O país secreto. escrita por Apenas eu


Capítulo 44
É tão bom te ter de volta


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores e leitoras! Demorei, mas voltei :3



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Myafa se lança nos braços de Stive assim que o vê, olhando profundamente em seus olhos - ali há sentimentos que nem um milhão de palavras seriam capazes de descrever. Ele acaricia seu cabelo, ela ri atoa, e nenhum deles parece se preocupar com a plateia que os observa. Will bufa ao meu lado.

– É incrível como treze anos de irmandade são abalados quando surge um rabo de saia.

Solto uma gargalhada, jogando o braço por cima do seu ombro. É tão bom tê-lo de volta, exatamente como antes, que meu humor está inabalável. Até da soneira eu esqueci! Dianna está no meio da multidão, que lhe joga uma rajada de perguntas as quais ela tenta responder do jeito mais breve possível.

– E tem mais - Will faz uma careta, olhando para o casal que agora se beija. - Sinta-se feliz por não poder ler mentes, porque o Stive... Oh, cruz credo.

Rio outra vez, até os olhos lacrimejarem. É quase impossível me conter, mas quando consigo, dou um beijo no rosto do meu irmãozinho.

– Só você mesmo - Digo, quando ele começa a limpar o lugar que eu beijara com uma careta. - Pra me fazer rir quando sei que vamos todos morrer.

– Ah, é mesmo - Ele empurra meu braço de seu ombro e se vira para mim. - Eu até esqueci disso. O idiota do Drafe tem um plano pra resolver essa parada.

Fito-o, boquiaberta, finalmente notando a dimensão da minha burrice. Juro que eu estava, esse tempo todo, calculando o quanto teríamos de andar para chegar ao topo daquela montanha, ao castelo. Mas nem me dera ao trabalho de analisar que temos entre nós alguém que pode ir e vir o tempo todo em um segundo, que pode fazer o percurso ao redor do mundo em menos de meia hora. Por que sou tão tapada? É lógico que não vamos demorar dias para chegar lá com Drafe, o teletransportador, entre nós.

– É, você tem razão - Diz Will, coçando o queixo, pensativo. - Você é mesmo bem tapada. Mas, que mais não fosse, até que não é lerda que nem o Stive.

– Devo dizer "obrigada"?

– Você diz o que quiser - Retruca, girando os olhos. - O que vale é que eu estou com uma fome anormal. Você sabia que, ao invés de estômago, eu tenho um monstro na barriga? Pois é. Uma semana comendo a caça de Drafe me fez ficar pele e osso que nem o nosso irmãozinho.

Ele passa por mim, examinando nosso acampamento em busca de algo para comer. Quando avista a carne assada e a garrafa d'água, avança para elas sem hesitação e ataca a carne, bebendo grandes goles d'água em curtos intervalos. Ninguém parece se importar, já que todos têm sua atenção voltada para Dianna, Drafe e o casal atracado, Stive e Myafa. Will e eu, apesar de cercados de gente, parecemos estar sozinhos.

Me sento ao pé da árvore, de pernas cruzadas, e observo-o enquanto devora todos os nossos suprimentos e engole com uma voracidade admirável. Uma brisa, muito leve e confortável, serpenteia entre nós.

– Will - Sussurro, olhando-o de lado sob a luz tênue do anoitecer.

– Hm? - Ele ergue os olhos castanhos para mim. Seu rosto está todo sujo e brilhante por causa da gordura da carne.

– E se a gente não conseguir? E se...

Minha voz vacila e se perde no ar. O medo e a apreensão se instalam assim que revelo para ele o que ele já cansou de ver em minha mente. Meu maior receio é e sempre foi ver quem eu amo sofrer e morrer. Decidi fazer aquela pergunta a Will, porque ele é o único que não mudou em nada desde os tempos em que morávamos na nossa casa. Seu jeito descontraído, seu sorriso debochado, seu ironismo e malcriação... Continuam os mesmos. Will é, mais do que todos, o que me faz lembrar de onde eu vim e qual é o meu objetivo: voltar para casa. Voltar para minha antiga vida.

Sua expressão se abranda e sei que leu minha mente outra vez. No entanto, ao invés de comentar sobre meus pensamentos, responde à minha pergunta:

– Larga de ser besta - E separa a coxa do animal, levando-a aos lábios e balançando a cabeça para afastar um dos cachos que cai em sua testa. - A gente não vai morrer, sua bocó. Temos um rei poderoso ao nosso lado, somos uma porção pessoas superpoderosas netos desse rei, e contamos com a ajuda de seres lendários. Acha que a gente vai morrer? - Ele ri, descartando a hipótese. Mas seu riso vai se perdendo aos poucos e ele emenda, baixinho - Bom, talvez, se o exército dele for mais...

No entanto, a frase vai sumindo na medida em que ele abocanha a coxa do animal assada. Sorrio, ainda que esteja mesmo perturbada com a possibilidade de que todos irão morrer. Olho para mais além, em tempo de avistar uma moça alta e esguia cujos cabelos ruivos ondulados estão soltos sobre os ombros... Eu nunca vi Demmie de cabelo solto, mas acabo de constatar que ela fica melhor assim. Ela vem em nossa direção e se senta do outro lado de Will.

