Descendants of the Future escrita por Feltrin


Capítulo 4
IV — Folha


Notas iniciais do capítulo

{capítulo revisado :: 02/08/2015 :: 22:50}

Demorei um pouquinho, hah. Boa leitura e obrigada por estar acompanhando!



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A primeira visão de um mundo que tanto aspirei foi destruição.

A umidade do chão infértil parecia me corroer a cada passo que se seguia. As árvores ao nosso redor — que eu tanto insisti em serem verdes e coloridas em minha mente — variavam entre apenas galhos podres e folhas murchas. Não havia céu azul para qual se admirar. Não havia um sol para qual nos iluminar. E, principalmente, não havia beleza no que tanto lutávamos para conseguir contemplar.

Estava tão perplexa com tudo aquilo que quase esqueci sobre Tanner ter uma faca cravada no ombro, mas ainda assim, insistir em continuar correndo. Quase conseguia imaginar sua dor com tantas caretas que ele fazia, e olhei para trás, certificando-me de que não tinha mais nada para fugir.

— Você precisa descansar — adverti, com as sobrancelhas curvadas. Nossos passos foram ficando mais lentos e ele caminhou até um monte de entulhos, respirando pesadamente.

Tudo bem. Apenas a ponta da lâmina permanecia presa, mas ondas de sangue escorriam pela sua camiseta. Nunca fui muito fã de ver cenas assim, sendo mais específica, de sangue. Não tinha a mínima ideia de como tirar a faca dali, e muito menos fazer um curativo.

— Pode arrancar — ele murmura, alto o suficiente para que eu consiga escutar. — Não pense em nada, só tire, tudo bem?

— Não está nada bem – retruco e fecho meus dedos em torno do cabo da faca com uma onda de desconforto me banhando da cabeça aos pés. Puxo o objeto para fora rapidamente e o escutei soltar um grunhido. Meus pés lutavam para não dar as costas àquilo e sair correndo.

— Agora... — ele arrancou uma tira longa e grossa de sua camiseta e me entregou, fazendo caretas de dor — você coloca isso aí pra estancar o sangramento.

Não demorou muito até que minha mão direita ardesse incessantemente e exibisse um brilho amarelado no formato de sol no momento em que aproximei-a do ferimento para prender a tira ali. Tanner virou-se para trás e arqueou as sobrancelhas, um tanto espantado.

— Precisamos continuar andando. Agora. — Eu estava pronta para passar a tira por baixo de seu braço e amarrá-la por cima do outro ombro, para que o tecido comprimisse parte do sangramento se não fosse por ele erguer-se, apressado.

— Não! Você vai ficar perdendo sangue. — Indiquei com a cabeça para que ele se sentasse novamente, e o fez, protestante. No segundo em que passei minha mão acidentalmente por cima da ferida, ele soltou um grunhido. Não entendia o porquê, se não fosse pela ferida começar a se fechar instantaneamente. O formato de sol parou de brilhar no mesmo momento.

— Isso é mais estranho do que parece, mas...

— Não tem mais a ferida, não é? — interferiu, levantando-se em seguida. Não fazia a menor ideia de como havia adivinhado, e muito menos o motivo de agir dessa maneira quando se tratava do símbolo em minha mão.

Caminhamos em silêncio por um longo tempo, até diversas estruturas invadirem meu campo de visão e um portão metálico cobrindo toda a região. Era impossível. Cresci por quatorze anos acreditando que éramos os únicos que poderiam impedir nossa extinção, quatorze anos acreditando que não havia mais pessoas com quem pudéssemos nos unir.

Nunca tive tanta vontade de socar o rosto de Dhalia.

— Por que você está me trazendo para cá?

— Eu esperava que você perguntasse isso — ele me encara por um tempo, com as sobrancelhas curvadas. Parecia confuso, como se responder essa pergunta fosse a coisa mais difícil do mundo. — Muito pelo contrário do que Dhalia fazia, essa resistência protege gente como vocês. Desde que a praga se espalhou, não foram todos que morreram com ela. Alguns foram privilegiados, e nós ainda não descobrimos a razão.

Privilegiados. Pensei vagamente nessa palavra, tentando lembrar todos seus significados. E qual era o significado dessa palavra na minha situação. Eu não me sentia privilegiada, embora presenteada com uma dádiva de habilidades excêntricas... mas também não trocaria nada para voltar a ser a Audrey aparentemente inútil que costumava ser.

— Por quê? — Um bocado de perguntas romperam na minha mente de uma única vez. Lembrei-me perfeitamente de quando uma luzinha cintilou no peito de Ben, e de seu rosto inexpressivo perder a cor em uma questão de segundos. E também de como, no mesmo segundo, o símbolo de sol se desenhou na palma de minha mão.

