Rede de Mentiras escrita por Gaby Molina


Capítulo 17
Capítulo 17 - Sai


Notas iniciais do capítulo

OOOOOOOOI :3
Caralho. Que saudade. Vocês não sabem como é bom estar postando um capítulo. Eu poderia até estar chorando, se fosse do tipo que chora. Algumas explicações, shall we?
Escola tá me matando, porém consegui fechar o trimestre com média 8.1, sendo que preciso de média 8 pra manter a bolsa. CHUPA QUÍMICA
(Sou de Humanas, gente, é complicated)
Então, como vocês estiveram nesse tempo longe? Espero que bem. Eu tô feliz. Bem feliz, na verdade. Mais feliz agora escrevendo uma nota inicial.
Esse cap vai para a Curinga, que me deixou um review muito muito lindo e especial. Obrigada, de verdade, moça :3
Vou tentar não sumir de novo, prometo. Porém, não se preocupem demais, abandonar essa fic seria que nem abandonar seu primogênito na porta do inferno.



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Yeah, you can start over, you can run free

You can find other fish in the sea

You can pretend it's meant to be

But you can't stay away from me.

— Animals, Maroon 5

Ethan

Estávamos todos respirando controladamente. Isso era um avanço. Demorara pelo menos trinta e cinco minutos para esse avanço acontecer.

— Veronica — Teresa se voltou para a mulher. — Diga a Christina consciente e calmamente o que ela poderia mudar em seu comportamento em relação a você.

Com certeza, deveríamos ter chamado a psiquiatra como árbitra mais cedo.

— Ela é autoritária, e presunçosa, e acha que... — Veronica começou.

— Use o discurso em segunda pessoa, Veronica.

Minha mãe biológica suspirou e se voltou para Christina.

— Você às vezes é autoritária demais. E muito crítica. Eu acho que você poderia tentar me julgar menos e ouvir mais o que tenho a dizer.

— Muito bem — Teresa se voltou para Christina. — Christina?

— Escuta, você chega aqui depois de... Quanto? Dezenove anos? E vem pra cima de mim como se eu não...

— Christina — a calma de Teresa era invejável. — Sem criticar. Aceite o comentário.

Christina suspirou.

— Obrigada pelo comentário, Veronica.

Apesar do sarcasmo ter basicamente se tornado um substantivo concreto depois daquela frase, Teresa prosseguiu normalmente.

* * *

Eu não sabia como o dia seguinte se desenrolaria, então fiquei trancado no quarto até a hora do almoço. Christina cozinhara. Eu sentira falta de sua comida.

Elena batera na porta para me chamar. A conversa se desenrolara mais ou menos assim:

— Bom dia — ela sorria. Eu poderia me acostumar com aquele sorriso. — Jejum?

Fiz que não com a cabeça.

—... Sua mãe cozinhou. Christina, digo. Vem, Blackery.

E naquele momento eu tive certeza de que iria com Elena a qualquer lugar.

Fletcher

Todos descemos para a comida de Christina Blackery. Afinal, seus dotes culinários eram renomados.

Assim, havíamos eu, Elena, Ethan, Christina, o sr. Blackery — cujo nome me fugia à memória —, Veronica e Clarissa.

— Fletcher, querido — Christina me fitou. — Está um pouco pálido. Mais do que o normal. E mais magro.

Minha mãe conversara com ela. Naquele momento, tive certeza disso. Clarissa me fitou, como se tentasse perceber as mudanças também, mas ela não convivera comigo em muitos dos meus dias bons. Sua imagem de mim devia ser sempre meio moribunda.

— Estou bem, sra. Blackery — sorri, enfiando mais uma colherada daquelas comidas chiques que você não pergunta o que é na boca.

Clarissa não desviava o olhar, então chutei-a por debaixo da mesa.

— Ai! Eu só... — a voz dela foi morrendo quando a encarei.

— Querida, você está bem? — Veronica indagou.

— Ah, ela tem uns ataques às vezes — eu ainda olhava para Clarissa. — Nada com que tenha que se preocupar.

Veronica não contestou, afinal, ela sabia onde estava.

— Seus pais vieram visitá-lo, Fletcher? — Christina indagou.

— Ah — hesitei. — Vieram, sim. Mas já foram embora.

Ela sorriu.

— Que bom! É realmente ótima essa oportunidade de rever a família nessa semana.

— É mesmo? — Ethan encarou-a, erguendo uma sobrancelha.

— Ethan. Não comece com isso.

— Vou subir — ele forçou um sorriso e saiu da mesa.

Elena

— Ethan... — tentei impedi-lo, mas ele me ignorou. Saí da mesa também e o segui até a sala, mas ele pediu que eu o deixasse em paz e subiu as escadas.

A campainha tocou. Suspirei e fui atendê-la. Parada na porta, junto com a sra. Lover, estava uma pessoa que eu achava que nunca mais veria. E, para ser sincera, esperava nunca mais ver.

Lisa Winchester revirou os olhos ao me ver.

— Lisa — a sra. Lover pediu gentilmente. — Diga oi à sua antiga colega.

— Oi — ela praticamente cuspiu. — Elena.

— Oi, Lisa — eu sorri. — Como vai você?

— Depois da passadinha num manicômio de verdade? Ótima, é claro — ela se soltou da sra. Lover e adentrou na sala de estar, notando as poucas mudanças depois dos vários meses que passara fora desde que seus transtornos pioraram de vez. Sete meses? Oito?

— Garotos, venham dar as boas-vindas de volta a alguém! — chamou a sra. Lover.

Fletcher foi o primeiro a aparecer, com Clarissa em seus encalços.

— Uau. Você ainda está vivo? — Lisa arregalou os olhos. — Isso é surpreendente.

— O que ela quer dizer? — Clarissa fitou o rapaz, confusa.

Lisa pareceu perceber que havia soltado informação demais, e ela não era má o suficiente para trazer o assunto à tona, então apenas continuou:

— E, meu Deus, Kingston. Não estão mais te dando comida?

A sra. Lover recuou, parecendo notar as roupas largas de Fletcher.

— Também é bom te ver, Lisa — Fletcher murmurou.

Quando Ethan apareceu, algo em seu olhar mudou. Eu não soube identificá-lo. Ele parou a vários metros da jovem — sequer sabia quantos anos ela tinha. 24? 25? — e ali ficou, como se seu cérebro tivesse desligado.

— É assim que trata uma velha amiga? — Lisa ergueu uma sobrancelha.

— É assim que você se considera? — Fletcher resmungou, mas ela ignorou-o.

Ethan apenas acenou e subiu as escadas apressado de novo.

* * *

Depois da chegada de Lisa, Ethan não falou comigo durante um dia inteiro. E que dia caótico foi. Eu havia me esquecido de como Lisa conseguia atormentar uma quantidade incrível de pessoas em um espaço de tempo tão reduzido. Eu não sentira falta.

Clarissa

Ethan estava quieto. Não o tipo confortável de quieto, onde você se perde nos seus próprios sonhos e pensamentos, mas o tipo desconfortável, preso, tenso. Eu apenas o observava. Sempre achara Ethan lindo, desde o primeiro dia, e assim permanecia. Tudo nele geralmente indicava que era inteligente e bem-sucedido, o tipo de homem que deveria estar de terno saindo de reuniões com o Primeiro Ministro. Porém, mesmo assim, ali estava ele. Vendo-o naquele estado, basicamente encolhido como um cachorrinho assustado, era mais fácil enxergar o outro lado dele. O lado que o colocara em Carmen Hallow.

— Ethan? — chamei, finalmente. — Por que você me chamou aqui?

Ethan não me respondeu a princípio. Ele apenas me fitou por um minuto, a boca entreaberta, como se tentasse decidir por onde começar.

E então a porta se escancarou. Lisa encostou-se no batente, os cabelos castanhos na altura dos ombros brilhando como propaganda de condicionador, os olhos grandes observando o dormitório, a camiseta regata branca contrastando com a pele bronzeada.

— Boa tarde — disse ela em voz baixa.

— Lisa. Agora não, tá? — Ethan murmurou sem olhar para ela.

