Tic-tac escrita por Acácia


Capítulo 9
Tic


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Acácia,

Meu primeiro beijo, bem, não foi exatamente como eu esperava, porque, na minha cabeça, eu não deveria sentir os dentes do garoto. Talvez tivesse sido melhor se ele fosse banguela.

Eu tive meu espaço de um modo que nunca tive em qualquer outro beijo, assim como dei espaço a ele e eu estava apaixonada e nervosa. Normalmente consigo, se eu quiser com vontade, não chega a ser uma mentira, porque, pensando bem, e apesar das reclamações que costumo fazer sobre o amor, normalmente consigo uma casquinha de todos que realmente quero.

Nós marcamos de nos beijar e eu comi um halls de melão que ganhei pouco antes, ele também estava com halls e avancei como um cachorro lançando meus braços em volta de seu pescoço, acho que o assustei, ele disse “Calma”, mas tão calmo e atencioso que o tom de voz nunca, jamais, sairá completamente do meu peito. Voltei, constrangida, claro. Que apressada!

Então, quando nos reaproximamos suas mãos pararam em minha cintura, e isso foi a maior delicadeza, porque não lembro de nenhum ou nenhuma depois dele que não tivesse caminhado até meu bumbum (e concordo com você sobre o que disse, bundas não mentem). Ele tinha mãos fininhas e não roia as unhas, hoje não conheço sequer um cara que não roesse as unhas, exceto ele. E sua boca estava fria, a minha estava meio seca, mas era tão macia,Deus, lembro-me tão bem da sua maciez, e logo depois minha língua sentiu seus dentes, foi, estranho. E aí não sei se posso descrever a dança das línguas de uma forma que não pareça babada e nojenta, e eu tinha doze anos.

Eu fui pra casa com o coração disparado, como se eu tivesse acabado de cometer o maior pecado da face da terra, e ao mesmo tempo estivesse feliz por tê-lo feito. Eu gosto do ritmo, foi um dos poucos que combinou comigo, e eu nem sabia o que era beijar, quanto mais saber que eu tinha um ritmo, de qualquer forma eu sou lenta, suave, comida pelas beiradas, pode aumentar a velocidade, mas mesmo isso tende acontecer sutil e levemente. Não dá pra explicar, mas detesto beijos rápidos e afobados, gulosos. Gosto de ser degustada e não engolida, e muito menos quero me sentir um pote de água sendo tomada por algum cachorro, isso parece rude, mas estou lembrando exatamente do meu ultimo beijo e do contraste que teve com o primeiro.

Não se pode confiar em rostinhos bonitinhos, afinal.

Meu primeiro garoto era feio, estranho, nariz grande e pele avermelhada, cabelo verde (que deveria ser louro, mas não deu certo), olhos azuis quase saindo do globo, bem, nem lembro de seus dentes, mas acredito que eram largos e retos. Mas ele foi tão carinhoso, tão suave.

Meu ultimo era lindo, incrivelmente lindo, eu estava tentando provar pras minhas amigas que eu era, pelo menos, um pouco hetero, mas ele foi tão, bem ele estava nervoso e era novinho, muito mais novo que eu tendo, no máximo, uns dezesseis, ele perguntou se eu lhe dava uma chance, mas convenhamos que depois de tanto flerte (e sim, foi bastante) ele poderia chegar me beijando. Mas eu falei que dava, então ele repetiu a pergunta, como se não acreditasse, apesar de o beijo não ter sido lá essas coisas, estou lisonjeada com sua incredulidade.

Ele era rápido e afobado, me engolindo, e ele não abriu muito a boca, aparentemente só colocou sua língua pra fora, quase não entrei nele e foi a situação mais estranha que eu já passei, tanto que acabei rindo.

Mas entre o primeiro e o ultimo eu tive alguém, oh céus, eu a amo tanto, assim como meu irmão amava e foi por ela que ele se destruiu, consequentemente eu também. Ela tinha olhos enormes e cílios pretos tão curvados e longos que quase encostavam em sua sobrancelha, ela tinha lábios enormes e dentes quase perfeitos, meio amarelados, e sempre tinha hálito de cigarro com hortelã, porque chupava balas querendo disfarçar a nicotina e no final conseguia como resultado a mistura dos dois que, bem, não deixava de ser pior que um ou outro.

Ela era rebelde, outsider, querendo levar o mundo com ela e criando uma sociedade própria em que a única regra era o amor, eu sempre fui consciente, boa aluna, boa funcionária, boa irmã e boa filha e, por isso, assim que me conheceu, tornei-me seu desafio, mas antes de mim ela namorava meu irmão.

Enfim, voltando aos beijos, ela nunca começava pela boca, ela começava pela mão e seguia o caminho deixando um rastro úmido por onde passava, minha parte favorita era o pescoço e ela nunca era beijada, ela apenas beijava, mordicava, preparava o terreno, lambia, provocava e só depois, ah Acácia, será que você tem idade pra ler isso?

Suas mãos não caminhavam, elas pousavam na curva da cintura e lá ficavam, acomodadas, e no final dos beijos ela dava um selinho, eu achava quilo tão, tão, carinhoso. Queria poder negar, mas vou amá-la até o fim, ou quem sabe até depois dele.

Assim como eu acho que você deve amar a Rô, me desculpe, mas ela me parece perfeita. Saiba que tanto o ciúme quanto o amor são efeitos do mesmo hormônio, a ocitocina, então quanto mais ciumenta ela for, mais ela, provavelmente, te ama e ela deu uma bela prova.

Eu nunca aprendi muito como amar, Acácia, não sei se o que sinto é amor, porque ao mesmo tempo que eu amo as pessoas, eu posso enfiar facas nelas, como fiz com meu irmão, meu amor é liberdade demais, é loucura, basta sair da linha que eu tracei e não vou negar que tentei matar meu amor um milhão de vezes, sim, a garota, seu nome era Sarah e eu a salvei e quase a matei por um milhão de vezes, ela era, bem, era minha insanidade.

Por isso, talvez, eu esteja tão calma aqui, minha insanidade ficou presa do lado de fora, não posso viver sem ela, você tem que entender, que eu não posso viver. É horrível não ter nenhuma lembrança nova que não envolva pessoas que vão embora em menos de uma hora. Muito obrigada por estar comigo há tantos dias, não sabe como fico ansiosa por suas respostas, minha querida, mas não posso te amar, acabei de perceber que, em algum momento, vou acabar te matando.

E eu tenho certeza de que você é tão bonita quanto gostaria de ser, mas nós, humanos, costumamos ter um olho estragado pra nós mesmos, é tão fácil ver as outras pessoas quanto nos cegar para nós mesmos. Se a Rô te acha linda, você deve ser, e ela deve ser também, e vocês são o casal mais lindo de que eu poderia ouvir falar. Ame-a até doer, e não a mate.

Com muito carinho,

Maitê.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler