If i remember escrita por Just a writer


Capítulo 5
Do you like coffe?




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Todos criticam governos, mas não fazem nada a respeito. Muitos diriam que isso seria covardia, ou hipocrisia, sei lá. Muitos têm medo de agir contra o sistema opressor, e em contra partida, o sistema reagir. Muitos têm coragem, mas não tem o apoio necessário. Eu? Eu não acho que café seja horrível.

Eu pedi que Harry pusesse mais no meu copo, e ele pôs sem questionar.

Nos treze dias que passei no hospital, todos me perguntavam como era não me lembrar de nada, mas ninguém me perguntava se eu queria mesmo me lembrar. Evan Rowe, esse é um nome que divido com meu passado. Ele poderia ter seus pecados, e um dia talvez eu vá pagar por eles, mas não naquele dia, ainda não. Tudo o que eu fizesse a partir daquele momento, seria por mim mesmo. Eu devia isso a mim mesmo. Eu havia me esquecido, mas já estava na hora de lembrar.

Dawn iria vir me visitar naquele dia, no mesmo dia em que ela sairia do hospital. Podemos reconhecer determinação e obstinação nas pessoas, fácil como jogar uma bola de papel na lata de lixo. Eu meio que admirava isso em Dawn. Ela não era nem demais, nem de menos. Ela sempre vê o copo meio cheio, não o contrario. Logo de manhã, recebi uma ligação de Dawn, ainda no hospital (rima sem intenção). Às duas horas da tarde, ela viria em casa. Perguntei se ela sabia o endereço, e ela respondeu que tinha memorizado desde que tinha visto na primeira vez.

Disse a Harry e Victoria que a Hansen vinha me visitar, e a mulher ficou em estado de emergência, com uma vassoura numa mão, e uma pá de lixo na outra. Harry até satirizou a cena falando “apenas aprecie o show”. Mas não estava com cabeça para assistir nenhum show. Tinha que pensar em uma maneira de como começar a me lembrar, o que era uma tarefa difícil. Perguntar para Harry e Victoria sobre o meu passado? Não, eles poderiam omitir coisas como eles bem entendessem. Ir a lugares e rezasse que eu lembrasse de automático? Talvez fosse meio passo, mas e o outro meio passo? Não podia confiar muito em mim mesmo, e eu ainda não confio.

Peguei meu par de muletas e subi as escadas para ir ao meu quarto. Me olhei no espelho, e fiquei daquele jeito acho que uns cinco minutos. Aquela pessoa que eu encarava era eu. Era como o mundo me enxergava, como os outros se lembrariam de mim. Encarei meus olhos no espelho e tentei me avaliar, e uma das minhas últimas preocupações me assaltou: Mas que porra eu ia vestir?

Eu ainda estava com a camiseta e a cueca samba-canção azul com que havia dormido na noite anterior.

Dias atrás, eu nem me importava com que eu estava vestindo, mas naquele momento, roupas decentes eram prioridade total. O gesso na minha perna esquerda dificultava a escolha, assim como o frio. Uma coisa que eu aprendi rápido, é que só existia dois tipos de clima em Red Hill: Frio pra porra e um calor do caralho, como se fosse um tipo de protótipo do inferno.

Por fim, pensei dane-se, e coloquei a primeira coisa que eu vi. A camiseta era preta sem nenhum detalhe, a calça também era preta e cobriu totalmente o gesso. Se eu ganha-se nota para me esconder entre as sombras, acho que teriam que rever a teoria da relatividade, porque ninguém me veria. Batman ficaria orgulhoso.

– Que horas a sua amiga chega mesmo, Evan? – Victoria berrou do andar de baixo.

– Depois das duas – respondi no mesmo volume de voz.

Encarei de novo o espelho, só para ver mais uma vez a minha aparecia. Ela estava boa. Por pura curiosidade, fui esquadrinhando o espelho, vendo ao redor do meu quarto. Encontrei caixas de plástico encima de prateleiras, e algumas prateleiras vazias, mas sem poeira, como se tivessem retirado coisas dali de cima e limpado qualquer vestígio que elas tivessem existido. No centro do espelho, percebi marcas de impressão de mãos, e em volta marcas de sujeira, como se aquilo fosse conservado de propósito. Num impulso, abri a boca e soltei ar quente. A marca da mão se intensificou e ficou nítida. A marca tinha dez dedos, mas todos de mãos direitas. Estendi a minha mão direita e sobrepus a marca no espelho. Rapidamente, imagens e sons cruzaram a minha cabeça, o que me fez recuar. – Mas que merda foi essa – pensei. Aquilo era assustador para mim. Estendi a mão de novo devagar, mas dessa vez com convicção. Se aquilo fosse uma lembrança, eu a queria. meus dedos tocaram a superfície plana do espelho, e deslizaram para cima , eu estava quase lá, mas parei. Franzi as sobrancelhas e fitei mais um pouco a marca quase sobreposta. Eu não sabia que tipo de coisa ia acontecer, e isso me deixava com medo. E se fosse uma memória ruim, uma que eu não quisesse ver? As probabilidades eram altas, mas eu tinha que arriscar. Fechei os olhos e relaxei a minha mão, e ela pressionou a marca.

