O que mais me lembro da minha infância era Aurora. Ela foi minha vizinha, morava no apartamento a baixo do meu. Lembro de estar jogando basquete com meu primo no dia que ela se mudou para lá. A vi chegando agarrada na mãe, usando um vestido branco e uma blusa rosa por cima, e o pai logo atrás delas conversando com o sindico. A menina se sentou no hall de entrada e eu fui até lá falar com ela, que era a única criança daquele condomínio alem de mim.

Coloquei a bola embaixo do braço e fui até ela. Não sei se foi a roupa suja ou o cabelo suado colado na testa, mas ela se afastou um pouco quando eu cheguei.

– Ola!

– Oi – disse tímida.

– Você vai morar aqui?

– Acho que sim – ela abraçou o ursinho mais forte.

– Quer jogar bola?

Não sabia o que tinha dito de errado, mas, ao invés de responder, ela se virou e foi correndo para o lado dos pais e eu voltei pro meu primo.

Não a vi por dois anos. A reencontrei no dia que pegamos elevador juntos. Eu tinha 15 anos, descia com a bola de basquete para encontrar outro menino que se mudou pra lá uns meses depois.

– Ola!

– Oi – a voz tímida era quase a mesma.

– Sou Philip.

– Aurora.

– Legal!

– A gente já se viu antes?

– Já, bom saber que me reconhece.

– Só não sei de onde.

– No dia que se mudou pra cá.

– Ainda não me lembro.

– Ta indo pra onde? – perguntou com hesitação.

– Não sei – disse quando o elevador chegou ao térreo.

Me despedi dela e fui a caminho da quadra, mas antes que a porta se fechasse atrás de mim ouvi ela gritando.

– Meu pai não vai me proibir de sair.

– Ele já esta descendo senhorita – disse o porteiro.

– Eu quero sair daqui – disse fazendo a típica birra de criança – sai!

A porta do elevador abriu e eu vi um homem de terno chegando perto dela e se ajoelhando, não estava bravo, muito pelo contrário, e falava com ela enquanto sorria.

– Não quero ir para casa.

– E vai para onde?

Aurora olhou para mim e abriu um sorriso.

– Phillip acabou de me chamar para jogar bola com ele.

– Você jogando basquete?

O pai sorriu, mas ela afastou-se dele e andou em minha direção.

–Eu chamei? – sussurrei com um sorriso no canto dos lábios.

– Fica quieto – disse sem olhar para mim.

Ela assistiu eu e Jake jogando, não se interessou nos convites de se juntar a nós. Mal sabia ela que era o principal assunto entre nós dois.

– Ela é bonita, qual a idade?

– Deve ter uns 10, eu acho.

– Aurora, qual sua idade? – gritou Jake.

– Tenho 12, por que?

– Nada – disse e voltou a virar para mim – talvez daqui a uns meses eu a chame para sair.

– Tanto faz, se concentra no jogo.

Íamos voltar a jogar quando ela começou a cantar. Era mais para ela do que para nós, mas era a voz mais bonita que já ouvi antes. Ouvi mais um pouco e então, quando errei uma sexta, a bola foi parar perto dela.

– Quero tentar uma vez – eu abri espaço para ela e depois a ensinei a jogar, mas ela errou – acho que não tenho jeito.

– Você só arremessou do jeito errado, faz assim – fui por trás dela e mostrei como deveria fazer com as mãos e a ajudei a lançar a bola e ela acertou, então deixei que ela tentasse uma sozinha e acertou de novo – eu consegui, olha Phillip, eu consegui.

Ela pulou batendo palminhas. Usava tênis All-Star, calça jeans escura e uma regata cinza, os cabelos longos e loiros estavam apenas com uma tiara preta. A partir daquele dia comecei a vê-la de um jeito diferente.

Durante um ano eu, Aurora e Jake éramos inseparáveis, mas com o tempo nos afastamos. Eu fiz amigos na faculdade e ela no ensino médio, Jake se mudou para Florida e, mesmo no mesmo prédio, nunca mais nos víamos.