InFamous: A Tirania de Rowe escrita por Thuler Teaholic


Capítulo 21
Semper Fi


Notas iniciais do capítulo

Ai ai, esse aqui foi dos diabos.
Meu maior capítulo até então, dedicado à mim, Lukas, Caio, Marina, e, principalmente, Thaisa.
Acho que vocês vão curtir, e muito.



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Yasmine secou a fina camada de suor em sua testa com um suspiro.

— Onde você aprendeu a fazer isso? — Perguntou para Mariana.

— Na vida, — A condutora de água limpou os cantos da boca com o polegar direito. — Onde mais poderia ter sido, Lady Moralez?

Lady Moralez fechou os olhos, tentando estabilizar seus batimentos cardíacos enquanto bolava uma resposta suficientemente infantil para rebatê-la.

— Todas as garotas lá da Flórida fazem isso? — Questionou, enquanto corria os dedos um pouco trêmulos pelo cabelo em desalinho.

Mary ergueu uma sobrancelha e apoiou as mãos nos quadris. — E o que te faz pensar que eu vim da Flórida? — A expressão presunçosa foi dolorosamente semelhante a de Hugo enquanto este ensinava química a Yasmine. “E o que te faz pensar que o carbono não é importante? É por causa dele que estamos todos aqui, vivendo, amando e matando uns aos outros!” Química sempre foi um ponto de pressão para Hugo, talvez pelo fato dele conduzir a química, explodindo, congelando, derretendo, criando correntes elétricas apenas com sua força de vontade.

Não, com minha força de vontade E com a química.”

“Se a química é tão incrível, por que você não leva ela pra cama e faz amor com ela?” Fora a resposta dela.

— Terra para Yasmine. — A voz da condutora de água a tirou de seus devaneios. — Responda minha pergunta.

— Ah, sei lá. — Arrependeu-se um pouco de fazer aquela pergunta. Geralmente, um condutor evitava perguntar sobre o passado de outro. “Quando se é um ser poderoso e egomaníaco, assim tendem a ser os demônios de outrora.” Dissera Lee, à uma era atrás. Ele sempre foi o mais poético entre os três, o que se dava melhor com as palavras, a menos que estivesse bêbado ou drogado.

Será que o condutor de fumaça iria imaginar algum dia que se tornaria um dos demônios de Yasmine?

— Você está tão dispersa hoje. O que está havendo? — A condutora de água resgatou Yasmine novamente de seus pensamentos mórbidos.

— Nada, eu só estava pensando. — Disse enquanto prendia o cabelo em um rabo de cavalo.

Mary sorriu de forma maldosa. — Pensar nunca foi muito sua coisa, isso é verdade.

Dessa vez, decidiu não trocar farpas com a condutora.

— Você ainda não respondeu minha pergunta...

— Tá! — Agitou os braços, exasperada. — Eu pensei que você veio da Flórida por causa da sua cor e do seu sotaque.

A sobrancelha voltou a se erguer. — Minha cor?

— Sim. Sua pele é mais escura que a minha, então, achei que você veio do sul; porém, é mais clara que a da Jullie ou do Loup, então você não poderia ser da Lousiana; além do mais, você sente muito frio, então teria de ser de um lugar quente.

A testa de Mary estava levemente franzida, como se estivesse se esforçando para acompanhar o pensamento de Yasmine. — Ok, continue.

— E seu sotaque, você sempre pronuncia todas as sílabas, ao invés de amarrá-las como todos fazem. Eu nunca ouvi nada parecido, então imaginei que teria de ser de um lugar quente, ao sul, de onde eu não conheço ninguém, então: Flórida.

Um sorriso, dessa vez discreto, enrugava os cantos da boca de Mary. — A equação não está de todo errada, mas você esqueceu de um elemento muito importante. — Ergueu o indicador. — Minha idade.

Foi a vez de Yasmine de franzir o cenho. — E por que sua idade seria importante?

— Vou responder com outra pergunta. — A condutora de tinta revirou os olhos. — Quantos anos você acha que eu tenho?

Era impressão de Yasmine, ou a pergunta soou como uma pegadinha?

— Vinte? — Arriscou. A diferença de idade entre elas não poderia ser muito grande.