Lisa — ela repetiu, imitando-o. — Você nunca me chamou assim. Que estresse. De qualquer forma, não estou aqui por você, Blackery. A sra. Lover disse que Clarissa estaria aqui. — fitou-me. — Vamos?

* * *

Você pode estar se perguntando: "Clarissa, por que você se ofereceu para ajudar uma esquizofrênica borderline com indícios de psicopatia a arrumar os horários das consultas e das atividades mandatórias?". E, bem, em minha defesa, eu não sabia que ela era uma esquizofrênica borderline com indícios de psicopatia. Além do mais, queria saber a história por trás da surpresa dela por Fletcher ainda estar vivo.

Estávamos sentadas no jardim, num dos bancos de pedra. Já começava a escurecer.

— E aqui, aqui, aqui, aqui e aqui são suas sessões com a Teresa — apontei no meu cronograma. — Nossa, você está bem? São muitas consultas.

Pensei que ela ia me dar um tiro, mas em vez disso Lisa apenas deu de ombros e murmurou:

— Eles querem se certificar de que não sou psicopata.

— E o que você é?

Ela franziu o cenho para mim.

— Se eu lhe fizesse essa pergunta agora, saberia responder, assim, de prontidão?

Não respondi, o que, é claro, se tornou uma resposta.

— Se quer saber com o que fui diagnosticada... — ela corrigiu, paciente. — Transtorno de personalidade borderline.

— O que é isso?

— Ah... Muita gente confunde com esquizofrenia. Eu não... me sinto confortável te explicando. Gosta mesmo de fazer perguntas, não é?

Corei um pouco.

— Perdão.

Lisa apenas deu de ombros. Ela não parecia tão ruim. Talvez minha primeira impressão dela houvesse sido equivocada.

—... Se você quiser... Posso falar com Ethan por você — ofereci. — Ele parece meio perturbado com a sua chegada.

— Ethan Blackery... Senti falta dele. Ele me entende, sabe? E eu o entendo melhor do que qualquer outro aqui. Devo dizer, fiquei meio chateada com a recepção que ganhei — ela esboçou um sorriso.

Antes que eu pudesse perguntar qualquer outra coisa, Fletcher apareceu.

— Clarissa — seu olhar era sério e frio. — Preciso conversar com você.

— Não pode ser depois? — ergui uma sobrancelha.

— Não. De fato, é de extrema importância que seja exatamente agora.

— Boa noite, Fletcher — Lisa murmurou.

— É uma boa noite? — ele franziu o cenho. — Vamos, Clarissa. Sério.

— Ele só está com medo de que eu abra a boca — disse ela, ainda olhando para Fletcher. — Sobre seu pequeno... incidente. Não acha que ela merece saber? Saber como você pegou aqueles remédios e...

Então ele deu um tapa na cara dela e agarrou meu pulso, me puxando para longe.

— Me solta! Fletcher, eu estou falando sério, você está me machucando! Fletcher! — resmunguei, tentando socá-lo com a outra mão, porém não parecia estar surtindo nenhum efeito.

Ele só parou quando chegamos ao nosso dormitório. Elena não estava lá.

— Que porra está acontecendo? — encarei-o, irritada e massageando meu pulso. — Sem desviar a pergunta. Sem metáforas depressivas. Quem é aquela mulher e o que ela sabe sobre você?

— Lisa Winchester é uma psicopata de merda que costumava ser uma paciente aqui, até que pirou mais do que o normal e foi enviada a um manicômio. É isso que você precisa saber.

— E os remédios?

Ele não conseguia olhar para mim enquanto falava.

— Clarissa. Sério, deixa isso para lá.

— Não, eu não vou deixar para lá! Que merda!

Ficamos em silêncio por algum tempo. Pensei no que achava de Ethan. Pensava de Fletcher exatamente o oposto. Não o achava bonito, gentil, educado, protetor. Não conseguia achar adjetivos que explicassem exatamente minha atração por Fletcher. Claro, pensava em qualidades que auxiliavam, porém o fator principal era meramente subjetivo. Havia algo nele que se relacionava com algo que havia em mim. Ele tinha o poder de destruir minha vida ou salvá-la, e isso me assustava para caralho.

