O significado da dor escrita por Alicia


Capítulo 17
Amantes




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O céu possuía um azul tão claro que aos meus olhos parecia branco. Perto da linha do horizonte as nuvens eram algumas rosadas e outras purpúreas, em harmonia com o céu em seu degrade matinal de laranja e amarelo. Era o sol se corando ao beijar o mar. Ainda era inverno e faltavam três dias para a primavera e três dias para o meu casamento. Que dia seria melhor do que o dia que lembra a todos o começo da estação mais bela do ano? Mas o inverno também é belo, belo pra caralho, possuí seu charme com o branco e prata, que veste o dia com as cores da lua. E meu casamento também seria dono de uma beleza modesta. O tempo era ligeiro e esguio, tudo passa rápido demais, o tempo perdeu o seu valor. Tenho medo da minha vida passar rápido assim.

Parecia tudo errado, tudo estava errado demais, tinha alguma coisa que devia ser resolvida, mesmo com tudo pronto. Tudo na minha vida deu errado até agora e isso está saindo certo demais, sempre ouvi meus pais reclamarem por eu fazer tudo errado quando eu só queria fazer a coisa certa e agora eu faço a coisa certa achando que está errado. Mas como poderia ter algo errado se estava tudo pronto? Até o vestido estava pronto. Ele era de um vermelho vívido que lembrava as primeiras rosas da primavera. Tecnicamente, eu sou uma rosa gigante. Era vermelho, mas não era parecido com aqueles vestidos espalhafatosos de debutantes, era simples e lindo, quase um sonho . O meu sonho. Suas mangas beijavam meu ombro e conforme descia desenhava o meu corpo, desde o busto até as pernas e terminava com uma pequena cauda.

Eu sou pessimista e meu jeito de pensar também é pessimista, mas doa a quem doer, a verdade é que jamais conseguiremos um amor que um dia desses deitado sem sono sonhamos, um amor vindo de contos de fadas ou de poemas das aulas de literatura, mesmo sonhando ou tentando fazer acontecer. A realidade é dura demais e com uma ponta de crueldade, e não será o sonho de alguém que a fará mudar. Ninguém é perfeito e se não há perfeição, não há amores perfeitos. Mas isso não muda o fato do meu amor por ele ser tão estridente, tão óbvio, que até a atriz do nosso filme favorito sabe que encontrei meu sorriso nele, só do jeito que a gente senta no sofá e come a pipoca. Que até o controle da tv sabe da minha utopia sobre o nosso amor. Hoje em dia tudo soa como clichê, mas é difícil criar algo quando quase tudo já foi criado ao ver de uma mente pequena e por que pensar quando já existe ideias prontas?