— Mais.

— Vinte e cinco?

—Mais.

—Não pode ser mais do que trinta. — Balançou a cabeça, descrente. — Você é muito jovem!

— E seu eu dissesse... — Segurou o próprio queixo, como se ela mesma arriscasse um palpite sobre a própria idade. — Não sei, talvez... trinta e cinco?

— Não pode ser. — Mary devia estar tirando uma com a cara dela. — Sua pele, seu cabelo, seus olhos. É tudo muito jovem para você ter mais do que trinta, quem dirá trinta e cinco!

— Olha, Rainbow. Eu estou sempre drenando vapor d’água no ar, sem falar que eu bebo água que nem uma filha da puta.

— É, isso eu sei, mas...

— Mas... — Mary cortou. — você já me viu ir mijar alguma vez?

Não é de se surpreender que a condutora de tinta nunca havia pensado nisso.

— Eu sempre uso toda a água no meu corpo, e depois, filtro ela nos meus rins e a uso para hidratar minha pele, de dentro para fora. — Jogou o cabelo. — Não te surpreende nem um pouco o fato de eu ter cabelos tão maravilhosamente cacheados e volumosos? A natureza nunca faria um ser tão bonito.

É, a lógica parecia inegável, tirando por uma coisa.

— Mas...

— É por isso que eu tenho trinta e cinco, mas pareço ter vinte. — Aparentemente, ela não estava afim de discutir sobre seu metabolismo fisiológico por mais tempo. — Agora, o fato de eu ter trinta e cinco abre um leque de possibilidades, não abre?

Yasmine estava um pouco atordoada, então, não conseguia encaixar isso muito bem em sua equação.

—Vamos, Rainbow, você consegue. — Ela estava apoiada nos joelhos de Yasmine e inclinada para frente, esperando pela conclusão da condutora de tinta.

E, depois de três minutos, a conclusão veio.

— Você é de antes da guerra... — O cenho nunca estivera tão franzido. — Então, pode ter vindo de qualquer lugar no mundo.

Mary estalou os dedos. — Bingo! — Ela parecia orgulhosa com a conclusão de Yasmine. ­ — Você esteve certa em dizer que eu vim do sul, mas quão ao sul você não tinha como saber.

— E quão ao sul seria? — A curiosidade de Yasmine havia sido atiçada.

—Muito para essa sua cabecinha. — Deu uns tapinhas no topo do crânio de Yasmine. — Mas eu venho de uma cidade chamada São Paulo, onde só existem duas coisas pra se conduzir: Chuva e fumaça. — A expressão de Mary era quase saudosa. — Não me lembro muito bem de lá, mas sei que meus poderes se revelaram quando eu tinha só três anos, aí meus pais me trouxeram pra cá, para que eu fosse estudada, curada, ou sei lá.

Depois de uma pausa breve, prosseguiu.

— Acontece que, naquele mesmo ano, um certo condutor causou uma confusão e tanto lá pelos lados de Seattle. Todos foram convidados a fugirem do país, mas o DUP não deixou que meus pais me levassem por eu ser considerada uma “ameaça bioterrorista”. Mas, cá entre nós, não acho que eles tentaram muito.

Yasmine estava pensando no que dizer quando Mariana se levantou.

—Depois eu aceito seus consolos. — Ela lhe ofereceu a mão. — Vamos, é meia-noite e está frio.

A condutora de tinta aceitou a mão da parceira, porém, enquanto levantava, foi golpeada por um cheiro forte e cáustico que ardeu em seu nariz e em seus olhos.

— Argh! — Cobriu a boca. — Sente esse cheiro?

Mariana não pareceu ouvir, seus olhos observavam por cima dos ombros de Yasmine, refletindo um brilho alaranjado. Yasmine girou nos calcanhares bem a tempo de ver uma infinidade de bolas de fogo subir na direção do céu, vindas de todos os pontos da cidade, banhando-as em uma luz âmbar e quente. Enquanto subiam, todas zumbiam em um coro ensurdecedor de chiados que lembrava o som de gotas de água caindo em uma frigideira quente.

Todas subiam, subiam, subiam, aparentemente agrupadas em grupos de três, avançando na para cima e deixando longas caudas de pó atrás de si, como cometas.