— Há muitas espécies alíenigenas que perderam seus planetas, Audrey, e mal podem esperar para desocuparem o nosso e fazerem-no de seu novo lar. Mas esses privilegiados tem habilidades muito acima das nossas, habilidades que muito provavelmente colidem ou são superiores aos responsáveis por toda essa destruição — explica lentamente, selecionando cada palavra. Parecia acompanhar o movimento de seus pés com os olhos, evitando desviar o olhar. Mas sabia perfeitamente o que Tanner estava dizendo: a Terra dependia principalmente das nossas habilidades, e caso aconteça qualquer deslize, nós estaríamos enfrentando a extinção cara a cara — e não mais nos escondendo em esgotos.

Mal percebo quando enormes portões metálicos se estendem bem à nossa frente, e quando paramos, pequenas câmeras movem-se até eu poder me enxergar no vidro. Meu coração batia mais rápido do que o normal e engoli em seco, com o nervosismo me dominando.

De repente, lembro-me de meus pais. E em como podem estar sendo torturados e sofrendo a pena declarada àqueles que tentassem fazer o que fizemos: fugir. Sinto uma vontade incessante de dar as costas para aquela resistência e voltar para buscá-los, assim como tirar todas aquelas pessoas lá. Desvio o olhar para os lados, um pouco desconfortável com a demora que estava levando, quase consigo ouvir o barulho das botas dos militares quando se chocam no piso branco do complexo. Prendo os olhos em Tanner, e ele faz o mesmo, tento parecer o mais calma possível.

Escuto um estrondo, e os portões começam a deslizar para os lados. Tanner começa a caminhar até lá, e o sigo. Tudo que vejo são pequenos conjuntos de casas de madeira situadas ao redor de dois prédios enormes, com seus metais reluzindo. Assim que entramos, outro estrondo, e os portões voltam a deslizar até se unirem.

Tanner começa a trilhar na direção de um dos prédios, e somos cercados por olhares desconfiados. Consigo ver uma garotinha com a mão direita erguida, o símbolo de uma folha gravada em sua pele exala um brilho branco no momento em que passo por ela, e a vejo delinear um sorriso passageiro nos lábios.

— Antes que você pergunte, não, não há só pessoas como você aqui. Tem pessoas... humanas — ele faz uma careta ao pronunciar "humanas" como se quisesse retirar o que disse — também. Nós juramos lealdade a essa resistência e concordamos em fazer qualquer coisa para proteger esses privilegiados, mesmo que isso nos custe a vida. Vocês, no entanto, a partir de que começam a se acostumar são mandados para uma ala superior e recebem treinamento. É algo assim.

Concordei com a cabeça, em silêncio. Meus olhos estudam tudo ao nosso redor, e mal consigo compreender em como tiveram a capacidade em construir tudo aquilo em tempos assim. Por mais que nervosa, um pingo de entusiasmo ameaça crescer lá no fundo.

Assim que chegamos no prédio, um grupo de garotos com mais ou menos nossa idade passou por nós, marchando. Trajavam uniformes escuros, mas não totalmente iguais. Continuamos andando até um elevador abrir-se à nossa frente e uma mulher alta e de cabelos encaracolados sair no mesmo instante. Minha mente sistematiza diversos pensamentos, mas apenas um se destaca: a instrutora.

Minhas mãos alcançaram seu pescoço em questão de segundos, e a empurro contra a parede. Podia sentir meu sangue ferver e a raiva me consumir, e em como me sentia satisfeita por matar a responsável por tudo isso. Por Molly estar morta. Por estarmos nessa situação. A mão de Tanner apertou meu ombro e me puxou para trás delicadamente, e apenas consegui ver o corpo da instrutora tombar para frente antes que ficássemos cara a cara, e ele me encara com imparcialidade.

— Foi ela quem me torturou! — protesto, e ele desvia o olhar para o elevador.

— Por mais estranho que pareça, ela te livrou de um sofrimento muito pior. Se não fosse por ela, seria muito improvável que você estivesse aqui, viva. — Ele me guia até o elevador, e fuzilei a instrutora com um olhar sombrio. Estava perplexa demais para pular em cima dela novamente e fazê-la sofrer pela morte de Molly, e por nos expor.

No momento em que chegamos no próximo andar, uma porta de vidro desliza para os lados assim que nos aproximamos. Ouço alguém murmurar algo, e olho diretamente para uma poltrona virada para trás.

— Audrey Hudson, recolhida no dia vinte e seis, Messiatra, ano dois mil e oitenta e sete, estava aguardando ansiosamente que chegasse — uma voz rouca e grossa soa por todo o local, e a poltrona gira para um dos lados. Um homem de cabelos grisalhos e com o mesmo uniforme escurecido que havia visto antes está sentado relaxadamente nela, encarando-me com um olhar interessado. Ele sorri, e não entendo a razão.


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Notas finais do capítulo

xoxo



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