Tandem Felix escrita por Paula Freitas


Capítulo 19
Postremo lux appropinquans exanimare


Notas iniciais do capítulo

E quando os maus pressentimentos viram reais?!...



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Jéssica havia acabado de receber uma ligação e permanecia do lado de fora sem forças para voltar para dentro do restaurante. O “Cobra” sabia muito bem como destilar seu veneno para fazê-la sofrer.

Os primeiros clientes haviam acabado de chegar e Carlos, o garçom, foi atender-lhes. Na mesa em que sentaram estava a bolsa de Jéssica e ele a levou até o balcão. Quando Niko ia começar a preparar o primeiro prato não viu a bolsa, esbarrando e derrubando-a no chão. A bolsa estava aberta e algumas coisas se espalharam, coisas normais de uma bolsa de mulher, dois batons, uma escova de cabelos, lenços, o carregador do celular e uma carteira com documentos foram os itens que caíram. O loiro logo recolheu tudo, porém algo foi para baixo do balcão sem ele ver. Ele colocou a bolsa num canto e lembrou que ela ainda estava lá fora. Então, pediu: - Carlos vai ver o que aconteceu com a Jéssica! Ela foi atender um telefonema e não voltou mais!

O garçom foi. Ela estava encostada à parede, de costas. Parecia agitada. Carlos chegou perto.

– Jéssica! – Ela virou num susto. – Seu Niko pediu pra ver se estava acontecendo alguma coisa com você...

– C-comigo? Não... Não, nada! – Ela estava fungando de um modo estranho.

– Você ainda tá gripada?

– E-eu? Não, tô não! É... Vou lá, vou ver se seu Niko precisa de ajuda!

Dessa vez ela estava visivelmente nervosa e claramente tentando disfarçar tal nervosismo.

O restaurante logo começou a ficar mais cheio. Niko percebeu que sua assistente estava um tanto atrapalhada.

– Jéssica, tá acontecendo alguma coisa?

– Não, não seu Niko...

– Você ficou nervosa por causa do que conversamos mais cedo?

– Não, não se preocupe, não é nada!

– Tá bom, mas, olha... – Ele a olhou nos olhos. – Se precisar conversar, desabafar com alguém, conta comigo tá?!

Ela ficou com os olhos marejados, tanto emocionados pela bondade de Niko quanto pelo peso na consciência.

– M-muito obrigada, seu Niko! – Ainda meio descrente de que houvesse alguém tão bom assim, perguntou: - P-posso mesmo falar com o senhor? Q-qualquer coisa?

Niko sorriu e segurou em seu ombro. – Pode! Pode sim! Quando quiser!

Ela se sentiu confortada na frente daquele homem que transmitia tanta paz.

Continuaram o trabalho.

Alguns clientes mais frequentadores iam perguntar a Niko sobre os boatos de ter tido um assalto e por essa razão ele ter deixado de abrir por dois dias. O chef confirmava tudo, mas sempre enfatizava que agora estava tudo mais seguro com as câmeras e todas as medidas de segurança que haviam tomado.

Um momento, em uma das mesas próximas ao balcão, um dos clientes assíduos conversava com Niko enquanto este o servia. Jéssica estava no balcão preparando outro prato.

– Então, é verdade mesmo que te assaltaram?

– Sim, é verdade! Mas, ainda bem que foi durante a madrugada, quando não tinha ninguém aqui!

– Sim, você deu sorte se for ver por esse lado... Mas, levaram muita coisa?

– Não! Felizmente! Roubaram algum dinheiro, mas não muito! Não levaram mais nada... Acreditamos que estavam apenas atrás do dinheiro mesmo, mas com certeza não saíram daqui satisfeitos!

– Por que diz isso?

– Por que já não havia quase dinheiro aqui nesse dia! Provavelmente estavam me vigiando pra ver a rotina daqui do restaurante, o horário que encerra o expediente, enfim... E planejaram o roubo...

– Se foi roubo planejado você deve tomar cuidado! Porque do jeito que a violência está, e pelo que você disse, se os que assaltaram não saíram satisfeitos daqui eles podem voltar! Já houve casos de os mesmos bandidos roubarem o mesmo local duas, três, quatro vezes...

– Será que se atreveriam a voltar? Não, não acho...

– Nunca se deve duvidar dessa bandidagem...

– É isso é... Mas, acho difícil! Agora temos câmeras de segurança aqui... São quatro bem dispostas pelo restaurante...

Ao ouvir isso, Jéssica começou a olhar em volta e para cima observando onde as câmeras estavam. Viu logo uma a sua frente, esta provavelmente filmava todo o salão do restaurante. Virou-se e viu uma que estava logo atrás dela, com sua lente focada em tudo que ocorria lá perto. Entrou na cozinha e procurou até que viu a terceira. Naquela posição, com certeza filmava tanto a entrada da própria cozinha quanto as portas da despensa e do escritório. E como já havia visto uma assim que chegou na porta principal, concluiu:

– Então... São essas as quatro câmeras! Eu não posso tentar abrir aquela gaveta de novo por que daria pra ver... Nem posso ver se a porta de onde tem o cofre tá aberta, essa câmera daqui pegaria... Mas... – Notou um detalhe. – Essa não filma a porta dos fundos... – Ao pensar nisso lembrou-se da proposta de Danilo de entrar por aquela porta e se assustou com seus próprios pensamentos. Ainda mais com a dúvida que ficou ecoando em sua mente: - Eu aviso a ele ou não?

Enquanto isso na mesa, Niko continuava conversando com o cliente.

– Atualmente a maioria dos estabelecimentos comerciais tem câmeras de vigilância e, no entanto, há assaltos diariamente!

– Tem razão... Ah mas eu não vou ficar me preocupando com essas coisas senão vou ficar paranoico! Eu tenho fé que nada de mal irá acontecer!

– A fé sempre ajuda!

– Pois é... Bom, com licença, eu vou atender as outras mesas! Bom apetite!

– Obrigado! Bom trabalho!

Niko voltou ao trabalho e o dia foi passando.

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Em casa, Félix lembrara uma coisa importante que dissera que ia fazer, mas acabou esquecendo tanto quanto Niko também esqueceu.

Quando almoçava com os filhos ele perguntou ao mais velho:

– Jonathan, pode vir comigo a um lugar hoje, mais tarde?

– Pra onde pai?

– Acontece que eu lembrei só agora eu havia dito pra o Niko que nós tínhamos que trocar o carro dele porque está dando muita dor de cabeça!

– Está?

– Não te contei?! Já deu defeito não sei quantas vezes esse mês, e o Niko não liga pra trocar! Eu já disse faz tempo que esse carrinho dele está precisando se aposentar, mas, ele não me ouve! Não nessas coisas... Enfim, eu que tenho que resolver tudo, senão ele não resolve! O carro ainda vai deixá-lo na mão, no meio do caminho, só assim ele resolve trocar!

– Aí você quer ir escolher um carro pra ele hoje?

– Não sei se já escolheria um hoje, assim, sem ele ver, não sei...

Jayme entrou na conversa: - A gente podia escolher um carro pra o pai Niko e fazer uma surpresa pra ele!

Félix pensou. – Até que não é má ideia, Jayme! Mas, não sei... Essas coisas não são compradas assim de uma hora pra outra, é loucura!

– É pai... – Jonathan completou. – Mas, você podia ver alguns e quando o Niko tiver um tempo ele vai dar uma olhada e escolhe o que mais gostar!

Félix olhou para os filhos e sorriu. – Tá bom... Eu devo ter manobrado mal as carruagens de Roma pra vocês me convencerem assim! Ok! Vamos ver um carro novo pra o carneirinho, pronto!

Fabrício, que parecia estar atento à conversa, exclamou: - A gente vai ver um carro pra mim?

Todos riram. Félix o pôs no colo. – Pra você não, Fabrício, pra o seu papai! Ele é o carneirinho e você é o mini-carneirinho, lembra?

– Ah... Lembro! Igual você é o papi e ele é o papai!

Antes que Félix respondesse Jonathan perguntou: - Pai, como é isso de papi e papai?