— Há uns sete meses... Eu estava muito mal. Solitário, depressivo, com inveja do favoritismo dos meus pais pela minha irmã... Tá? Você tem que entender que eu não vi outra saída.

Comecei a perceber em que aquela ia história ia dar, e cada pêlo do meu corpo se arrepiou. Tive de me segurar para deixar que ele continuasse falando.

— Uma noite, eu estava no telhado. Havia brigado com a Elena por causa de alguma idiotice. Estava puto porque tinha beijado a Jessie e estava descontando nela. Estava me sentindo um merda. Fui até o banheiro tomar uma pílula para dormir, mas não aguentei ver meu próprio reflexo. Então, comecei a chorar como um completo covarde e tomei todas elas.

Por um minuto, não consegui falar nada. Ele ainda não olhava para mim.

— Fletcher...

— É isso, está bem? Foi assim que quase tive que sair daqui. Tive uma overdose. Meus pais foram chamados. Foi a última vez que eu os havia visto antes de você dar uma de namorada protetora e chamá-los aqui. A sra. Lover me deixou ficar. De algum jeito, a convenci de que eu ficaria melhor aqui do que em um lugar mais rígido. Ela estava errada. Deveria ter me expulsado na hora. Só fodo tudo. Você não deveria ficar perto de mim.

Aproximei-me dele.

— Fletcher, eu amo você.

Ele balançou a cabeça.

— Então pare.

— Não. Você não está mais sozinho. Eu estou aqui.

— Sai — o comando foi frio e seco. E doeu.

— O quê?

— Sai. Sai daqui. — ele soou mais agressivo, o semblante duro, os dedos inquietos. — Eu não quero você aqui.

Tentando convencer a mim mesma de que estava tudo bem e que ele só precisava de um tempo (em vão), deixei o quarto e resolvi focar-me em Lisa. Seja lá quem aquela garota fosse, ela parecia se relacionar com todo mundo com quem eu me importava. Repetindo em minha cabeça o nome de sua doença, fui até o consultório de Teresa. Sabia, por causa de Fletcher, onde ela deixava a chave.

Procurei nas estantes até encontrar o livro que queria. Era grande e antigo, porém estava em ordem alfabética, o que ajudou.

"Síndrome de Borderline, ou transtorno de personalidade Limítrofe, é uma grave doença psicológica. Os indivíduos com a síndrome de Borderline vivem no limite entre a normalidade e os surtos psicóticos.

As dificuldades para se relacionar, oscilações de humor e impulsividade são algumas características da síndrome de Borderline que o paciente pode apresentar, atingindo também as pessoas que o cercam. Esses sintomas começam a se manifestar na adolescência e se tornam mais frequentes no início da vida adulta.

[...]

Os sintomas da Síndrome de Borderline podem ser oscilações de humor, agressividade, irritabilidade, depressão, automutilação, comportamentos suicidas, medo de abandono, dificuldade em lidar com as emoções, mudanças de planos profissionais e nos círculos de amizades, impulsividade e baixa autoestima.
[...]
A síndrome de Borderline não tem cura, porém o tratamento ajuda a diminuir as crises de personalidade na doença."

Fechei o livro. Uma luz se acendeu nas minhas ideias, e tornou-se claro como cristal que aquela era a doença de Ethan. Por isso Elena se convencia de que ele não gostava dela de verdade, por isso suas emoções eram sempre oito ou oitenta.

E como Lisa se encaixava nessa história? Seria ela apenas uma lembrança constante de que ele estava doente permanentemente?

Ethan

Lisa estava esmurrando a porta há quinze minutos.

— Ethan! Me deixe entrar. Por favor. Precisamos conversar. Eu... Eu estou bem agora, ok? — eu podia sentir a mágoa na voz dela, e isso me quebrava o coração. Querendo ou não, eu me importava com ela. — Não é como a última vez.

Minha respiração estava pesada, minha cabeça estava uma bagunça.

— Liz. Vai embora, sério — falei sem muita vontade.

Ficamos em silêncio por um minuto.

— Sabe que não consigo.

E então eu abri a porta para ela.


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