Laços de Sangue e Fúria escrita por BadWolf


Capítulo 34
Respostas em Plymouth


Notas iniciais do capítulo

Olá!!!

Dando prosseguimento à nossa história (que aliás, já está quase na reta final :(
Holmes finalmente está em Plymouth, com o intuito de encontrar a família Morgan - ou o que restou dela. Claro, não será nada fácil se dirigir ao olho do furacão, mas Holmes estará disposto a qualquer coisa para elucidar seu próprio passado e provar sua inocência. Mesmo que ele tenha que tocar em velhas feridas...
Bom, chega de falar. Boa leitura!!!



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Plymouth, Inglaterra. 14 de Janeiro de 1895.

05:35 a.m.


Holmes já estivera duas ou três vezes em Plymouth desde o ano de 1875, mas ainda assim, dava a impressão de que a cidade se agigantara cada vez mais. Talvez o fenômeno das ruas tomadas de gente, cabriolés e carroças para todos os lados, comércio crescente e poluição fossem fatídicos em toda a Inglaterra.

Seu subterfúgio fora bem orquestrado, ele pensara, ao perceber nenhum jornalista na estação. Ele usava agora um bigode falso e costeletas avantajadas, que lhe deixavam num aspecto irreconhecível. Talvez isso lhe facilitasse o trabalho nas ruas, mas eventualmente ele teria de se desfazer de seu disfarce, especialmente na hora que encontrasse Mr. Morgam em pessoa.

Mr. Morgan deveria ter, àquela altura, a mesma idade que seu pai. Holmes se lembrava da semelhança física entre os dois, além das tardes que passara cavalgando pelas terras da fazenda dos Morgan, que fazia divisa com a sua. Depois do rompimento do noivado, Holmes fora proibido de fazer isso de novo, e só entendeu o porquê disso quando, na vez que o fizera após o episódio, fora cercado por três capangas armados e escoltado de volta à sua casa. Ao contar ao seu pai, levara três tapas no rosto e um mês de castigo, sem seus experimentos de Química. E nunca mais tocou-se no assunto.

Ele só desejava que não houvesse a mesma recepção. Não depois de tanto tempo.

Era sabido que os Morgan tinham abandonado a Agricultura depois de um incêndio em sua fazenda, que devastou quase toda a safra de trigo daquele ano. A falência viera em seguida. Junto à falência, viera também o desprestígio. Eles não mais foram convidados á jantares e recepções, tornando-se uma mera família de classe média, que usufruía do dinheiro de seu próprio trabalho, os irmãos de Beatrice, Keith e Leonard, tinham se formado em Direito em Oxford, Holmes se lembrava deles nos tempos da faculdade, e também da falta de intimidade que havia entre os dois para com ele, algo que Holmes tinha certeza ser fruto ainda do estranho rompimento do noivado com a jovem Beatrice. Talvez os Morgan considerassem os Holmes como homens sem palavra, por isso a distância. Mas algo lhe dizia que a questão era muito mais séria.

Holmes se hospedou em uma estalagem simplória, sob o nome John Sigerson. Decidiu que se deslocaria por todo o canto com essa identidade, assim seria mais seguro. Sua pequena mala, contando apenas de uma muda de roupa, um par de botas e uma escova de dentes, tinham sido postas sobre a cama. Ele decidira que não iria colocar suas coisas no armário, na certeza de que sua estadia em Plymouth seria breve.

Passava das cinco da manhã quando Holmes chegara em Plymouth, de modo que pouco havia o que se fazer. Ele decidiu fazer uma leve refeição (aquela estalagem não tinha muitas opções), dormir por algumas horas e começar já pelas dez da manhã. Havia muita coisa a ser acertada com o patriarca dos Morgan.


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O pequeno Sherlock cavalgava nas pastagens da fazenda dos Morgan, em Yorkshire. Ele era observado por uma menina, olhos e cabelos castanhos claros, e outra um pouco maior. O menino não poderia se eximir de sua gabaão. Seu tutor, o professor Cales, tinha lhe ensinado passos elegantes a dar com o cavalo, e agora ele se exibia para as duas meninas, arrancando suspiros de terror das duas.

