Noites de Verão escrita por Marina R


Capítulo 3
Capítulo 3: Não vá


Notas iniciais do capítulo

TO CORRENDO TO SEM TEMPO TENHO QUE VIAJAR MAS OBRIGADA AS POUCAS PESSOAS QUE GASTARAM SEU TEMPO COM ESSA FIC TÃO CURTINHA, VOCÊS ME DEIXARAM MUITO REALIZADAS!!!! AGRADECIMENTO ESPECIAL A QUEM COMENTOU E OPINOU SOBRE COMO A HISTÓRIA ESTAVA INDO, FOI UMA AJUDA ESSENCIAL! BEIJOS!



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– A noite ainda não acabou - sussurrou ele, no ouvido da garota, e ela sorriu abertamente.

Levantaram-se com dificuldade, um segurando na mão do outro para não desequilibrar, e entraram no quarto de Rogério, pela janela.

– Espera - disse Victória, quando Luís ameaçou de sair pela porta do quarto - Você ainda não se abriu comigo.

– Como não? - perguntou ele, voltando ao encontro dela.

– Eu descrevi o momento mais difícil da minha infância... E todos nós temos assombrações... Então, me diga, qual é o fantasma que te atormenta?

Em milésimos de segundo, Luís já pensou em algo que lhe incomodava. E teve vontade de dizer para ela o que era. Porém preferiu mudar o assunto.

– Não estou afim de conversas sérias.

– Tem certeza? - insistiu ela - Sei lá, você me ajudou muito, queria retribuir de algum jeito.

Os olhos grandes e negros da garota viraram o fraco dele. Quando ele viu-os vidrados nele, desistiu.

– Tudo bem. Não é uma história digna de filme que nem a sua, é só... Meu pai.

Victória sentou-se na cama do Rogério e chamou Luís para fazer o mesmo. Eles acomodaram-se lado a lado. A garota fez sinal para ele prosseguir. Ele fixou o olhar num poster de um carro BMW que estava pendurado no outro lado do quarto.

– Eu nunca me senti próximo do meu pai. Ele sempre foi aquele cara distante e de poucas palavras, mas eu nunca tinha ligado pra isso antes dos meus 11 anos. Não sei o que houve, mas foi na festa de aniversário que eu senti uma necessidade louca de me aproximar dele. Eu me sentia admirado pelo seu jeito simples e quieto, um homem de terno e dignidade.

"Fiz muita coisa para chamar a atenção do meu pai. Do nada, virei o filho perfeito, sonho de consumo de todos os pais. Bom aluno, boa educação, não entrava em problemas, cheio de amigos da mais alta classe... Bem estilo babaca. É, eu era um babaca perfeito. Daqueles que sempre usa camisa polo, leva boletim azul pra casa, arranja garotas lindas, tem amigos respeitados. Eu virei meu pai. Esqueci toda a essência que eu tinha, só pra chamar a atenção de um homem que só ligava em ter um uísque na mão e uma carteira no bolso.

"Eu até entrei pro time de futebol do meu colégio, porque vi, um dia, meu pai assistindo uma partida com uma animação que era inédita! Eu virei capitão, e ele não foi em nenhum dos jogos. Meu time perdeu a final por causa da minha falta de motivação, e meu psicológico desanimado. Eu estava tão frustado que ele não estava lá!... Um lugar sempre vago ao lado da minha mãe...

"Depois do jogo, todo nojento, suado, grudento, eu fui falar com ele. Cara, eu tava com fumacinha saindo do ouvido. Minha mãe estava assustada por causa do meu jeito. E quando a gente chegou em casa... Ele tava com outra mulher, no escritório, aos beijos. Ela devia ter uns vinte e era completamente maravilhosa. Mas eu a odiei, com cada fibra do meu ser, e berrei na minha mente 'Você não devia ter se metido aqui'. Minha mãe virou as costas e eu não me lembro da feição dela, que emoção ela sentia ao ver aquilo, o que é uma pena, porque foi a última vez que eu a vi.

