Rede de Mentiras escrita por Gaby Molina


Capítulo 4
Capítulo 4 - Hora da Amizade — ou quase isso


Notas iniciais do capítulo

Oi :3



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That makes me anxious, gives me patience, calms me down

Lets me face this, let me sleep, and when I wake up

Let me be.

— Afraid, The Neighbourhood

Clarissa

Ethan franziu o cenho, educado demais para perguntar que porra eu estava fazendo na porta dele às três da matina. Os cabelos louro-escuros estavam bagunçados, e ele vestia apenas uma calça de moletom. Soltou um bocejo e murmurou:

— Clarissa?

— Oi... — abri um leve sorriso, questionando realmente o que eu estava fazendo ali. — Eu... Hmmm... Fui expulsa do meu quarto. Ah, e Fletcher sumiu.

— O quê?!

— Fletcher. Eu acordei e ele não estava lá.

— Não. Não isso. Você. Não ligo para Fletcher.

— Por quê? Sabe onde ele está?

— Por que diabos eu saberia onde Fletcher Kingston se enfia de madrugada? — ele ergueu uma sobrancelha. — Não, é que eu realmente não me importo com ele. O que quis dizer com "foi expulsa de seu quarto"? E, se Fletcher não estava lá... — ele estreitou os olhos. — Elena...?

— Eu não sei. Eu... — apertei os lábios. — Você me disse que ouviu alguns boatos sobre ela. Pode me contar?

— Como eu disse, eram só boatos.

— Eu a acordei para falar sobre Fletcher, mas ela começou a gritar comigo e dizer que não me conhecia.

Ethan arregalou os olhos verdes.

— Ah. Merda. Merda. Isso não é bom. Nada bom.

Franzi o cenho.

— Ethan... Qual o problema da Elena?

Ele suspirou.

— Não acredite em tudo o que ouve, Clarissa. Boa noite. Tente dormir.

E então ele bateu a porta na minha cara.

Respirei fundo. Pensei em voltar ao meu quarto, mas tinha receio de lidar com Elena novamente. Eu precisava de mais respostas sobre com quem eu realmente estava morando, mas não sabia onde obtê-las. Decerto não seria às três da manhã, então desci as escadas e deitei-me no sofá da sala de estar. Ele era até bem confortável.

Fletcher

Não que eu fosse um especialista quando se tratava dela, mas eu decerto não esperava encontrar Clarissa dormindo no sofá da sala. A posição confortável e o cabelo castanho caído no rosto mostravam que ela estava lá há um bom tempo. Uma mecha caía nos lábios dela, e se movia conforme ela respirava.

É claro que ela escolheu aquele momento para acordar. Seus olhos escuros cravaram-se diretamente em mim.

— Onde diabos você estava? — murmurou, sonolenta.

Ergui uma sobrancelha.

— Bom dia, Clarissa. A cama estava confortável demais?

Ela bufou.

— Pergunte à Elena.

E então se virou para o outro lado e voltou a cochilar.

Subi as escadas até meu dormitório, e encontrei Elena penteando o próprio cabelo.

— O que você disse à novata?

— Eu? — ela estreitou os olhos. — Nada, ué. Não a vejo desde ontem à noite.

— Sim, porque ela foi dormir no sofá lá de baixo por sua causa.

Ela cravou os olhos azuis em mim.

— Fletch, eu juro para você que não faço ideia de o que você está falando.

— Bem, ou você a assustou, ou... — deixei a frase no ar.

Ela bufou, irritada por eu sugerir aquilo.

— Eu estou bem, Fletcher. Não comece com isso de novo.

— Eu não estou começando com nada. Só me preocupo com você, Ellie — sentei-me ao lado dela. — Você dormiu bem?

— Acho que sim, não me lembro de ter acordado no meio da noite. E você?

Suspirei.

— O de sempre.

Ela assentiu, compreensiva.

— O pessoal vai se juntar no salão de jogos hoje para cantar karaokê.

Ergui uma sobrancelha.

— Observe minha cara de quem gosta de karaokê.

Elena sorriu.

— Bem... Eu vou e, você sabe, eu posso pirar a qualquer momento, e aí você não estaria lá...

Levantei-me.

— Está bem, vamos à maldita sessão de karaokê. Mas eu não vou cantar Don't Go Breaking My Heart com você.

— Isso quer dizer que você vai cantar?

— Por que você faz perguntas para as quais já tem a resposta?

Ela mostrou a língua.

— Você é chato, Fletcher Kingston. Eu até chamaria a novata, mas ela vai acabar trazendo aquele embargo Blackery com ela.

— Embargo — repeti. — Acho que essa palavra não quer dizer o que você acha que quer dizer.

— Isso é uma ocorrência frequente, não é? Nunca entendi isso. Tem palavras que simplesmente têm o significado errado.

Eu sorri.

— Acho que é uma questão de perspectiva.

* * *

Joguei-me em um dos pufes, ouvindo Elena cantar Take Me Or Leave Me com alguma garota cujo nome eu não sabia. Comecei a imaginar se eu ainda tinha o meu privilégio do salão de jogos (porque, francamente, não havia sobrado muitos privilégios para mim), e a ideia da sra. Lover invadindo aquela sala e me tirando de lá foi, na verdade, bem tranquilizante.

Mas não aconteceu, então fui obrigado a continuar aguentando aquelas músicas irritantes.

Clarissa

Você nunca percebe como sua vida é chata até alguém te perguntar o que você faz para se divertir.

— Eu, hum, leio.