Com parte das costas e a testa suadas, Sherlock desmontara do cavalo, caminhando para perto das duas.

–Você poderia ter caído feio, Sherlock! – resmungou Beatrice.

Beatrice. Desde o momento que soubera que era noivo dela, Sherlock tinha evitado estar ao seu lado. Mas isso era quase impossível. Ela estava sempre ali, em sua casa, ao lado de sua irmã, e sua irmã parecia satisfeita em ver os dois juntos. Talvez aquele fosse mesmo seu destino, ele tentava se convencer, embora a idéia de casamento lhe incomodasse. Seu tutor, Cales, lhe fez vasta explicação a respeito dos incômodos da vida matrimonial. Ele não se via nesta situação, não mesmo. Queria ser um químico, ou quem sabe um músico, e uma mulher seria só um entrave ao sucesso. Ele teria de deixar seus experimentos e o estudo de partituras para leva-la a Igreja, comprar vestidos caríssimos quase toda a semana, como sua mae fazia. Isso sem comentar as tais “obrigações matrimoniais”, que fazia seus pais corarem sempre que ele perguntava a respeito até lhe render, um dia, uma surra do cinto por tocar em “assuntos impertinentes”.

Mas Beatrice era uma boa pessoa. Um tanto religiosa demais para seu gosto, mas uma boa pessoa.

O problema era seus irmãos, Leonard e Keith.

Os irmãos Morgan.

–Cansado de se exibir, Holmes? – perguntou Keith, o mais velho. Atrás de si, estava Leonard, uma espécie de sombra, sem personalidade alguma.

–Um pouco. Afinal, poucos tem algo de bom para exibir.

Keith riu, em provocação. – É fácil se exibir para duas moças ingênuas. A elas você pode impressionar, Sherlock, mas não a nós dois.

Ao perceber que os irmãos se colocaram em posição de luta, com punhos fechados, Beatrice tentou intervir.

–Leonard, Keith, parem!

Inútil. Os três brigaram, rolando no chão. Era injusto, concluía Sherlock, pois enquanto batia em Keith, seu irmão e buldogue, Leonard, lhe dava chutes.

–Você é mesmo um covarde, Leonard! E sempre será! – reclamava Holmes.

Aquela seria mais uma luta inútil entre os dois garotos, se não fosse por algo diferente naquele dia.

Leonard ter sacado uma pistola.

Até mesmo Keith ficara surpreso.

–Leonard... Irmão... Pare com isso... – ele pedia. – Pense no papai...

Holmes colocou as mãos para cima, tal como ensinara seu tutor, em situação de desvantagem. Atrás de si, ele ouvia as duas meninas chorarem.

–E agora, hein? Quem é o covarde? – Leonard riu. – Vou meter uma bala na sua cabeça e fazer você se juntar à vadia de sua mãe...

Diante da ofensa imprópria, Holmes perdera a cabeça e se lançara contra Leonard. Esta foi outra coisa que ele aprendera com seu tutor, Mr. Cales. Nem sempre uma pessoa armada é capaz de atirar. Porque atirar não é um simples puxar de gatilho, dizia Cales, mas também um agir do próprio cérebro. E não foi isto que o cérebro de Leonard fez. Nenhum tiro foi efetuado, e Holmes pegou-lhe pelo braço, tentando impedi-lo.

Como Leonard era bem menor que ele, Homes levantou seus braços, na altura da cabeça. Forçava seu pulso a soltar a arma.

–Solte! Vamos, largue a arma! – ordenava Holmes, em vão.

Um disparo foi efetuado.

E a partir daquele momento, Leonard se tornara um homem de apenas uma orelha.



Fora com a visão do rosto ensanguentado daquele menino gordo e rosado que era Leonard que Holmes acordara, perturbado. Ultimamente, seus sonhos e lembranças estavam se tornando misturados demais, ele se lamentava. Desejava sonhar com esse maldito caso resolvido, estar com Esther, ou mesmo andando pelas ruas de Paris, não com um sonho envolvendo os malditos Morgan!