– Coisa do seu irmãozinho, Jonathan! Não vê que tem os cachinhos loiros também?! A quem será que puxou?! – Falava bem-humorado, arrumando os cabelos de Fabrício. – Essa cabecinha de carneirinho filho é cheia de ideias, você não sabe a metade...

– Papi! – Falou Fabrício. – Eu já sei o que vou ser!

– Ah já?! – Olhou para os outros filhos como se já soubesse que vinha mais uma das “pérolas” do filho menor. – O que, hein?! Vai ser administrador igual a mim ou chef igual o papai?

– Nenhum dos dois! Vou ser igual o Jonathan, arquiteto!

– Ah! Olha só! – Se surpreendeu Jonathan pegando seu irmãozinho no colo. – É isso aí, Fabrício! Bate aqui!

Ambos se cumprimentavam e Félix ajeitou a sobrancelha sorrindo e dizendo: - Não acredito... Muito bem, Jonathan! Agora o Fabrício nos dispensa e fica do seu lado, é isso?! Só porque você sempre traz um presentinho pra ele...

– Não é por isso, pai! É que ele descobriu quem é o mais sensato da família! – Respondeu Jonathan brincando.

– Ah, mas olha... Eu devo ter salgado e queimado a santa ceia pra ouvir uma coisa dessas!

Os quatro riam e se divertiam naquele momento em família, mas Félix olhava de vez em quando para a cadeira em que Niko sempre sentava e pensava nele, vendo que apesar de estar curtindo aquele momento não estava completo... Faltava o seu amado carneirinho para dar àquela mesa a plenitude que faltava.

Saudade não era suficiente para explicar o que estava sentindo.

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Mais tarde, Félix e os filhos foram a algumas concessionárias ver um carro novo para Niko. Enquanto isso, o loiro trabalhava sem suspeitar todas as surpresas que estavam lhe aguardando... Todas.

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Era fim de tarde. Félix havia acabado de voltar para casa com os filhos. Todos ansiosos para Niko chegar e ver as fotos dos carros que haviam visto para ele escolher. Cada um dava sua opinião.

– Eu acho que o pai Niko vai gostar do branco! É lindo! – Falava Jayme.

– Ah não, branco não... O Niko ia ficar lindo naquele vermelho... – Opinava Félix.

– Já eu achei aquele carrão laranja muito massa! Eu iria adorar ter um daqueles... – Dizia Jonathan.

– Eu vi que você gostou Jonathan, mas não é pra você o carro, é pra o Niko!

– Eu sei pai! – Riu. – Só quis tentar...

– Ah ah, mas de jeito nenhum que você vai me convencer a comprar um carro pra você! Não já tem aquele que a mami te deu?! Dê-se por satisfeito! Além do mais, não sou nem eu que vou pagar o carro do Niko, não é presente, ora! Ele vai escolher o que preferir e nós pagamos juntos!

Fabrício chamou a atenção. – Eu vou escolher pra o papai o carro verde claro!

– O verde claro, Fabrício?! Por que o verde?

– Papi, é porque o carro é da cor do olho do papai!

Félix sorriu com a escolha do seu bebê, mas falou:

– Gostei, filho! Mas, não há verde nesse mundo que se compare aos dos olhos daquele seu papai carneirinho... – Pegou nos braços. – Nem aos seus, meu mini-carneirinho! Dá um beijo no papi que comprou sorvete pra vocês, dá!

Fabrício deu um beijinho na bochecha de Félix e ele resolveu: - Querem saber meninos, que tal mais tarde nós irmos jantar com o carneirinho, hein?!

Todos gostaram e concordaram com a ideia.

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No restaurante, Niko acabava de preparar mais um dos barcos e Jéssica cortava alguns peixes ao lado, quando seu celular começou a tocar dentro de sua bolsa. Ela pegou o celular e atendeu, pondo perto do ouvido apoiando com o ombro enquanto continuava cortando.

– Alô?!

Niko, ao seu lado, percebeu que ela atendera um tanto nervosa e falou como se estivesse com raiva da pessoa do outro lado da linha.

