Sobrevivência do mais forte. escrita por Léo Veronezi


Capítulo 21
Capítulo 21 - Completo.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/512302/chapter/21

O cômodo estava frio. Inquieto. Solitário.
Tanatos levou algo com ele quando saiu do chalé 13. Ou talvez tenha deixado muita coisa para trás.
Me levantei do chão e apoiei-me na parede de ferro estígio, estava tão fria a ponto de congelar meus dedos. Respirei fundo e sentei em minha cama. E então tudo que havia acontecido nessa madrugada me atingiu fundo, senti meu ar se esvaindo e meus olhos queimando. Minha mente estava num turbilhão, repassando tudo que havia acontecido: Os inúmeros meio-sangues mortos e feridos, Catheryne morta, Simon morto, Du atingido por um raio, herdeiro do deus da Morte... Nada parecia fazer sentido, minha cabeça doía tanto que minha visão oscilava e meus olhos escorriam lágrimas de dor e fraqueza.

Depois de alguns minutos controlando a respiração, fui ao espelho e encarei meu reflexo. Olhos mortais e vazios me encaravam de volta. Diversos cortezinhos no rosto ainda estavam um pouco acentuados. Baguncei meu cabelo, coloquei novamente minha armadura, coloquei Umbra na bainha e atravessei a gigante porta do chalé de Hades.

O dia amanheceu de luto por nossos familiares perdidos, cinza, frio e leves pontadas de água riscavam o céu aqui e ali. Era como se os deuses tentassem explicar o luto deles por nós. Mas afinal... Será que eles se importavam mesmo?

Segui em direção à clareira da fogueira, como pedi a Percy, havia um grande círculo em volta da fogueira dos campistas sobreviventes. Todos rostos contorcidos pelo choque de realidade. Ausentavam-se apenas Stephan e Cassandra, que estariam cuidado de Du. Todos ainda trajavam seus equipamentos. Armas e armaduras, prontos para caso Pettrick voltasse e tentasse nos atacar novamente. Quando cheguei adentrei o círculo Percy dirigiu seus olhos a mim e assentiu. Subi ao palco que servia para os conselheiros decidirem as missões pros campistas novatos. O murmúrio de conversa parou e todos me encararam.

—Sei que muitos de vocês perderam pessoas importantes hoje. Desejo minhas condolências aos filhos de Afrodite por Catheryne, amiga que será eternamente lembrada como campista, não como traidora. Aos filhos de Ares por Simon, que lutou até ultrapassar seu limite pelo ideal que acreditava, pela proteção do acampamento. E principalmente, a todos os semideuses que morreram e mataram pelo nosso lar. – Minha voz saia como um lamento, mas felizmente, firme. Todos suspiravam e continuavam me olhando, talvez esperando uma notícia boa ou uma pior ainda. Respirei fundo e continuei. – Vocês não devem se culpar pelos que morreram enfrentando aqueles que buscavam nossa destruição, devemos honrá-los e continuar protegendo esse acampamento com nossas vidas. Mas antes de tudo isso, gostaria de queimar algumas mortalhas pelos nossos amigos. – Dito isso, alguns minutos depois, juntamos todas as mortalhas, de todos os chalés e a reunimos no centro da fogueira. Com um pouco de concentração, fiz uma chama negra surgir no centro das mesmas e observamos elas devorarem os tecidos de forma lenta, quase sufocante. – Eu queria dizer que temos um plano, mas não, não temos um. Perdemos muito hoje e sei que muitos não aguentam mais lutar, mas precisamos nos manter firme. Somos em trinta campistas, é óbvio que eles são em maior quantidade, mas temos uma coisa que esses malditos não tem. Temos um motivo pelo qual lutar. Temos um lar pelo qual zelar. Temos pessoas pelas quais morrer. Afinal, a vida nos oferece quatro sentidos: Amar, lutar, sofrer e vencer. Quem ama, luta. Quem luta, sofre. Quem sofre, vence. Por tanto, devemos amar muito, lutar sempre e sofrer pouco! Então meus amigos, meus colegas, meus primos e acima de tudo, meus irmãos, obrigado por estarem aqui comigo! -
Todos responderam com gritos e olhares determinados cheios de lágrimas. Percy subiu no palco e ficou ao meu lado. Quando os gritos silenciaram, Percy começou:
—Vocês conhecem o tratado de William. Há apenas mais dois a serem enfrentados. O filho de Deimos e o próprio filho de Zeus. Nesse meio tempo, os conselheiros se reuniram para discutir a nova aparição no campo de batalha. Uma garota sentada em uma cadeira de rodas, que não se move e nem fala nada. Acreditamos que ela venha ser uma arma secreta de Pettrick caso as coisas saiam do controle. O que eu quero dizer é que, vamos seguir o tratado de Pettrick a risca.— Sons de protestos saíram no instante que ele terminou de falar. Eu queria discutir com ele também, mas eu sabia que ele estava correto. Apenas ele poderia derrotar Pettrick e Marilyn derrotaria o filho de Deimos.