Por conta desses sonhos tão indesejados que de manhã cedo, Holmes já se encontrava de pé. Tomara chá verde na estalagem como café da manhã, e decidiu permanecer no disfarce, a caminhar pelas ruas como uma pessoa normal.

Os jornais de Plymouth noticiavam a mesma coisa que os londrinos. A noticia já deveria ter se espalhado pela Inglaterra, talvez até pela Europa. Pela reação, muitos pareciam surpresos – por jamais terem cogitado que Holmes tivera uma pretendente, e também pela acusação de vingança.

–Ele não me parece ser um homem disto. – disse um senhor de idade.

–Eu também não, mas as pessoas nem sempre são o que pensamos.

–Se ele fez isso, merece pagar! – disse uma mulher. – Ele tornou uma criança órfã!

–Quanta crueldade!

Holmes passava pelos resmungos e murmúrios dos passantes, parados diante do jornaleiro, a comentar as manchetes do dia, que pareciam não comentar outra coisa.

Algumas esquinas adiante, ele notou um escritório de advocacia, chamado “Morgan & Jr.”, certamente dos irmãos Morgan que ele conviveu na Universidade de Oxford.

Ficou parado por uns instantes, fingindo ler um dos jornais, quando notou um conhecido jornalista londrino sair de lá: Mr. Finn, acompanhado de outro jornalista.

–Inacreditável a falta de boa vontade dessa gente...

A julgar por seu comentário, pensou Holmes, sua excursão à Plymouth tinha sido inútil. Menos mal.

Holmes esperou um pouco, e adentrou ao pequeno escritório. Sua entrada foi logo denunciada por um pequeno sino, preso à porta.

Havia um homem gordo, de óculos graduados e olhar perdido, que ele logo reconheceu por Leonard Morgan. Isso, além do fato de ele não ter a orelha direita.

–Em que posso ajuda-lo, senhor?

–Tenho uma petição a fazer ao Mr. Morgan.

O homem sorriu. – O senhor pode se reportar a mim.

–Onde está o seu irmão, Keith Morgan?

Leonard pareceu não gostar. Parecia ser rotineiro sempre procurarem Keith, e não ele.

–Ele não está no momento, mas me autorizou a assumir suas causas em sua ausência. Se fizer a bondade de se sentar, eu...

–Sabe o que mais me surpreende?

Holmes parou, naquele momento, de disfarçar a voz, o que causou estranheza e certo medo em Leonard.

–Que o senhor, Leonard Morgan, um dos melhores alunos de Oxford, cuja especialidade é justamente o Direito Penal, ter se colocado fora do caso envolvendo seu sobrinho, Bruce Finnegan.

Leonard se levantou, amedrontado.

–O senhor é mais um abutre da imprensa, não é?

Para surpresa de Leonard, Holmes se voltou à porta e pôs uma cadeira sobre ela, deixando o homenzinho ainda mais assustado.

–O que é agora? Irá me espancar até que eu revele mais coisa, seu monstro enxerido?

Mas só o que Holmes fez foi arrancar o bigode e as costeletas, e se desfazer do andar de idoso.

–Mr. Sherlock Holmes! – exclamou Leonard, assombrado.

–Shiu! – pediu Holmes. – Leonard, eu preciso que fique calado. Há mais alguém aqui além de você?

–Na-Não... Keith foi até o Telégrafo.

Entretanto, não foi isso que disse uma voz, vinda de dentro do escritório.

–Chega de mentir, Leonard. Você fez o que pôde.

Holmes sentiu um alívio por dentro, depois de voltar a escutar aquela voz grave depois de anos. Era Mr. Morgan, pai de Beatrice.

–A pergunta não é, Mr. Holmes, quem mais está aqui. A pergunta é: o que o senhor faz aqui, em Plymouth?

Holmes esperava açoites, xingamentos e o mais que fosse necessário. Entretanto, não foi isso que escutou de Mr. Morgan, ademais certa amargura em sua voz, ao se reportar com um dos Holmes de Yorkshire depois de tanto tempo.

–Não esperava que viesse aqui, Sherlock. Ou melhor, Mr. Holmes, porque vejo que você já é um homem.