– E aí, William Dill Bouringor - Ela saboreia cada sílaba do seu nome. Will levanta os olhos, aborrecido pela menção do segundo nome dele, Dill, que ele odeia profundamente. Ele nunca entendeu o porquê de a mamãe tê-lo batizado assim, já que sempre achou que é nome de menina. - Digamos que você seja mesmo ele. Me responde: por que eu não consigo ler sua mente?

Will se interrompe no meio de uma mastigada, e engole assim mesmo a carne. Sei que está irritado porque sua testa está franzida, como acontece todas as vezes que algo não o agrada.

– Ué, eu sei lá, minha filha - Ele sacode os ombros. - Problema é seu, não vem me encher o saco uma hora dessas.

Abafo o riso.

– Ele é um telepata - Digo à ela, que assume um ar de compreensão. -, não um metamorfo. Fica tranquila, tá? É só o antigo William.

– Will - Corrige ele, abandonando o osso de lado e indo pegar outra parte do bicho. - Me chame de Will, tá legal? Nada de William, nem Dill (porque é nome de menina). Apenas Will. Mas se quiser me chamar de sr. Bouringor ou Sua Alteza Real, tá valendo também.

Dou-lhe um tapinha brincalhão, e ele me olha indignado.

– Seu bobo!

Mais tarde, quando a noite finalmente chega, nos reunimos em torno de uma fogueira - acesa pela "acendedora de fogueiras", Emma Bouringor - enquanto Larm sai para caçar (culpa do Will).

Todos estão sérios e silencioso, com as chamas da fogueira refletida nos olhos e os pensamentos interditando a mente. Reflito sobre o quanto Will, Doquo e Demmie estão conseguindo captar com tanta gente pensando ao mesmo tempo. Deve haver um jeito de controlar o dom, mas não acredito que Will - e eu o conheço bem - vai querer controlá-lo. Garanto que ele preferirá captar tudo o quanto puder.

Assim que Larm retorna com um calist bem rechonchudo, Jayssa o destripa e ele é fincado em um galho longo, que Liam segura sobre o fogo.

Drafe pigarreia.

– Primeiramente, gostaria de me desculpar - Ele diz, sua voz soando terrivelmente alta na quietude da noite. - Jayssa, Giroy, Vedir e Demmitry.

– É Demmie - Ela retruca, entre dentes.

– ... Sei que fui insensato de abondoná-los - Continua ele, descartando o comentário de Demmie. - Perdoem-me.

– É claro, não é? - Diz Giroy com secura. - Quase sessenta anos na companhia de sua ilustre presença não podem ser abalados por uma piração repentina e um amor obcecivo. Não tem como mesmo me livrar de você.

Os cantos da boca de Drafe se levantam em algo bem próximo a um sorriso.

– De qualquer forma - Diz Vedir. - Não podemos, simplesmente, te aceitar como se nada tivesse acontecido. Você nos enganou mais de uma vez, se é que está lembrado.

– Estou de pleno acordo - Seus olhos tremeluzem e ficam totalmente cinzentos, o que faz seu rosto se tornar ainda mais intimidador. - Vocês nunca foram mesmo de perdoar, nem nos nossos tempos de orfanato. Pois bem. Digam o que querem e eu prontamente obedecerei.

Demmie ri com rispidez, para evidenciar o quanto Drafe está sendo cínico. Eu quase posso sentir seu nervosismo.

– Ah, é claro que somos difíceis de perdoar! - Diz ela, impaciente. - Que eu me lembre, você fugiu do orfanato sem a gente e foi sozinho procurar Doquo, mas te perdoamos. Você se irritou conosco mais de uma vez, e sempre que voltava com o rabinho entre as pernas, te perdoávamos. Você quem ficou obcecado com a menina que deveria proteger, ficou irado e nos abandonou. Você quem voltou depois de anos e pediu desculpas, e nós as aceitamos, mas mesmo assim você nos traiu e sequestrou a garota. E agora, depois de tanto tempo e tantas idas e vindas, você vem nos pedir perdão e espera que aceitemos numa boa?

– Demmie... - Sussurra Jayssa, ao perceber que ela já se movimenta para levantar-se.

– Tudo o que eu queria, Drafe Clinger, é que você fosse um amigo normal - Ao dectar uma nota abafada na sua voz, procuro olhar para o rosto de Demmie e vejo as lágrimas que descem por ele. Ela aponta o dedo trêmulo para ele, num ar acusatório. - Que ao invés de pedir perdão, não tivesse ao menos motivos para isso. Mas quer saber... Chega! - Ela seca as lágrimas, e agora posso ver a raiva nos seus olhos totalmente vermelhos. - Tudo o que eu quero é enfiar uma flecha no seu coração e acabar de vez com essa história. Mas acho que você não chega nem a ser digno de ter pessoas chorando por você.

