Never More escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 1
O Garoto Trovão


Notas iniciais do capítulo

Eu deitei sua cabeça em meu colo e me apressei em colocar a mão em seu peito. Ele bate... mas em um ritmo fraco, muito fraco. É claro que está batendo fraco! Ele está morrendo!
Como pude ser tão idiota?, eu começo a me lamentar, mas logo me repreendo. Eu não posso ficar me lamentando, não posso me arrepender de tudo agora. Eu prometi a ele que ficaria tudo bem, prometi que ele ficaria seguro. Não posso deixar que nada aconteça. Porque se acontecer... eu juro que jamais vou me perdoar.
Jamais.



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- Hey White! Saca só!

Eu levantei os olhos e me deparei com uma das minhas melhores amigas, Patty, fazendo uma cambalhota em cima de um tronco de madeira quebrado.

- Maneiro - eu assoviei distraidamente, mas não me deixei enganar. Ela tem um corpo de bailarina, e é exatamente por isso que consegue fazer essas coisas. Nada demais.

- Ei! - ela se virou para mim com os olhos em brasa. - Eu ouvi isso!

Eu revirei os olhos.

- Quem manda ficar escutando meus pensamentos? - eu respondi.

- Se eu conseguisse evitar - ela rebateu.

- Okay gente... - Kate diz, parando de rabiscar furiosamente sua caderneta depois de cinco minutos focada nela. - Acabei!

- Graças a Deus, - Patty suspirou aliviada. - Achei que iriam passar nove meses, o filho da Sra. Marinho iria nascer e nós ainda estaríamos aqui esperando você acabar esse desenho! - ela zombou. Senhora Marinho é professora de geometria na St. Vincent, a escola em que estudamos.

- O que esse desenho tem de diferente dos outros afinal? - eu perguntei. - Têm algo a ver com Tulipas de novo?

Eu e Patty rimos. Ultimamente, Katherine está tão obcecada em desenhar tulipas. Tulipas em becos. Tulipas em degraus de escadas. Tulipas em livros. Tulipas caindo do céu e até mesmo pessoas com rostos em formas de Tulipas.

- Não é nada disso - ela diz séria. - Dessa vez, é algo diferente.

- Deixe-me ver... - Patty para um segundo, lendo a mente dela. - Nossa... o que é isso?

Eu fico tenso.

- O que? O que ela viu? É uma cobra?

Cobras são um sinal muito ruim para o que eu e minhas amigas somos, porque não só indicam mal sinal, mas porque são traiçoeiras e maléficas.

- Fica calmo - Patty diz. - Não é nada disso.

- Então o que é? - eu começo a ficar nervoso.

Katherine me passa sua caderneta e eu visualizo o desenho por dois segundos e meio, tentando entendê-lo. É uma visão da cidade de São Paulo, vista pelo ar, os arranha-céus e as casas suburbanas preenchem a tela, mas não é isso que me atraí.

Sob um céu escaldante e cheio de nuvens negras, um raio desce em um dos prédios, e embaixo dele tem...

- Um garoto? - eu pergunto em voz alta. - Isso é... um garoto?

- Sim, - Patty se aproxima para olhar a imagem com os olhos. - É definitivamente um garoto.

- Posso ver o cabelo escovinha e os ombros musculosos - Kate diz distraidamente.

- E qual o problema dele? - eu me pergunto olhando nervosamente para o raio que caí iridescente do céu.

- Parece que ele está em perigo - Patty logo concluiu.

- Kate? - eu a encaro. - Ele está em perigo?

- Eu não sei, White, - ela responde numa voz vaga. - Dessa vez foi muito rápido...

Patty arqueja.

- Como assim muito rápido? - ela pergunta arfante.

- Eu não sei, dessa vez a visão veio meio... turva - Ela dá de ombros, como quem se desculpa.

- Isso nunca aconteceu antes - eu digo. - Suas visões geralmente são claras.

- Eu sei, mas há algo de errado agora...

O modo como Katherine fala me faz encará-la com preocupação. O que ela quis dizer com isso? Nunca em três anos de amizade Katherine Laundway teve uma visão turva ou incompleta. Nunca em três anos de amizade nossos dons falharam.

Eu, White Light (um nome nada criativo criado por meus pais recém-separados), e minhas melhores amigas Patty Sound e Kate Laundway nos conhecemos há três anos aqui na Taimir, um subúrbio escondido na zona sul de São Paulo, por coincidência em um jogo de futebol no Pacaembu.

