Diário do Berg

Nossa, o Rafa descobriu o problema da Valentina! Me arrependi bastante de não ter contado pra ele e pra Ludi o que estava acontecendo.

— Nossa, Berg... Pensei que você confiasse na gente! — Ludi reclamou.

— Desculpa gente, vocês não tão entendendo? É um problema sério!

— Eu sei, mas isso não importa. Agora a gente tem que pensar em uma maneira de ajudá-la. — disse Rafa.

— Quem sabe se a gente fosse falar com a mãe e o pai dela? — dei a ideia.

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Aquele caminho me trazia más recordações. A boca de fumo, as pedrinhas atiradas na lama... Mas eu tinha que seguir, tinha que ajudar a Valentina. A mãe dela era uma senhora de meia idade, baixinha, com uma aparência até simpática. Só a aparência.

— Não, a Valentina não está. — disse ela rispidamente — Aconteceu algum problema?

— Acho melhor eu mesmo dizer. — interveio Rafa.

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Diário do Rafa

Achei melhor contar tudo o que aconteceu pra mãe dela. Mas a sua reação não foi a que eu esperava, ela ficou calma.

— Tem certeza que era minha filha mesmo?

— Sinto muito, mas era ela sim.

— Bom, muito obrigado...

— A senhora não vai fazer nenhuma pergunta?

— Não. Eu já sabia de tudo. Mas, se vocês três me derem licença, gostaria de ficar sozinha. Essa pentelha que me aguarde.

— Ok. Por favor, conversa com ela, pede pra ela não fazer mais isso. — sugeriu Ludi.

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Diário do Berg

Estranhei demais a reação da mãe da Valentina quando o Rafa deu a notícia. Dizia ela que já sabia, mas ela falava aquilo com uma frieza! Mas eu sentia que aquilo não era o suficiente para salvá-la das garras desse monstro que é a droga.

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Diário da Valentina

Minha mãe descontou tudo em mim de novo. Mas daquela vez foi diferente: até eu mesma achei que ela tinha razão. Eu era uma fraca, que achava na pedra um outro mundo, um outro lugar para me esconder. Mas o pior de tudo era saber que depois eu voltaria e que aquilo não me ajudaria em nada. Sabia que meus amigos só queriam me ajudar, mas fizeram foi atrapalhar ainda mais. Eles estavam numa grande ilusão. Minha mãe poderia deixar as marcas que fossem nas minhas costas, aquilo também não ajudaria em nada.

Eu tinha de roubar, perdão Deus, mas eu tinha de roubar! O vício controlava minha mente, me manipulava. Eu era apenas uma marionete. Tinha medo do que mais eu poderia ser capaz de fazer além daquilo.

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Diário do Berg

Eu tinha que procurá-la. Falar com a mãe dela não adiantaria em nada Precisava quebrar meu orgulho mais uma vez. Mas só aquela vez.

Esperei Valentina no terminal de ônibus à tardinha, Rafa disse que ela sempre estava por lá naquela hora do dia. Sentei e esperei bastante. Pensei até na possibilidade da mãe ou do pai dela terem colocado juízo na sua cabeça, mas até que a avistei. Como estava diferente! Magra, um pouco suja e mal vestida. Via uma grande escuridão que a acompanhava. Eu acho que é aquilo que as pessoas chamam de "energia negativa". Não acreditava muito nessas paradas sensitivas, mas naquele momento, passei a acreditar. Levantei-me e fui atrás dela. Daquele dia não ia passar, pois eu tinha de dar o meu jeito, tinha de dar um basta.

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Diário da Valentina

Já estava começando a me acostumar em ir até o terminal conseguir algum para comprar a pedra. Fosse pedindo, fosse roubando. Não conseguia dinheiro dentro de casa, e as poucas coisas de valor que eu tinha, já havia vendido ou trocado. Eu tinha um certo receio, não sou tão fria assim, mas estava começando a acreditar que vivíamos em um mundo onde era cada um por si. Pelo menos no mundo das drogas eu continuo achando que é assim.

Eu tinha medo de a polícia me pegar, mas era o único lugar que me vinha à cabeça. Corria o risco de alguém me ver, mas arriscava. Até que um dia ele me viu.

Berg já estava bem perto de mim. Aproximava-se cada vez mais rápido e antes de eu tentar fugir, ele segurou meu braço. Segurou de um jeito que parecia que não era ele: brutalmente, radicalmente.

— Me solta, Berg!

— Primeiro você vai ter que me escutar. E nem adianta tentar fugir porque eu não vou te soltar. Entendeu?

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Diário do Berg

Que o meu DJ que vivia dentro da minha cachola tocasse Equalize, da Pitty. Aquele era um momento especial para pedir uma boa música.

Nunca me senti tão seguro em toda a minha vida. Caramba, até senti orgulho de mim mesmo! Eu olhava nos olhos da Valentina e eu via um ar inocente nos seus olhos. Ela sempre demonstrou ser forte, mas ela precisava de uma pessoa com quem ela compartilhasse seus sentimentos, seus segredos.

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Diário da Valentina

"Até parece que você já tinha o meu manual de instruções, porque você decifrava os meus sonhos"... Essa música era perfeita pro momento. Sinta-se escutando. Se quiser, eu espero você procurá-la, dentre tantas outras canções que existem no cartão de memória do seu celular, para colocar pra tocar.

— Então fala logo! — cobrei uma explicação de Berg para aquilo tudo. As pessoas que ali estavam prestavam atenção em nossa gritaria.

— Para com isso, Valentina.