Em seguida, se vira e vai embora; os passos ecoando pela noite silenciosa. Busco olhar para os rostos e percebo que estão tão surpresos quanto o meu. Há algo a mais no pranto de Demmie... Algo além das palavras ditas por Drafe. Algo que vem ferindo seu coração há muito tempo. Drafe parece aturdido, magoado, contudo de um jeito quase insano. Seus olhos arregalados fitam as chamas e os lábios apertam-se. Pode estar ponderando sobre as palavras de Demmie, como também pode estar calculando alguma coisa muito ruim. Não sei. Mas Will, com certeza, sabe.

Vedir, ao meu lado, solta um suspiro exasperado.

– Ela sempre esteve chateada com Drafe por causa de um certo... Ocorrido no passado - Murmura ele para mim. - Antes de atingirmos a imortalidade, quando morávamos no orfanato, ela nutria... Sentimentos por ele. Mas ele parecia se apaixonar por todas as garotas que não se chamassem Demmitry Beczer.

Arregalo os olhos.

– Até pela Jayssa? Céus ela parece ter onz...

– Não, sua boba - Ele continua cochichando. - Menos a Jayssa. Menos as meninas abaixo de quinze anos, né?!

– Aaaah!

Ele revira os olhos para minha tolice, voltando a se concentrar na fogueira.

Depois da breve tensão que paira no ar, Drafe torna a perguntar:

– O que é que vocês querem que eu faça?

Jayssa, a menina pálida de vestido azul que, incrivelmente, possui quase sessenta anos, se remexe ao dizer:

– Nada compraria nossa amizade de volta, Drafe - Sua voz é meiga e infantil. - Mas tem o plano para a guerra. Você é peça fundamental dele.

Todos os olhares pesam sobre Drafe, que pisca lentamente enquanto pensa sem parar.

– Posso levar até quatro além de mim - Informa ele. - No entanto, isso vai me deixar bem cansado. Opto por levá-los de três em três. - Ele varre o local com os olhos, e sei que está contando mentalmente. Quando termina, anuncia: - Treze, sem contar comigo. Então vai haver um grupo de quatro pessoas, e eu suponho que seja o último.

– Tranquilo - Diz Stive, com um sorriso bobo. Ouço Will resmungar um "eca", e logo presumo que Stive está pensando em uma certa garota de cabelos verdes. - Amanhã de manhã a gente aparece no castelo, beleza?

– Não é tão simples - Repreende-o Jayssa. - Temos que ter pelo menos um plano decente.

– Se Demmie estivesse aqui... - Giroy fala baixinho. - Ela é a mente do grupo, quem sempre monta as estratégias.

– Tudo bem - A voz retumbante de Doquo se faz ouvir. - Eu também sou mestre nisso. Pois bem, escutem com atenção: Vindre e Arismir não gostam de sujar as mãos de sangue, então utilizam um exército do qual não fazem parte. Emma e Hellena, as Damas de Fogo e Gelo, são a chave para destruí-los, e precisam chegar lá sãs de salvas. Vedir e Giroy, meus excelentes e competentes soldados, irão garantir que isso aconteça. A contrapartida, quero Stive, o menino que chegou...

– É Will - Resmunga meu irmão.

– ... E Larm e eu para o ataque direto - Ele faz os cálculos como se estivesse tramando uma jogada espetacular. - Drafe, a do cabelo verde e Jayssa irão atrás dos meus netos presos, e Drafe os teletransportará para a floresta, onde Dinna estará esperando com suprimentos (porque devem estar muito fraquinhos), e assistência. Enquanto isso, no ataque à distância e guardando o portão para que ninguém entre e nem saia do castelo, estarão os dois arqueiros eficientes, Demmie e... Esqueci o nome do garoto.

– Liam - Responde ele, perto do meu avô. Ele já tirara a carne do fogo havia um tempo, e agora esperava esfriar.

Will aproxima a boca do meu ouvido e cochicha:

– Liam pensou bem assim: "memória de velho é fogo"

Coloco a mão na cara do meu irmão e a empurro para longe, sorrindo ao fazê-lo. Se Doquo pode ler mentes, não quero ser eu a estar com pensamentos ruins ao seu respeito.

– É um plano formidável, mestre Doquo - Observa Drafe. - Ainda tenho muito o que aprender com o senhor.

– Conversa fiada - Sussurra Vedir.

– Pode crer, mano - Concorda Will.

Já estou convencida de que estar entre esses dois é sinônimo de ficar doida. Pelo visto, achei alguém com que Will vai se dar muito bem.

– Querem calar a boca, vocês dois - Ralho, num murmúreo bem irritado. - Ou então eu pego vocês pelos cabelos e bato suas testas uma na outra até me cansar. Estão entendendo?

– Ah, cala a boca, Emma - Will bufa.

Mas, aparentemente, Vedir não tem nada para dizer. E, a partir daí, ele não fala mais coisa alguma. É hora de comer, o que evidentemente não desperta o apetite de Will, que sai de fininho para a mesma direção que Demmie.


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Notas finais do capítulo

Não sei por que, mas eu amo tanto o Will



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