Ela continuava: - Estou ocupada agora, não posso parar para falar com você!

Niko, com toda sua gentileza, sugeriu: - Jéssica, se precisar pode ir atender lá fora um instantinho!

Ela ficava sem palavras diante da simpatia de seu patrão. Aceitou. Parou o que estava fazendo e foi para fora do restaurante.

Carlos, que acabava de servir uma mesa, pegou o celular no bolso. Niko perguntou enquanto preparava um dos pratos.

– Que foi, Carlos? Também estão ligando pra você?

– Não, seu Niko... É meu celular que tá descarregando! Eu vou pôr pra carregar lá na despensa!

Enquanto isso, lá fora Jéssica falava:

– Alô! O que você quer?

– Fala direito comigo, princesa!

– Não tenho por que falar direito com você! O que você quer?

Ele deu uma risada irônica. – É melhor me perguntar onde que eu estou!

– Por quê? Onde você tá?

– Bem aqui!

Ela virou-se assustada e o viu. Ele estava bem na esquina do estacionamento ao lado. Com a cara debochada, deu um tchauzinho para ela, e continuou falando no celular.

– Por que não vem aqui me dar um beijinho?

– Não seja cara de pau! O que você veio fazer aqui?

– Como se você não soubesse...

– V-você não... Você n-não quer entrar mesmo, quer?

– É claro que eu quero! Eu lá sou homem de mudar de ideia?!

– Está cheio de gente!

– Eu sei, eu vi! Por isso vou aí pertinho te contar o que vou fazer! – Ele desligou o telefone e foi indo em sua direção. Ela permanecia parada, assustada, em frente ao restaurante. Ele chegou perto e a encarou, com um sorriso cínico, segurou em seu queixo e falou: - Eu dei a volta no restaurante... Vi direitinho a porta lá de trás... Tudo que eu quero, Jéssica, é que você dê um jeito de deixá-la aberta pra nós!

Ela tirou com força a mão dele e sussurrou: - Você acha que tudo é assim fácil?! E mesmo que fosse eu não vou fazer isso!

– Por que não?! – Perguntou trincando os dentes.

– Por que mesmo que fosse fácil eu não te ajudaria a roubar mais meu patrão! Ele é uma pessoa muito boa, eu não posso fazer isso com ele!

– Você faz o que eu mando!

– Não, não faço! Não sou sua escrava! – Numa tentativa quase desesperada de convencê-lo, ela pegou em seus braços. – Danilo, por favor... Para com isso... Eu sei que você pode ser uma pessoa melhor... Volta a ser como era quando a gente começou a namorar, por favor... Deixa esses negócios de lado, seja de novo aquele homem que eu conheci... Vamos tentar recomeçar, eu te ajudo, a gente se ajuda... Eu sei que você não é essa cobra que você quer ser...

Ele tirou suas mãos de modo agressivo. – Dá pra ver que você não me conhece! Eu sempre fui assim... – Levantou a manga da camisa. – Eu sou o cobra e sempre vou ser! – Bateu na própria tatuagem de cobra no braço. – Isso é o que sou! Eu dou ordem e muita gente me obedece... E com você não vai ser diferente! Portanto, faz o que eu tô mandando ou... – Bateu com os dedos na cintura fazendo um barulho que ela reconheceu muito bem.

– V-você está armado?

– Tô! E a primeira bala vai pra quem ficar no meu caminho, entendeu bem?!

– E-entendi...

– Muito bem! – Ia virando para ir, mas virou com o mesmo sorriso malicioso. – Ah, mas você ainda pode ter o namorado de volta quando quiser... É só me chamar, gatinha... – Acariciou seu rosto.

Ela lhe deu um tapa na mão e foi categórica ao dizer: - Eu tenho nojo de você! Eu ainda tive um pingo de esperança em você, mas tô vendo que foi desperdício! Você não vale nada!

Ele, como se ela não tivesse dito nada, deu uma risada cínica e voltou para onde estava antes ao lado do estacionamento.

Ela respirou profundamente e entrou de novo no restaurante.

– Tudo bem, Jéssica? – Perguntou Niko assim que ela voltou ao balcão.