—Ele está correto. Percy Jackson irá enfrentar William Pettrick e eu, Marylin Franchini irei enfrentar Arthur Panic Oliver. Isso está decidido sem mais argumentos. Vocês irão ficar prontos para caso algo de errado. – A conselheira de Zeus disse, silenciando o ar como uma onda de eletricidade. Seus olhos faiscavam e o tom de ordem foi bem estipulado em suas palavras. Todos concordaram e Percy agradeceu Marylin com uma expressão preocupada. Afinal, os dois tinham o futuro do acampamento nas lâminas das espadas.

Depois de meia hora, os campistas voltaram para suas tarefas ajudando os feridos e organizando provisões. A hora do “café da manhã” chegou e comemos pão com manteiga e café que Annabeth fez, o qual ficou maravilhoso e desceu muito bem vindo por minha garganta. Nick encostou na garota, Corujinha, e tirou um cochilo. Os conselheiros que não estavam feridos haviam tomado postos avançados para ficar de vigia caso algo acontecesse. O resto que havia conseguido tirar uma folguinha de tudo aquilo, encostava em pedras ou deitava-se na grama molhada e dormia. Enchi outra caneca de café e me dirigi a tenda onde Du estava em coma. No caminho passei por Ju, que também estava dormindo na cama da enfermaria, encontrei Jhon e Anna conversando na maca da filha de Dionísio, em geral, os que restavam estavam bem. Menos Du.
Quando cheguei em sua maca, seu rosto estava enfaixado por diversas bandagens, assim como o resto de seu corpo. A armadura que outrora fora quase indestrutível, estava aos pedaços do lado da maca. Cassandra e Stephan cuidavam e rondavam o conselheiro como corujas. Onde deveria estar seu braço direito, havia apenas um toco que parava antes do cotovelo. Relembrar da cena fez meu coração apertar e perdi o folego. Pousei a caneca de café na cabeceira ao lado da maca e sai da tenda para fumar um cigarro.

O dia foi passando, cada vez mais devagar... Minuto por minuto... hora por hora... O cinza dominava o céu e nem um único raio de luz perfurou as espessas nuvens que ali haviam. Fui pego em meio ao meu devaneio por Rezende, que pousou sua mão paterna em meu ombro e sentou-se ao meu lado na grama úmida. Olhou para meu cigarro e fez uma careta. – Você sabia que um dia isso vai acabar te matando, não sabe? – Olhei de volta para ele e ri.

