em meu quarto e me surpreendeu desenhando. Meu desenho era a espaçonave, na qual viajávamos. Não estava bonita, mas como os pais gostam de elogiar o trabalho dos filhos, ele disse:
— Que desenho lindo!
— Lindo nada! — Neguei, como todo menino manhoso, costuma fazer pra chamar a atenção. — Está horrível!
— Horrível? É a melhor obra de arte que eu já vi!
Dei um sorriso forçado.
— Por que você não ri direito? Ãh!
— Porque estou muito triste! — Aleguei, fechando o caderno.
— Está triste porque quer! Já passou da hora de voltar a sorrir! Vamos ficar feliz?
Pegou-me, me jogando de bruços em seu ombro, dizendo:
— Vamos dar uma pequena voltinha! — E foi saindo.
— Pare com isso, senhor Rud! Ponha-me no chão!
— Ponho nada! Não quero mais ver você triste.
— Me deixe no chão! — Pedi rindo.
— Desça se for capaz!
E seguiu comigo até a cabine da nave. O que importava, era que por um momento, eu estava sorrindo.
— Tony, agora você vai descansar, porque está na hora de pôr o Regis pra trabalhar!
— Acho bom mesmo! — Insinuou Tony. — Estou precisando tirar uma soneca.
Levantou-se e ao sair, ainda disse:
— Boa sorte, aos dois!
— Obrigado! — Agradeceu Rud, me colocando na poltrona.
— Sente-se aqui! Agora é você quem vai pilotar esta coisa!
Estava no comando daquele enorme disco voador e acionei a chave manual. O que importava, era que a tristeza havia desaparecido de meu semblante e um sorriso, fazia parte de meu ser. O senhor Rud sentou-se na outra poltrona e ficou me observando.
— Senhor Rud, por que vocês não deixam a nave seguir sozinha, no automático?
— Porque ela pode se desviar de nossa rota.
— Se é automático, ela deveria obedecer ao mapa. Afinal, não é um computador?
— Claro! Porém, é melhor pilotarmos no manual! Ou você já está com preguiça?
— Eu não! Vou pilotar, até chegarmos a Suster!
— Não vai mais dormir?
— Eu não! Durmo quando chegarmos lá!
— Ainda temos pela frente, quatrocentos e quarenta e três horas, Regis.
— Mas vou ficar aqui! Quando estiver cansado, ligo o automático e durmo aqui mesmo!
Ele riu e ficou me observando com o olhar de conquista.
— Senhor Rud...
— Primeiramente, por que você não para de me chamar de senhor Rud! — Interferiu ele.
— Como devo chamá-lo?
— De papi, seria muito pedir pra você me chamar! Não?
— Já tenho meu pai, senhor Rud! — Insinuei triste.
— O que custa ter mais alguns bilhões de pais? — Riu ele.
— To ferrado! — Esbocei leve sorriso.
— Só vai ficar muito mimado! O que você ia perguntar?
— A gente viaja durante muitos dias, sempre assim e nunca toma banho?
— Aqui na nave não se precisa tomar banho. O clima aqui é sempre o mesmo. A gente não sente calor, nem frio. A gente não sua, porém, não cheira mal.
— Gostaria de ficar sempre aqui!
— Por quê? Você não gosta de tomar banho?
— Enche o saco!
— Mesmo depois de entrar no galinheiro da vovó e se encher de piolhos?
— Ãh! — Me admirei. — Como o senhor sabe disso?
— O senhor Frene me mostrou!
Nos calamos por alguns segundos.
Os tais piolhos, no galinheiro de vovó, foi quando eu contava sete anos de idade e fôra passear na cidade de Barbosa, em sua grande e bonita chácara; local ideal para uma criança peralta e aventureira, como eu era. Com isto, embora morasse no sítio grande e cheio de aventuras, explorava ao máximo aquela grande chácara, cheinha de novidades e como já era final de tarde e já tivesse tomado banho, acabei entrando em seu galinheiro... Ao dormir à noite, comecei a virar na cama para todos os lados sem conseguir dormir, sentindo bilhões, de alguma coisa minúscula, andando sobre meu corpo inteiro. Quando mamãe me questionou o que estaria havendo, vovô gritou:
— Moleque arteiro estava no galinheiro! Deve estar cheio de piolhos!
A luz foi acesa e mamãe me investigou. Resultado final: um novo e delicioso banho, no chuveiro incrementado de vovó e toda a roupa, inclusive da caminha de ferro, substituída.
Cortei o silêncio:
— Chegando a Suster, as pessoas vão querer me tratar como bebezinho novamente?