Acontece que eu e elas temos dons e podemos fazer coisas que nenhum ser humano consegue. Patty pode ler seus pensamentos como se você os estivesse pronunciando em voz alta e Kate tem visões de futuros aleatórios que aparecem aleatoriamente. Eu, apesar de insistir que sou um completo desastrado, posso mover objetos e fazer coisas tremerem quando estou nervoso ou com raiva, mesmo que isso seja quase sempre.

Por alguma coincidência, eu estava em um jogo no Pacaembu com meu pai, e quando notei uma garota gritando pelos banheiros com medo, fui socorrê-la e acabei me deparando com elas duas.

Elas alegaram que Katherine tinha tido uma visão que um Nightmare estava prestes a atacar a garota e, juntos, destruímos ele, desde então não nos separamos mais.

Foi um alívio descobrir que eu não era o único anormal na terra, mas fiquei com um pé atrás com o nome que elas deram ao Vampiro. Ao que parecia, Nightmare significava Pesadelo em inglês e elas usavam a palavra para definir Lobisomens, Vampiros ou Fantasmas com o qual nos deparamos todos os dias.

E então, mais de três anos depois, agora somos os Exterminadores dos Nightmares. Matamos e exterminamos qualquer coisa anormal e perigosa que possa representar um perigo para nossa cidade, auxiliados pelas visões incorrigíveis de Katherine.

Mas agora que elas estavam falhando...

- Olha White, - Patty intercedeu. - Não importa, nós vamos dar um jeito nisso. Mas como sabemos que ele é um garoto, você sabe o que tem que fazer.

Eu suspirei, derrotado.

Como os perigosos Nightmares são muitos e estão espalhados por todos os cantos da enorme São Paulo, nós resolvemos nos revezar. Se o inocente que estiver em perigo for uma garota, uma das duas dá conta do recado, agora se for um garoto, o papai aqui tem o que fazer.

- Certo - eu digo meio encabulado. - E o que tenho que fazer?

- Bom - Kate volta a falar, concentrada. - Pelo que vejo... não tem nenhuma chuva em nenhum ponto da cidade hoje, então presumo que você vai ter que esperar até... sexta.

- Sexta? - eu pergunto. - Por que tenho que esperar tanto?

- Olha, White, só aguarde um pouco - Patty me olha com seus olhos azuis mandões. - Não era o que você queria desde o ataque dos gêmeos-lobisomens? Folgas?

Eu engulo em seco e viro a cabeça para o outro lado. Dois meses atrás, eu fui encarregado de matar lobisomens, mas desde aquela missão, eu venho ficado encabulado, mas o motivo não é o que elas pensam.

- Tudo bem, - eu digo já me virando. - Mas se precisarem da minha ajuda, para qualquer coisa...

- Eu te ligo - Kate diz e sua voz sai num tom de promessa.

Eu dou um sorriso carinhoso para minhas duas paranormais e me viro, pronto para ir.

As ruas da Taimir estão cheias de crianças e posso ver o clima de animação praticamente tocar o ar. Os carros de alguns moradores estão ligados e há uma música alta tocando pelos alto falantes. Funk.

Não tenho nada contra o estilo musical novo e revolucionário, apesar de suas letras, eu gosto da batida, envolvente e hipnótica, e é exatamente por isso que eu gosto.

Quando chego ao impecável jardim da minha casa, eu ando sobre a escada ladeada e, quando abro aporta, meu irmão mais velho Bart está na porta com uma máscara de gorila, numa tentativa de me assustar.

- Rhoooooooow - ele grita na minha cara.

- Tente de novo - eu digo. - Vai precisar de muito mais para me assustar.

- Sem graça - ele assovia jogando a máscara longe e me encara. - Onde você estava? Com aquelas suas duas amigas gatas?

- Eu estava sim - eu reviro os olhos. - Por que se importa?

- Não sou eu quem me importo, é a Hayley, ela quer falar com você - ele parece sério por um segundo e meio.

- Comigo? Sobre o que poderia ser?

Bart se retira do vestíbulo da sala e eu o sigo. Na cozinha, Hayley está fazendo panquecas e parece ter uma bolsa pendurada no ombro. Ao que parece, minha irmã séria, loira e tenaz Hayley Light, está preparada para sair para algum lugar.

