Valentina mandou uma carta a Melanie, dizendo que Derek estava melhorando de repente. A morena sentia o peso da sua decisão a cada dia.

O último dia dos testes físicos. As últimas semanas estavam sendo enlouquecedoras. Josh mal a olhava e durante os treinamentos fazia o possível para ficar longe dela. Andrew tampouco. Nem se sentava mais à mesa do quarto chalé.

Ela sentia que poderia explodir a qualquer momento.

Beatrice veio até ela a perguntar o que estava acontecendo. A morena não sabia se podia confiar nela dessa maneira, mas decidiu desabafar. Precisava de uma amiga e a loira parecia a mais apropriada ali.

– Vamos caminhar um pouco - ela sugere.

Quando estão longe de olhos e ouvidos suspeitos, Melanie se senta perto do lago embaixo do vale. Beatrice se senta ao seu lado, de pernas cruzadas. Seus cabelos loiros e compridos estão presos em um rabo de cavalo e ela não usa nenhum pingo de maquiagem. Melanie repara em leves e claras sardas abaixo dos olhos.

– Eu e Andrew estávamos namorando...

– Sim.

– Mas eu não gostava dele - ela conta, puxando maços de grama. - Não da forma como ele queria que eu gostasse.

– Então por que você estava namorando com ele?

– Ele é muito bonito e um bom amigo, uma ótima pessoa. A primeira pessoa com quem eu socializei. Mas não é o que se encaixa melhor em mim...

– Como assim?

Ela respira fundo. Se fosse se expôr para alguém, precisava ter uma grande confiança nessa pessoa. O que está prestes a revelar, pode prejudicar não só a ela, mas pode manchar o currículo de Josh. Apesar de ter uma raiva imensa dele, não o queria prejudicado dessa forma.

– Digamos que eu gostava de Andrew, mas preferia o irmão dele...

Depois de alguns segundos processando a ideia, Beatrice abre a boca em um O, surpresa.

– Você e o treinador Josh...?

Melanie assente, esperando uma expressão de nojo ou acusatória, mas o que recebeu foi um grande sorriso e várias palmas. Ela é quem estava surpresa agora.

– Não dá para acreditar! Sabe, ele é sempre tão sério...

Ela olha para Melanie.

– Como isso foi acontecer?

– Por minha persistência, é claro. Josh estava no dilema: "você é a namorada do meu irmão e eu tenho uma noiva."

Beatrice abre um grande sorriso.

– Hum... Josh...

Melanie dá risada da cara maliciosa dela e joga os cabelos que estão indo nos seus olhos para trás.

– Eu realmente gostava dele, sabe.

– E o que aconteceu?

– Na viagem... Andrew nos viu e, enfim. Josh estava duvidoso já, depois do flagra do irmão... eu pensei que nós finalmente poderíamos ficar juntos, mas deu tudo errado.

– Que triste... - Beatrice murcha -, mas vocês vão se acertar.

– É mais complicado do que parece...

– Você deveria fazer ciumes para ele - ela sorri - ou melhor, para os dois.

Melanie já pensou nisso, afinal foi por esse motivo que ficou com Tyler. Não queria contar a Beatrice porque tinha medo que ela a julgasse. Tinha conseguido uma amiga, uma aliada, não podia desperdiçar isso.

– E quem seria o meu alvo?

– Alguém que o Destruidor odeie.

A loira olha ao redor, procurando por alguém.

– Bom, alguém que recebe o codinome de Destruidor não deve ter muitos amigos, não é mesmo?

– O treinador Tyler, talvez?

Beatrice balança as mãos.

– Ele é cachorro demais. Se você ficasse com ele, Josh provavelmente daria uma surra em você e nele.

– Por quê? - ela fica curiosa de repente.

Beatrice suspira.

– Vou contar porque você confiou um segredo a mim... - ela se aproxima e começa a sussurrar. - Tyler ficou com Heather, irmã de Josh e Andrew, por algumas semanas. Eles sofreram um acidente de carro e ela ficou em coma no hospital por três meses e quando acordou teve que passar por várias cirurgias para não ficar paraplégica. E ele? saiu com um arranhão na sobrancelha, por isso da marca.

Melanie nunca havia reparado que Tyler tinha uma marca na sobrancelha.

– Mas não foi um acidente?

– Heather diz que não. Ela disse que eles discutiram porque ele sentia ciúmes dela e fez o outro carro acertar no lado dela para matá-la.

Melanie conhecia Tyler. Ele nunca sentiria ciúmes de uma mulher.

– Então precisamos achar outra pessoa.

