Um menino no espaço - 2ª parte escrita por Celso Innocente


Capítulo 14
Encontro com o robô.




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Meia hora depois, sem camisa, trajando um shortinho dourado, feito talvez de seda, próprio para dormir, estava deitado em minha cama, quando a porta se abriu e entrou Luecy.

— O menino terráqueo voltou à seu lugar! — Disse ele com voz metálica.

— Aqui não é meu lugar, Luecy! — Neguei, me sentando na cama.

— Seu destino foi transformado. Você viverá em Suster, eternamente!

— Não! O senhor Frene vai me devolver. A gente ainda vai conversar… Mas você esqueceu meu nome?

— Não poderia esquecer! Seu nome está gravado em meu cérebro eletrônico!

— E como me chamo?

— Regis Fernando de Araújo! Nascido na Via-Láctea, Sistema Solar, planeta Terra, Brasil, estado de São Paulo, município de Penápolis, no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, de um mil novecentos e setenta e um; mês de Março, dia oito, cinco horas e quarenta e três segundos antes do meio dia.

— Puxa! Você sabe tudo! Mas minha mãe sempre me disse que eu nasci as quatro e cinquenta e nove da madrugada!

— Sou um robô de programa armazenado, melhor programado de todo o Universo! Você chegou a seu mundo materialista às quatro horas, cinquenta e nove minutos e dezessete segundos.

— Você sentiu saudades de mim?

— Saudade: um sentimento do coração! Robô não sente saudades!

— Que ingrato! Eu senti saudades!

— Robô não tem coração!

— Luecy: por que o aparelho tradutor, não conseguiu traduzir minha linguagem, com os habitantes do planeta Mark Três?

— Planeta Mark três! Meus sensores desconhecem esse planeta!

— Fui eu quem o batizou assim! Lembra do nome Mark Três?

— Mark III: robô susteriano, mais desenvolvido do Universo, construído na cidade de Merlin, planeta Suster, na Via Láctea, no ano cinco mil duzentos e sessenta.

— É verdade! Mas eu dei, em sua homenagem, o seu verdadeiro nome, ao planeta que pousamos pra consertar a nave.

— Não mereço, mas agradeço!

— Que isso Luecy! Você é meu amigo!

— Amigo: companheiro, camarada, afetivo, bondoso; alguém que tem amizade a outro.

— Engraçado: você não está usando aparelhinho tradutor. Nem eu! Como então, estamos conseguindo nos entender?

— Meus sensores, muito bem construídos, conse-guem decifrar qualquer linguagem falada no Universo!

— Convencido! — Me levantei. — Espere um pouco, que preciso ir ao banheiro!

— Vou consigo!

— Então vamos!

Fomos até o banheiro, que ficava ali mesmo no quarto; baixei um pouco o short sem cueca, para urinar.

— Menino da Terra, está vazando! — Caçoou ele.

— Que vazando o que, oh! Só estou fazendo xixi!

— Xixi: planta leguminosa do Brasil!

— Seu metido a inteligente! Xixi: urina…

— Urina: líquido segregado pelos rins, com impure-zas orgânicas, sendo eliminado pela uretra, após descer pelos ureteres, para a bexiga. Robô não tem urina!

— Claro que não! — Ri exagerado. — Você nem bebe água!

Ainda acompanhado pelo amigo de metal, retornei ao quarto. As roupas sujas, que havia deixado no chão, já não estavam. Com certeza, Leandra havia recolhido.

Pulei na cama macia, rindo e fiquei observando o robô caçoador.

— Você achava que eu estava vazando? Só você mesmo, Luecy!

— Relate suas proezas!

— Que proezas?

— As pessoas ainda o querem vê-lo in jejum?

— Que quê isso?!

— Precisa aprender a falar corretamente! — Caçoou novamente.

— Quero saber o que é in jejum!

— Despido!

— E o que você perguntou?

— As pessoas ainda o querem vê-lo in jejum?

— Não muito! Acho que já perceberam que sou homem!

— Homem: indivíduo humano, adulto, do sexo masculino. Você não é isso!

— Muito bem sabichão! E o que eu sou? Um menino?

— Menino: criança do sexo masculino; garoto; pequeno.

— Está bem! Sou criança, garoto… Mas prefiro ser assim mesmo! Instalaram um dicionário terráqueo em seus neur... Neurô... Em seu célebro?

— Célebro! Palavra desconhecida!

— Desconhecida o que, ou! Célebro... Cabeça!

— Opção encontrada! Cérebro! A parte anterior e superior do encéfalo... Parte que pensa, inteligência...

Após ficarmos em silêncio por alguns segundos, resolvi perguntar:

— Luecy, por que os habitantes do planeta Mark três não conseguiam me entender? Mesmo eu usando o aparelhinho que traduz tudo!

— Meus sensores não encontram planeta Mark Três!

— Estamos falando em círculo! — Reclamei bravo. — Já falamos sobre isso! Grave em sua memória! Planeta Mark Três!

— Minha memória eletrônica não reconhece Planeta Mark Três!