- Quais são as novas? - eu pergunto.

- Come uma panqueca, - ela despeja uma no meu prato e coloca algo do lado dele. Mel.

- Nossa, pelo nível de chantagem, deve ser algo bem sério, né? - eu sorrio com ironia.

- Okay, White, vamos direto ao ponto - ela joga o cabelo loiro para trás do ombro e me encara. - Nosso irmão está de volta.

Eu a encaro por dois segundos antes que minha ficha caía.

- Como é que é? - eu pisco várias vezes.

- Miles voltou, - ela anuncia. - Voltou para a cidade.

- Assim? Sem mais? Sem menos?

Hayley apenas encara as unhas perfeitas pintadas de café.

- Eu também não entendi nada. Eu apenas recebi uma ligação dele ontem, ao que parece ele terminou tudo com...

- Com a pessoa de letra C - Bart se intromete.

- Bart, - eu me viro e o encaro. - Katherine é com K, não com C.

- Ah - ele levanta as sobrancelhas loiras. - Eu sabia - ele dá de ombros.

É meio que irônico que a, agora, ex-namorada de meu irmão, K se chame Katherine. A probabilidade de ter duas Katherine's em uma cidade como essa não é muito difícil, afinal, São Paulo é enorme.

Os dois, Miles e K fugiram de casa e se isolaram em algum lugar fora da zona sul há uns dois meses. Não que eu tenha me importado, a vida é deles não minha, mas meu problema mesmo é com Miles.

Há três meses, antes de ele ir embora, Miles descobriu uma coisa sobre mim e eu sempre tive medo dele depois disso. Seus comentários e suas indiretas me deixavam nervoso, até o dia em que ele fugiu.

Eu, claro, fiquei aliviado por não ter que me preocupar que meu segredo fosse exposto. Ninguém na cidade sairia por ai gritando "Anormal! Anormal!" e meu segredo continuaria escondido.

Mas agora que Miles estava voltando...

- Ele só disse isso? Não disse mais nada?

- Não - Hayley respondeu. - Ele apenas ligou. Por quê? Tem algum problema?

- Não - eu digo rapidamente. - Não tem nenhum problema... eu só... achei que os dois iriam dar certo.

- Eu acho que não - Bart discorda. - Ela sempre parecia manipulá-lo...

- Bart, chega! - Hayley o alerta antes de se virar para mim. - O que importa é que ele está voltando e você precisara recebê-lo.

- Por que eu? - arquejo. - Você vai a algum lugar?

Ela desvia os olhos e pega as chaves de seu BMW em cima de um murinho que separa a cozinha da sala de jantar.

- Vou sair com Stacy - ela sacode as chaves. - E vou demorar a voltar.

- E eu - Bart se mete na conversa de novo. - Vou sair com o Dan e alguns amigos, também não vou chegar muito cedo.

- Ou seja - eu tento concluir. - A casa é minha hoje?

Os dois se olham por um tempo e então balançam a cabeça, pensando nisso por um segundo.

- Ao que parece é isso mesmo - Hayley confirma.

- Não vá fazer uma festa, hein White? - Bart sai da cozinha, provavelmente sabendo o quanto não tem nenhuma probabilidade de eu fazer uma festa.

- Se cuida - Hayley sai pelos fundos para chegar à garagem mais rápido.

Eu suspiro alto quando eles saem e panelas caem do armário. Tento me convencer do que Patty me disse mais cedo sobre "folgar" do mundo dos Nightmares e tudo mais. Mas só o que vejo é que não tenho nada de bom para fazer pelo resto do dia.

O sol está se pondo e estou esparramado no sofá da minha sala colossal, a TV está desligada e alguns raios dele entram pela cozinha e o efeito me deixa meio distraído.

Meu dever de casa já está feito, eu terminei de ler outro livro da série Gossip Girl, já fiz um lanchinho para mim e acabei de assistir todos os seriados da MINHA LISTA DE GRAVAÇÕES.

Duas horas se passaram e eu não tenho mais nada para fazer. Eu podia baixar alguns e-books e ficar deitado no meu quarto, mas isso meio que me faria lembrar da coisa com os gêmeos-lobisomens e eu não estou afim de chorar hoje.

Antes de eu conseguir raciocinar alguma coisa, escuto um barulho de risadas do lado de fora de casa e vou até a porta de entrada. Miles? Mas quando abro a porta encontro três garotas familiares e lindas vestidas em shorts curtos.

- Eiiiiiiiiiiiiii White! - Rachel Woodsen se atira em cima de mim e me beija na boca. Eu sinto o cheiro de bebida na hora.

- O que ela está fazendo aqui? - pergunto a Patty e Katherine, que também estão meio tontinhas na varanda da minha casa. - Vocês estão bem?

- Não - Patty dá uma risada alta.

- Nós só... Nos só - o rosto de Katherine está todo vermelho e ela meio que parece mais relaxada do que antes.

Patty se adianta e caí estatelada no chão da minha casa, Katherine tira Rachel de perto de mim e a leva para dentro.

- Mi casa és su casa - ela gesticula para a sala e entra na cozinha, Patty a segue rastejando pelo chão.

- Vocês estão loucas? - eu as sigo pela cozinha e Patty cai do lado do fogão, rindo alto.

Elas estão muito bêbadas. Katherine começa a beijar a torneira da minha pia e Rachel está dançando e cantando Quadradinho de 8 em baixo de minha mesa de vidro na sala de jantar.

- O que vocês fizeram? - eu pego Patty pelo braço. - Vocês não iam resolver o problema de Kate, sobre a visão?

- Eu... ia... mas ela... e eu... o bar... - ela começa a rir de novo bem alto e sobe em cima do muro. - UM BRINDE AO BOOOOI! - ela grita bem alto.

Até onde eu sei, Patty estava pegando um garoto de um colégio interno e os dois estavam num romance que só, mas agora, não tenho tanta certeza se ela gostava dele.

- UM BRINDE AO BOI! - Rachel se une a ela no muro e elas começam a mugir, ao que parece Rachel também não está mais com seu namorado.

Antes que eu possa jogar cada uma delas no chuveiro, a porta da minha casa se abre e ouço passos ruidosos vindo até a cozinha. Quando me viro, Miles está mais tontinho que as garotas e tem um garoto atrás dele, não sei dizer se é Jerry ou James dos McNights, eles são tão parecidos.

- Heey brother!

Miles não parece muito diferente e sua pele nem está tão bronzeada assim. O garoto ao seu lado tem um cabelo preto arrepiado e seus olhos verdes são claros.

- Miles - eu apenas o encaro, percebendo que os dois estão bêbados e inconfiáveis.

- MILES! - Rachel sai de cima do murinho e, antes que eu possa fazer algo, ela se atira nele e entrelaça os braços em seu pescoço.

Os dois se beijam e se esfregam na parede da cozinha, derrubando tudo no caminho deles.

- Ei! - eu ainda sou ciente de que Rachel tem namorado. - Parem com isso! - eu separo os dois.

- Ei, fica calmo! - Miles me da um empurrãozinho.

- Fica você calmo, - eu o empurro de volta e ele caí no chão.

- Calminha Whitezinho - Rachel coloca as mãos nos meus ombros. - Quer que eu ligue para Tyra para ela se juntar a nós? Quer?

Isso é golpe baixo. Tyra é melhor amiga dela, e minha ex-namorada que agora me odeia, porque, assim como Miles, ela sabe o que eu fiz há três meses atrás.

Ela me olha com carinho e me dá um beijo e, antes que possa fazer algo, eu sinto sua língua com gosto de vodca com soda tocar a minha num movimento louco.

Eu a afasto sabendo que isso é errado.

- Olha... você está bêbada... - eu tento dizer. - Precisa de um banho. Todas vocês precisam.

- Fica calmo aí, BROW - Miles me empurra de novo e volta a beijá-la.

O tal do McNight começa a beijar Patty e Kate senta-se à mesa, fazendo um biquinho dramático. Eu a pego pelo braço, prometendo a mim mesmo que vou dar um sermão nelas no dia seguinte.

- Como vocês puderam perder o controle assim? - eu questiono.

Mas antes que ela me diga algo, eu vejo seus olhos girarem e ela cai em cima de mim, inconsciente. Eu suspiro e a tiro da mesa.

- Deixa ela aqui, cara - Miles exige numa voz embargada. - Por que você não bebe um pouco e se diverte?