– S-sim... S-sim, seu Niko...

Ele foi servir uma das mesas enquanto ela voltava a fazer o que estava fazendo antes. Mas, com a cabeça cheia pelas coisas que aquele bandido lhe disse, ela achou que aquela faca de peixe que ela tinha em mãos poderia ter uma serventia melhor. Limpou-a e guardou-a na sua bolsa. A essa altura, ela já havia se esquecido das câmeras de segurança que filmavam tudo e todos a todo instante.

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As horas passaram, o expediente se encerrou e os últimos clientes estavam saindo.

Jéssica havia estranhado o fato de Danilo não ter entrado para assaltar o restaurante, mas imaginou que ele provavelmente planejasse atacar quando todos saíssem como da outra vez. Assim sendo, ela ficou um pouco menos tensa já que ninguém correria perigo se o restaurante estivesse vazio. Porém, quando já ia sair, seu celular tocou de novo. Ao mesmo tempo o celular de Niko também tocou. Ambos atenderam, mas cada um foi para um lado.

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– Que é, cobra?

– Já vão fechar o restaurante?

– Já! Por quê?

– Por que você acha?! - Foi irônico. – Tchauzinho! – Desligou deixando-a apavorada.

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– Alô, Félix?!

– Oi, carneirinho! Já vai fechar o restaurante?

– Já, por quê?

– Por que os meninos e eu íamos jantar aí, mas mudamos de ideia, porque já que você que cozinha sempre a gente resolveu te levar pra jantar em outro lugar, mudar de ares, de cardápio...

– Ah Félix, que pena... É que eu vou ficar mais um pouquinho... Pedi pra entregarem o carregamento dos peixes hoje!

– Ah não, carneirinho... Será que eu roubei os peixes multiplicados pra você me dizer isso agora?! – Suspirou. – Tá, tudo bem, mas vê se não demora, e quando sair liga tá?!

– Tá bom, amor! Não vou demorar aqui, é rápido, é só o tempo de descarregar e guardar tudo!

– Ok, Niko, seja rápido! Te quero em casa!

– Pra quê?! – Perguntou com um sorriso tímido.

– Pra que seria? Pra te encher de beijos, meu carneirinho gostoso!

– Ué, não quer mais ir jantar, meu bem?!

– Talvez... Mas você sabe que você é meu prato favorito né?!

Niko conhecia aquele tom de voz do seu marido.

– Ai Félix, você diz cada coisa... Eu vou logo pra casa tá?!

– Tá bom... Até mais então, carneirinho!

– Até mais, amor... Te amo!

– Eu também! – Desligou.

.

.

Assim que desligou o telefone, Jéssica viu o patrão indo para a porta dos fundos da cozinha. Foi atrás.

– Seu Niko... O que vai fazer? Precisa que jogue o lixo fora? Se quiser eu posso...

– Não Jéssica, não é isso! É que já vai chegar o carregamento dos peixes que eu pedi pra entregarem e eu pedi que viessem por aqui, assim eu já vou guardando tudo no freezer!

Ela se amedrontou ao pensar no que poderia acontecer.

– E-então, o-o senhor vai ficar aqui até tarde?

– Vou até acabar de arrumar isso! Você já pode ir, viu!

– S-s-sim...

Ela saiu depressa.

Niko chamou seu garçom.

– Carlos, olha, eu acho que vou ter que aceitar sua oferta de ficar pra me ajudar...

– Tudo bem, seu Niko! Eu fico!

– Obrigado! É que eu esqueci que a despensa precisa de uma arrumada pra podermos guardar tudo direitinho! Pode arrumar lá enquanto eu espero aqui?

– Claro!

– Obrigado, mas, primeiro fica aqui vendo se o caminhão chega que eu vou pegar as chaves daqui! Esqueci lá no balcão!

Carlos ficou vigiando enquanto Niko foi ao balcão.

Assim que pegou as chaves, Niko esbarrou em um adorno do balcão e o derrubou no chão.