Eu não estava errada sobre ter algo errado e não tão de repente o meu maior erro entrou pela porta e pro meu azar, aquele meu erro lembrava do meu nome "Melissa?" era aquele meu antigo amor, aquele homem que maltratou meu coração no passado e que deveria continuar lá, aquele homem que nunca chorou por mim e nunca lembrou de mim para esquecer "por que esta aqui?" "fiquei sabendo que vai se casar. Cadê o meu convite?" "veio por causa do convite? Se for por isso, pode ir" "não exatamente, vim porque mesmo depois de tanto tempo eu ainda te amo" "e ama desde quando mesmo? Pelo que me lembro, você tinha ido embora" "fui embora pois não tinha certeza de nada, mas voltei e mesmo voltando tarde, o que importa é que eu voltei não é?" eu sentia ódio, eu o odiava, meu ódio era tanto que ardia friamente em meu peito como o mais ardiloso veneno "por favor, só quero que vá embora, se não percebeu ainda estou tentando ser feliz "supliquei com lágrimas rasgando o que sobrou de meu orgulho "Mel..." "Mel o caralho, não me chame assim. Você é só mais um babaca, um babaca que a cinco anos me magoou, foi embora e agora? Quer que eu seja seu capacho? É isso? Agora você volta, volta com a maior cara de pau do mundo querendo fazer meu mundo desabar de novo, querendo me magoar de novo como se nada tivesse acontecido, e realmente, nada aconteceu. Você não me enoja nem nada, mas eu sinto vontade de cuspir em você, mas não vou fazer isso porque não sei cuspir. Por que você não se envergonha de ser tão egoísta?" "porque você não quer se casar" fiquei inconformada e respondi vermelha "eu quero me casar e vou" ele me abraçou, mas eu não respondi o abraço "por que você foi embora?" perguntei "desculpe- ele chorava, mas eu não via credibilidade em suas lágrimas, tudo parecia um jogo- eu só queria, talvez, não sei. Tudo parecia alguma coisa em minha cabeça. Desculpa, mas tinha que falar o que sentia desde a quinta série. Te amo. Bom, não sei porque eu to aqui ainda se já me declarei e também não sei porque vim me humilhar, mesmo sabendo do jeito que ia me tratar e sabendo que não ia ligar para os meus sentimentos. Aquele dia fui embora, porque não tinha como dar certo, mesmo você gostando de mim a gente não ia dar certo, então eu só fui e não olhei pra trás porque não queria cair na tentação de voltar. Talvez, só estou aqui porque quero te dizer um último adeus, bom, adeus. E desejo que seu casamento seja uma merda, ops, lindo" não tinha resposta e me senti realmente muito burra por acreditar nele. Quando pensei em responder ele me puxa e me beija, o primeiro e último beijo, ali começava o fim de algo que nunca teve começo. Um fim sem começo. O beijei depressa e sem jeito. Um beijo doce vindo de lábios amargos. Seus lábios frios e ásperos assim como o seu humor, quando iam ao encontro dos meus causavam arrepios, que iam da bochecha até o cóccix, minhas pernas não se arrepiaram pois estavam dormentes de adrenalina e do frio que vinha do beijo. O beijei sem protestar, nem sequer pensei nas consequências, só pensava na respiração quente e arritimada dele em meu rosto e no gosto ácido de depravação que se escondia em sua língua e que apenas sua boca possuía. Era belo, o homem mais belo e sedutor que ja vi. Era um tipo de mau necessário, um badboy que a Lana Del Rey um dia sonhou ter, e era o desejo de toda garota, não importando como a garota seja ou o gosto dela, ele era dono do desejo de todas e estava aqui para me foder, literalmente. Seu sorriso me enfeitiçava, puta que pariu, e como me enfeitiçava, me casaria com ele só para vê-lo sorrir toda manhã, mas já estou noiva. Seu rosto era de um deus grego, porém sua malícia não parecia divina. Ele era o pior dos pecados e não existe nada mais excitante do que pecar, porém o remorso é sempre maior. Seus cabelos eram escuros como madeira nobre compridos, lisos e invejáveis do mesmo jeito que o vi da última vez naquela praça, batiam um pouco abaixo do ombro e tinha o braço magrelo todo tatuado. Ele mordeu seu lábio inferior e com o polegar da mão direita puxou meu lábio inferior para baixo, mostrando levemente minha gengiva rosada e então ele olha em meus olhos e sussurra perguntando de um jeito fofo "você tem mesmo certeza de que não me ama?" e a pergunta pairava sobre a minha indecisão, mas ele sabia que eu o amava e perguntava por vaidade "só vá embora, por favor" ele vai até a porta se vira, eu corro e o abraço "não quero que vá, não agora" falei "você não quer se casar, quer?" ele disse "quero" respondi hesitando "não quer não" "por quê?" "porque quem você ama sou eu" a verdade dói, eu amo dois homens "não te amo" só de ouvir sua voz eu lembrava da dor que senti quando se foi e não é tão difícil de lembrar "tem certeza disso?" "tenho certeza desde que te vi ir" respondi firme "pouco acredito nisso" e assim ele se foi e desejo que essa seja a última vez que vi ele.

Logo depois do homem ir de volta para o passado, onde ele jamais deveria ter saído, nem em pensamento. O telefone tocou, era a madrasta do Daniel, ela estava desesperada. Disse que ele tinha saído de madrugada pra resolver qualquer coisa da faculdade e não havia voltado até agora, eu estava preocupada, mas mesmo assim tentei confortá-la dizendo que ele devia estar com um amigo, mas ele nunca sumiria por tanto tempo sem me avisar. Ela não se acalmou e ia me levando nessa preocupação toda e enfim liguei para a polícia avisando o desaparecimento, mas tudo que ouvi foi "desculpe senhora, mas só se pode fazer queixa de desaparecimento depois de 24 horas" e isso só piorava tudo. Como assim eu tenho que esperar um dia pra fazer queixa e a polícia levantar a bunda gorda cadeira e ir procurar ele? Um dia é tempo pra caralho, a inconformação ocupava o lugar que a preocupação não conseguia ocupar. No desespero contratei, junto com a mãe dele, um detetive para ver o que aconteceu "por favor, traga ele vivo" era só o meu único desejo "escute Srta Blake, este é o meu trabalho e não falharei. Te dou a minha palavra" ótimo, agora tudo que tenho para confiar é a palavra de um desconhecido que possui má fama de charlatão e definitivamente não tenho outra escolha. O meu maior medo era ele ter desistido do casamento e fugido, fugido de tudo, fugido de mim.

