Rede de Mentiras escrita por Gaby Molina


Capítulo 18
Capítulo 18 - Boas ideias


Notas iniciais do capítulo

Para Nicole.



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Sou o começo e o fim
O que há de bom e ruim
Um pedaço de ti
Forçado a se reprimir
Sem nem mesmo poder
Te ter sem me conter
Me limitar a um ser
Medíocre, com pudor.

— Danse Macabre, Scalene

 

Elena

— Ei, Fletch, você...

— Elena — Fletcher estreitou os olhos. — Pela vigésima vez, não, eu não vi o Blackery.

— Os pais dele...

— Estão indo embora, eu sei. Não o vi, tá certo?

Suspirei, reprimindo a vontade de sair correndo do dormitório.

— Não precisa falar assim comigo — não queria soar magoadinha, mas foi assim que pareceu.

— Perdão. Só estou meio distraído. Posso ficar sozinho um pouco?

Eu sabia que continuar por perto mesmo assim resultaria em Fletcher beirando a maldade para me tirar dali, então assenti e fui embora, mesmo que estivesse mal por ele ter me expulsado sabendo que eu não tinha mais para onde ir. Fazia algum tempo que eu não via Clarissa. Imaginei se ele fizera isso com ela. 

Quando desci para a cozinha, encontrei Ethan fritando ovos.

— Acordou tarde — comentei.

— Não dormi muito — ele não olhou para mim.

— Ansioso?

Ele deu de ombros.

— Não exatamente. 

Ethan parecia distante, menos caloroso que o normal. Ponderei se seria por causa de seus pais indo embora. No mesmo minuto, Lisa desceu as escadas e veio para a cozinha, sentando-se à mesa.

— Bom dia, Elena — disse ela. 

— Sem bom dia para ele? — apontei para Ethan.

Ela apenas deu de ombros. E você pode me chamar de louca, mas, naquele momento exato, eu tive certeza do que estava acontecendo. Não era realmente da minha conta, mas eu não consegui segurar o comentário amargo:

— Vou voltar para o quarto. Não quero atrapalhar o clima.

Quando cheguei às escadas, Ethan me segurou.

— Elena...

— Olha, eu entendo, sério — encarei-o. — Eu sei que vocês dois têm uma história. E a gente não namora nem nada, tudo bem se vocês se beijaram. Eu sei que ela é importante para você.

Ele mordeu o lábio.

— Elena...

— Sério, eu não tô...

— Elena. Não foi um beijo.

Eu parei por um minuto. Nada saiu de minha boca, com exceção de um leve e acidental:

— Ah.

 

Ethan

— Merda, você está brava — soltei sem pensar.

Porém, na realidade, eu sabia que Elena não estava irritada. Ela estava preocupada. E, ainda pior que isso, por baixo da parte que se importava com a minha recuperação dos transtornos, estava magoada.

— Blackery, você sabe o que isso significa — seu tom era calmo e calculista.

— Foi só uma recaída. Eu estou bem. 

— Não, você não está bem. Se você estivesse bem, não teria desobedecido às ordens diretas dos psiquiatras. Foi por isso que ela saiu daqui, em primeiro lugar.

Na realidade — ouvi a voz de Fletcher descendo as escadas. Seu tom era praticamente jocoso. — Ela saiu daqui porque é uma louca psicopata que leva as pessoas ao suicídio. Inclusive nosso amigão aqui. A diferença é que ela faz isso por meio de rapidinhas.

Normalmente, eu teria reagido pior a um comentário assim, porém minha atenção estava focada demais em Elena.

— Fletcher — ela suspirou. — Agora não, tá?

Como Elena parecia ser a única pessoa que Fletcher realmente respeitava, ele assentiu e subiu as escadas de volta. Ela me encarou.

— Você tem que contar à Teresa.

— Não. Elena, você sabe que eles a tirariam daqui.

— E isso seria tão ruim?

— Eles a colocariam num lugar bem pior.

— Talvez devessem colocar vocês dois — ela resmungou e correu escada acima.

Eu não a segui.

 

Fletcher

Bati a porta do quarto atrás de mim. Puxei minha cama e peguei todas as bugigangas que roubara em Carmen Hallow. Espelhos, escovas de dente, jóias, livros... Atirei tudo na parede. Não ligava se a sra. Lover ouvisse o barulho e eu tivesse que explicar onde conseguira tudo aquilo. Depois de um minuto, ouvi um ruído atrás de mim.