"Acho que nunca perdoarei minha mãe, mas acho que é por inveja. Não a desculpo por ter me deixado com aquele homem, mas tenho inveja porque tudo que eu sempre quis é uma chance de escapar, que nem ela teve. Conversamos por e-mails, eu sei onde ela está, e sei que ela está bem... Mas não fico feliz, e evito também pensar nela, porque foi algo tão egoísta o ato dela! Cada dia que passa, eu me sinto mais inútil neste mundo, por causa desses dois.

"Meu pai não é um monstro, mas eu não consigo criar um laço com ele. Sua frieza, seu jeito de tratar as coisas, é inaceitável. Pra você ter uma ideia de como eu não o entendo, vou voltar um pouco.

"Depois do lance da traição, eu desisti de agradá-lo. Porque eu gostaria de algo vindo daquele homem? Então eu simplesmente joguei tudo pro alto, parei de falar com todos os idiotas que eram meus amigos, rompi o namoro retardado que eu tinha e comecei a viver do jeito que eu queria. Isso demorou porque eu não sabia mais quem eu era. Então comecei a ler várias coisas psicológicas, porra de filosofia, livros, filmes, e etc. Criei as minhas regras. Meu jeito de ver as coisas. E meu pai odiou.

"Um dia eu decidi matar umas aulas. Cheguei no colégio, virei pros meus novos e loucos amigos, e falei 'Bora matar todas as aulas'. Então a gente saiu pelo colégio, o qual na época não tinha câmera em sua maior parte, e a gente ficou fazendo absolutamente nada. Só conversando sobre sei lá o quê.

"Depois de umas duas horas, acharam a gente, ligaram pros pais e essa baboseira toda. Quando meu pai chegou, eu estava totalmente largado no chão, ouvindo música alta, olhando para ele com muita raiva. O olhar dele não cruzou com o meu, e isso me deixou mais irritado.

"Chegando em casa, conheci a nova namorada do meu pai. Não durou um mês aquela. Sedenta por aceitação e atenção. Toda hora era uma mulher diferente frequentando minha casa, algumas até davam em cima de mim, e tudo que eu não queria era me envolver naquela porcaria. Enfim, ele virou pra mim, e disse 'Vá pro seu quarto, daqui a pouco vou trocar umas palavras contigo'.

"E ele foi uns minutos depois, mas não falou nada. Só começou a arrancar, com muita calma, devo adicionar, todos os posteres grudados na parede; tirou a televisão; roubou meu laptop; deixou meu quarto praticamente nu. Eu fiquei lá gritando pra ele parar, perguntando a razão, dizendo que ele estava sendo irracional. Eu só não confrontei ele, corpo a corpo, porque ele é um dos caras mais fortes e sem piedade que eu conheço. Me daria porrada sem pestanejar.

"Todas as conversas que eu tive com eles nos últimos dois anos foram superficiais. Eu não o conheço, e ele sabe ainda menos sobre mim. Acha que minha rebeldia é para ganhar a atenção dele, e mal sabe ele que é a única coisa que me faz eu."

– Ele te ama - cochichou Victória, sem saber quando introduzir a fala - Ele briga mas ele te ama.

Luís olhou-a com as sobrancelhas erguidas.

– Você ouviu o que eu acabei de falar? O cara não me dá atenção! Ele só vira pra mim quando eu faço merda. Se eu sofresse bullying na escola, que nem você sofreu, meu pai ia me empurrar e dizer "Ei, se vira. Aprende a bater".

– Duvido - revirou os olhos.

Luís riu, irônico.

– Tá vendo essa cabeça raspada? Não foi obra minha. Foi dele. Acredite, eu não queria ficar totalmente careca. Agora está crescendo, mas antes estava terrível. É, obrigar o filho a cortar todo seu cabelo é um gesto de amor.

– Luís, também explica porque ele te obrigou. O que aconteceu?

O garoto bufou. Pra ele, já tinha estourado o limite de falar sobre seu pai. Suas mãos queimavam, procurando algo para bater. Escondeu seu rosto num travesseiro e franziu o rosto, com força. Quando voltou para a conversa, explicou:

–Ele encontrou maconha no meu quarto. Eu cheguei do colégio, e ele estava com o saquinho nas mãos, sentado no sofá. Foi a primeira e única vez que vi ele olhar pra mim. Pra dentro de mim, quero dizer. Ele parecia tão desapontado, e eu me senti péssimo por alguns segundos. Era a última semana de aulas, e ele conseguiu arruinar esse momento de quase felicidade... Mandou-me sentar, pegou um barbeador elétrico, e, enquanto raspava minha cabeça e segurava-me pelo pescoço, falou o que iria acontecer. "Você vai passar as férias com seu primo, Rogério. Quando voltar pra São Paulo, você vai começar a trabalhar. Assim que conseguir dinheiro, vai sair desse apartamento."

