Escudo escrita por Melzinha


Capítulo 8
Capítulo VIII- "Guiados pelo Coração"




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Escudo

Capítulo VIII

Por Mel

Guiados pelo Coração

Árvores tortas e troncos apodrecidos. Nunca imaginara que o caminho para Ueda fosse tão sombrio. A floresta parecia um cemitério, muito diferente dos bosques vivos das terras reais. O uivo dos lobos iniciou uma canção fúnebre diante da lua cheia, trazendo o vento frio do interior da colina para o bosque. Um forte arrepio percorreu o corpo da princesa.

“Isso aqui é assustador”- Falou aquecendo-se com as mãos- “Está muito escuro”.- Fez uma careta- “E eu odeio escuro...”.

“Não podemos correr o risco de sermos vistos durante do dia”- Comentou enquanto sua tocha iluminava o caminho- “Nunca se sabe...Além disso, amanhã chegaremos a Ueda”.-Pulou um galho.

“Ainda bem...”- Ajeitou o capuz azul turquesa cobrindo mais o rosto. – “Essa floresta me dá arrepios...”.

“A mim também”- Tomoyo comentou após uma careta engraçada.- “Tudo aqui é assustador e parece...não sei, morto”.

“E pensar que essas terras já pertenceram a Tomoeda...”- Apontou para o horizonte, após um suspiro.

“As terras de Gifu?”.- A morena ergueu uma sobrancelha.

“Sim. Quando eu tinha uns oito anos, elas foram tomadas de nós pelo reino de Osaka, mas as rebeliões internas a fizeram ‘terras de ninguém’. Isso foi o que o meu pai me contava”.- Deixou transparecer uma linha de tristeza nos olhos esmeraldas, acompanhada de um sorriso saudoso e triste.

“Seu pai foi um bom rei”- Eriol encarou a jovem princesa.- “Tomoeda sempre prosperou nas mãos dele. Muitos de nossa vila se mudaram para lá em busca de oportunidades e as acharam”.

“Meu pai sempre foi justo...e sempre amou seu povo”- Limpou uma lágrima solitária- “Por isso não posso deixar aquela mulher acabar com tudo o que ele construiu”.- Cerrou os punhos- “E pensar que nem do funeral dele eu pude participar inteiramente...”.

“Acalme-se, Sakura”- Tomoyo pediu carinhosamente pegando as mãos da amiga – “Tudo vai se ajeitar...”.

“Acho melhor pararmos aqui”- Eriol disse observando uma pequena caverna- “Vou pegar lenha para fazermos uma fogueira”- Comentou depositando a bolsa de couro no chão. Já era quase manhã. Pequenos raios de sol rompiam na escuridão acinzentando o cenário. Pegou um outro galho para criar uma segunda tocha e iluminar o lugar em que a esposa e a princesa esperariam.

Sakura sentou-se sobre um tronco caído seguida pela morena. Viajar longe das estradas e das margens não era fácil, não estava acostumada àquele tipo de aventura, mas não podiam facilitar. Não agora...Precisava encontrar o avô de qualquer maneira. Remexeu no bolso do casaco segurando o pequeno pingente quebrado. Era aquele objeto que a mantinha viva. Que lhe motivava a lembrar de tudo o que perdera e que não poderia desistir. Os olhos esmeraldas marearam demonstrando toda saudades que sentia.

O quanto ele lhe fazia falta...

“Sakura?”- Perguntou ao se deparar com a menina vendo o brilho da lua transpassar o lobo talhado. – “O que significa esse pingente?”.

Ela não respondeu de imediato. Na verdade seu coração perdeu um batimento com a simples lembrança dele...Do que aquilo realmente significava.

“Um presente...de alguém muito especial”.- Disse encarando o objeto com carinho, desejando que o tempo voltasse.

Desejando que ele voltasse.

“Entendo...”.-A encarou tristemente vendo a garota lutar contra as lágrimas, mas falhando miseravelmente. A abraçou com carinho tentando fazer a dor dela passar. Sentiu-se mal pela menina. Não saberia o que faria se tivesse perdido o marido. Imaginava o tipo de dor que a princesa estava passando,

“Shiiii”- Afagou os cabelos cor de mel, ao sentir as lágrimas quentes em seu pescoço- “Vai passar Sakura...Shiiiii...Vai ficar tudo bem”.