– Como estou desastrado hoje! – Exclamou abaixando-se para pegar. Ao abaixar, viu que havia um papel embaixo do balcão. Pôs a mão lá embaixo e conseguiu pegar. Viu que se tratava de uma foto. Uma foto de um homem muito jovem e muito bonito.

Pensou primeiro que poderia ser de algum cliente, mas logo se lembrou de quando derrubou a bolsa de Jéssica e pensou:

– Deve ter caído da bolsa dela... – Olhou bem o rapaz da foto. – Quem será esse? Será que era aquele namorado dela que morreu? Como era bonito! Esse sorriso até lembra... – Balançou a cabeça para afastar o pensamento que lhe veio de repente e guardou a foto no bolso. – Bom, amanhã eu entrego pra ela!

– Seu Niko! O caminhão chegou! – Avisou o garçom.

Niko foi para lá enquanto Carlos foi para a despensa arrumá-la como o patrão havia pedido.

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Jéssica estava em frente ao restaurante procurando Danilo, andando de um lado para outro, preocupada, mas não o via em lugar nenhum. Então, tomou a decisão de ligar para ele.

– Alô?! Cobra...

– Que é que você quer? Não me atrapalha...

– On-onde você tá?

– Tô vigiando...

– Vigiando o quê, cobra?! Por favor, me escuta, não entra no restaurante hoje, por favor...

– Nem vem...

– Me escuta! Não entra que não vai estar vazio, meu chefe ainda tá lá, ele abriu a porta de trás, ele vai...

– Ele abriu é? – Deu uma risada. – Facilitou nosso trabalho!

– Cobra, não, não vai!

– Agora é que eu vou! Espera... Tô vendo daqui a porta aberta! Acabou de parar um caminhão aqui perto...

Ela estava cada vez mais nervosa e praticamente gritou:

– Você tá perto? Cobra, não entra! Eu não quero que você machuque o seu Niko! Deixa ele sair, não faz nada com ele, pelo amor de Deus!

– Você considera demais esse seu patrãozinho... Que é? Tá apaixonada por ele agora? Tu não disse que ele é gay?

– E ele é, seu idiota, não tem nada a ver! Eu considero ele sim, porque ele é muito bom comigo, hoje ele me ouviu, ouviu meus problemas, conversou comigo, eu não quero que aconteça nada com uma pessoa boa como ele...

– Ah cala a boca! Se ele não fizer nada eu não faço nada, ok?! Sabe se ele vai ficar sozinho?

– Vai, acho que vai... – Ela pedia desesperada. – Por isso, não entra agora, não assalta ele, cobra, tô te pedindo! Leva depois o que quiser, eu já te disse que te dou meu salário, mas não entra com ele aqui...

– Tsc tsc tsc...

– Que foi?

– Já tomei minha decisão, gata!

– Quê?! Não, cobra não...

– Tarde demais! - Desligou.

Sem saber o que ele faria, Jéssica foi até o estacionamento ao lado e tentou ver alguma coisa. Tudo ficou quieto e normal durante alguns minutos, mas logo que o caminhão das mercadorias saiu de lá, ela pôde ver dois bandidos se aproximando.

.

.

Carlos ia saindo da despensa quando ouviu a voz dos ladrões.

– Isso é um assalto! Não se mexe!

Assustou-se, mas ainda abriu a porta o suficiente para ver dois homens apontando uma arma para a cabeça de Niko. Ambos com calça jeans e camisa preta, e toucas que usavam para cobrir o rosto só deixando aparecer os olhos. Pôde ver também que um deles tinha uma grande tatuagem no braço, uma cobra.

Então, trancou-se na despensa. Pensou que provavelmente os bandidos não sabiam que havia mais alguém ali. Nervoso, ele podia ouvir as ameaças ao patrão que estava rendido.

.

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– Entra, entra e fecha a porta! – Ordenava o que apontava a arma para Niko. – Espera! – O bandido olhou para cima procurando as câmeras e achou. – Ali tem uma! Apaga! – Mandou o outro.

O outro foi lá e bateu com um pau na câmera da cozinha, quebrando-a.

– Essa já era!