— Por quê? Elas te tratavam assim?
— Claro! Viviam me paparicando! Regis, você está bem? Regis, vamos tomar banho! Regis, você é uma gracinha! Que menininho bonitinho!... Até o senhor Frene, agia assim!
— Impressão sua! As pessoas te adoram e você é uma criança! Não te tratam como um bebezinho!
— E o Luecy? Ele ficava caçoando de mim!
— O robô? O que ele fazia?
— O menino da Terra está vazando! — Imitei-o. — Seu corpo sem casca é uma gracinha!...
— Sem casca? — Não entendeu o homem.
— Sem roupa!
— E vazando por quê? Chorando ou fazendo xixi?
— Os dois!
— Até ele está te aguardando!
— Tenho saudades dele!
— E de quem mais?
— Da Leandra, do senhor Frene… e de meus pais…
— Entendo.
Apertou algumas teclas, o botão erre cinco (R-5) e chamou pelo rádio:
— Espaçonave chamando Suster! Responda coman-do!
Apareceu a imagem do computador gigante; porém o senhor Frene não estava. Através de outra tecla, o senhor Rud, fez disparar um alarme, na grã-fina residência susteriana. Alguns segundos depois, entrou o senhor Frene, que se sentando em sua poltrona, acionou uma tecla e disse:
— Veja só quem está na cabine! Como vai, Regis?
— Estou com muita raiva do senhor!
— Ora! Por quê?
— Não preciso dizer! E não quero falar com o senhor!
— Você sabe que nós só queremos o seu bem!
— Então faça esta nave me levar de volta à Terra!
— Calma aí! Você ainda nem chegou a meu planeta!
— E nem pretendo chegar!
— Que ingratidão!
— Me lembro muito bem, quando o senhor me disse, que só me buscaria na Terra, caso eu chamasse. E pelo que estou sabendo, nunca chamei!
— Concordo! Mas resolvi pedir pra buscá-lo assim mesmo! Prometo que você será feliz conosco!
— Não serei mesmo! Acho bom o senhor não conversar mais comigo!
— Por quê?
— Porque eu te odeio!
— Mentira! — Riu ele.
— Te odeio mesmo!
— Em seu coraçãozinho não há lugar pra ódio, Regis!
— O senhor é que pensa! Desligue este rádio, senhor Rud.
— Não faça assim, Regis! — Pediu-me o senhor Rud.
— Faço sim! — E apertei a tecla R-5, que me fez cortar a transmissão com o senhor Frene. Só que eu ainda o via e ouvia.
— Regis, não pare de falar comigo! Por favor!
— Senhor Rud, desligue isso, ou então vou sair daqui!
Ele acionou a tecla R-5 e disse:
— Senhor Frene, vou desligar! Voltarei a chamar mais tarde!
E realmente desligou o chefão.
— Por que fez isso, Regis?
— Porque não gosto dele!
— Nós dois sabemos que não é verdade!
— Se eu amolecer, ele não me levará de volta pra casa!
— Se soubesse que você ficaria triste novamente, não teria chamado o senhor Frene.
— Podia ter perguntado antes!
— Agora dê um sorriso! Vai!
Estava realmente chateado.
— Adulto, acho que não tem coração!
— Como assim?
— Não dá pra acreditar, que não sabe que estou com raiva do senhor Frene! Não tenho uma chavinha no peito, que posso acioná-la, mudando meus sentimentos, me desligando da Terra pra me ligar com Suster!
— Desculpe! — Acho que ele me entendeu, um pouquinho.
Durante algumas horas, seguimos juntos, conver-sando sobre muitos assuntos, diante daquele comando. É lógico, que mesmo em comando manual, a nave continuava sendo praticamente pilotada pelo computador; caso contrário, qualquer pequeno desvio de nossa atenção, ela se chocaria com gigantescos meteoritos no espaço, ou no mínimo, se desviaria da rota correta, nos levando a qualquer lugar perdido, menos Suster. Já sabia, desde a outra vez, que se a nave se desviasse da rota original, apenas um milímetro, era suficiente para se desviar de Suster, em milhares de quilômetros.
O senhor Frene, não voltou a nos chamar. Ele, com certeza, sabia, que seria melhor dar um tempo, para que o senhor Rud, me conquistasse de vez.
Mais tarde, quando o senhor Tony, retornou à cabine, o senhor Rud, acionou o automático e nós três, juntos, nos dirigimos à considerada cozinha, onde, depois de vários dias em jejum, fomos nos alimentar, com comidas em conservas.
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