Ela não quis discutir, mas pensou em averiguar isso mais tarde.

+++

Melanie deitou sobre o peito de Tyler e o beijou uma última vez antes de repousar. Ela fechou os olhos enquanto ele fazia uma trilha de beijos pelo rosto dela.

Ela se lembra da conversa com Beatrice e se afasta levemente, olhando nos olhos do loiro, depois para suas sobrancelhas. Há uma leve cicatriz, apenas um risco mais claro que a sua pele, quase imperceptível perto dos pelos amarelados.

A morena toca a marca com o dedo indicador.

– O que foi isso? - ela pergunta de forma suave, quase desinteressada.

Depois do sexo, os homens ficam bem mais manipuláveis.

– Um acidente.

– Como foi?

– De carro.

Ele estava sendo vago. Melanie deveria insistir.

– Quando?

– Há mais ou menos um ano.

Ainda sem exatidão. Ela passeia os dedos de um lado para o outro e os olhos de Tyler se fecham.

– Não precisa contar se não quiser.

– Não gosto de lembrar.

Ele está resistindo. Ela precisava arranjar uma maneira de fazê-lo ceder.

– Para mim, parece a marca de um sobrevivente - Melanie deposita um beijo na quase invisível cicatriz.

Tyler abre os olhos, mas não diz nada. Fica apenas a encarando. Melanie decidiu que estava na hora de ir para o plano B.

– Eu tenho uma aqui - ela levanta a cabeça. - Você já deve ter visto, de qualquer forma.

Havia uma marca ao redor do seu pescoço. Era quase tão invisível quanto a de Tyler, já cicatrizada e muitas vezes ignorada, mas nunca esquecida.

Os dedos trêmulos de Tyler tocam a cicatriz.

– O que aconteceu?

– Eu nunca contei para minha mãe. Disse que tinha me machucado na fábrica em que trabalhávamos... - ela toca a marca. Ela precisa senti-la, precisa ser forte. - Ela havia acabado de se separar do pai do meu irmão e ele foi atrás dela, pedindo para voltar. Minha mãe negou, então ele veio atrás de mim.

A morena respira fundo. Concentração, Melanie diz a si mesma.

– Me sequestrou, me ameaçou. Quando eu disse que minha mãe nunca voltaria com ele, ele pegou um garrote e tentou me enforcar.

– Isso é horrível - Tyler sussurra.

Melanie respira fundo.

– Minha madrinha me achou e atirou no pai do meu irmão, mas ele fugiu mesmo assim. Nunca mais o vi desde então.

Eles ficam em silêncio por um bom tempo. Melanie não tem coragem de encarar Tyler depois de tudo. Não sabe como vai ser a sua reação.

Ela havia se exposto demais e talvez ele nem confessasse.

– Eu namorava a irmã dos Duninghan, Heather. Nós discutimos, estava escuro e nevando... eu não vi o carro na outras pista. Sofremos um acidente, mas ela foi a mais prejudicada, porque o carro bateu do lado dela.

Ele respira fundo.

– Ela ficou em coma e quase ficou paraplégica.

– E foi mesmo um acidente?

Tyler a encara.

– Que motivos eu tinha para matá-la? Eu sei muito bem controlar a minha raiva, ainda mais com uma mulher.

Melanie assente com a cabeça.

– Ao contrário do Destruidor - ele rosna. - Chegou na minha casa me agredindo, não quis nem saber se era ou não um acidente. Ele só procurava alguém para culpar.

Tyler olha para Melanie, que está mantendo a pose de inabalável.

– Uma vez eu o vi agredir minha irmã.

Não, Melanie diz a si mesma. Josh nunca faria isso.

– Então eu atirei nele.

Ele esboça um sorriso transbordando escárnio.

– Ele morreu por alguns segundos. Poderia ter continuado morto, mas os médicos conseguiram reanimá-lo.

– Josh nunca machucaria uma mulher.

– Não? - ele pergunta. - E aquele dia que vocês brigaram? Eu ouvi as pancadas, Melanie. Ele a agrediu, assim como ele fez com Amber.

– Nós havíamos brigado. Ele estava nervoso.

Tyler se afasta.

– Ele a maltrata e você ainda o defende?

– Eu sei que ele não faz por mal.

– Joshua é doente, Melanie. Ele precisa ser internado. Precisa de tratamento.

– Ele não me faria mal - ela sussurra. - Não a mim.

– Por que você o defende desse jeito?

– Porque ele me ama.