— Nossa Senhora de Aparecida... — Mariana sussurrou, assustando Yasmine.

A jovem se virou para fitá-la, os olhos da condutora de água estavam vidrados em um trio de pequenas esferas brilhosas.

— O que foi? — A voz de Yasmine saiu desafinada. — Mary, o que são aquelas coisas?!

Mariana segurava os ombros de Yasmine com firmeza, fazendo seus olhares se encontrarem.

— Eu te protejo, não se preocupe. — O pânico na voz de Mary era de cortar o coração.

— Mariana, o que raios...

— Eu não vou deixar eles te pegarem, nem que me mate, não vou deixar...

— MARY, O QUE ESTÁ HAVENDO!? — Lágrimas de confusão brotavam nos olhos de Yasmine.

— Eu já vi aquilo antes, eu sei o que vai acontecer. — Mary roubou um beijo desesperado de Yasmine, fazendo a confusão se inflamar. — Eu te adoro, Rainbow, eu vou te proteger, eu juro por Deus que vou!

Mariana flexionou os joelhos e abriu os braços e as mãos, por onde a água começou a jorrar e formar uma grande bolha ao redor das duas, envolvendo-as em um casulo líquido.

— O que está acontecendo? — Yasmine perguntou quando conseguiu reunir juízo o bastante para ordenar as palavras na sequência correta.

— Infames estão nos atacando, aqui e agora, temos apenas alguns segundos para nos protegermos. — Explicou enquanto a bolha ficava cada vez mais grossa. — Eu consigo criar uma proteção pra gente, mas não sei se vai aguentar.

Yasmine engoliu as lágrimas e decidiu ajudar, lançando jatos de tinta na água e aumentando sua densidade, fazendo com que a luz que entrava assumisse um tom azulado. Mary sorriu com a ajuda e sinalizou para que Yasmine parasse.

— Já é o suficiente. — Respirou fundo. — Agora... — Quando expirou, o ar se condensou em seus lábios e a temperatura despencou. Yasmine abraçou a si mesma e viu que a bolha estava congelando de dentro para fora.

Quando o gelo envolveu-as completamente, Mary caiu de joelhos, esfregando as mãos freneticamente, tentando aquecê-las.

Luz nenhuma conseguia penetrar o gelo grosso, então Yasmine não conseguia saber qual era o estado da condutora de água.

— R-Rainbow... ­—Ouviu a voz fraca de esforço. — Eu sinto fr-frio... Muito frio...

E, assim que ela disse isso, todos os Infames atingiram o solo de uma vez.

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Lee estava correndo pelos corredores quando passou do lado de uma porta e a mesma explodiu na sua cara, lançando-o contra a parede e fazendo sua visão apagar por alguns instantes.

Levantou trôpego, com o braço esquerdo dolorido e com o ouvido direito zunindo, além de ainda ter um casal de pontos pretos dançando por sua visão. Sacudiu a cabeça, conseguindo afastar um pouco do zumbido, mas não os pontos.

Esfregou os olhos por baixo do óculos e entrou pelo vão, esmagando os restos da porta sob as botas pesadas. O quarto não era muito mais do que um rombo enorme no lado do prédio por onde o vento entrava feroz, tiçando pequenas labaredas que haviam se formado na roupa de cama. Lee se aproximou da borda e viu que a cidade acabara de sofrer um bombardeio, muitos prédios estavam desabando e um sem número de condutores corria pelas ruas, mas Lee não sabia quais daqueles eram Infames e quais eram rebeldes.

Como não tinha muito tempo a perder, deu as costas para a visão do apocalipse e se deparou com um pequeno redemoinho de poeira que se condensou até tomar a forma de um homem. O sujeito estava rodando os ombros e o pescoço, como se estivesse se alongando.

Quando o sujeito abriu os olhos, uma onda de gelo subiu pela espinha de Lee e escorregou até seus punhos. Não era o medo, era a decisão. O sentimento que o transformava em um assassino.

Antes que as o olhar do Infame pousasse sobre Lee, o mesmo já o havia derrubado no chão e montado nele, esmurrando sem dó sua face, que ficava menos reconhecível a cada soco.

