Um menino no espaço - 2ª parte escrita por Celso Innocente


Capítulo 3
Um novo amigo.




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De volta à minha cidade, aos poucos minha vida foi voltando ao normal.

Nos primeiros dias, meus coleguinhas enciumados, me especulavam sobre a NASA americana, mas quase nunca sobre o planeta Suster. Já alguns jornalistas, ainda persistiam em saber mais detalhes, tanto sobre a viagem aos Estados Unidos da América, quanto e principalmente ao cosmos.

Com o passar dos dias, o assunto foi ficando sem interesse e praticamente ninguém mais se lembrava do ocorrido.

Ao sair da escola, às dezessete horas, sem a compa-nhia da colega Beth, seguia de volta para casa, quando um garoto, andando depressa, me chamou:

— Regis.

Virei-me. Era um menininho branco, de cabelos negros, lisos, nove anos de idade, que estudava comigo.

— Posso ir com você? — Me perguntou.

— Onde?

— Pra casa!

Continuamos andando.

— Onde você mora? — Perguntei-lhe.

— Perto do Santuário de Fátima.

— Como você se chama?

— Erick!

— Você tem nome estrangeiro! Seus pais são Ameri-canos?

Acenou que sim, embora, sem muita certeza.

— Eu estive nos Estados Unidos, na NASA!

— E no outro planeta? Deve ter sido legal à beça.

— Foi sim! Mas eu não quero morar lá!

— Eu gostaria de morar lá! — Exclamou ele. — Já imaginou ser sempre criança! Nada de escola pra encher o saco! Nada de outros moleques...

— Outros moleques fazem falta! — Insinuei convicto.

— Gosto de ficar sozinho!

— Se você quiser, peço ao senhor Frene, pra levá-lo com ele.

— Ia ser um barato!

— Você tem muitos brinquedos? — Perguntei-lhe.

— Claro! Tenho um quarto cheio!

— Seus pais são bons pra você?

— Magníficos! Meu pai viaja muito pros Estados Unidos.

— E sua mãe?

— Minha mãe? — Pensou um pouco. — Cuida de nossa casa.

— Qualquer dia, você deixa eu ir à sua casa ver seus brinquedos?

— Qualquer dia... E você tem muitos brinquedos?

— Não muito! — Neguei um pouco triste. — Meus pais são pobres e não podem comprar brinquedos.

— E...eles…são…bons…?

— São! Meus pais me amam muito! Principalmente após eu ter voltado de Suster.

— Antes eles não te amavam?

— Sempre me amaram! É que agora eles pensam que sou feito de louça. — Ri de minha própria metáfora.

Chegando à frente de uma belíssima casa, atrás da igreja Nossa Senhora de Fátima, com a parede frontal, embora pintada em cinza bem claro, feita de tijolos à vista, Erick parou e me disse:

— É aqui que eu moro. Tchau!

— Puxa! — Exclamei. — Sua casa é bonita! Será que eu não posso entrar e ver seus brinquedos?

— Não! — Negou ele sério. — Meu pai não gosta que eu leve ninguém pra mexer em meus brinquedos.

— Prometo que não estrago. Terei muito cuidado.

— Não posso te levar hoje. Meu pai tem uma reunião importante.

— Ele não está viajando?

— Hoje não!

— A gente não faz barulho.

— Não! Agora você precisa ir embora!

— Está bem! Tchau!

Segui para casa, com certa ponta de inveja, daquele menino rico, com um quarto cheio de brinquedos, sendo que em casa tínhamos alguns poucos, que eram repartidos entre nós irmãos e a maioria, ainda estavam quebrados.

©©©

Na tarde seguinte, ao voltar da escola, ele tornou a me acompanhar pedindo:

— Regis, posso ir a sua casa, ver seus brinquedos?

— Ora Erick, eu tenho poucos brinquedos! Meus pais não podem comprar muitos!

— Mesmo assim, eu gostaria de ir.

— Você promete que não vai reparar?

— Claro que não! Somos amigos!

— Sua mãe não vai se preocupar, por você se atrasar?

— Já disse a ela que iria à sua casa.

— Então vamos! — Chamei-o. — Mas eu moro longe.

— Sua mãe não vai brigar com você?

— Por quê?

— Levar gente na sua casa!