Niko não tinha intenção de reagir, mas tentou dar um passo na tentativa de fugir como fosse, mas Danilo o agarrou segurando-o com o braço em torno do seu pescoço e a arma mais próxima de sua cabeça.

– Você não vai a lugar nenhum! – Virou para o comparsa. – E você, vai naquela porta ali, vê se tem alguma coisa no cofre!

Nessa hora Niko percebeu.

– Espera, como você sabe que é naquela porta que tem um cofre? Foram vocês que assaltaram aqui outra noite, não foi?!

– E se foi, hein?! Vai fazer o que, bichinha?

Niko segurou em seu braço com força, mas Danilo apertou mais a arma contra ele.

– Quieto, ou acabo com sua raça agora!

Niko se aquietou. Seus olhos já estavam vermelhos, sua respiração acelerada, seu coração a mil por hora. Ele estava indefeso. Por mais que soubesse de artes marciais qualquer golpe não era páreo para uma arma de fogo. Então, teve que se contentar em ficar a mercê daquele bandido.

O outro bandido saiu do escritório.

– Eu abri, chefe! Mas, não tem nada lá não!

– Mas que droga! Não tem grana nessa porcaria? – Perguntou a Niko com raiva. O loiro nada respondeu, pois sentia o frio da arma batendo em sua cabeça. Porém, para sua surpresa, o bandido falou para o outro: - Vê lá no balcão! Tem uma gaveta que deve ter grana escondida, vai lá!

– C-como você sabe?!

– Ah, então tem mesmo é?! Bem que ela disse! Vai, vai lá ver!

Niko pensava: - Ela? Ela quem? – Então as desconfianças de Félix vieram como por telepatia a sua cabeça. – Jéssica... Terá sido a Jéssica?!

O ladrão que foi até o balcão voltou em pouco tempo.

– Não tem grana em nenhuma gaveta, chefe!

– Como é que é?!

– Não, tem até uma que tem o fundo falso, mas não tem dinheiro lá não...

– Já tô me enchendo disso! – Disse fungando de raiva e apertou a arma contra a cabeça de Niko. – Fala, fala onde vocês escondem a grana!

Niko permaneceu calado e tentando manter a maior calma possível. Apesar de ser emotivo e sensível, nessas horas que ele mostrava o quanto era racional. Porém, o bandido ficava cada vez mais nervoso.

– Fala bicha desgraçada, onde que tá a grana desse lugar!

Niko permanecia calado.

– Responde, viado! – Empurrou-o contra a parede.

Com a respiração pesada e os dentes trincados, ele falou:

– Eu... Não vou responder... Nada... Enquanto me chamarem assim...

Os olhos e a voz de Niko eram desafiadores. Mas, os bandidos não pareciam ter medo.

Danilo foi pra perto dele, agarrando com força em seus cabelos, encarando-o.

– Deixa de frescura e fala onde que tá a grana!

Niko ficou calado.

– Ah não vai dizer nada?! A bichinha resolveu ficar muda agora?! Vou te mostrar... – Ficou de pé e começou a chutá-lo. Niko sentia dor, mas não gritava, não queria dar esse gosto àquele bandido.

Chutou-lhe umas cinco vezes até que o outro interferiu:

– Cobra, não vamo perder tempo! Vamo revirar esse lugar até encontrar...

– Vamo, vamo lá! – Puxou Niko pela camisa. – Mas, esse aqui não vai ficar aqui soltinho não! Me ajuda! – Ambos levantaram Niko e seguraram em seus braços, levaram-no para o escritório e o empurraram lá dentro fazendo-o cair no chão. Assim que caiu, Danilo deu-lhe mais um chute e dessa vez ele não segurou o grito.

Na despensa, Carlos ouviu Niko gritar. Encostou o ouvido na parede para ouvir o que estava acontecendo. Então, lembrou:

– Meu celular! Meu celular tá aqui! – Pegou o celular e logo procurou os telefones dos patrões.

.

.

Em casa, Félix andava de um lado para o outro da sala, já preocupado com a demora de Niko.

– Gente, o que será que houve?

– Calma, pai, ele chega já! – Falava Jonathan. Os dois filhos mais novos estavam nos quartos.