Mas o Rebelde não parou, seus punhos envolvidos em fumaça subiram e desceram até os dedos doerem, até os ossos cederem, até os impactos soarem úmidos, quentes e macios, até os espamos pararem.

Respirou fundo e levantou, permitindo que a massa irracional do desgraçado se reduzisse às cinzas que ele antes conduzira, para serem sopradas pelo vento.

Lee caminhou a passos lentos até a saída, balançando a mão para se livrar da gosma que aderira nela, onde retomou sua corrida até o quarto de Yasmine, que se encontrava bem fechado.

Deu um passo para trás e armou um soco fumacento, o qual arrancou a porta de suas dobradiças e mandou-a voando até o outro lado do quarto.

— YASMINE! — Chamou. Mas não viu os cabelos coloridos da condutora de tinta em lugar nenhum, via apenas um homem soterrado embaixo de destroços. Reconheceu-o com o amigo parrudo de Yasmine, aquele que havia dado uma surra há um tempo.

— Hey, camarada, pode me dar uma ajudinha aqui?

Lee assentiu retirou a pilha de entulho que o cobria sem muita dificuldade. O sujeito levantou e bateu o reboco das roupas.

­— Obrigado. — Tossiu um pouco. — Não achei que você fosse me ajudar por causa daquela confusão toda, um tempinho atrás.

O condutor de fumaça respondeu com um gesto apaziguador. — Não guardo rancor.

— É, mas de qualquer forma, eu sou um condutor mimético, e havia assimilado um cão de guarda, então por isso eu estava meio zeloso, e tal.

— Não tem problema, você não me deve satisfação.

— Ah, graças a Deus. — ele suspirou, aliviado. —Não estava com saco pra isso, um parede acabou de cair em cima de mim.

— Sei como é.

O condutor mimético ergueu a sobrancelha e reparou que o de fumaça sorria, e acabou imitando o sorriso também.

— Em horas como essa, eu gostaria de ter um poder menos inútil. — Loup se lamentou.

— Mas você não é mimético? Esse é um puta poder.

O condutor grande sacudiu a cabeça com ar de “Quem me dera.” — Mimetismo animal, copio habilidades de animais, e só deles. — Suspirou. — É bem útil, é verdade, mas não muito em uma guerra.

Lee carregou o sobrolho. — Mas como isso pode ser possível?

Loup flexionou os dedos. — É como ser um condutor de sinapses elétricas, eu só copio as sinapses de animais, se fizesse com humanos, acabaria tendo um derrame. — Girou o pescoço. — Mas pelo menos, eu tenho um banco onde guardo minhas... Hum... Formas.

Aquilo parecia bem interessante, mas Lee já havia gastado muito tempo. — Sabe onde está a Yasmine?

— Em um prédio com vista pro Park. — Deu de ombros. — Não consigo ser mais específico.

Lee suspirou, pensando em quantos prédios possuíam vista pro Park. — Obrigado. — e saiu correndo pela porta, antes que o mimético arranjasse mais alguma forma de lhe atrasar.

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O espadachim avançava pelas ruas tumultuadas e caóticas com passos firmes, mas a postura era desleixada e preguiçosa. Aquilo parecia um formigueiro recém pisoteado, com um sem-fim de pessoas e condutores que se acotovelavam para sair dos prédios destruídos.

O espadachim não ligava para tumultos, pois lá o tempo era muito difuso, correndo de formas diferentes para cada um da infinidade de desgraçados que lotava as ruas, ruelas e becos. Não raramente, ele encontrava pessoas naquilo que ele chamava de “bolhas”, que eram micro deformidades no tempo, onde, dependendo da pessoa e da situação, o tempo parecia correr mais rápido ou mais devagar.

Ele adorava as bolhas, adorava estourá-las.

Alguém poderia estar em uma “bolha rápida”, onde tudo parece correr em câmera lenta da perspectiva da pessoa, eram as bolhas daqueles que precisavam agir na hora, nem que o tempo tivesse de se curvar para que isso ocorresse. Geralmente, duravam uns dez batimentos cardíacos.