—É claro que sei, já não basta esses malditos avisos atrás nas embalagens. – Ele continuo me olhando com uma expressão preocupada. Talvez seja uma característica dos filhos de Poseidon, se preocuparem com tudo e com todos, sempre desejando o bem-estar alheio. Queria eu ser assim. Ou talvez não.
—Imagina que ridículo, você, um filho de Hades, talvez um dos mais fortes que irão vir a existir, dentro de um caixão por causa de um cigarro? Seria uma piada para os séculos. – Contraveio o garoto. Miguel já não era mais alto que eu, apesar do tempo ter passado para ambos, ele ficou mais forte e eu maior. Um grande guerreiro.

—É, acho que não iria muito se encaixar no perfil de um herói. – Respondi olhando para o cigarro. Dei mais alguns poucos tragos e descartei o mesmo olhando para os lados, Annabeth me mataria se me visse fazendo isso.
—Ei, Leo... Sei que muita coisa aconteceu do nada, sei que é cansativo. Mas queria te agradecer pelo que fez lá atrás, na fogueira. Eles vão ser lembrados. Cada um deles. E vamos lutar com nossas almas quando nossos corpos caírem. – Assenti e nos abraçamos. Sempre gostei de me sentir só no mundo mundano, mesmo hoje ainda gosto disso, mas felizmente há poucas pessoas que me façam desejar não estar só. Du... Não desista de tudo.
—Re, eu preciso te falar algumas coisas... Você percebeu que todo o acampamento virou de ponta cabeça, justo quando cheguei? O que, fiquei uma semana aqui e do nada William Pettrick declara guerra a nós? E se talvez... eu nunca tivesse voltado? Todos estariam vivos ainda, todos. Será que tem algo a ver comigo nisso tudo? – Meus pensamentos me assolavam, eu não podia conta-lo sobre Tanatos e nem sobre o Anjo que eu vi antes da batalha. Rezende olhou para mim e sacudiu a cabeça incrédulo.

—Realmente, como não pude pensar nisso! Você, Leonard Veronezi, é o centro do caos e do mundo. Tudo que está a sua volta está condenado a sumir! Pelo amor dos deuses, Leo! Pare de falar besteira. Eu fico grato por ter um guerreiro como você entre nós em tempos assim. Nada disso é culpa sua. – Eu o olhei com certa gratidão e reparei que usava um relógio, um que eu nunca havia reparado.

—Que relógio é esse? – Ele se virou e encarou o relógio por longos segundos, depois se virou para mim e disse:

—Bem, esse relógio, ele é bem antigo, bem antigo mesmo. Meu Tataravô deu pro meu bisavô, que deu pro meu avô e minha mãe passou pra mim. Aliás, quando ela me deu, ela me disse algo que nunca esquecerei: “Eu lhe dei um mausoléu de toda esperança e desejo. Que irá atender todos seus desejos pessoais melhor do que fez por mim, ou fez pelo meu pai. Eu lhe dou, não para que lembre do tempo, mas para que se esqueça por um momento, de vez em quando, e não perca o fôlego tentando conquistá-lo.” –

Refleti sobre aquilo por longos minutos, no silêncio do bosque, no vento frio arrastando-se pelo meu rosto, ruídos quase mudos no lago e murmúrios bem ao fundo. Fechei meus olhos e me concentrei em mim. E então, pude senti-lo. Um leve vislumbre do que quer que esteja adormecido dentro de mim. Algo poderoso e sombrio. Tentei convocar aquela força lá de dentro e... Alguns segundos depois, minha cicatriz no meio do peito, a grande benção de Hades, começou a se retorcer. Meus músculos enrijeceram e tombei para o lado, agonizando com tudo ardendo naquela região. Rezende rapidamente começou a soltar as tiras da minha armadura e livrou-me do peitoril de ferro negro. Percebeu que o que estava a me fazer agonizar era algo no meu peito e arrancou minha camisa. Mesmo eu tentando esconder, ele segurou minhas mãos e olhou espantado para o símbolo que englobava meu tronco inteiro. Ele não podia fazer nada. Logo minha visão embaçou e tudo se apagou.