Voltei a abrir os olhos e dei um pulo de susto. Uma mão branca estava sobre a minha e a empurrava com firmeza. Subi o braço com os olhos, e vi cabelos loiros um pouco ondulados. – Tá de sacanagem comigo! – pensei. Harriet sorria enquanto tirava uma foto com um celular de nossas mãos juntas. Mordi meu lábio inferior, pensando na melhor maneira de chamar a atenção de Harriet. Eu não sabia se aquilo estava acontecendo mesmo, ou eu estava ficando louco. – É só uma memória, é só uma memória – tentei me tranqüilizar. Com a mão esquerda, cutuquei Harriet.

– Espera, ainda não tirei a foto – ela disse. – Pronto! Essa vai pra geladeira – ela tirou a mão de cima da minha.

Eu retirei a minha, mas quando ia falar com ela, ela tinha sumido. Eu estava com as muletas debaixo dos braços novamente, e sem memórias. Caramba! Falei baixinho, enquanto fitava a minha mão e a marca no espelho. Pus a mão de volta, mas nada aconteceu. Era como se o universo estivesse dizendo pra mim: Nope. É só uma vez, xará.

Se misturando aos ruídos usuais da casa, o som da campainha surgiu como um alarme nos meus ouvidos. Olhei para o relógio digital da cozinha, e ele marcava 14h e 13min. Ouvi os passos pesados de Harry no andar de cima, bem sobre a minha cabeça. Do outro lado da cozinha, se escutava a corrida afobada da esposa dele. Ambos estavam tão preocupados em causar uma boa primeira impressão, que não perceberam suas atitudes nada adequadas. Mesmo sem me lembrar de nada, eu sabia que se um dos dois atendesse a porta, eles apenas iriam assustar Dawn. Para evitar aquilo, gritei para o casal que iria atender a porta, e imediatamente o burburinho se absteve.

A campainha não parava de tocar, o que queria dizer que Dawn estava com pouca paciência. Pus a mão sobre a maçaneta, rezando que Dawn não me agredisse, reclamando que tinha demorado para atender. Girei e puxei a porta de olhos fechados, já esperando um soco ou qualquer outra coisa. Eu esperei e nada. Abri uma frestinha para espiar, e somente vi Dawn de costas. Baixei a minha guarda inexistente. Esperei ela se virar, mas ela estava muito entretida com os arredores para fazer tal coisa. Me apoiei na muleta a minha direita, e estiquei o braço e cutuquei se ombro. Ela deu um pequeno salto e num reflexo agarrou a minha mão. Um olhar feroz veio em minha direção e recuei um milímetro. Ela apertou a minha mão com uma força descomunal e torceu a boca, rangendo os dentes. Se ossos pudessem falar, os meus estariam berrando. Dawn girou sob seus calcanhares lentamente, e sua boca esboçou um sorriso cínico.

– Nunca me toque sem eu deixar. Ouviu Rowe? – ela rosnou e apertou mais a minha mão.

Eu apenas assenti com uma expressão de dor mordendo o lábio inferior. Ela fechou os olhos e assentiu vagarosamente enquanto soltava a minha mão. Ela deu um sorriso “tô cagando pro mundo” e perguntou se ela podia entrar, e novamente eu assenti, enquanto massageava a pobre mão que não tinha feito nada para merecer aquilo.

Dawn nem havia dado dois passos dentro da casa, e Victoria apareceu, dando boas-vindas e perguntando se Dawn queria alguma coisa. Dawn fitou gentilmente a dona da casa, e acenou um não com o braço engessado. A visitante foi para a sala e se sentou no sofá, ela me olhou e acenou para eu sentar com ela. Um pouco após eu me juntar a Dawn, Harry e a esposa se sentaram no sofá em frente. Ele se encurvou um pouco e entrelaçou os dedos.

– Bom, senhorita Hansen, a que devemos sua visita? – o olhar de Harry era avaliativo.

– Direto ao ponto, né? – o tom de voz de Dawn era firme – Bom, no tempo que Evan e eu estivemos no hospital, eu prometi que ajudaria ele a se lembrar das coisas antes do acidente – ela comprimiu os lábios a espera duma resposta.

– Somente isso? – ele semicerrou os olhos.

Como resposta a pergunta de Harry, Dawn assentiu.

– Se Evan não quiser me ver depois disso, eu vou entender – ela declarou.

Harry a estudou metodicamente e falou:

– Sem objeções, querida? – ela perguntou a esposa.

Ela sacudiu a cabeça negativamente.

– Bom, muito bom. É... por acaso vocês não teriam um álbum de fotografias por ai, teriam?

Harry e Victoria se entreolharam por um momento.

– O q-que está fazendo, Hansen? – perguntei baixinho no ouvido dela.

– Calma, faz tudo parte do plano – ela respondeu. – E para de gaguejar, é um pouco estranho.

– Que plano? E n-não dá pra parar de gaguejar!

– É uma tentativa para te ajudar, então colabora. – ela se afastou para acabar com a conversa.

Olhei de novo para Harry e Victoria, e eles ainda estavam discutindo em meio a cochichos. Quando eles pararam de discutir, Harry se preparou para responder se tinha ou não um álbum, quando foi interrompido. Nathalie se aproximou um pouco tímida, olhando Dawn.

– Tá debaixo das escadas – Nathalie falou.

– Muito agradecida – Dawn disse a minha irmã.

Victoria se levantou e foi em direção a escada.

– Obrigado por lembrar, Nat! – Victoria parabenizou a filha.

Muito bem. Dawn tinha um plano que talvez eu me arrependesse depois, e um certo poder persuasivo sobre Harry e a esposa. Cara, ou ela é uma ditadora com certos conhecimentos em tortura, ou ela manja das coisas. To mais inclinado pela primeira opção.


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