– Ele te usou! - a voz de Tyler fica mais alta. - Usou e a jogou fora como se você não valesse nada. Para mim você vale, Melanie. Eu, sim, te amo.

Ela abaixa o olhar.

– Eu sinto não poder dizer o mesmo.

A verdade é que desde que Josh havia a tratado daquela forma, Melanie tinha suas dúvidas quanto aos sentimentos do Destruidor. Porém ela sabia de uma coisa: ela poderia ficar com outros caras, poderia estar com qualquer outra pessoa, mas com ele sempre seria diferente. Melanie não sabia o porquê disso, mas havia sido diferente com ele. Ela sentia isso.

Nem Andrew, Tyler ou até mesmo o terrível Vincent a fariam esquecer de Josh. Ninguém conseguiria.

– Não me importa - Tyler a puxa para si e se enrola ao redor do corpo quente de Melanie. - Você estar aqui já é o bastante.

E naquele momento, Melanie desejou com todas as suas forças gostar de Tyler.

Mas não conseguia.

+++

O último dia dos testes físicos. Todos estavam ansiosos demais. Frederick anunciou que haveriam surpresas, mas Tyler havia a contado que Vincent e alguns nobres estariam na prova, além do Rei Regente Joffrey e a Princesa Herdeira Katerina.

Tinha como ficar mais nervosa? Só com Amber se esfregando em Josh na frente da morena de propósito. De vez em quando, Melanie flagrava Josh a encarando, mas quando via que ela o observava, ele desviava o olhar. Esses breves momentos também não passaram despercebidos por Tyler e Andrew.

Melanie não conseguia manter o controle. Beatrice tentava puxar assunto, mas a morena não se concentrava na conversa, porque seus olhos estavam fixados em Josh e Amber. A raiva tomava conta dela.

Como os homens podem ser tão falsos?

Haveria um último treinamento antes da prova. Ela respirou fundo depois do café e seguiu com os treinandos do quarto chalé e Josh para a sala de treinamento subterrânea.

Ela se dirige para o tiro ao alvo e treina um pouco com o arco e flecha, mas não é boa com aquilo. Além do mais, a flecha não é uma boa arma para morte instantânea. Ela precisava de algo mais letal.

Melanie foi para a sala de simulação. Haviam vidros ao redor dela, a trancando. Ela foi até a máquina de escolha e pressionou sua digital e depois pressionou o botão de facas, nível médio.

Pelo canto do olho, ela viu algumas pessoas ao redor do vidro. Eles a observavam.

Quando viu Josh ali, Melanie correu para a máquina e cancelou, pressionando o nível difícil. Ela queria que ele visse o quanto ela era boa.

Dez. Nove. Oito.

A contagem regressiva. A voz calma da mulher a deixava ansiosa. Melanie pegou várias facas que foram depositadas em uma mesinha no canto e a encaixou no cinto.

Sete. Seis. Cinco.

Melanie viu mais pessoas ao redor do vidro. Ninguém escolhia o nível difícil. Ela sabia que corria o risco de pagar mico, mas também havia a chance de ela conseguir.

Quatro. Três. Dois.

Eu confio no meu taco, ela diz a si mesma.

Um.

Um suspiro rápido, pernas flexionadas, uma faca em cada mão. Cinto cheio de facas reservas, raiva no coração e a vontade de vencer na cabeça.

Ela ia conseguir.

Zero.

A máquina formou um homem grande e alto. Melanie mirou e o atingiu no peito, fazendo com que o boneco se desmanchasse em uma poça vermelha. Ele parecia feito de lego, apesar do sangue falso.

Pelo canto do olho, ela viu uma mulher correndo até ela. Girou sobre os pés e atingiu a faca no seu crânio quando a boneca pulou para atacá-la. Sangue de mentira jorrou em seu rosto.

Tudo o mais real possível.

Melanie estava com tanta raiva que quando os bonecos de homens a ataca, ela pensava em Vincent e Josh. No seu padrasto que havia a sequestrado. Em Herbert. Quando a boneca da mulher a atacava, ela pensava em Amber. Não havia alguém que ela odiasse mais nesse mundo do que ela. Seria capaz de matá-la sem remorso.

De repente, apenas bonecos de mulheres a atacaram. De todos os lados. Quatro vieram de uma só vez. Melanie jogou uma faca sem nem mirar, depois atingiu o ombro de uma e rasgou a outra ao meio. Porém ela caiu e a última se aproximava com um velocidade altíssima. Melanie pegou uma faca ensanguentada do chão e cortou o calcanhar dela, fazendo a boneca se desmanchar.

