Tic-tac escrita por Acácia


Capítulo 7
Tic


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Querida Acácia,

Ontem foi dia de médico e eu descobri algo muito triste, mas meio feliz. Eu fui atendida pelo médico legal que me trata como criança e no final das consultas sempre me dá um doce dizendo “Não mostre a ninguém, porque as outras podem querer um igual” e ele tinha um bigode engraçado, eu me sentia especial, sabe Acácia? Vendo seus olhos espremidos em um sorriso sem dentes porque o bigode era, simplesmente, grande demais.

Bem, não me sinto mais. Quando, hoje, eu me despedia do senhor bigodes, que na verdade se chama Arthur, esbarrei em uma caixa que sempre esteve ali, mas eu nunca notei e sabe, de lá caíram muitos doces, provavelmente mais do que eu comi em toda a infância. Todas somos especiais e, você sabe, se todo mundo é especial, no final, ninguém é.

Acho que ele é especial por ter esse tipo de consideração, mas não consigo para de me sentir enganada e triste por isso. Não contei a ninguém sobre os doces porque não quero que elas sintam o mesmo (se é que sentem).

Mas, ao mesmo tempo, fico contente com a minha capacidade de me decepcionar. Quando você não se decepciona mais com nada, aceita a vida de braços abertos porque, bem, provavelmente não espera muito dela, acho que não espera muito de você também. Acho que a insatisfação nos faz mais humanos até, do que o amor e as coisas bonitas. Mas posso estar sendo pessimista por estar chateada.

Na outra carta eu falei sobre meus hábitos de leitura, bem, tenho lido um livro de psicologia acho que sugo as pessoas (ou sugava quando elas permitiam) e sou viciada em atenção, algo aqui me impede de ser assim porque ninguém se importa muito conosco, e os ciclos de amizades envolvem, em absoluto, os vícios em comum.

Eu não tenho muitos vícios, ou nenhum que tenha me enlouquecido, de qualquer forma, eu sinto falta de ser dependente de alguma coisa que não fosse o governo, que é quem me alimenta. Eu até gosto bastante do governo, nunca fui uma boa votante, ou uma boa cidadã e já, inclusive, vendi meus votos para os eleitores regionais de um partido, na verdade apenas um deles, porque se vendesse para mais de um, estaria sendo, enfim, uma mentirosa. Não é estranho que eu me permita ser corrupta, mas não me permita ser uma mentirosa?

Bem, eu estava ouvindo uns alardes sobre uma mulher aqui, porque ela é de uma religião e todas as da mesma religião se sentem cúmplices dela, ouço-as dizendo que vão orar e ajudar, mas não por caráter ou por cumplicidade real, ou mesmo companheirismo, elas vão se ajudar só porque confiam na mesma entidade e eu tenho certeza que mesmo que esta mulher seja corrupta e malvada, se ela se candidatar como voz da nossa ala, ela ganhará.

Eu sempre fui do tipo que ajuda quem me ajuda e não entendo esse tipo de coisa. Nunca votaria em alguém só porque frequenta a mesma escola ou praça, ou igreja, enfim, essas coisas são difíceis de entender.

Uns jornalistas apareceram, querem fazer uma matéria sobre nossas condições de vida, mas se decepcionaram por perceber que estamos bem (apesar de um pouco frio), bem alimentadas e tratadas, até tomamos sol e, se pensar bem, pra algumas a vida aqui é até melhor do que lá fora, um deles desanimou tanto que seus ombros caíram, quando ele viu que, além de cuidarem da gente, ainda chamam médicos regularmente pra ter certeza de que vamos sobreviver.

Tinha um, Acácia, ao lado do dos ombros caídos, bem, ele era lindo. Pode isso?

Ele era.

Não costumo me importar com quem passa pelos corredores, mal olho, mas estava atenta, porque estava brava.

E fiquei olhando, então ele olhou de volta e eu desviei o olhar, quando ele parou eu olhei de novo, quando olhei pela terceira vez ele já estava olhando e foram, eu não sei, quase dez segundos. Ele tinha o olho bonito, meio verde meio castanho, predominante castanho, daqueles que, imagino eu, ficam verdes quando choram e eu desejei vê-lo chorando.

Depois fomos para o pátio e ele estava lá, segurando uma câmera enorme com o colega carregando um tripé e um microfone, tinha uma mulher levando o rebatedor de luz e conferindo os cabos (não faço ideia de como sei que o nome daquilo é rebatedor). Então ele veio falar comigo.

Ou mais ou menos, bem, ele me disse oi. Tinha uma voz clássica masculina de filmes antigos, rouca demais para seu rosto sem qualquer resquício de barba, ele era tão lindo, louro e eu podia ver, sem problemas, o formado de seus músculos na calça jeans, sorri sem conter quando ele ergueu a calça e eu pude ver, exatamente, o formato do seu bumbum. Ele com certeza pratica algum esporte. Certeza absoluta.

Como está seu coração Acácia?

Espero que bem, inteiro, e pulsante!

Maitê.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler



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