Os soluços foram cessando e ao poucos o calor do fogo da tocha de Tomoyo invadiu seu corpo, aquecendo sua pele. No fundo sabia que poderiam se passar cem anos...Aquela saudade sempre existiria...Sempre. Não teve tempo para adormecer, apesar das pálpebras cansadas e doloridas tentarem fazê-la esquecer, tentarem fazer o seu sofrimento passar. Um ruído estranho ecoou pelo bosque deixando o grupo em alerta. A morena bateu sem querer na tocha que se apagou, deixando apenas a luz que o marido segurava iluminando fracamente o lugar onde estavam. Os gravetos e troncos estavam amontoados para serem acendidos.

“Fiquem atrás de mim”- Eriol ordenou levantando sua tocha mais alto a medida que o barulho aumentava, mas assim que o cenário foi mais iluminado, redes de pesca caíram sobre eles.

Era uma armadilha.

“Ora, ora... o que temos aqui?”- O líder mascarado perguntou apontando para a bolsa recheada do médico enquanto a levantava com sua espada. Apesar de nada ter muito valor, era tudo o que tinham.- “Três viajantes solitários...no meio do bosque, mas que coragem”- Sorriu torto.

“Não temos nada de valor, meu senhor”- O médico respondeu baixo.

“Quem decide o valor, sou eu”.- Encarou-o de forma mortal. – “Vejo que é o líder do grupo...pois bem”- Revirou as coisas dentro da bolsa- “Um médico?”- Riu alto- “Mas isso veio exatamente a calhar...”.- Aproximou-se mais ainda. Sakura escondia-se atrás do capuz cada vez mais temendo pela segurança de seus amigos. Sentiram a pressão dos fios diminuírem. O homem havia cortado a rede. Com medo de ficar de pé, Sakura virou-se para árvore, mas uma segunda figura saiu de trás do tronco, assustando a princesa que não conseguiu evitar o grito.

“Duas mulheres?”- Riu de lado...- “Que tipo de homem viaja sozinho com duas mulheres pelo meio dos bosques de Gifu?”.- Aproximou-se de Sakura que se encolhia cada vez mais dentro do capuz- “Por que se esconde, pequena?”.- Tentou retirar-lhe o capuz, mas a princesa foi mais rápida e com uma manobra certeira empurrou o homem mascarado antes que ele pudesse tocá-la.

“Vejo que tem fibra”- Comentou reposicionando o queixo.- “Gosto disso numa mulher”.

Os olhos verdes se arregalaram, não permitiria que ele a tocasse...Nem por um decreto real.

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Era noite de seu aniversário de dezesseis anos. Os pássaros há muito tempo se recolheram deixando apenas as corujas cantando uma música sonolenta diante do luar. Cavalgar não estava nos seus planos, mas as estrelas estavam convidativas naquela noite em especial. Seu corcel branco reluzia nas campinas e tudo o que sentia era o vento levar seus longos cabelos para trás. Sentia-se livre...

“Deveria ter ficado no palácio, princesa”- Uma voz pouco familiar invadiu seus ouvidos. Assustou-se quando seu animal parou de repente fazendo com que perdesse o equilíbrio e caísse sobre a grama.

“Céus, Ruby! O que houve com você, garoto?”- Passou a mão no quadril olhando para cima. Um grupo de lordes cercaram-na em cima de seus cavalos.

“Alteza, alteza, alteza...”- Um deles começou com os olhos gulosos sobre ela- “Ficar sozinha, sem escolta, durante a madrugada não foi nada, nada esperto”- Ele cheirava a álcool.

“Não ouse se aproximar!”- Levantou-se rapidamente colocando-se em posição de defesa. Os outros dois homens riam da situação. Estavam bêbados, ou pior, haviam usado ópio. Em condições normais, jamais ousariam tentar algo contra a herdeira do trono. Sabiam quem era o guardião dela.

“E o que vossa alteza vai fazer?”.

Sem pensar duas vezes, pegou a espada que jazia na sela de Ruby e atacou o homem que mal conseguiu revidar o golpe sendo atingindo facilmente na perna. Os outros dois desceram de seus cavalos para atacá-la, mas ela fora mais rápida e impulsionando-se em uma pedra, feriu um deles no braço. O outro fugiu apavorado gritando como uma moça por ajuda. A princesa apontou sua espada para a garganta de um dos rapazes que tremeu igual vara verde.

“Fui treinada por um excelente professor...”- Sorriu de lado- “Não pense que só porque eu sou mulher não posso me defender sozinha”.

..

Escutou a voz de Meyling chamando-a de longe. Logo a presença de sua amiga invadiu o lugar. Os olhos rubis arregalaram-se quando viu o que acontecia. Dois homens feridos, sangrando, enquanto outro pedia ajuda correndo em círculos como um lunático.

“Mas o que aconteceu aqui?”.

“Esses ‘homens’ vão pensar duas vezes antes de tentar atacar uma moça novamente”.- Comentou triunfante.

Sabia que seu primo ficaria furioso quando descobrisse que princesa estava cavalgando sozinha na campina durante a madrugada, mas não pôde evitar um sorriso quando percebeu que todas as lições do treinamento serviram para alguma coisa.

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“Não ouse encostar em mim!”- Ela falou entre os dentes.- “Ou relar em qualquer um dos meus amigos!”.- Ela mantinha-se em posição de combate.

“Quem você pensa que é para me dar ordens?”.- A voz dele cresceu sobre ela, que tremeu sem perceber.

E agora? O que faria?

“Ou você retira essa droga de capuz, ou serei obrigado a retirá-lo com as minhas próprias mãos”.- Falou entre os dentes não gostando nada da posição altiva daquela mulher. Diante do silêncio dela, aproximou-se.- “Ah, não vai tirar? Pois bem!”- Empurrou Eriol para longe erguendo Tomoyo pelos cabelos que gritou de dor. Uma pequena adaga tocou o pescoço branquinho, enquanto ele mantinha uma ameaça silenciosa com o olhar.

“Não!”- Sakura gritou apavorada observando Eriol empalidecer, totalmente em choque.

O pequeno coração bateu tão acelerado que pensou que pararia a qualquer momento.

Deus, o que eu faço?

A faca cada vez mais pressionada contra a garganta a amiga. Não tinha opção. Não poderia deixar que nada acontecesse a eles. Com os olhos fitos nos do homem, Sakura retirou o capuz escutando protestos apavorados da morena.

“Oras...Mas...você é”.-Não conseguiu terminar a frase tamanha sua surpresa.

“Sakura Kinomoto, princesa de Tomoeda”.- Viu os dois darem passos para trás e largarem a menina que caiu com tudo no chão quase sufocada- “E eu ordeno que nos deixe ir”.- A voz antes meiga tornara-se ameaçadora.

“Isso é impossível...”- O homem balbuciou fascinado olhando a belíssima figura a sua frente- “Você é um es-espírito?”- Não seria difícil. Seres humanos não eram tão belos daquela forma. Jogou-se de joelhos- “Por favor, oh fantasma...Não nos leve para o além. Eu só estou tentando conseguir ajuda para a minha esposa que está doente e grávida”.- Ele mantinha o rosto em terra.- “Depois que a nova rainha assumiu Tomoeda, não há recursos...Eu nunca quis ser um fora da lei... eu era professor de harpa...Achei que poderia ser a rainha disfarçada tentando nos achar, por isso a ameaçamos”..

A outra pessoa retirou a mascara mostrando o rosto de uma mulher apavorada. – “Meu nome é Naoko Yanagisawa, eu era bibliotecária em Tomoeda, não íamos fazer mal algum a vocês...Mas precisávamos assustá-los, não sabíamos se faziam parte do exército de Tomoeda. Achamos que fossem espiões...Pessoas normais viajam pelas margens”.