A morena conseguiu ficar de pé e por alguns segundos, ela jurou ter visto o rosto de Amber ali.

Ela pegou a faca e se aproximou da boneca, cortando a sua garganta. A desgraçada ainda estava viva.

– Você vai me pagar por tudo, sua vagabunda - ela rosna para a boneca.

Melanie dá impulso e atinge a boneca no rosto, depois retira a faca e repete os movimentos pelo menos cinco vezes. A boneca se desmancha completamente, mas ela não cansa.

Há pontos vermelhos no seu campo de visão, mas ela não se cansa. Poderia ficar torturando Amber mesmo quando ela já estivesse morta. Queria torturá-la tanto, de tal maneira que ela implorasse pela morte e Melanie riria, sendo incapaz de conceder tamanha piedade a ela. Queria arrancar cada unha de suas mãos e de seus pés, raspar cada fio de cabelo loiro daquela cabeça branca, arrancar aqueles olhos grandes e azuis das órbitas, cortar dedo por dedo, acertá-la com facas e tiros, até que a mataria decapitada. Queria fazer um enfeite para a sua sala de estar com a cabeça de Amber. Queria queimá-la viva.

Uma risada gutural e assustadora sai do fundo da sua garganta, como se estivesse expondo a sua alma.

Havia tanto ódio dentro dela e tentas maneiras de matá-la que ela gostaria que Amber revivesse, para que ela pudesse matá-la de novo e de novo e de nov...

– Mellie.

Ela ouve seu nome e a voz de Josh, mas não pode ser real. Ela continua a atingir a boneca e o sangue falso continua a jorrar no seu rosto, mas ela não se importa.

Os braços de Josh a envolvem e ele a levanta. A morena se debate.

– Me solta! - ela grita. - Me larga, seu cretino!

Com uma faca na mão, ela tenta acertá-lo. Josh está atrás dela, a segurando e desviando das investidas dela.

– ME SOLTA! - Melanie urra com uma voz tremenda. Quando Josh fraqueja, ela se solta e aponta a faca para ele. - Me deixa em paz.

Lágrimas começam a brotar em seus olhos.

– Mellie, acabou. Você venceu o jogo.

Ela não sabia do que ele estava falando.

– Ela está morta? - sua voz sai como um sussurro.

– Sim. Todos os bonecos foram destruídos.

Os bonecos.

Melanie olha para o chão, vendo bonecos vermelhos de lego destroçados e o sangue falso...

Mas parecia tão real.

– Amber está viva?

– É claro que ela está viva.

Melanie caminha para a porta da sala de vidro e Josh corre atrás dela, a agarrando.

– EU TE ODEIO! - ela berra. - ME SOLTA!

Com a faca nas mãos, ela faz um corte abaixo do olho dele.

Melanie vê o ódio se acumular nos olhos de Josh. O azul vivo torna-se fogo e brilhoso, chamas incendeiam suas safiras e o seu corpo flameja com tamanha vontade de acertá-la.

Não há arrependimento dentro dela, apenas um ódio e uma vontade de sangue. Um ódio desigual.

– Mellie - ele segura o seu pulso com força, mesmo com o sangue escorrendo do seu rosto. - Você pode ser punida. Não aja com impulsividade.

Ele está se controlando.

Só porque todo mundo está nos olhando, ela diz a si mesma.

– Mellie, não seja estúpida - Josh continua a falar. - Não jogue fora o seu futuro.

Derek. Ela se lembra do irmão. Ele precisa dela viva. Precisa da cura. Ela precisa cumprir o trato com Vincent, se não além de não curar seu irmão, ele mataria todos que ela um dia conheceu.

Melanie larga a faca no chão.

– Eu não estou fazendo isso por você - ela informa. - Estou fazendo por Derek.

A morena vê seu reflexo no vidro. Seus cabelos estão desgrenhados e há pingos de sangue em seu rosto. Sua roupa... Sua roupa preta está úmida de tanto sangue falso.

Parecia tão real...

Melanie cerra os punhos ao redor do corpo e respira fundo. Ela precisava se controlar. Não podia dar a ninguém o gosto de vê-la enlouquecida.

– Acho melhor você limpar isso ai - ela aponta para o rosto de Josh. - Pode infeccionar.

A morena de olhos verdes sentia que poderia perder o controle a qualquer momento. Não havia mais rumo para ela. Apenas ódio, ódio e ódio.

Ela quase colocou tudo a perder hoje por uma briga idiota. Não podia fazer isso.

Não podia perder o controle.

Eu já perdi, Melanie diz a si mesma.