Victória sentiu-se horrível. O jeito deprimido que Luís contava fez a menina querer voltar no tempo e impedir o pedido dela. Aquilo era íntimo demais, e ela queria fazê-lo parar. Os olhos dele ainda estavam direcionados para o pôster do carro, mas ele não olhava para lá. Parecia vazio de emoções.

– Bom - continuou Luís, abrindo um sorriso -, meu pai não sabia que o Rogério também era maconheiro.

Ele olhou para a morena e respirou fundo. Ela esforçou-se para esboçar um sorriso, e conseguiu, até o momento que ele disse:

– Ainda acha que ele me ama?

– Agora acho ainda mais - falou Victória, fazendo ele rir e colocar a mão no rosto - Vou explicar. Primeiro, você tem que ver que a perda da sua mãe também o magoou. Tudo bem, seu pai a traiu, mas eu tenho quase certeza que ele sente falta dela. Se não fosse o caso, porque ficaria trocando de namoradas a cada instante? Segundo, tudo que ele fez por você foi para educá-lo de alguma forma. Se ele deixasse passar, aí sim, ele não ligaria pra você. O fato de ele ser mais rígido e 'irracional' deve ter a ver com a sua criação. Terceiro, você tem que conversar com ele. Assim que chegar em São Paulo, você tem que se abrir com ele. Confessar suas decepções, suas amarguras, mas sem transformar isso numa discussão. Não deixe essa oportunidade passar. Vejo que vocês são orgulhosos, mas não permita isso virar um empecilho para ambos criarem uma ligação. Eu sinto que vocês vão ser ainda grandes amigos... Mas sem comunicação não dá.

A boca de Luís se encontrava entortada para cima: um sigiloso sorriso. Victória ajeitou a coluna e cutucou a unha antes de olhar para ele.

– E quarto... Eu acho garotos com cabelo curto assim muito atraentes.

Uma risada ecoou naquele pequeno espaço antes de Luís falar, olhando pra a boca da garota:

– Você é tão inteligente... Meu pai iria te amar.

– Oh - gemeu ela, encostando-se na cama de modo que podia olhá-lo melhor - Suponho que isso é ruim.

– É sim, porque eu amo irritá-lo.

Uma tensão tomou a área entre os dois rostos, e o garoto quis rompê-la com mais uma aproximação. A diferença da mesma tensão de poucas horas atrás é que Victória também queria chegar mais perto desta vez. Porém Luís, com medo da rejeição dupla e do namorado imaginário da garota, resolveu mudar o corpo de posição.

– Vou voltar com o jogo das perguntas - disse ele, abruptamente.

– Hm, OK - concordou ela, sentando-se direito na cama.

– Só uma pergunta.

– OK.

– Se você pudesse estar em qualquer lugar agora, qual seria?

– O hotel do centro da cidade - respondeu ela, sem pensar duas vezes. Luís olhou-a como se pedisse uma explicação - Minha mãe é gerente daquele lugar, e eu passei muito tempo lá desenhando. Era minha forma de relaxar e esquecer o que tinha acontecido comigo. O local que eu mais ficava e gostava era perto da grande e redonda piscina que eles têm. Ficava lá, com meus lápis de cor, sentada numa mesa, comendo batata-frita à vontade...

– OK - falou Luís, levantando-se da cama -, vamos.

– O quê? - gaguejou ela, ao ver o menino já saindo do quarto. Correu para alcançá-lo - Espera!

Quando encontrou-o, Luís estava conversando com Rogério, o qual entregou chaves douradas em seguida. O garoto de preto fez sinal com a cabeça para eles irem embora. Victória pediu para ele esperar, e segurou-o pelo braço antes de saírem pela porta.