Sakura deu dois passos para frente, compadecida do que via. Ela e Eriol trocaram olhares significativos. Tomoyo estava abraçada ao marido, enquanto o homem mascarado permanecia orando sem sequer olhá-la.

“Não sou espírito”- Disse ajoelhando-se e obrigando-o a encará-la.- “A rainha tentou me matar, mas não conseguiu”.

“Então...”- Ele caiu para trás revelando o rosto maduro que a máscara escondia- “Vossa altez-alteza está vi-viva?”.- Levantou-se pegando com força o braço dela que gritou assustada.

Eriol e Tomoyo se aproximaram puxando Sakura para longe daquele homem, que a olhava incrédulo. Tiveram medo de que fizessem mal a sua amiga. Tiveram medo de que ele a entregasse para a rainha.

“Solta ela!”- O médico ordenou nervoso sentindo a tensão nos olhos esmeraldas. O homem imediatamente soltou a princesa sem se dar conta do quão forte a segurava.

“Perdoem-me. Meu nome é Yoshiyuki Terada”.- Disse curvando-se em respeito a realeza.

“Terada?”- Tomoyo arregalou as belas ametistas- “O líder dos linces das montanhas?”.

“Linces das montanhas?”- Sakura ergueu uma sobrancelha- “Mas que raios é isso?”.

“É uma facção rebelde...”- Eriol explicou encarando o homem- “Que se opôs aos grandes impostos e penas de morte da nova rainha”.

“O povo está se rebelando contra a monarquia?”- A princesa perguntou espantada– “Precisamos parar essa mulher de alguma forma...Ela vai destruir Tomoeda”.

“Não sabíamos que estava viva”- Naoko encarou seriamente o grupo- “A rainha anunciou sua morte há cinco meses atrás, alteza. O povo achou que a senhorita havia enlouquecido e matado o rei...e por isso não houve funeral ou comoção por sua morte...o povo realmente queria a sua morte, que foi festejada em todos os cantos... até que...”- Respirou fundo olhando significativamente para Terada- “Até que um dia na biblioteca, há três meses atrás a rainha foi pessoalmente buscar um pergaminho grego sobre venenos. Eu estava organizando alguns escritos persas em uma das prateleiras, quando acabei escutando a conversa dela com o general...”.

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“Esses pergaminhos não estão traduzidos?”- Perguntou nervosa- “Preciso de alguém que saiba ler grego imediatamente”.

“Há um professor que tutorava a princesa. Ele vive em uma pequeno vilarejo afastado”.- Fez reverencia- “Posso buscá-lo agora mesmo, majestade”.

“Não posso correr o risco de saberem o que eu procuro meu caro general Spinel. Assim que ele traduzir esse pergaminho teremos que dar um jeito de que ele fique calado”.- Ela se movimentava pelo corredor. Naoko se encolheu mais ainda prestando muita atenção na conversa- “E sem gerar suspeitas, preciso calar de uma vez aquele monge abelhudo...Velho hipócrita!”- Cerrou os punhos- “Achou a segunda adaga de Fukushima e agora tem certeza de que alguém armou para a princesa”.

“Como ele a encontrou?”.- O general a olhou confuso.

“Isso eu não sei, mas... sentenciei a princesa a morte pelo o que ela fez com o pai. Se descobrem que não foi ela quem o fez, serei deposta...Talvez morta”- Aproximou-se sedutoramente do homem que engoliu seco ao sentir o maravilhoso perfume que os belos cabelos ruivos emanavam- “E não importa que quem o matou fui eu...Mortos não voltam a vida para contar o que aconteceu...”- Beijou o pescoço do homem que gemeu de prazer. – “E você precisa me ajudar, meu caro general”- Disse a última frase com a voz rouca fazendo todo o autocontrole daquele homem ir para o espaço e no entre os livros e pergaminhos, entregaram-se a luxúria.

“Tudo o que você quiser, majestade”- Sussurrou rendido aos próprios desejos.