— Ela gosta que eu tenha amigos!

Chegando a minha casa, segui com Erick, direto a meu quarto, coloquei o material escolar sobre a cômoda, abri o guarda-roupas, apanhei uma caixa de papelão, cheia de tranqueirada, despejando tudo no chão, onde sentamos. Erick, apesar de menino rico, ficou encantado com minha coleção de super-heróis de plástico, como Hulk, homem-pássaro, Spiderman, superman, Batman, Robin, homem submarino, zorro, fantasma, mulher maravilha… Carrinhos de fricção em miniatura e outros, sem fricção; meus gibis do Batman, Durango Kid, Fantasma, Tarzan, Tio Patinhas, Flash Gordon, Brasinha... Cadernos usados da primeira e segunda série; o presentinho feito para minha mãe na primeira série e que ainda continuava comigo; um cartão com as impressões digitais de minhas mãos e pés, quando eu era ainda bem pequeno; uma mecha de meu primeiro cabelo, que na época era quase loiro e muitas outras bagunças.

Meia hora brincando e mamãe entrou no quarto, ordenando:

— Regis, tire essa roupa da escola!

Levantei-me, tirei aquelas roupas, vesti apenas um short surrado preto e uma camiseta amarela, sem cavas e voltei a brincar com meu novo amiguinho; desta feita na sala, jogando Pacman, no moderníssimo e invejado videogame Atari.

Seis e meia da tarde, já escuro, mamãe voltou e pediu:

— Regis, guarde essa bagunça e venha com seu amiguinho jantar.

Ajudado por Erick, guardei o vídeo game na estante da sala, depois, todos os brinquedos, que estavam espalhados pelo chão do quarto e fomos para a copa, onde sentamos para o jantar.

— Não se usa lavar as mãos? — Caçoou mamãe.

Corremos lavar as mãos e voltamos rápido.

O jantar era simples: arroz, feijão, salada de alface e carne de panela. Erick, porém, comeu duas vezes, sem reparar. Tomou um copo de suco e chamou-me:

— Vamos jogar vídeo game!

— Seus pais não vão se preocupar com você? — Perguntei novamente.

— Vai nada!

— Os pais dele sabem que ele está aqui? — Perguntou-me mamãe. — Não vão se preocupar?

— Eles não sabem não, mamãe! — Neguei. — Nós viemos direto da escola.

— Que isso menino! — Assustou-se mamãe. — Vá logo pra sua casa. Eles devem estar loucos, te procurando.

— Não estão! — Negou Erick.

©©©

Durante vários dias, tentei convencer Erick, em deixar-me ver seus brinquedos, mas ele sempre recusava, alegando seu pai, não permitir. No entanto, ele ia constantemente à minha casa comigo, permanecendo por lá, até por volta de oito horas da noite, afirmando já ter avisado sua mãe.

Passado uns dez dias, tive uma surpresa. Após ter-lhe dito tchau, na porta de sua casa, fingi ter ido embora e me escondi; ele parou no portão da casa, aguardou um pouco, depois retornou, no sentido da escola. Na esquina seguinte, sem perceber que estava sendo seguido, subiu; no meio da quadra, entrou em uma casa pequena, sem reboco e com as janelas, tapadas por plástico velho; então me aproximei, aguardei alguns segundos e o chamei em voz alta:

— Erick!

Já sem camisa e de short, me atendeu, acompanhado por uma mulher de seus quarenta anos de idade.

— O que você veio fazer aqui? — Perguntei-lhe.

— O que você quer, garoto? — Perguntou-me a mulher. — Ele mora aqui!

— A senhora é a mãe dele? — Perguntei-lhe.

— Eu cuido dele! A mãe dele é uma biscate, que ninguém sabe onde está! Não dá a mínima pra ele.

— Minha mãe não é biscate! — Negou bravo, o menino.

— É sim! Por acaso você sabe por onde ela anda?

— Está viajando! — Disse ele, ainda bravo.

— Viajando atrás de macho!

— E seu pai, Erick? — Perguntei-lhe.

— Que pai, garoto? Nem a mãe dele, sabe quem é o pai dele!

— Vá embora daqui, Regis! — Ordenou-me o garoto. — Quem mandou você vir xeretar aqui?

Eu não sabia o que dizer ou o que fazer. Acho que só soube mesmo, ir embora.