Teresa, a psiquiatra, parecia anotar tudo o que eu dizia.

— Então, Clarissa, fez amigos? — ela sorriu para mim.

Que coisa curiosa para se perguntar no meu segundo dia no lugar.

— Eu... acho que sim. Ethan Blackery.

— Ah, bom garoto!

— É...

— Está com saudade de casa?

A pergunta me pegou desprevenida. Franzi o cenho.

— Não sei. Acho que sinto falta de algumas coisas. Me desculpe, mas... como sabe que não estou mentindo?

Ela ergueu uma sobrancelha, entretida.

— Você está?

— Não, é só que as pessoas geralmente ficam mais desconfiadas com tudo o que eu falo.

— E você gosta da sensação?

— Não.

— Nem eu.

— Mas eu compreendo.

— Qual seu número favorito?

— Um.

— Por quê?

— Porque ninguém vê nada especial nele. Não o escolhem como número favorito, como se ele fosse sem graça demais. Tipo o Ringo dos Beatles.

Ela riu com a comparação.

— Mas você gosta dele.

— Sim. Do número um, quero dizer. Quanto aos Beatles, sempre gostei mais do Paul.

Ela assentiu e me dispensou.

* * *

Elena me trouxe biscoitos à noite. Presumi que Fletcher falara com ela sobre o incidente da noite anterior, o que me desanimou um pouco. Eu não queria que ele contasse.

— Obrigada — falei cuidadosamente.

Elena parou em frente a mim, e por um momento achei que fosse dizer algo, mas por fim balançou a cabeça e foi para a própria cama.

— Por que você não gosta do Ethan? — perguntei.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Sério? É essa a pergunta que você quer me fazer? — Dei de ombros. Ela suspirou. — Não vale a pena, sério. Durma um pouco.

— Não sei se consigo. Acho que vou ler um pouco.

— Bem, eu pretendo desmaiar pelas próximas dez horas.

— Vou ler lá embaixo.

Levei Misto-Quente e um cobertor para o andar de baixo, onde deitei-me no sofá e continuei lendo.

"As pessoas eram limitadas e cuidadosas, todas iguais. E eu teria que viver com esses putos pelo resto de minha vida, pensava."

Isso me fez questionar algumas coisas. Eu não conseguia decidir se as pessoas de Carmen Hallow eram diferentes, ou simplesmente todas iguais de sua própria maneira. Todas vivendo atrás de algum segredo terrível, tentando fazer com que isso não as definisse completamente. Definia? Eu não sabia dizer. Acho que todo mundo tem defeitos. Você só não pode deixar esses defeitos tomarem conta de você.

Notei Fletcher descendo as escadas. Ele me perguntou se estava tudo bem, e eu assenti, dizendo que não conseguia dormir. Ele disse que também estava com uma maldita insônia. O silêncio pairou por um minuto, e eu não sabia direito o que dizer. Passara dois anos com ódio daquele garoto, que roubara meu bem mais precioso. Não podia evitar ser um pouco julgadora, apesar de saber que não deveria. Eu mexia em minha pulseira, e ele sabia disso, e eu sabia que ele sabia disso, mas nenhum dos dois disse nada.

— Então... Bukowski, hein? Um filho da puta.

— E não somos todos?

Isso arrancou um esboço de sorriso de Fletcher. Havia algo sombrio nele, como se cada sorriso lhe custasse uma parte da alma.

— Bem, vou deixá-la ler em paz.

— Está bem. Espere... Aonde você está indo?

Ele deu de ombros.

— Não sei ao certo.

E então se afastou.

* * *

Toda quinta-feira havia algo chamado Hora do Amigo, ou da Comunhão, ou da Socialização, ou de qualquer coisa clichê dessas. Basicamente, você sorteava o nome de alguém e passava uma hora com a pessoa. Psicopata, esquizofrênico, ex-detento, era realmente uma loteria agradável. Olhei para a caixa. Havia um adesivo de um Smiley no topo, o que me lembrou do filme sobre psicopatas.

Suspirei e peguei um papel.

— Clarke.

A garota de cabelos roxos e roupas pretas ergueu a mão e revirou os olhos. Amassei o papel e me aproximei dela. Tentei sorrir.

— Oi! Eu sei que começamos com o pé esquerdo com a coisa toda dos lençóis, mas espero que possamos nos entender nessa hora.

Ela estreitou os olhos azuis. Eles me eram familiares, mas eu não sabia por quê.

— Eu não gosto de mentirosos. Portanto, eu não gosto de você.

Aquela seria uma longa hora.

Andamos pelo jardim, sem saber direito o que fazer. Por fim, resolvi quebrar o silêncio:

— Como você...?

— Li sua ficha.

— Você...?

— Aparentemente, perdi todos os meus privilégios, e eles não têm mais o que tirar de mim, então estão me fazendo arquivar as fichas dos novatos.

— Por quê? O que você fez de mais?

Ela esboçou um sorriso.

— Fiquei entediada.

Eu podia imaginar a cena de Clarke botando fogo em mim porque estava entediada. Merda. Afastei-me um pouco discretamente.

— Entendi.

— Quer dizer, eu não estava te julgando. Todos nós temos problemas, com exceção do maldito Fletcher Kingston, que parece normal todos os dias.

— E Elena?

Ela estreitou os olhos.

— O que tem Elena?

— Ela não é normal?

Era como se uma tempestade se formasse nos olhos de Clarke.

— Não é da sua maldita conta!

Recuei.

— Desculpe.

— Fique na sua, Maquiavel.

Ouch.


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