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“Eu saí de lá quando os gemidos aumentaram...”- Continuou a narração após uma careta enojada- “Contei para os meus amigos o que havia acontecido e logo um pequeno e corajoso grupo se formou...Todos gostavam muito do rei”.- Suspirou- “Mas o exército estava corrompido e fomos obrigados a nos isolar nos bosques temendo por nossas vidas”.

“Isso não vai ficar assim”- Sakura cerrou os punhos encarando-os firmemente- “Precisamos tomar o reino de volta”- Encarou os amigos- “Partiremos agora mesmo para Ueda, quanto antes chegarmos, antes poderemos pedir ajuda a meu bisavô”.

“Escoltarei vocês até as fronteiras”- Propôs de imediato percebendo que Naoko se levantava.

“Espere...”- Eriol se pronunciou fazendo com que todos o encarasse. – “Você disse que sua esposa está doente”.

“E está”- Os olhos castanho mostrando um arrependimento fora do comum pelo o que fizera com o grupo, mas como líder, era sua responsabilidade cuidar de seu clã- “Ela tem febre... e está na sétima lua cheia em sua gestação”.

“Irei examiná-la”- Pegou seus pertences que estavam espalhados pelo chão.- “E assim que estiver medicada, partiremos para Ueda”.

Sakura sorriu resignada concordando com o amigo. O reino era feito por pessoas e aquelas pessoas, naquele momento, precisavam de ajuda. Sua vingança poderia esperar.

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Socando o saco de areia com toda força, Syaoran deixava o suor e a adrenalina das batidas repetidas afastar todos os pensamentos tristes de sua mente perturbada. Há doze dias havia socado o melhor amigo. Seu coração ainda doía pelo o que fizera, principalmente porque depois do ocorrido Yamasaki o ignorava da forma que podia. E tinha razão em fazê-lo, afinal o pequeno capitão só queria ajudá-lo. A culpa não era dele de que havia falhado em proteger o amor de sua vida. A culpa não era dele de que ela nunca voltaria...

Depois de tantos socos os dedos começaram a latejar. Abriu e fechou as mãos algumas vezes observando os calos em suas mãos. Uma pequena cicatriz chamou sua atenção levando seus pensamentos para longe.

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“Ele é só um menino pobre de rua!”- Um dos soldados zombou empurrando o novo integrante do exercito imperial- “Não passa de um cachorro vira-latas”.

“Venha, cachorrinho!”- Um outro soldado roubou seu cachecol imaginando que o menino houvesse invadido o campo de treinamento- “Roubei sua coleira”.

Syaoran aguentava calado todas as gozações daqueles homens, sem saber se poderia se defender ou não. Sentiu duas mãos fortes o empurrando para o chão e tudo o que viu foi a neve invadir seu rosto.

“Ora, o vira-latas gosta de neve”.- Um deles encheu a mão e empurrou mais neve dentro da boca do menino- “Então coma”.

“Já chega!”- A voz autoritária ecoou atrás de si fazendo com que os soldados todos desengonçados batessem continência.- “Vejo que têm tempo de sobra para zombarem com os novos integrantes então não vão se importar em descascar batatas”- O general sorriu de lado observando a careta dos seus subordinados. Aproximou-se de Syaoran que estava sujo de neve da cabeça aos pés.- “Você, rapaz, levante-se!”.- Sentiu os olhos ambares repousarem sobre ele- “Quantos anos tem?”.

“Treze, senhor”- Respondeu firmemente observando o sorriso do general aumentar.

“Oras! Treze!”- Tratou de apagar o sorriso rapidamente do rosto- “Mesmo sendo tão jovem, isso não o faz diferente de ninguém aqui. Será tratado como um soldado”- Estendeu uma pequena faca- “A começar descascando batatas”.- Olhou ameaçadoramente para eles- “E eu não quero ouvir mais um ‘piu’ de vocês enquanto o fazem, ouviram bem?”.

“Sim, senhor”- Responderam em uníssono ao verem mais de quinze sacos de batatas serem colocados a sua frente.

“Vocês têm duas horas”- Deu as costas. Os soldados trocaram olhares demorados.

“Treze anos?”- Um deles ousou dizer- “Como um jovem de treze anos conseguiu se inscrever no exército? Pensei que só poderiam se alistar com dezessete!”.- Olhou para o rapaz- “Quem é você pirralho. Filho que algum duque, disfarçado?”.

“Foi ele”- Um deles começou descascando uma batata- “Ele foi o menino que salvou a princesa de morrer afogada”.

“O protegido do rei?”- O outro arregalou os olhos com medo de que ele contasse ao soberano o que ocorrera.- “Estamos na boa, não é rapaz?”- Perguntou cutucando o menino que sem querer se cortou com a faca.

“Acho que sim”- Disse limpando a mão. Não tinha ideia do porque do medo refletido nos olhos deles.

“Ótimo!”- Estendeu um pano- “Meu nome é Kérberus, mas pode me chamar de Kero”.-

Aceitou o pano sorrindo de lado. Seu começo fora melhor do que esperava.

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“Achei que iria te encontrar aqui”- A voz de Takashi invadiu a arena.- “Você sempre foi previsível”. – Sorriu um pouco.

“O que faz aqui?”- Levantou uma sobrancelha observando o amigo se aproximar.- “Achei que não quisesse mais falar comigo”.

“E eu não queria”- Sentou-se em um saco de areia encarando significativamente o general que sentou-se ao lado dele sem falar nada.

“Me desculpe “-Após uns dez minutos quietos olhando para o horizonte- “Eu não quis te machucar”.- Os olhos âmbares mostravam que aquilo era a mais pura verdade.

“Sei disso”- O olhou finalmente- “Eu não deveria ter dito aquilo sobre a princesa é que”- Suspirou- “Você precisa viver Syaoran! Sair dessa... Faz seis meses que você se fechou em seu mundo e isso está te matando. Nem quando você conseguiu realizar o sonho da sua vida, ficou feliz!”- Balançou a cabeça- “Seu pai está preocupado com a sua sanidade...”.

“Eu mesmo estou preocupado com a minha sanidade”- Admitiu resignado- “Desde quando brigamos eu ando tendo sonhos...”.

“Sonhos?”- Levantou uma sobrancelha- “Que tipo de sonhos?”.

“Com ela...”- O olhar triste demonstrando toda sua saudades- “Antes, quando tudo estava fresco na minha memória eu tinha pesadelos...O tempo todo. Eu a via cair na cachoeira, eu nunca conseguia alcançá-la. Isso me perturbou por semanas...”- Fechou o punho e contraiu o queixo lembrando do quanto falhara- “Mas agora...Eu a vejo Takashi”- O olhar perdido- “Eu a vejo vindo em minha direção...”.

“Syaoran...”- O nome do amigo saíra como um sussurro. Finalmente ele estava se abrindo.

“Eu a amava...Sempre a amei, mesmo sabendo que era um amor impossível eu não conseguia evitar”- Socou o saco de areia com raiva, odiando falar sobre ela no passado- “E então eu pude tê-la por um momento...Por um instante... Eu pude dizer que a amava...Eu pude tocá-la uma vez...”- Suspirou- “E Deus a tirou de mim”.- Os olhos marearam. –“A levou para sempre...”.

“Eu gostaria que você tivesse seguido o meu conselho e prestado atenção nos seus sentimentos por ela”- A sinceridade nas palavras era tocante- “Mas quando vi que era recíproco...Achei que vocês dariam um jeito de ficarem juntos. Ela o amava muito também”.- Sorriu tristemente.

“Eu sinto tanto a falta dela...tanto”.

“Eu sei...Todos nós sentimos”- Suspirou pesado- “Mas a vida continua meu amigo...”.

“Sei disso...”- O encarou intensamente- “E isso é o que mais me dói. Saber que a vida continua...sem ela”.

“Ela não gostaria de vê-lo desse jeito. Sakura sempre fez de tudo para vê-lo sorrir...”- Resmungou um pouco- “Você tem que continuar vivendo meu amigo, por ela”.

“E eu vou Takashi, mas primeiro preciso fechar essa página da minha vida”- Fez uma pausa- “Preciso me vingar dessa rainha má...Preciso terminar com essa tortura. Essa mulher não pode dominar Tomoeda, ela está destruindo tudo que o nosso rei construiu...”.