— Deixe pra lá! — Desanimei.

Por um instante, fiquei pensando vazio, depois mudei de assunto:

— Luecy, qual é minha idade de verdade?

— Considerando a hora local igual a quatorze horas, sessenta e oito minutos e dez segundos, sua verdadeira idade é igual a dezesseis anos, oitenta e nove dias, treze horas, vinte minutos e cinquenta segundos.

— O quê?!

— Na Terra: dez anos, trezentos e doze dias, quatorze horas, quarenta minutos e cinquenta segundos.

A porta se abriu e entrou o senhor Frene. Em suas mãos, ele trazia outro aparelhinho tradutor, igualzinho ao anterior.

— U ras nark is u fuy tresyiri gusgs, Ruhtra?

— Que loucura e esta? — Não entendi patavina.

— O que houve com o seu aparelhinho deste?

Estranho, mas então entendi.

Colocou o tal aparelho em meu pescoço insistindo:

— Agora você me entende! O que houve com o seu aparelhinho deste?

— O senhor Rud não contou?

— Disse apenas que quebrou e que você sabia como.

Tive medo de lhe dizer a verdade. Porém, acho que não adiantava mentir.

— Eu fiquei nervoso e o joguei na parede.

— Que culpa o aparelhinho tinha de seu nervosismo?

— Nem uma! Sei disso! Mas aconteceu!

— Sabe quanto nos custa um aparelho desses?

— Não senhor!

— O equivalente ao aparelho de vídeo-cassete de seu pai[1].

— Me desculpe!

— Aqui não se desculpa; castiga-se!

— O senhor vai me fazer ficar pelado, me bater e me amarrar?

— Não a esse ponto! Depois: pelado você já está!

— Não estou! — Neguei bravo. — Isto é roupa de dormir! Só que ninguém me deixa dormir por aqui!

— Você chegou hoje à Suster. Seria um prazer, fazer-lhe uma grande festa. Seu castigo será esse: não haverá festa!

Sorri me levantando e o abraçando dizendo:

— Obrigado!

— Não haverá festa, eu disse! Como você me agradece?

— Eu pensei… — Que apanharia. — Alem do mais, não quero festa!

E não queria mesmo! Festa reuniria dezenas de pessoas e eu não estava a fim de reencontrar nenhuma delas. Provavelmente reuniria também a televisão, para me mostrar como bichinho a toda sua população. Marketing era o que eu menos queria.

Segurou o novo aparelhinho em meu pescoço.

— É meu? — Perguntei contente.

— Promete que mesmo ficando nervoso, não o que-brará novamente?

— Prometo!

— Não descontará seu nervosismo no inocente?

— Arrependi muito em ter quebrado o outro!

— É seu pra sempre!

E se retirou, me deixando com Luecy, que insinuou, enquanto eu me sentava novamente na cama:

— Escapou de apanhar no traseiro!

— Eu faço aniversário, duas vezes por ano!

Ele se aproximou, esticou uma de suas mãos compridas, puxou minha orelha direita, dizendo:

— Leva puxão de orelhas, duas vezes por ano!

— Você que é assim, tão inteligente! Alguma vez na vida, vai coincidir de meu aniversário susteriano, cair no mesmo dia, de meu aniversário terráqueo?

Ele calculou rapidamente em seu cérebro eletrônico e afirmou:

— Considerando-se um ano susteriano, igual a duzentos e trinta e quatro dias, dezesseis horas, dois minutos e vinte e nove segundos terráqueos; as datas jamais coincidirão corretamente, porém, a data em que mais se aproximará será a de seus cento e noventa e três aniversá-rios, que será no dia terráqueo de oito de Março do ano dois mil e noventa e cinco, às quatro horas, cinquenta e nove minutos e dezessete segundos; o qual será seus cento e vinte e quatro aniversários terráqueo, dia trinta e um do ano cinco mil quatrocentos e trinta e nove, a uma hora, quarenta e seis minutos e setenta e sete segundos; com defasagem de apenas quarenta e três segundos.

— Nossa! Quanto tempo! Eu já estarei morto!

— Serás o mesmo que é hoje!

— Serei nada! Eu voltarei à Terra! Promessa do senhor Frene!

— Duvido muito!

— Espere pra ver!

Pensei um pouco e prossegui:

— Por que o ano de vocês, contam em data de cinco mil duzentos e não sei o quê...?

— Cinco mil duzentos e sessenta e três! — O comple-tou.

— Por quê? Teve algum Jesus, filho de Deus, criando um Novo Testamento?

— Quando o planeta foi atingido pela explosão nuclear não letal, causada pela morte de uma estrela distante, que transformou sua vida, em células não renováveis e seres inférteis, foi decidido em comissão de governo, o início de uma nova era susteriana, começando pelo ano zero.

A porta se abriu e entrou Leandra, trazendo minhas roupas, já limpas, secas e passadas. Quando a vi, corri a abraçá-la e beijá-la.

— Quantas saudades, meu amiguinho sapeca! — Insinuou ela.

— Não vou segurar velas! — Alegou Luecy, se retirando.