Holmes assentiu. A última vez que aquele homem lhe vira, ele tinha menos de onze anos.

–Santo Deus, mas você é muito parecido com sua mãe... Mas também me é familiar com mais alguém...

Holmes o interrompeu, como se estivesse apagando fogo.

–Creio que não é para discutir a minha semelhança física que me encontro aqui, Mr. Morgan. Não quando tenho toda a Inglaterra me acusando de falso testemunho por vingança passional.

Morgan sentou-se, solenemente.

–Também preciso admitir que estou surpreso com a repercussão disso.

Holmes franziu a sobrancelha. – Surpreso? Mas fora o senhor quem obteve as evidências... As cartas do meu pai, por exemplo...

Morgan recusou. – Não exatamente. Meu neto Bruce veio aqui certa manhã, há algum tempo atrás. Desde a morte de sua mãe, jamais viera me visitar, mas ano passado ele esteve aqui. Quando vi a notícia no jornal, entrei em choque.

–Precisei leva-lo ao hospital por isso. Ele chegou a desmaiar. – acrescentou Leonard.

–Tenho certeza de que ele tentou roubar de mim, porque eu jamais as entreguei a ele. Certamente, deu com os burros na água. Não existe carta alguma comentando sobre seu noivado com Beatrice. O noivado fora um acordo firmado pela palavra de dois homens honrados – ao menos assim pensei que fosse. - assinalou o velho, com amargura. – Jamais foi do feitio de seu pai falar qualquer coisa além de negócios por cartas.

Vendo que Morgan estava pasmo com sua ignorância a respeito dos hábitos de seu pai, Holmes retrucou.

–A maneira como meu pai conduzia ou conduz seus negócios jamais me interessou, Mr. Morgan.

Morgan relevou.

–Bom, e mesmo se existisse alguma carta, eu jamais a revelaria em público. Jamais foi minha intenção tornar essa história sórdida pública. Eu sou um Morgan, sou um homem de palavra. Minha família ajudou a erguer Yorkshire e já hospedara membros da Família Real em nossa Mansão...

–Nossa antiga Mansão, papai... – dissera Leonard, com tristeza.

–Tem razão, meu filho. Agora, isso pertence a um passado que ninguém mais se interessa. Portanto, se veio aqui atrás de mais evidências, para queimar ou destruir...

Holmes interviu. – Pelo contrário, Mr. Morgan. A evidência que desejo não pode ser queimada. Não porque o senhor a carrega por todo o lugar.

O velho estranhou a afirmação.

–Ora, mas que evidência havia de ser esta? Já disse, aquele desgraçado do Bruce levou tudo... Aquele neto errante, ingrato...

–Estou falando de sua memória, Mr. Morgan. Tudo que eu desejo é saber o que de fato aconteceu em 1866, se não for pedir muito.

Diante do silêncio do local, Leonard Morgan sentiu-se desconfortável em permanecer ali, ao perceber que o assunto era privado – além de ele saber bem qual era o conteúdo, Holmes percebeu. Aquilo deveria ferí-lo, apenas de escutá-lo mais uma vez. Mas o que haveria de ter acontecido naquele ano.

Já sem Leonard no local, Mr. Morgan levantou-se, dando alguns passos pelo escritório.

–1866... O ano em que... Tudo começou a desmoronar na família Morgan de Yorkshire. E seu pai, Siger Holmes, retirou o primeiro tijolo.

Holmes assentiu. – Exatamente.


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Notas finais do capítulo

Caramba, não acredito que terminei aqui!!! KKKKKKKKKK

Será que alguém faz alguma idéia do que pode ter acontecido entre os Morgan e os Holmes? Não deve ter sido algo simples, a julgar pelo desconforto tanto de Holmes quanto do patriarca um com o outro.

Teorizem, galera!! Deixei barro o basante para isto!!! Quero ver quem está próximo da verdade!!

E no próximo cap, na quarta: Holmes tem uma história para ouvir...E finalmente chega a uma conclusão. Aguardem!!!

Um grande bj e deixem seus reviews!!!



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