O carro vermelho do Rogério estava estacionado na frente da casa, e brilhava como se nunca tivesse sido tocado. Realmente, Rogério ainda batalhava pela carteira de motorista, mas o automóvel já estava garantido. Presente de 18 anos, o filho único sempre foi o centro da vida dos pais. Estes, naquele instante, comemoravam o casamento de amigos numa cidade vizinha, sem ideia que voltariam para uma casa destruída e fedendo a vômito.

Victória ficou com o volante e Luís sentou-se no banco do passageiro. A garota já tinha sua carteira, apesar de não poder usá-la. O dinheiro em sua poupança não chegava nem perto da quantia necessária para comprar um carro usado, muito menos um novo!

Dirigia com aquele medo de iniciante, que era diminuído por causa das conversas de Luís e pelo vazio nas ruas que quatro da manhã lhe proporcionava.

– O que vamos fazer quando chegarmos no hotel? - perguntou ela, com um sorriso nos lábios, logo depois de passar por um quebra-molas.

– O que não vamos fazer?! - berrou ele, dançando ao som da música brega que saía da rádio.

Depois de estacionarem o carro, entraram no hotel. De fora, era comprido e branco, com palmeiras rodeando. Por dentro, um espetáculo de decoração!

A recepcionista era amiga da mãe da Victória, o que fazia elas já terem um certo relacionamento.

– Boa noite - disse a morena -, ou bom dia, não sei mais.

– O que você está fazendo aqui, Vic? - perguntou a mulher, cansada - Está tarde. Sua mãe sabe que você está aqui?

– Hm, mais ou menos.

– Victória - disse ela em tom de desaprovação.

– Eu não vou fazer nenhuma estupidez, Dora! Esse guri aqui é meu amigo! Seu nome é Luís, ele é um babaca, agora deixe-nos ir na piscina, por favor. Só queria mostrar a ele a área.

Antes de responder, Dora olhou para os dois com muita desconfiança.

– Vocês estão bêbados? - perguntou ela, olhando para Luís.

– Você sabe que eu não posso beber - irritou-se Victória.

– Oh, verdade... OK, eu deixo vocês subirem se voltarem em dez minutos.

– Assim não tem graça! Eu não estou com vontade de pegar o carro e voltar para a festa que eu e o Luís estávamos. Deixe-nos ficar aqui de uma vez. São quatro da madrugada. Me dá um quarto.

A mulher cerrou os olhos. Luís estava se divertindo vendo aquilo, um espectador silencioso.

– Me dá dois quartos, então! Que coisa, Dora, não é como se eu não fosse contar pra minha mãe. E não é como se eu fosse uma garota irresponsável e problemática...

A recepcionista estava em clara dúvida.

– Somos só grandes amigos - insistiu Victória - Por favor...

– Certo, certo! - desistiu Dora, pegando duas chaves em uma gaveta - Quartos 302 e 705. Nem adianta me olhar feio, você dois vão ficar em quartos separados.

A mulher sabia que não tinha como definir uma coisa daquelas, já que eles poderiam escolher o contrário e ela não conseguiria impedir. Porém achava importante tentar.

Eles sorriram e agradeceram mil vezes, antes de entrar no elevador e comemorarem com danças engraçadas.

O bar, a sauna e toda a parte aquática era no último andar e a iluminação da área consistia em algumas luzes dentro da piscina. Victória nunca havia visto aquele ambiente de forma tão macabra, porém, mesmo assim, sentiu uma onda de tranquilidade atingir seu peito. O vento vinha frio e trazia lembranças de uma infância quase arruinada.

– Era aqui que eu sempre me sentava - comentou ela, ao sentar-se numa mesa a frente da piscina circular.

Ele ficou do lado dela por uns instantes, até que sugeriu algo diferente.

– Vou te empurrar na piscina - avisou - Tente parecer surpresa.

– Que rebelde da sua parte me contar - gargalhou ela - E não, você não vai me empurrar.

– Por que razão?

– Não quero molhar minha roupa, seu babaca. E está frio pra caralho.

– Sua roupa é o problema? - pensou Luís, logo surgindo com uma solução - É só tirá-la.

– Você é um idiota mesmo. Não vou tirar minha roupa!

– Eu fecho os olhos. De qualquer jeito vamos nadar naquela piscina.

Victória bufou. Percebeu que ele não ia largar de mão a ideia.