“Nós vamos nos vingar. Essa mulher será deposta e Ueda dominará Tomoeda sob o reinado de Masaki”.- Colocou as mãos sobre o ombro dele- “Não se preocupe com isso, meu amigo”.- Ao vê-lo resmungar um pouco tirou as mãos de seus ombros- “Mas você precisa voltar a viver. Sabe quantas mulheres estão dispostas a fazer o mais jovem general da história feliz?”- Sorriu- “Nem eu sei! E Chiharu é uma delas”.

“Chiharu?”- Levantou uma sobrancelha- “Mas eu pensei que você e ela...”.

“Ela só tem olhos para você Li”- Deu um soquinho brincalhão no braço do amigo – “Chiharu é incrível Syaoran. Além de linda é uma ótima pessoa. Não deixa essa lembrança de Sakura se tornar um impedimento para sua felicidade...”.- O encarou sério- “Guarde todos os momentos com a princesa com muito carinho, mas não os use de obstáculos”.

“Até parece um sábio ou um conselheiro falando desse jeito”- Deu um sorriso torto.

“Fazer o quê, com um amigo cabeça dura desse jeito, quase tive que tirar um diploma”- Recebeu um tapa na cabeça.- “Hei! Doeu”.

“É para ver se você para de falar besteiras”.- Sorriu levantando-se.

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“Quanta gente”- Sakura não conseguiu evitar o comentário ao ver a vila escondida no bosque. Havia no mínimo sessenta pessoas, fora as crianças e os animais.

“Essa é uma parte do seu povo que conseguiu sobreviver a perseguição louca da rainha contra os novos rebeldes, alteza”.- Naoko sorriu- “Somos uma grande família”.

“Eu sinto muito pelo o que vocês têm passado”- Disse sinceramente- “Isso vai acabar em breve...”.

“Se alguém me dissesse isso há dois dias atrás eu acharia loucura, mas vendo a senhorita aqui, viva...Trouxe grande esperança ao meu coração”.- Curvou-se agradecida enquanto abria para o grupo o pano da tenda principal.

“Meu amor!”- Ouviram a voz fraca e aguda ecoar assim que adentraram- “Você voltou...”- O frio da febre a fazia tremer e suar sem controle.

“Voltei, Rika”- Beijou a testa húmida da esposa- “E trouxe um médico”.

“Mas você foi até a vila?”- Os olhos mel repletos de preocupação- “Sabe que é arriscado”- Tossiu um pouco.

“Não eu...os achei no meio do caminho”.

Os fracos olhos repousaram sobre o grupo dos viajantes de forma curiosa e o que viu fez o seu ataque de tosse piorar.

“Mas isso é impossível...”- Sussurrou olhando atentamente para Sakura, que mantinha uma expressão preocupada.

“Não é meu amor, a princesa está viva.”- Sorriu ao ver a esposa sorrir- “A rainha tentou, mas não conseguiu matá-la”- Repetiu as palavras da própria princesa.

“Mas isso é um milagre”- Lágrimas se formaram.

Sakura ajoelhou-se perto da moça e pegou as mãos pequenas entre as suas.

“Sinto muito por ter feito vocês esperarem tanto tempo...Mas isso em breve vai acabar, eu prometo”.

“Você é uma princesa e eu sou uma plebeia” –Puxou a mão rapidamente- “Não deveria estar me tocando...Não sou digna disso”.

“Ora! Deixe de bobagens”- Fez um sinal para Eriol se aproximar- “Esse é meu amigo Eriol Hiragisawa, o melhor médico que eu conheço e eu gostaria muito que ele lhe examinasse”.

A viu assentir emocionada enquanto o jovem doutor retirava seus estranhos objetos da bolsa. Tomoyo e Sakura trocaram um olhar demorado e saíram da tenda.

“Vai Sakura...”- A morena começou depois de um tempo- “Eu sei que tem algo passando nessa sua cabecinha”.

Ela sentou-se em uma das cadeiras do lado de fora observando o povo cochichar enquanto a olhava.