Quando abri os olhos, me vi encarando a escuridão eterna. Tudo ao meu redor estava preto e não havia qualquer sinal de luz. Sentia frio. Medo. Eu sentia que devia me desculpar com algo ou alguém, mas não sabia o que. Alguns segundos depois, uma sombra foi se convergindo com outras e de lá saiu meu pai, Hades. Ele não tinha a mesma expressão de mais cedo quando conversamos. Ele estava irritado e com uma careta no rosto.

—Pai...? – Minha voz saiu falha e aguda, eu sentia medo e desconforto. Como se não pudesse me ouvir, veio andando em minha direção com o andar irritadiço. Quando chegou a mim, me ergueu pelo pescoço, o espanto não deixava eu me mover. Hades arrancou minha camisa e encarou o símbolo que o mesmo havia implantado ali. Mas algo estava errado. Ele estava furioso com o que via. Seus olhos negros cheios de desprezo se dirigiram a mim e baixei minha visão para marca. Não havia nada de diferente nela, a mesma chave dos portões do Inferno, um traço que se dividia em dois tortos englobando um círculo no meio. Porém, havia algo novo. Duas asas saiam do primeiro traço. Eu não sabia o que aquilo significava, mas com certeza enfurecia meu pai.
—Você sabe o que isto significa, mortal? – Sua voz saiu como duas lâminas enferrujadas raspando uma na outra. Por entre os calafrios, balancei minha cabeça. Então sua expressão suavizou e soltou-me. Cai de joelhos naquela massa escura em busca de ar. –Que isso continue um mistério então. Não evoque esse poder que dorme em você novamente ou teremos problemas. – Com essa última frase, tudo embaçou novamente e apaguei.

Acordei na tenda médica do acampamento, a luz que entrava pelo pano quase cegava-me. Aos poucos fui tentando me sentar, meu corpo inteiro doía. Quando me acostumei com a claridade, vi que haviam alguns conselheiros conversando a alguns metros de mim. Annabeth, Dan, Percy, Marylin, Cassandra, Giu e Pietro. Provavelmente Stephan não havia sido convidado para discutir de assuntos mais importantes, Du e Anna estavam de cama. Giuliana Missluani reparou que eu havia acordado e veio em minha direção. Seu rosto continha alguns cortes e sua armadura alguns buraquinhos, é claro que ela se mantinha linda.

—Ei, Leo? Está melhor? Miguel nos contou o que houve... precisamos falar sobre isso também. – Ela apontou para meu peito nu onde jazia a marca. Sua voz invadiu meus ouvidos como uma melodia, eu sabia que ela estava usando o charme de Afrodite, mas também percebia a preocupação na voz. Assenti levemente e tentei me levantar, minhas pernas estavam fracas e meu corpo suado. A mão da conselheira apoiou-me e fui sendo carregado até a mesa que os outros conselheiros estavam, todos me encarando com um tom de curiosidade em face. Assim que me sentei, Percy deu início.

—Leo, sabemos que todos temos segredos e tal, mas isso ai é algo um pouco sério demais para se guardar. Precisamos saber o que exatamente é isso e como foi que você a conseguiu. Obviamente, podemos perceber que é uma marca de Hades, mas por quê? – Respirei fundo e contei toda a história daquilo. Como Hades havia vindo antes da batalha e me dado tal dom, como ele funcionava e dos limites que me proporcionava. Contei também da dor que havia sentido mais cedo quando tentei aprofundar esses poderes. Falei sobre o sonho que havia tido e das novas asas que saiam da tatuagem. Quando terminei, todos pontuavam sobre aquilo tudo e encaravam a mesa.