– Você vai insistir isso, não vai?

– Vou.

– Você é irritante, sabia?

– Sabia.

Ela olhou para ele com a boca meio aberta, formando um sorriso impressionado.

– Então vira pra lá, porra! - ordenou ela, e Luís obedeceu.

Victória tirou as sandálias e seu vestido com uma pressa audível, o que fez Luís rir escondido. Um splash alto fez ele concluir que a garota pulara na piscina. Virou-se para encontrar Victória encarando-o na beira da piscina. Seus dentes batiam, e o cabelo cacheado agora alisara por causa do seu estado molhado. Luís passou a mão na careca antes de retirar suas peças de roupa. Pulou na piscina assim que se livrou da camisa. A roupa dela se encontrava dobrada em cima da mesa, e a dele jogada nas cadeiras.

– Puta que pariu! - foi a primeira coisa que saiu da boca do garoto depois que voltou do mergulho - Que água gelada!

– Claro, espertinho - riu ela, seus lábios roxos de frio - Quem mandou vir com essa ideia?

Luís colocou novamente seu corpo totalmente dentro d'água e nadou naquele círculo, como forma de aquecer-se. Victória tentou fazer o mesmo, porém só conseguia observá-lo quando ficava imersa na água turva.

Ela ficou apenas com os olhos para fora da superfície, o corpo ainda não acostumado com a frieza da água. Luís perdeu a vontade de nadar e chegou perto da garota. Esta arrumou o cabelo para trás.

– Ainda está com frio? - perguntou Luís.

Victória meneou a cabeça em afirmação.

– Posso te abraçar para me esquentar? - perguntou ela, sem querer saber a resposta. Puxou o garoto para perto e grudou seu corpo no dele. Luís assustou-se com a rapidez do movimento, mas não questionou - Não acredito que você vai viajar pra São Paulo daqui a pouco.

O sorriso dele transformou-se numa expressão tristonha.

– Não acredito que só fui te conhecer esta noite - disse ele, perto do ouvido dela.

A morena soltou o corpo dele e quis olhá-lo mais uma vez. Não engolia o fato de que ele iria embora. OK, Luís poderia voltar, mas quanto tempo seria a espera? Ela não queria pensar, pois isso deixava-a mais e mais amuada. Decidiu gastar aquele tempo com o que quisesse, então beijou o rosto pálido do garoto. Uma bochecha. Em seguida, a outra. Luís permanecia de olhos fechados, desejando saber o próximo movimento dela. Victória deu o que ambos queriam há tempos: encostou seus lábios nos dele, com calma e paciência. A respiração dos dois era curta e falha, o que impulsionou para aquele beijo, tão tranquilo no começo, tornar-se algo rápido e excitante.

Luís empurrou-a até a beira da piscina, onde Victória abriu as pernas para abraçar o corpo do garoto. Apertava o pescoço dele com força, querendo mais e mais proximidade, o que era fisicamente impossível. Luís começara segurando a nuca dela, porém sua mão fora deslizando para mais baixo, agora nas costas nuas da morena. Quando aquilo estava atingindo seu clímax, Luís interrompeu o momento.

– Você não tem namorado, Victória? - perguntou ele, e a garota demorou vários segundos para entender.

– Não! - gritou ela - Eu estava mentindo. Não sei por quê. Acho que eu estava com vergonha.

– Sua idiota - gargalhou ele - Nunca fiquei tão feliz em descobrir uma mentira.

Luís já ia retomar o beijo, afinal, tudo estava esclarecido... Porém a garota tinha outra ideia.

– Vamos para o quarto?

Luís concordou com um sorriso, mas antes foi pegar toalhas para os dois. Tinham algumas dobradas numa pilha, a qual Victória mostrou ao apontar. Ele correu no frio, a pele branca brilhosa observada por Victória, a qual não conseguia esconder a alegria momentânea. Colocaram as toalhas nos corpos, pegaram as roupas e foram rapidamente para o elevador. Victória apertou o número sete e já voltou a beijar o garoto. Eles estavam animados como nunca, não queriam parar aquilo, e só tiveram disposição de interromper a agarração quando chegaram na frente do 705. O garoto abriu o quarto num movimento só e puxou Victória para dentro.