Era véspera da cerimônia e não tinha absolutamente nada de informação, nem vindo do detetive e nem da polícia, não consegui dormir desde que soube que ele havia sumido, meus dedos tremem de tanta cafeína e energético que corre em meu sangue e eu sinto a esperança de encontrá-lo vivo cada vez menor. Após 75 horas agonizantes, desde o desaparecimento dele eu recebo uma ligação e todos que estão na sala angustiados, vem o gozo de prazer quando o detetive diz "achei o Daniel" a voz dele estava sem jeito e parece que ia dar uma informação trágica e como felicidade nunca dura muito tempo, eu logo perdi o sorriso do rosto e apenas segurei o telefone. A voz era fraca " Srta Blake seu noivo esta morto" foi tudo o que conseguia ouvir, o telefone caiu no chão e eu fiquei perplexa desejando que não seja ele, desejando que ele tenha fugido com uma putinha qualquer e enquanto eu paralisei, o detetive ainda tentava falar comigo "precisamos de alguém para reconhecer o corpo. Srta Blake? Srta Blake?" logo voltei a mim e peguei o telefone e todos afoitos se perguntavam o que estava acontecendo "onde você está? Estou indo pra ai" respondi. O lugar estava repleto de policiais, curiosos e todos os tipos de médicos possíveis. Assim que vi o corpo minha visão escureceu e o alívio daquele rapaz não ser ele não veio, pois era realmente o meu noivo, o meu Daniel. Não havia motivos para ser forte, A lúgubre dor preenchia todo o espaço da felicidade, sorrisos de ansiedade eram trocados por gritos exasperados e choros angustiosos e devidamente doloridos. A felicidade, ou o que cheguei mais perto de tê-la, tocava o meu peito e se transformava em solidão. A trilha sonora de toda uma tragédia era a música How da Regina Spektor. Ele havia sido sequestrado e torturado por qualquer psicopata doente que esta por ai fazendo uma nova vitima. "Como pode um rapaz de pouco mais de vinte anos, alto e saudável, simplesmente, dirigir em uma madrugada para resolver a vida e não voltar mais?" perguntou um policial e a minha raiva florescia "Seu porra inútil. Parabéns, seu único trabalho era trazer ele vivo, você disse que era seu trabalho e olhe que grande merda de trabalho você faz" "Srta Blake, por favor" e minha visão ia se apagando. "Srta Blake? Srta Blake? Ela esta acordando" e aos poucos eu tentava recobrar a pressão de lembrar de todo o ocorrido anterior do meu desmaio "Srta Blake..." "você falhou, você falhou, você falhou" eu murmurava chorando enquanto voltava "Srta Blake eu sinto muito" " não, você não sente. Você só sente por sua reputação, que ja esta uma merda, sendo manchada novamente. Você deve ter filhos e esposa não é? Assim que a polícia ir embora dessa porra de lugar e todos fingirem que ele não foi nada além de mais um caso não resolvido de um assassino mais inteligente que vocês, você vai abraçar seus lindos filhos e beijar sua linda esposa e fingir que liga pro dia bosta que eu tive e ela vai te achar o cara mais sensível do mundo e espero que isso te torture todos os dias e saiba que parte é culpa sua por ter falhado e culpa de cada um dos policiais por serem negligentes desde a primeira vez que liguei pra fazer queixa e lembrem que graças a incompetência de cada um não terei a minha linda família também. Você não perdeu a sua esposa, porra! e nenhum de seus filhos" a madrasta de Daniel tentava acalmar o detetive, que era amigo dela. O pai dele me olhava com um tipo de nojo amargo, não por eu estar puta da vida com o amigo dela, mas como se fosse eu a culpada da morte. Me olhava com um olhar que deixava claro como cristal o desprezo que ele tinha por mim desde que Daniel anunciou o casamento e a desaprovação por perder novamente o filho, só que dessa vez perdeu pra mim. Assim que parou de chorar olhou pra mim como se fosse me bater para tentar fazer justiça por um crime que não cometi "não devia haver casamento, sua vagabunda" e assim vejo a desolação das pessoas quando não há um culpado certo, tudo que fazem é culpar a pessoa mais próxima da vítima. Me senti uma assassina sem nem mesmo sujar as mãos de sangue. E enquanto o meu mundo caía junto com a ficha de tudo aquilo, eu só me lembrava dos momentos bons, de como ele me pediu em namoro, da primeira vez que vi os olhos dele, das piadas, dos flertes e da primeira vez que senti que o amava. Assim que a poeira baixou, cheguei no detetive com cara limpa para lhe pedir desculpas "me desculpe, me deixei dominar pela dor e falei merda" "não precisa se desculpar. Me senti do mesmo jeito quando o assassino matou e esquartejou Isabel, minha esposa, só para deixar claro que eu estava na pista errada" eu senti um peso na consciência e corei de uma vergonha horrível " oh meu deus, desculpe, eu não..." "eu sei que não sabia, não sou do tipo que expõe a vida para meus clientes. Bom, assim que o corpo sair da autópsia farei questão de te informar" "pegue ele por favor" me sentia culpada "o farei e nesse dia farei tudo que ele fez com as vítimas. E também peço minhas desculpas por ter falhado" começou a chover "bom, tenho que ir. Adeus" "adeus e não tive chances de ter filhos com Isabel, nem tive chance de me despedir" "quer um abraço? Sei la, não estou te cantando nem nada, mas as vezes todo mundo precisa de um abraço" "não obrigado, não faço o tipo de que gosta de abraços" Ele se virou deixando pegadas na lama aguacenta com suas botas e vestindo um sobretudo preto e quando fui indo ouvi "Srta Blake obrigado pela conversa, você é uma jovem fofa. O falecido tinha muita sorte" eu corei as bochechas "obrigada e agradeço profundamente pelo apoio e tudo que esta fazendo por mim".


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