— Espere! — Pedi. — Nós não somos namorados!

— Um é pouco; dois é bom; três é demais! Voltarei depois! — E sumiu pelo corredor.

Leandra riu e sentamos juntos na cama.

— Que tal sua estadia na Terra?

— Eu amo meu planeta!

— E o meu?

— Amo ele também! Mas não posso ficar aqui!

— Já quer ir embora?

— Quero! — Fechei a cara.

— Fique conosco, Regis! Eu gosto tanto de você!

— Não posso Leandra! Eu gosto de você também! Mas ponha-se em meu lugar!

— Faremos de tudo pra que você seja muito feliz! O que depender de mim, pode contar a toda hora!

— Sei disso! Mas não adianta! Aqui eu jamais serei feliz!

— A gente precisa tentar

— Não! — Me levantei. — Mesmo que vocês me derem um Céu de presente! Como conseguirei ser feliz longe de minha família?

— Meu amiguinho! — Insinuou ela sentida. — Eu te amo tanto!

— Agora preciso ir falar com o senhor Frene!

Vesti uma bermuda por cima de tal short de seda e acompanho por ela, segui para a sala do grande computador. Ela passou direto pelo corredor e eu entrei. A porta se fechou atrás de mim. O senhor Frene não estava. Sentei-me na poltrona branca e olhando para a porta que poderia se abrir a qualquer momento, lentamente, comecei a operar as teclas daquela enorme máquina.

Não demorou muito tempo e o senhor Frene entrou, já gritando:

— Regis, não mexa aí!

Assustado, me levantei dizendo:

— Só queria observar a Terra!

— Não autorizo você mexer aí, sem que eu esteja junto!

— Vim aqui pra conversarmos.

— A Leandra me disse que você estava aqui! Você não iria dormir?

Dei de ombros, sentei-me na outra poltrona e perguntei-lhe:

— Quando o senhor vai me levar de volta?

— Ainda é muito cedo pra falarmos sobre isso!

— Não! Não é cedo! Eu preciso ir embora!

— Você acabou de chegar!

— Mas eu tenho que ir embora! Se o senhor não me levar, já vou dizer: serei capaz de roubar-lhe um disco voador e ir sozinho!

— Você se perderá novamente!

— Agora eu já aprendi! Não me perco mais!

— Até Rud e Tony, que são muito experientes se perderam! Imagine mero garotinho lindo, que nasceu ontem!

— Tenho dezessete anos!

— Grande idade! — Riu o senhor Frene.

— Muita experiência! — Falei convicto.

— Os controles computadorizados das naves, não ficam mais nelas como antes. Eu os guardo comigo e sem eles, as naves não saem do solo.

— Senhor Frene: vocês querem uma criança! Eu aceito! Vocês precisam de uma criança! Eu entendo! Tenho até uma proposta pro senhor.

— O que é?

— Tenho um amiguinho de minha idade, que gostaria muito de vir morar aqui. A mãe dele, não liga nada pra ele; vive biscateando, deixando ele sozinho abandonado, nas mãos dos outros. O pai dele me disseram que nem a mãe dele sabe quem é. Sabe senhor Frene: ele é muito bom, inteligente, educado, estudioso… sabe: homem não acha homem bonito, mas o Erick é muito simpático. Tenho certeza de que ele ficaria muito feliz, em vir morar aqui. Sei que aqui ele terá carinho e amor.

— Eu conheço seu amiguinho, Regis!

— Como?

— Muitas vezes eu vi vocês conversando!

— E então? O senhor não me trocaria por ele?

— Não posso! O Erick não vai substituir você! Tenho certeza que nós passaríamos a amá-lo muito também! Mas isso jamais faria deixarmos de amar você!

— Por favor!

— Se você quiser, eu posso mandar buscá-lo, pra ser seu amiguinho; pra você ter alguém de sua idade pra brincar e fazer companhia.

— Não quero nada! — Neguei bravo, me levantando. — Só quero ir embora!

— Regis, eu já lhe disse, que aqui você será eterno, sempre jovem, enquanto que na Terra você ficará velho, com o corpo enrugado, dolorido e doente!

— Sei muito bem o que acontecerá comigo!

— Mas tem algo muito grave, que você não sabe!

— Senhor Frene, por que não me deixa viver minha vida, junto com minha família? Por favor! Me ame um pouquinho!

— A vida na Terra está condenada em poucos anos!

— Mentira!

Saí correndo de volta a meu quarto, deitei-me de bruços, chorando.

Luecy, que me seguira, entrou e a me ver chorar, caçoou:

— Está vazando de novo!

— Não estou vazando nada, sua lata velha! Estou é chorando de raiva! Vá embora daqui!

— Mal educado!

— Sou mesmo! Vá embora!

— Não vou! Daqui não saio! Daqui ninguém me tira!

— Então fique aí plantado, feito um boboca!

— Boboca, é um filhote de gente, vazando!

Como ele tinha respostas para tudo, parei de falar e continuei chorando durante algum tempo, até conseguir adormecer.

[1] (Mais de quinhentos dólares).


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