O outro tipo era a “bolha lenta”, onde tudo em volta do sujeito parecia correr muito rápido, e ele não conseguia processar nada, ficando apenas desnorteado e com um zumbido incessante ardendo nos ouvidos, alheio ao mundo e tentando por a cabeça em ordem. Geralmente, duravam três inspirações profundas.

O espadachim tinha a capacidade de romper essas distensões da mesma forma que um grão de areia desintegra uma bolha de sabão. Era divertido ver o desespero em rostos que precisavam que o tempo corresse mais devagar, ou a desesperança daqueles que precisavam que o mesmo fluísse e esquecesse deles por um instante.

Mas também existiam as bolhas ruins, do tipo que não se pode entrar nem sair, aquelas que ele chamava de encruzilhadas. As encruzilhadas são aqueles momentos em que escolhas são feitas e o crono para totalmente, moldando-se à escolha em questão. São sempre tão rápidas para a pessoa que faz a escolha que nem ela mesma percebe. Deveriam ser inofensivas, não levando nem mesmo um milésimo de segundo para que ocorram, mas o espadachim sentia que algumas delas chegavam a levar segundos inteiros, sendo que a mais longa durara quarenta e sete segundos.

Essas bolhas o aterrorizavam.

O espadachim era um condutor de tempo, ele era a única pessoa em toda a existência que sabia o peso exato de um segundo, até o mais ínfimo dos grãos de areia. Ele era o único que via e sentia as distensões e deformidades do tempo, e sentia os segundos tamborilando em sua pele, os minutos pendurando-se em seus olhos, as horas escorrendo-lhe pelos dedos, e os dias, rastejando por suas costas. E era justamente por isso que as encruzilhadas o aterrorizavam, como o céu limpo há de aterrorizar os que viveram eternamente sob a chuva torrencial.

A ausência de tudo, o silêncio, a calmaria.

Claustrofóbico.

Alguém esbarrou no espadachim, desequilibrando-o. Com a distração, ele olhou em volta e avistou um pequeno conflito isolado, diferente do caos sem rosto que o cercava. Dois homens seguravam uma mulher contra a parede de um beco, muito provavelmente, preparando-se para estuprá-la. A mulher possuía ambas as mãos destruídas, mutiladas e quebradas, mas os sujeitos não aliviavam para ela, um deles a prendia pela ruína sangrenta que ela possuía nas extremidades, incapacitando-a de fazer qualquer coisa que não fosse gritar de angústia que eram facilmente abafados pelo caos geral.

Um dos sujeitos, o que não estava prendendo ela contra a parede e que estava mais próximo da saída do beco, estava ocupado com seu cinto quando a lâmina do espadachim brotou de seu esterno, afundando em suas costas até o cabo. O segundo homem levou um segundo inteiro para perceber que havia algo errado, o que era três vezes o tempo que o espadachim precisou para separar sua cabeça e seus ombros.

O condutor de tempo percebeu com desgosto que eles eram humanos, e não condutores como havia imaginado inicialmente. Ou seja, precisaria limpar sua espada antes de embainhá-la.

A mulher precisou de 2,4 segundos para notar que havia sido salva. Assim que ela abriu os olhos enormes e vermelhos, o condutor percebeu que ela possuía uma águia azul destruída bordada no peito.

O 1,2 segundo que ela precisou para decidir se dizia ou não obrigado foi quatro vezes o tempo que o espadachim levou para decapitá-la, e antes que ela mesma percebesse, se desfez nas areias cor-de-cobre do tempo. Ela não havia visto a o crânio de pássaro gravado na lâmina, tingido pelo sangue dos ex-estupradores.

— O que está acontecendo aqui? — Uma voz masculina perguntou. O espadachim olhou por cima do ombro e viu um condutor com as mãos brilhando com o vermelho frio do vídeo. Era um Infame assim como ele.

Os seis segundos que o Infame precisou para cair de joelhos e se desfazer em areia foram vinte vezes o tempo que o espadachim precisou para abrir seu ventre até marcar um talho fundo na espinha.

Ele não ligava se eram aliados, inimigos ou inocentes.

Para Ryan, eles eram apenas areia.

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À lua oculta, cai a chuva.

O vento sopra e a chuva corta.

Uiva o frio, a tormenta é dura.

O fim agoura, a chuva, tua porta.