—Bem, isso é bastante complicado. Cuidado com esse poder, Leo. Se usá-lo pode significar a sua morte, é melhor deixa-lo dormindo. Ainda mais na situação que nos encontramos. Precisamos de você, talvez mais do que nunca. – Annabeth nunca havia dito algo parecido, eu sentia que ela realmente se preocupava com meu bem-estar e isso me animava. Seus olhos cinzas me estudavam, ela sabia que eu guardava algo mais. Não havia dito sobre Tanatos ou sobre o anjo do outro dia. Ela respirou fundo e continuou. – Enfim, essa não é a única coisa que queremos tratar com você. Bem... você sabe do estado de Edward, não sabemos quando ele vai se recuperar ou... ou se vai se recuperar. Até lá, precisamos de alguém que tome decisões pelo seu chalé. Apenas há você e seu irmão que são filhos de Hades no acampamento, então fizemos uma votação para que você se tornasse conselheiro por tempo indefinido. A decisão foi unanime. Na verdade, só Marylin não concordo. Só precisamos saber se você quer aceita-la. – Minhas mãos suavam e meu corpo tremia, não de cansaço ou medo, mas de ansiedade. Reparei que todos me olhavam com certa expectativa e não pude recusar o cargo. Eu precisava aceita-lo. Por Du. Por Nick.
—Isso seria cômico se não fosse trágico, Annie. Você? Annabeth Chase, convocando a mim para se tornar membro da elite do acampamento? Um jovem tão irresponsável? Não perderia isso por nada. É claro que aceito o cargo. Juro proteger esse acampamento com minha vida. – Todos abriram sorrisos cansados, porém reais.
—Ótimo, então está decidido e podemos continuar com a segunda parte do plano. – Disse Pietro. –Como você sabe, William Pettrick irá voltar dentre algumas horas para continuar o ataque, que só irá cessar caso derrotemos ele e seu último comparsa. Infelizmente, sabemos que Pettrick não irá dar a vitória assim tão fácil caso se sinta encurralado e suas forças são superiores às nossas. Então, estamos bolando um plano. Thalia e Frances já estão se preparando para a primeira parte, que será executada assim que Percy derrotar Pettrick. Elas saíram do acampamento e foram convocar o máximo de caçadoras que puderem nesse meio tempo, lá vão iniciar um ataque sorrateiro pelos flancos do exército renegado. Não podemos esperar total êxito nisso, portanto eu, Giu, Dan e Cassandra vamos com elas daqui alguns minutos. A segunda parte é simples, assim que Pettrick furar o contrato ou Percy mata-lo, os demais vão atacar diretamente os renegados. De frente. Sabemos que pode ser um ataque suicida se não for bem calculado com o ataque flanqueado, mas temos que tentar. Não é algo elaborado, mas talvez seja a única esperança. – Ele encerrou com todos absorvendo os fatos, porém confiantes.
—E se ele cumprir com sua palavra e quando derrotado não agir? Estaremos derrubando sangue em uma bandeira branca. – Marylin interveio.