— Ninguém manda em mim, nem mesmo a minha mãe, que me cobre de pancada.

— Faz isso por mim. Por mim!

— Por você?

Ah, diário... Por ele eu faria qualquer coisa... Se ao menos ele realmente decifrasse os meus sonhos, saberia disso.

— É, Valentina. Pelo nerd aqui.

— E por que eu faria isso?

Suas palavras seguintes foram como um choque direto no meu coração.

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Diário do Berg

Por que você sabe o que eu gosto
E por que quando você me abraça
O mundo gira devagar...

Por um momento eu esqueci o que ela pensaria de mim e não me controlei. Que ela achasse brega, que ela achasse o que fosse! Aquilo estava preso na minha garganta desde quando eu a conheci. Continuei a falar:

— Por que eu te amo, sua tola! Nunca ficou claro isso? Pois que fique agora!

— Hã?

— Foi isso mesmo o que você ouviu, Valentina! Antes de nós nos tornarmos amigos, eu fazia tudo, tudo mesmo pra chegar perto de você. Quando você foi embora, senti que minha vida tinha mais sentido. Te via em todos os lugares, Valentina. — olhei pra ela, e ela ainda estava parada, de queixo caído com minhas confissões. — Não vai falar nada?

— Cara, só Deus sabe como eu esperei por esse dia! Por quê, seu idiota, por quê você não disse isso antes?

E o tempo é só meu
E ninguém registra a cena
De repente vira um filme todo em câmera lenta
E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é...

— Hã?— foi minha vez de ficar assustado. Esperava que sua reação fosse outra. Que ela risse, talvez.

— Eu também te amo, achei que isso estava claro pra você! Quantas vezes eu me meti em cada loucura pra te salvar! Caramba! Lembra quando quase te atropelei de bicicleta? Desde aquele dia você não me saiu da cabeça! Quando fui para o interior fiquei muito mal, por que sabia que não ia mais te ver. Mas quando por um milagre voltei, você estava jogado naquele chão imundo da escola e todos riam do seu sofrimento. Saquei que era ali que você precisava de ajuda.

Tomei coragem. Senti que era hora de dar o que ela sempre quis de mim e eu não correspondia por ser cego! Beijamo-nos no terminal de ônibus , em meio àquelas pessoas apressadas que iam e vinham, passando e esbarrando na gente. Foi surreal sentir a maciez do seu toque e os seus lábios singelos tocando nos meus; acreditar que nada naquele mundo poderia nos separar e desejar que aquele fosse um sonho o qual nós nunca iríamos acordar. Tive certeza de duas coisas enquanto a beijava: aquele foi meu primeiro beijo de verdade, e que o meu amor curaria a Valentina de qualquer vício.

Eu vou equalizar você
Numa frequência que só a gente sabe
Eu te transformei nessa canção
Pra poder te gravar em mim...

O momento parecia não ter fim. Viajei nos lábios da Valentina e ela nos meus. Como foi bom! Mas tudo o que é bom tem um fim, mas sentia que aquilo iria se repetir quantas vezes nós quiséssemos. Depois do beijo, ela abriu um sorriso e disse:

— Então quer dizer que...

— Que...

— A gente tá namorando?

— Estamos?! Quer dizer... Estamos sim.

Valentina me deu um abraço e mais um beijo. Como era bom vê-la sorrindo!

— Bom, é melhor a gente ir pra casa. A gente ficou aqui e nem percebeu o pessoal esbarrando na gente.

Quando terminei de dizer aquilo, Valentina desfez o sorriso.

— O que foi? Não quer voltar pra casa?

— Não, não é isso.

— E o que é então?

— É que eu não quero ficar longe de você.

— Você não vai ficar longe de mim. Basta ficar pensando em mim, que vou estar pensando em você. — peguei suas mãos e as segurei — Me promete uma coisa?

— O quê?

— Não vem mais aqui. A não ser que seja pra pegar um ônibus.

— Por você eu vou fazer qualquer coisa. Até abandonar as drogas. Sabe Berg, nunca ninguém disse aquilo pra mim.

— Eu quero te dizer outra coisa que eu nunca disse a ninguém antes.

— O quê?

— Eu te amo. Eu te amo Valentina! — fiz questão de gritar aos quatro ventos.

Pelo caminho todo, e em casa também, as imagens vinham na cabeça. A declaração (tanto minha quanto dela), o beijo, depois do beijo...

Suspirava como um menino apaixonado e... Putz, eu era um menino apaixonado! Nossa, se eu não tivesse tomado aquela decisão, não ficaria sabendo dos sentimentos dela.

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Quando eu cheguei em minha casa, percebi que eu não era o único que andava suspirando por aí não. Minha irmã Andreza também.

—Tá com cara de apaixonada Andreza. — comentei.

— Ah, cai fora moleque, você não sabe o que é isso. Nem tirou a catinga do mijo ainda...(irmãs mais velhas...)

— Haha! Andreza, você tá falando com o cara mais feliz do mundo.

— Ah, e quem é a infeliz? Brincadeira, você tá namorando Berg? Pela sua cara de bobo eu diria até que você havia ganhado na loteria.

— Sim, eu estou namorando e não, eu não ganhei na loteria. E você, não vai me dizer quem é que tá te fazendo ficar bobona assim não?

Ela ficou calada um tempão, depois olhou a hora no celular, dizendo em seguida:

— Melhor não. Depois, quem sabe você fica sabendo. Esse meu namoro você não vai estragar com seu ciúme bobo. Vou sair. Tchau.

Andreza saiu sem nem mesmo avisar à mamãe aonde iria.