Mal observaram o quarto; só queriam saber onde era a cama. Jogaram as toalhas para longe e se encararam, por um tempo, com suas roupas-de-baixo molhadas. Victória empurrou o garoto no colchão e logo subiu em seu colo. Não demorou muito tempo para que a nudez completa viesse: com brutalidade, as roupas foram retiradas e jogadas para longe.

Os corpos ficavam quentes de pouco em pouco por causa dos frenéticos movimentos dos dois. A timidez de Victória tinha ido embora de vez, e agora ela dava chupões no pescoço do garoto. Este, cada vez mais insano, não aguentava mais a excitação que sentia. Tocava o corpo dela como se nunca tivesse tido uma sensação parecida.

A garota estava pronta para deslizar sua mão para baixo e perguntar a Luís se ele tinha preservativos, quando o próprio afastou-se de uma vez.

– O que foi?! - perguntou ela, assustada - Te machuquei?

– Não - respondeu ele, com dificuldade, tentando voltar ao estado normal de respiração - Você não fez nada de errado... Eu que não consigo fazer isso.

Luís mordeu os lábios vermelhos e odiou a si mesmo.

– Porquê? - quis saber.

– Eu sinto que se nós transarmos, eu... Eu não vou conseguir lidar mais tarde. É um problema meu: me envolvo facilmente com as pessoas. Algumas horas atrás, quando não tínhamos nem nos beijado, eu nem queria imaginar minha ida pra São Paulo. No primeiro instante que conversamos, eu já não queria te deixar pra lá. E agora criamos esse laço bizarro, e eu daria qualquer coisa pra ser insensível nessas horas. Quando você me beijou, eu pensei "agora fodeu de vez". Então não piore minha miséria... Melhor não fazermos sexo. Aí sim eu vou me apaixonar de vez.

Victória deu um sorriso com metade da boca, e abraçou-o com toda sua energia. Segurou a cabeça dele, beijou sua bochecha rósea e falou:

– Quanto drama. Era só confessar que era virgem logo!

– Não! - apressou-se - Eu não sou virgem! Estou falando sério.

A garota gargalhou e acomodou-se na cama, cobrindo-se com um grosso edredom branco.

– Eu sei, idiota.

Ele xingou-a baixinho por trás do sorriso que abriu, e deitou-se perto dela. Conversaram sobre besteiras um tempo mais, até que ambos caíram no sono sem perceber.

Victória acordou às oito por causa de uma obra que acontecia perto do hotel. O barulho atrapalhou seu lindo sono, fazendo a garota já abrir os olhos com dor de cabeça. Luís não percebeu o som alto; dormia como uma pedra. Ela ficou na cama apenas observando os traços dele, utilizando todos os segundos livres que tinha para memorizar aquele rosto.

A posição que ele se encontrava era tão adorável, e a iluminação era tão perfeita que Victória decidiu desenhá-lo. Havia um tempo que não fazia tal coisa, então foi revigorante!

Depois de esboçar toda a imagem, decidiu não detalhar mais, percebendo que estava na hora de acordar o menino. Antes disso, Victória fez uma pequena dedicatória no canto inferior do desenho. Dobrou o papel em quatro partes e enfiou em um dos bolsos da calça dele.

Acordou Luís com seis beijos distribuídos ao longo do corpo dele. A vontade dos dois era de ficar lá, apenas entre beijos e abraços, que nem dois idiotas apaixonados. Porém não tinham tempo a perder! Tomaram café da manhã enquanto tentavam administrar o tempo: conversar, beijar, abraçar, gargalhar, muito pra se fazer em poucos minutos!

Rogério ia acompanhar Luís até o aeroporto, porém o ruivo não atendia o celular. No mínimo estava deitado sobre seu próprio vômito, com um desenho pornográfico desenhado no rosto e garrafas vazias de vodca ao redor! Por isso, pegaram o carro dele e foram até a casa do Rogério, apenas para Luís pegar sua mala e mochila. Não havia tempo para despedidas.

Chegando no aeroporto, Luís despachou as malas e fez o check-in com facilidade, sem fila para enfrentar.