—Sinceramente... Você acha mesmo que ele vá cumprir algo que disse? – Cortei meio irritado. Os olhos azuis da garota fuzilaram meu rosto e a tensão na pequena tenda começou a aumentar.
—William Pettrick, traidor ou não, é meu irmão. E é filho de Zeus. Nós somos leais ao que dizemos. Conheço Will.  – Encerrou de forma que evitasse argumentos. Porém, isso nunca me impediu de continuar alguma briga.
—Realmente seu conhecimento tem sido de grande ajuda, com toda a certeza do mundo você conhecia Pettrick o suficiente pra dizer que ele se viraria contra sua família e mataria milhares de nós. Com certeza, seu irmão, O filho de Zeus, é digno de confiança após ter matado Simon, Lance, quase matado Dan e Du. Faz sentido, Franchini. – Soquei a mesa enquanto falava. Pettrick, aquele traidor miserável que acabou com minha casa, está sendo protegido por sua irmã que sempre arrumou o que ele bagunçava.
Marylin levantou num solavanco, derrubando a cadeira em suas costas. Seus olhos faiscavam e sua espada estava em mãos. Acompanhei o movimento e Umbra saltou para minha mão. Se ela queria uma luta, ela a teria.
—Pelos Deuses! Vocês são idiotas? – Disse Pietro expressando o que todos pensavam em palavras. – Já temos inimigos o suficiente lá fora, é inadmissível que nos viremos uns contra os outros. Por favor, abaixem as armas e sentem. Leo, não faça voltar atrás de minha decisão agindo como uma criança. – As palavras me pegaram em cheio, ele tinha razão. Não havia motivo real para cruzar espadas com a filha de Zeus. Marylin também pareceu um pouco constrangida e embainhou sua lâmina.
—O que estou querendo dizer, Marylin, é que Pettrick deixou de ser quem um dia foi. Minha primeira missão foi com ele, quando eu ainda era um novato. Talvez não o conheça como você, mas neste momento, nenhum de nós o conhece verdadeiramente. – Vi a calma invadindo a pequena tenda e o clima tenso se dissipando. Ela baixou os olhos vencida, algo realmente muito difícil para um filho de Zeus. Dessa vez, foi Percy que deu continuidade à reunião.
—Então só podemos supor o que Pettrick faria logo em seguida do combate. Aliás, eu não sei se o venceria num duelo um a um, posso ser considerado um dos melhores esgrimistas do nosso tempo, mas Pettrick também é muito bom. – A dúvida do filho de Poseidon gerou grande incômodo em todos da sala. Percy era visto como o grande herói, aquele que enfrentou Ares e o venceu, aquele que viajou pelo Mar de Monstros, aquele que foi ao inferno e voltou, que desvendou muitos segredos do labirinto, o comandante da guerra contra Cronos em Nova York. Aquele mesmo rapaz de vinte e tantos anos já havia realizado tantos feitos que era considerado uma lenda. A incerteza de seu futuro era algo terrível para todos do pequeno comitê. Principalmente para Annabeth.