“Estou me sentindo péssima...”- Suspirou pesado- “Olha para essas pessoas. Elas são o meu povo...O meu amado povo... eles me enxergam como uma salvadora...tenho medo de não conseguir ser quem eles esperam de mim”.

“Princesa”- Sussurrou preocupada.

“Preciso partir...Preciso ajudar o meu povo e-”.

Um grito de dor as fizeram correr para a tenda novamente.

“Preciso de água e toalhas limpas”- Disse apressado olhando para a esposa enquanto Naoko corria para providenciar.

“O que aconteceu?”- Perguntou sentando-se ao lado do marido.

“Ela entrou em trabalho de parto”- Respondeu sério encarando a morena.

A princesa sem saber o que fazer ajoelhou-se próximo ao leito de Rika e depositou seu precioso pingente na mão gelada da garota que a olhou em meio a uma careta de dor.

“Foi um presente de alguém muito especial que sempre me protegeu”- Falou baixinho perto do ouvido da menina- “Tenho certeza que vai te ajudar nesse momento”.

Ela sorriu para a princesa e apertou o objeto enquanto ouvia claramente o médico dizer.

“Quando eu contar até três, você começa a fazer força”...

Força... Precisava de força...por ela e pelo seu bebê.

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“Torneios anuais?”- Syaoran levantou uma sobrancelha diante de seu rei.

“Ah, jovem general Li, vai me dizer que nunca ouviu falar dos grandes torneios de cavaleiros em Ueda?”- Balançou a cabeça em um meio sorriso- “Fujitaka era mesmo retrógado”- Brincou.- “Todo ano nosso reino organiza um torneio de espadas, justa, arco e flecha e arremesso de pedras. Os vencedores levam uma grande quantidade de ouro, capaz de sustenta-los por um ano inteiro”.

“Um ano inteiro?”- Takashi perguntou surpreso ainda ajoelhado diante do altar.

“Sim! É uma forma de retribuir os impostos. Tudo na festa é pago pelo reino... Bebidas e comidas de graça. Surpreende-me que vocês não sabiam desse acontecimento”.

“Nunca saí de Tomoeda”- Admitiu sem graça observando o pequeno amigo que fazia conta com os dedos a respeito da quantidade do ouro.

“Entendo...”- O velho soltou um sorriso triste e compreensivo. Era natural que o guardião da princesa não saísse de perto do palácio.- “Mas voltando ao assunto, eu gostaria que vocês me ajudassem esse ano na organização dos soldados que irão participar e claro, estão livres para participarem também”.- Levantou-se fazendo sinal para que eles os acompanhasse- “Os preparativos começaram ontem, especiarias dos grandes mares não param de chegar”- Apontou para o porto através de sua grandiosa janela mostrando as grandes embarcações- “É uma data muito especial para todo reino”.- Sorriu para Shang que ocupava um dos lugares de conselheiro como em Tomoeda.

“Pode contar comigo e com meu batalhão, majestade”- Falou fazendo reverencia- “Cuidaremos para que tudo saia como o planejado”.

“Sei disso, e general? Todos os participantes dos jogos devem estar mascarados”.

“Mascarados?”- Tentou não parecer tão surpreso.

“Sim, o fato de não saber quem é o oponente deixa a luta mais justa”- Comentou ajeitando-se novamente em seu trono- “Ninguém gostaria de lutar contra o seu general, ou comandante”.

“Como quiser, majestade”- Concordou e pedindo licença retirou-se. Tinha apenas três dias e muito trabalho pela frente.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Genteeee… Não foi dessa vez que eles se encontraram :/ Puxa vida!!! Mas agora a Sakura sabe o que está acontecendo com seu povo e isso vai motivá-la e tomar o reino de volta. Mais personagens 'queridinhos' aparecendo, hein??? Queria agradecer ao comentário e fazer um agradecimento especial a Sarinha Kinomoto que fez uma recomendação linda para essa fic :) Espero estar suprindo com as expectativas de vocês! Muito, muito obrigada meus amores! E prometo que o próximo capítulo vai ser MUITO especial…ui ui ui!!



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