Chegando em casa muito triste, papai, que não era nada bobo, percebeu logo. Entrei em meu quarto, joguei meu material escolar sobre a cômoda, troquei de roupas, apanhei nosso cachorrinho paulistinha marrom, de nome Jerry e sentei-me na cama. Papai entrou, sentou-se a meu lado, pedindo:

— Vamos lá Regis, desabafe. O que houve?

— Não falei nada!

— E precisa? Alguém brigou com você na escola?

— Sabe o Erick?

— Seu amiguinho!

— É! Ele não é rico não, papai!

— E daí? Você descobriu que ele é pobre e brigou com ele?

— Não! — Neguei ainda triste. — Ele não tem pai! A mãe dele vive… Sabe... Assim... Com outros homens…

Papai sentiu. Me abraçou com carinho e continuou:

— E ele? Com quem vive?

— Com uma mulher, boca suja!

— Como assim?

— Fica falando besteiras!

— E o que a gente pode fazer?

— Podíamos trazer ele pra morar conosco.

— Admiro seu ponto de vista. — Riu meio triste, papai. — Mas não pode ser assim, Regis. Nossa família já é grande. Não podemos arcar com mais essa responsabilidade.

— Uma vez vi falar que onde comem sete, pode comer oito! — Insinuei triste.

— Já somos oito! — Ironizou papai. — E depois, criança não é igual um cachorrinho, que se dá pra outra família! Alguém deve gostar de Erick.

— Duvido!

©©©

Antes do início das aulas, no dia seguinte, tentei falar com Erick, mas não o encontrei; pensei que tivesse faltado, mas na aula ele estava presente. No intervalo do recreio, procurei-o, mas ele desapareceu. À tarde, ao sairmos, ele andou depressa na frente; então corri em seu encalço, chamando-o:

— Erick, espere.

Ele não respondeu e não esperou.

Continuei correndo e ao alcançar-lhe, ele gritou:

— Me deixe em paz!

— Eu sou seu amigo, Erick!

— Não é mais!

— Por quê? O que eu te fiz?

— Se você continuar no meu pé, vou te dar um murro na boca!

— Não quero brigar com você! — Neguei. — Só quero ser seu amigo!

Enfiei a mão na bolsa, retirei um carrinho Passat à fricção e lhe estendi, dizendo:

— Olha, é um presente pra você!

Nervoso, ele deu um murro no carrinho, jogando-o longe.

— Não quero porcaria nenhuma! Não sou criancinha, pra brincar de carrinho idiota!

Continuou andando e eu parei. Apanhei o carrinho e suas rodinhas, que se soltara no chão. Tornei a encaixá-las e testei a fricção. Já não funcionava.

©©©

No outro dia, quem o evitou fui eu. Se bem que ele também não me procurou. Na sala de aula, às vezes ele me olhava e às vezes eu o olhava disfarçadamente. Porém, sem fazer muita questão, da amizade perdida.

Na saída das aulas, às dezessete horas, esperei por Beth, para minha companhia.

— O que houve Regis? Por que você me esperou hoje? — Perguntou-me ela. — Brigou com seu novo amiguinho?

— Ele é um idiota e mentiroso!

— E eu? Por que você nunca mais me esperou?

— Desculpe-me! Não tive essa intenção!

— Não se preocupe. Eu não fiquei com raiva. Você é menino e deve mesmo fazer amizade com outros meninos.

Na outra tarde, enquanto esperava por Beth, Erick se aproximou e sem me olhar, disse:

— Desculpe ter jogado o carrinho.

— Tudo bem! — Dei de ombros.

— Ele se quebrou?

— Não funciona mais, a fricção.

— Acho que estava nervoso.

Beth chegou dizendo:

— Já voltou à amizade?

— Erick, eu e a Beth, temos que ir. — Insinuei.

— Venha com a gente! — Chamou Beth.

Ele nos acompanhou calado, até a esquina de sua casa.

— Tchau! — Despediu-se de nós.

— Quando você quiser ir à minha casa pra brincarmos, pode ir. — Convidei-o a meu jeito. — Não estou de mal de você.

— Ta bom! Tchau!

No retorno à nossas casas, Beth, perguntou:

— Ele é muito pobre?

— Não tem pai… e nem mãe que presta!

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