Clarissa estava sentada na cama, lendo. Os cabelos castanhos ondulados estavam presos num coque vagabundo, e ela estava vestida completamente de preto. 

— Não vai falar nada? — soei rude, arrogante e violento, e sabia disso.

Ela tentou me ignorar, mas seu cenho franzia-se, seu olhar estava parado na página. Continuei encarando-a. Um minuto depois, levantou-se e me estendeu seu livro.

— Esqueceu de um — murmurou, apontando para a parede antes de sair do quarto.

Eu ouvia a voz de Lisa surpresa por eu estar vivo, de novo e de novo, ela ecoava na minha cabeça. Eu dizia para mim mesmo para parar, dizia que dessa vez seria diferente, dessa vez eu ficaria bem. 

Não joguei o livro de Clarissa na parede. Não tinha por que jogar. Eu achava que tinha tudo sob controle. Achava que podia me dar ao luxo de ter alguém na minha vida, mas, claramente, eu não fora feito para viver em sociedade. 

Sentei-me no chão, arrastando a mim mesmo até a parede, pensando em todas as pessoas que já machucara. A vontade de me punir por tudo o que acontecera voltou mais forte, e tive que ficar parado por muitos minutos até que me convencesse a relaxar. 

Há poucas coisas mais difíceis na vida do que se convencer que você vale a pena quando tudo na sua cabeça aponta o contrário. Eu não queria me machucar fisicamente, entenda bem. Eu só não via mais motivo para nada. Claro, gostava de Clarissa, idiota fingir que não; idiota, idiota idiota... Entretanto, eu estava trancado naquele lugar. Estava trancado há tanto tempo que sequer via mais como poderia sair, sequer queria sair mais. Não havia mais lugar para mim no mundo exterior, e eu questionava se algum dia sequer houvera. Eu não formaria uma família com ela, não compraríamos um apartamento juntos, ou adotaríamos um cachorro. 

Houve um momento que o medo que sentia de mim mesmo ultrapassou o medo de qualquer outra coisa, e foi nesse momento que joguei todos os meus remédios no vaso sanitário e dei descarga. 

Voltei ao dormitório e deitei-me em minha cama. Pensei em recolher tudo o que atirara, mas não o fiz. Alguns minutos depois, Elena apareceu na porta. Os cabelos louros estavam presos num rabo de cavalo, e ela ainda vestia pijamas, mesmo que já estivesse próximo da hora do almoço.

— Fletch — fitou-me por um momento. — Estou preocupada com Ethan. 

E foi assim que tudo o que eu sentia parou de importar. Dei um tapinha ao meu lado na cama, indicando para que ela se aproximasse. Apesar de tudo, a afeição que tinha por Elena não se comprometia. Assim, eu a ouvi contar sobre suas preocupações. Eu ouvi tudo, e eu não saí correndo para socar a cara de Ethan, o que foi a parte mais difícil de todas. 

— Você sabe que, tipo — ela falava tudo com um cuidado extremo, como se estivesse me contando coisas que não devia. De fato, estava. — Borderlines têm comportamento muito impulsivo. Emocionalmente, sexualmente. Daí, parte do tratamento daqui é um voto de abstinência... Quero dizer, você deve se lembrar de como ele era. Uma bagunça. Estava apaixonado por todo mundo e por ninguém. Mais por ninguém, né? Não que as moças soubessem disso. Não é minha culpa de eu ter tanta relutância, oras... E, sabe, Ethan estava indo muito bem, até ela chegar. Eu não entendo que tipo de relação louca absurda autodestrutiva eles têm, mas...

— Ellie — suspirei. — Vou falar isso para o seu próprio bem: fique fora disso. Não faz bem pra você. 

— Fletcher, eu realmente gosto dele.

— Gosta mesmo? — ergui uma sobrancelha. — Mesmo agora? Mesmo sabendo tudo o que ele fez? Quer estar com ele?

— Eu... não sei.

Ergui os braços.

— Fique fora disso. Sério.

— Você vai ficar longe da Clarissa?

Ela queria arrancar alguma reação de mim, mas apenas dei de ombros e disse:

— Minha psiquiatra acha que ela é uma boa ideia.


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