—Eu confiaria minha vida a você, Percy. – Disse Cassandra. –Aposto que você é capaz de vencê-lo. De qualquer maneira, talvez você seja o único capaz de pará-lo. – Seus olhos verdes demonstravam um ímpeto de energia que foi compartilhado para todos da sala. Alguns minutos depois, discutimos sobre estratégias e formas de contornar qualquer situação que saísse do controle. O pequeno comitê de guerra se dividiu e voltou para suas devidas cabanas. Eu havia sido designado para ficar de vigia nas próximas horas, já estava muito escuro e minha visão noturna seria de grande vantagem.

Tudo continuava calmo, a não ser pela incessante mobilização dos heróis que vagavam de lá pra cá limpando armaduras e armas, distribuindo comida e medicamento ou até mesmo perdidos em pensamentos. Todos exibiam a mesma expressão dos dias anteriores, confusos e cansados, mas um brilho de determinação era emanado do olhar de todos.
Cheguei ao posto de vigia e examinei o local. Ficava ao oeste do acampamento e muitos dos pinheiros que cercavam a campina estavam com uma aparência doentia. A grama ainda se mantinha um pouco congelada em certos pontos, por conta do confronto com o filho de Quione.

A pequena clareira era aberta o suficiente para o ar frio da noite passear pelo ambiente. O frio era bem-vindo, aquela armadura esquentava meu corpo demais. Acendi mais um cigarro e fiquei olhando para o horizonte, onde podia-se ver pequenos pontos luminosos por dentro da neblina. O acampamento dos Renegados. Então, uma ideia louca surgiu em minha mente. E se, eu fosse até lá e tentasse destruir o máximo de renegados possíveis? Com certeza eu criaria uma grande desvantagem para os mesmos, um ataque surpresa, no meu terreno, no meio da noite. Eu não sairia vivo, mas não levaria menos de cinquenta e muitos mantimentos comigo. O cigarro chegava ao fim e seu êxtase invadia minha mente. Minhas mãos coçavam para agarrar Umbra e rasgar a noite. Meu coração acelerava. Então levantei e coloquei meu elmo. Comecei a cruzar a clareira em sentido do acampamento. Mas fui impedido por um calafrio e senti algo em minhas costas.
Meu coração perdeu o passo e desembainhei Umbra para me defender de um golpe esmagador que visava minha nuca. Com um giro, minha espada colidiu com algo sólido. Um grito de espanto saiu em sequência do atacante. O assassino não me era conhecido, mas tinha olhos castanhos e utilizava a armadura prateada dos Renegados. Era o bastante para mim. Com um toque, utilizando a força da base da espada, girei minha lâmina que ainda sofria pressão e rodei meu pulso, entrando com a ponta de minha espada próxima à mão do mesmo. Com a conclusão da manobra, a espada do Renegado foi atirada de sua mão e caiu inutilizada no chão. Umbra tocava o pescoço do garoto e a joia em seu cabo clamava por sangue.

—Ajoelhe-se. – O garoto suava frio e tremia. Levou as mãos à cabeça e dobrou os joelhos. Talvez em meio aos meus pensamentos, eu não tenha prestado atenção nos pequenos avisos que as sombras me dão quando alguém se aproxima. Ou um feitiço tinha tirado minha concentração? Preciso aprender a clarear minha mente. –O que faz aqui? Espero que me responda sem enrolação ou resistência, tenho certeza de que não seria bom para você. – Utilizei minha aura de medo para influenciar o garoto, mas talvez não fosse necessário.

—Me-e-eu senhor, por favor, poupe minha vida. Não sabia que estava lidando com um filho de Hades, seja misericordioso e poupe minha vida. – O menino gaguejava. O termo “senhor” me pareceu estranho, mas lembrei que no mundo de Pettrick, havia uma hierarquia entres os semideuses. Talvez o garoto fosse um filho de Hermes. – Eu fui ordenado a rondar as patrulhas e tentar assassinar qualquer um que parecesse distraído o bastante pelo feitiço que existe no acampamento de meu lorde. – Aquilo havia me intrigado.
—Um feitiço? Que tipo de feitiço e realizado por quem? – Questionei pressionando mais ainda minha lâmina em sua traqueia. O garoto quase clamava por sua vida, mas aquilo me dava certo... Prazer?

—É feito pela filha de Hécate, Gabryelle Siniz. A maga que vive presa na cadeira. O encanto tem como efeito atrair qualquer semideus de qualquer forma para o acampamento. – Seus olhos demonstravam espanto. Ele sabia mais. Eu tinha certeza disso.

—Vamos, não hesite em dizer tudo ou qualquer coisa que poupe sua vida. – Ainda mantendo Umbra em mãos, comecei a rodear o Renegado. Ele negava e implorava, dizendo que era tudo o que sabia. Então, algo aconteceu. Seus olhos tomaram uma cor púrpura e uma voz estranha e estrangulada saiu da boca do garoto.

Cuidado, filho da Escória. Temos olhos em todos os lugares, espero que volte logo para seu acampamento e aguarde seu destino como o verme que é. – A voz me incomodava mais do que qualquer coisa, tapei meus ouvidos, mas ela continuava em minha mente. Aquele chiado me levaria a loucura. –Rápido, pequeno rato. Corra. Corra. Corra. Talvez precisem de você. Nick? – Um grito veio logo em seguida ao nome de meu irmão. Uma onda de fúria se apossou de meu corpo e girei Umbra mais uma vez, decapitando o Renegado. Instantaneamente, a voz sumiu e o vento frio congelava-me por causa do suor. Umbra estava banhada em sangue e a cabeça do garoto jazia sobre a grama. Havia gotas de sangue em minha armadura e meu rosto. Olhei para o rosto sem corpo e senti-me estranho. Não triste, não mal, não feliz, não bem.

Me sentia completo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sobrevivência do mais forte." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.