– Como chega já, Jonathan?! Eu disse pra ele ligar pra mim...

– Mas, pai, não faz nem vinte minutos que você falou com ele...

– E daí?! Será que demora mais que meia hora pra ele guardar uma dúzia de salmão?!

– Ah pai, também não é assim... O Niko é organizado, ele deve estar arrumando as coisas, sei lá...

– É seu Félix, fica nervoso não! – Falou Adriana.

Félix respirou fundo. – Tá, tá, talvez vocês estejam certos, eu estou tenso demais... Mas, é que...

– O que você tem, pai?

– Nada, Jonathan... É que... Não sei, filho, eu não me sinto bem...

– Tá se sentindo mal, seu Félix?

– Não, não é bem se sentir mal, Adriana, é... Ah não sei... Uma sensação ruim...

Félix ia sentando no sofá quando, nesse momento, o telefone tocou. Ele logo atendeu pensando se tratar de Niko que, por algum motivo, não pôde ligar para seu celular.

– Alô, Niko...

– Seu Félix, sou eu...

– Carlos?

O garçom falava nervoso, mas com a voz baixa.

– Seu Félix, uns bandidos entraram no restaurante! Estão revirando tudo...

– O quê?! Onde você está? Como conseguiu ligar?

– Eu estava na despensa e fiquei trancado aqui porque eles não me viram! Mas, o seu Niko...

– O que houve com ele? – Félix estava amedrontado, desesperado.

– Eu não sei seu Félix, mas eles com certeza levaram ele pra o escritório e acho que bateram nele! Eram dois e eu não sei o que tá acontecendo agora... Seu Félix, seu Félix... – Chamava o garçom, mas Félix havia perdido a fala.

Pálido, ele segurava o telefone sem reação. Jonathan o chamou. – Pai, pai, o que houve? Pai! – Ele então reagiu.

– E-eu vou pra aí, Carlos! Eu tô indo! – Desligou. – Jonathan, chama a polícia, manda pra o restaurante, agora!

– Mas, o que foi, pai?

– Um assalto! – Félix estava atordoado. – E-entraram... Prenderam o Niko, não sei... B-bateram nele... Fizeram alguma coisa com ele...

Félix saiu correndo sem dar maiores explicações e entrou no seu carro rumo ao restaurante.

– Espera pai! – Félix nem o ouviu.

Jonathan e Adriana ficaram confusos e logo trataram de ligar para a polícia. Acharam melhor não contar nada ainda para os meninos antes de saberem o que realmente estava acontecendo.

.

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Enquanto isso, Niko aproveitou a distração de um deles, enquanto o outro procurava o dinheiro e deu-lhe um golpe certeiro jogando sua arma para longe. Então, pôde correr para fora do escritório, mas o bandido foi recolher a arma e foi atrás dele.

Niko já estava do lado de fora. Entrou no seu carro e deu a partida. Mas o carro não pegou.

– Não, não me deixa na mão justo agora!

Nesse mesmo instante, Félix chegava e estacionava ao lado, em frente ao estacionamento. Saiu do carro e viu de relance uma figura feminina espiando da esquina do estacionamento, mas estava mais preocupado com Niko. Olhou e logo viu seu amado no carro e viu também um dos bandidos que se aproximava.

– Niko! – Gritou.

Niko também viu o bandido no seu encalço e como o carro não o ajudou, ele saiu correndo. A polícia já chegava.

– NIKO! – Félix gritou o mais alto que pôde.

Nessa hora, Niko o ouviu e virou. Olhou para ele.

E então...

Tudo que se ouviu foi o barulho do tiro.

Em questão de frações de segundos, Félix viu seu amado carneirinho cair estendido no chão.

Em sua roupa branca surgiu um filete de sangue do lado na altura do abdômen. Era como se uma gota do inferno manchasse um ser cândido.

– NIKOOO! - Gritou Félix em desespero. – Carneiri... – A voz lhe falhou. Ele emudeceu. Paralisou. Seus piores pressentimentos estavam virando realidade.

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Notas finais do capítulo

Continua...



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