Eu aperto os olhos e balanço a cabeça. Mal posso acreditar que era dele que eu estava com medo todo esse tempo. Agora só o que eu quero que ele suma do meu caminho, porque ele é quem pode se dar mal.

Patty, Rachel e Kate estão no meu quarto, dormindo profundamente após o banho que tomaram. Miles e James, ou Jason, estão no sofá da sala, desacordados.

Eu menti para Griff, meu vizinho de quinze anos, que eles apenas desmaiaram, mas na verdade fui eu quem deu um soco certeiro em cada um.

Griff ouviu a gritaria e veio até aqui me ajudar e, como bom vizinho que é, me ajudou a dar banho em cada um deles. Apesar de a maioria das pessoas aqui acharem isso ultrajante, ele me ajudou calmamente, como se fizesse isso todos os dias.

- Caraca, não são nem seis da tarde e eles estão todos de ressaca, - eu murmuro com decepção.

- Por que eles ficaram bêbados tão cedo? - ele pergunta. - Se você não se importar em me dizer, claro - ele acrescenta.

- Eu não sei - eu admito. - Elas simplesmente entraram aqui e... bem... fizeram a bagunça. - eu gesticulo para a sala, agora arrumada.

Depois que deitei Patty na cama e desci para o primeiro andar, flagrei Griff recolhendo as garrafas jogadas pela casa em um saquinho preto.

Eu nunca soube por que Griff sempre foi tão... gentil comigo, apesar das teorias de Patty que ele é solitário e os comentários de Kate que ele é um fingido, eu não acredito nelas. Griff é apenas alguém calmo e feliz, nada demais.

- Muito obrigado por ajudar, Griff, você realmente não precisava. - eu agradeço olhando em seus olhos verdes gentis.

- Que nada, você sabe que pode contar comigo sempre - ele diz com intensidade.

Ele se despede de mim e saí pela porta da frente, com as mãos dentro do bolso da bermuda cargo azul-escura, deixando a porta aberta.

Eu a fecho com um pensamento e me viro para a cozinha, louco por uma xícara de café quente e doce. Mas quando entro nela, uma figura que está encostada na pia me assusta.

- Que horas são, hein? - Patty pergunta, esfregando os olhos.

- Umas nove e meia - eu respondo. - Você está bem?

Ela balança a cabeça e eu dou risada.

- Está com fome?

Ela assenti e eu começo a preparar um sanduíche.

- E então, - ela se senta em um banquinho ergonômico. - O que o tal do Griff Hardway fazia aqui?

- Ele me ajudou a lidar com vocês - eu aperto os olhos. - Ele é muito gentil.

- Huuum - Patty dá uma risadinha. - Desconfio que ele seja algo mais.

- Como assim? - me viro para ela com curiosidade.

- Nada - ela morde o lábio.

Eu ignoro isso e a sirvo enquanto dou um gole no meu café.

- Mas vocês hein... - eu balanço a cabeça, reprimindo-a. - Vocês não iam ver o que deu de errado com as visões da Kate?

- E nós íamos - Patty coloca os dedos na têmpora. - Mas aí encontramos a Rachel e depois começamos a beber na casa dela e...

- E como meu irmão foi parar nessa história? - eu interrompo.

- Então, eu nem sabia que ele estava de volta - ela franze a testa. - Ele e o James começaram a beber com a gente e... quando me dei conta... estávamos todos tontinhos e andando até sua casa.

- Como assim você não sabia? - eu pergunto. - Kate não teve nenhuma visão?

Patty balança a cabeça e eu começo a sentir meu estômago embrulhar. Uma coisa é uma visão dela ficar meio turva, outra completamente diferente é ela não ter uma. Tem algo errado.

- Relaxa - Patty responde aos meus pensamentos. - Deve ter sido a bebida.

- Não, não foi - eu discordo. - Lembra no natal passado? Quando Kate tomou absinto? Ela teve uma visão de um acidente na estrada logo depois, enquanto estava bêbada.

- E o que você acha que é? As visões estão mesmo... falhando?

Eu a encaro sem saber o que dizer ou pensar. Esta claro que algo mudou hoje, ela teve uma visão turva e deixou de prever a chegada do meu irmão. Isso não é um bom sinal.

- Olha - Patty volta a falar. - Sei que isso é muito importante, mas se importa se eu for me deitar? Minha cabeça está... girando.

