A chuva caia pesada sob um vilarejo afastado da capital, uma jovem andava pelas ruas apertadas protegendo a vida que levava entre os braços, se esquivando dos pingos, era quase impossível se esconder no meio daquela tempestade, seus dedos congelavam e ela temia pela saúde da criança. Ela corria os olhos pelos números das casas, 299, 305, 317, ela parou, forçou o portão de ferro e por sorte, estava apenas encostado, em contra vontade, mas na obrigação de fazer, ela entrou, as luzes da casa estavam apagadas, aparentava estar abandonada, mas não.

Seus pezinhos gelados pareciam chumbo, estava na hora de fazer o que era preciso, ela caminhou relutante até as escadas da entrada, subiu os cinco degraus e ficou sob um toldo que finalmente a protegia da chuva, mas não do frio. Ela apertou contra o peito a vida que tinha entre os braços e uma lagrima escorreu queimando seu rosto gelado. A jovem agachou, tirou o capuz e seus cabelos compridos cor de mel caíram sobre os ombros encharcados, ela colocou delicadamente a criança no tapete em frente da porta, ergueu as mangas largas de sua capa preta, revelando uma marca de nascença no antebraço em formato de estrela, ela esfregou uma mão na outra formando uma fumaça brilhante, ela fez isso até sua mão ficar completamente cheia de nebulosas cintilantes, ela soprou em direção a garotinha embrulhada em uma manta fina, que piscou varias vezes e gargalhou segurando o dedo da jovem.

Ela se curvou, beijou a testa da criança, passou a mão sobre seus poucos cabelos escuros e sussurrou para que ela tivesse coragem, carisma e força, desejou-lhe boa sorte. Colocou o capuz escondendo seu rosto sob a sombra e deu as costas para o bebê, que começou a chorar, um choro sentido, magoado, ela apressou o passo para não ouvir, a cada soluçar era como uma facada bem funda em seu coração, a situação embrulhava-lhe o estomago, ela olhou pra trás e de relance viu as luzes da casa se acendendo, a jovem fechou os olhos e sumiu na escuridão.