Na fila do embarque, tiveram que fazer o que tanto temiam. Era a hora de dizer adeus. Não tinha mais como adiar. Não tinha mais enrolação. Era agora ou nunca. E nenhum dos dois sabia como começar. Isso criou um silêncio triste que durou até o momento em que o número do voo dele foi dito no alto-falante. Como se acabassem de ter sido acordados pelo mais estridente dos despertadores, começaram a se abraçar de modo preocupado.

– Diga a Rogério que eu mandei tchau - pediu Luís, apertando Victória contra ele - E que... Ele é um babaca.

– OK - concordou ela, tentando rir e não cair no choro - Então, acho que isso é uma despedida.

Olharam um para o outro e deram vários e vários beijos rápidos. Não tinham nem se afastado, mas já doía.

– Não se esqueça de mim - implorou ela, no ouvido dele.

– Impossível, minha linda, impossível.

"Última chamada, voo 4229, com destino a São Paulo".

– Eu odeio essa mulher - disse Victória - Seja lá quem ela seja... Não quero dizer tchau.

– Acabou de dizer - brincou ele, soltando a garota - Tenho que ir.

– Eu sei.

– Tchau - sussurrou Luís.

– Tchau - ela fez o mesmo, e soltou finalmente a mão dele.

Depois de tantas horas conversando, foi realmente estranho estar num ambiente sozinho, e isso valeu para os dois. Depois de entrar no avião, Luís demorou para achar seu assento, por falta de concentração. Ao se sentar, o desenho da Victória caiu no chão. Ele não notou, estava preocupado demais pensando na morena dos seus sonhos.

Esta estava olhando para um besouro pequeno que pousara em sua perna. Iria esperar o avião dele decolar, porém achava a cena deprimente demais. Foi até o carro de Rogério com passos de zumbi.

A tristeza dos dois foi logo substituída por uma nostalgia misturada com alegria. Sentiam-se completos como nunca antes. Por mais que a saudade ardesse, não havia arrependimentos. Foi a noite perfeita, o romance perfeito. E eles não trocariam isso por nada no mundo.

Quando Luís percebeu o papel no chão, o avião tinha acabado de decolar, e ele estava tentando fingir segurança. Ao abrir, a surpresa atingiu-lhe em cheio, e um sorriso tomou seu rosto. O talento da menina foi a primeira coisa que lhe chocou, mas logo sua atenção foi desviada para o recado escrito:

"Prometa que não vai esquecer dessa noite, porque eu tenho certeza que não esquecerei. A imagem de você sorrindo, o som da sua voz dizendo meu nome, o movimento com as mãos que você faz quando está nervoso: tudo está gravado em minha mente. Obrigada pela melhor noite. Não se meta em confusões. CONVERSE COM SEU PAI! Fique na paz. Com amor, Victória. PS.: Eu sei que concordamos em não nos envolvermos, em ser um caso de uma noite e toda essa baboseira mas... Quando você visitar o Rogério novamente... Sei lá... Não esqueça de passar e me dar um oi. Adeus, garoto de preto. Você foi o melhor sonho acordado que eu já vivi."

– E você foi o meu - disse ele, sozinho - E você foi o meu.

Fechou os olhos e descansou com uma realização que poucos sentiram. O sorriso estampava seu rosto e não tinha previsão de saída.

Naquele momento, Victória estacionara o carro de Rogério na frente da casa deste. Por coincidência, o garoto passava, com um saco de lixo nas mãos. Depois de colocá-lo no chão, assobiou para a garota.

– Bom dia, dorminhoco - disse ela, jogando as chaves para ele - Obrigada por emprestar.

– Nem lembro de deixar - riu ele -, mas OK. De nada.

– Seu primo mandou tchau. O avião dele deve estar nos ares agora.

Rogério colocou a mão na testa como se estapeasse.

– O Luís! Ai, que merda, prometi que iria com ele!

– Relaxa, eu fui no seu lugar. Ele não se incomodou.

O ruivo sorriu com perversão.

– Hm, claro que não se incomodou - e soltou uma gargalhada alta. Victória aderiu ao riso - Então posso dizer que sua noite foi boa?

Não tinha uma resposta melhor do que resposta alguma. Levou um sorriso à boca e virou as costas, deixando Rogério na calçada. Ele entendeu o recado.

Se a noite tinha sido boa? Ha! Boa é pouco.


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