- Pode ir, eu vejo isso - eu dou um abraço nela e afago seu braço. Apesar de Patty ser uma garota festeira e completamente irresponsável, eu a adoro como uma segunda irmã.

Mas isso não é o suficiente para esconder meus medos.

Me espreguiço no sofá, deixando o exemplar de Gossip Girl na mesinha de centro do meu escritório, a única coisa de boa que meu pai realmente deixou para mim antes de partir para Interlagos.

Eu encaro o céu escuro e contemplado de estrelas enquanto uma brisa leve entra pela janelinha do escritório. Ao que tudo indica, Kate não estava errada em uma visão, não iria chover mesmo hoje, mas ainda assim...

Ergo os olhos para a tela de meu computador, vendo a pesquisa que digitei na barra de pesquisa. Dons que falham.

Como sempre, nenhum site serviu para me ajudar, não havia nenhuma resposta plausível ou que fizesse sentido e batesse com o que tinha de errado com Kate.

Eu estava ficando sem opções.

Antes que eu me rende e tome a decisão de subir no meu quarto para acordar Kate e pedir que ela me dê alguma luz, eu escuto um barulho de panela caindo na cozinha.

Como eu estou em meu escritório, que é longe o bastante da cozinha, eu presumo que eu não tenha nada a ver com isso e me levanto. Talvez fosse um de meus hóspedes alcoolizados ou Griff sendo solidário mais uma vez.

Porém, quando entro nela, as portas de vidro que vão do chão ao teto estão abertas, deixando uma visão do jardim dos fundos, iluminado parcialmente pela lua.

Eu aperto os olhos e consigo enxergar a silhueta de um garoto com cabelo escovinha de costas para a casa.

Engolindo em seco, eu fecho minhas mãos em punho, preparado para usá-las enquanto ando devagar para fora da casa.

Ele não parece ter notado minha presença e eu me agradeço pelas aulas de "Seja discreto e fique esperto" que tive com Patty antes de entrar para essa história toda.

O garoto ainda não faz nada e eu peso uma decisão sobre o que fazer com ele. Jogá-lo no chão ou fazer seu cérebro ferver e queimar o sangue que escorre em suas veias, mas me ocorre que talvez ele não seja humano.

De repente, me fazendo pular, ele se vira para mim e eu encaro seus olhos escuros arregalados até o último. Percebo que ele está tremendo involuntariamente e seus dentes batem.

- Você está bem? - não consigo deixar de perguntar.

- Por favor, me ajude - ele diz, quase em um sussurro.

- Ajudar? Ajudar como? - eu não entendo por que ele está com tanto medo.

Avalio a floresta atrás dele, mas meus olhos não captam nada altamente suspeito ou perigoso. O ar não está quieto e um bando de grilos está chiando. Isso é um sinal que não tem nada de perigoso.

- Me diga seu nome, - eu peço, com educação, antes de dar um passo perigoso na direção dele.

- Por favor, me ajude - ele repete, os dentes batendo ainda mais.

- Ajudar com o que? Você está ferido? - eu o avalio, mas não vejo nada e, nessa hora, algo me ocorre.

Eu o conheço, mas não consigo me lembrar de onde, no momento.

De repente, um trovão soa no céu e eu arquejo. Como isso é possível?, me pergunto encarando o céu limpo e sem nuvens. Mais um trovão e eu começo a tremer novamente.

- Sai daí! - o garoto está me olhando alarmado.

- O que? - eu me viro para todos os lados, mas não há nada ali, só eu e ele. - Por quê?

- Apenas saía! - ele grita alto, mas então se move até mim e me empurra para dentro da casa. Percebo, tarde demais, que ele está segurando meu braço.

E então eu o vejo. Com um brilho dourado, ele desce e caí no jardim provocando um estrondo e um barulho tão alto que nós dois nos abaixamos na hora.

A casa inteira caí na escuridão e o brilho do raio ilumina tudo com seu brilho iridescente. Depois de alguns segundos ouvindo o som estático e energético dele, o barulho cessa e eu me curvo para olhar para o jardim.

Os sons que se seguem são os de alarmes de carros e de meus hóspedes acordando e descendo a escada. Eu me viro para o garoto de cabelo escovinha, mas ele não está mais do meu lado.

E, inconscientemente, minha visão fica cheia de pontinhos escuros e meus olhos encontram o chão, enquanto eu caio.


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