A chuva é o pincel, e o oblívio a pintura

O sol se revela, mas Inês é morta.

Indômita, como a fera.

Impiedosa em teu corte.

Imparcial, lavas a terra.

Implacável, como a morte.

Sedes a chuva.

O trovão bailava com a chuva, os desatentos, já com um pé na cova.

O clarão, a visão lhes turva. Dura água, os seus ossos molha.

Vento ou ferro, de corte, são compadres

O vento dança com a chuva, teu aço, escarlate

E a chuva guarda o vento, este úmido, mas não de água

E quando o sangue dos bastardos, na terra gotejar

Tarde hão de perceber que a tormenta há de chorar

Gordas lágrimas, que não são água.

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Hunter entrou no Forrest’s, sacudindo as mãos para secá-las. O bar estava barulhento, como de costume, mas não era o barulho de sempre.

O estabelecimento estava lotado de com pessoas rudes e agressivas, tanto de atitudes quanto de conversas. Hunter sabia que eram todos Infames, se houvesse algum Rebelde ali, tivera a sensatez de esconder suas cores.

Os Infames trocavam conversas ácidas sobre a vitória iminente, destruíam os pôsteres na parede e vandalizavam o lugar. Um deles havia subido em uma mesa e estava se esforçando para derrubar a scooter que pendia orgulhosa do teto, sua santidade violada; outro derrubava os souvenires das prateleiras, por nenhum motivo que não o prazer que sentia ao vê-los espatifarem no chão; E, para coroar, um casal animado parecia estar prestes a copular sob a balcão composto de imagens.

O humano sentou em sua banqueta de sempre ao balcão (não suficientemente distante do casal), com a postura de sempre. Deu as duas batidas de sempre no tampo com seu anel e esperou pelos quatro segundos de sempre para que o barman o atendesse.

Forrest nunca parecera tão velho, a expressão em seu rosto não era colérica ou irada como Hunter estava esperando. Era desolada, sua capela estava sendo profanada e seus ídolos, destruídos.

A scooter finalmente desabou e um coro de vivas selvagens encheu o ar. Hunter sentiu que uma década havia caído sobre o barman com esse fato.

O velho olhou para Hunter, procurando por consolo, talvez, mas apenas encontrou os olhos implacavelmente indiferentes do humano.

—Me vê um shot. — O mais novo pediu sem simpatia alguma.

— Um shot de quê, moleque? — O velho exausto ainda era prestativo.

Hunter riu de forma contida. — Chá. Dose dupla.

O barman não contestou, pegou um pequeno bule que havia preparado a pedido de Hunter mais cedo, que havia lhe dado um saquinho com a mistura. O chá ali era bem escuro e forte, com um aroma que empesteava o lugar todo com uma combinação de especiarias que ninguém por ali conhecia.

Forrest pegou um copo de dose e encheu com a infusão que não chegava a estar morna.

Hunter segurou o copinho com a mão direita que tremia bastante e derramou a bebida amarga pela garganta. Limpou a boca com a manga e soltou o ar, batendo o copo na mesa.

Assim que fez isso, um homem segurando um taco de sinuca se postou atrás do humano, com o taco apoiado no ombro esquerdo.

­— Olha só, temos um machão aqui. — Comentou com os amigos em tom de brincadeira, conseguindo algumas risadas desinteressadas. — Nunca te vi, de onde você é?

— Longe. — Foi a resposta de Hunter, que nem se dignou a olhar o sujeito.

— Longe... entendo... —Tudo que saía dos lábios daquele Infame parecia ser resultante de muita ponderação. — E o que você conduz?

O humano pensou por um instante antes de responder, vendo o velho atrás do balcão colocar um óculos escuro. — Nada.

Hunter sentiu um franzir de cenho à suas costas antes de sentir uma mão pousando em seu ombro. — E o que um normalzinho veio fazer em um bar cheio de condutores? — Começou a aplicar uma pressão desconfortável, a mão aquecendo.

— Eu vim beber um chá e foder com tudo. — Disse monocórdico, segurando o copo de shot pela boca. — E parece que acabei de beber meu chá.

Hunter apertou o copo contra a mesa até ouvir o fundo rachar, então torceu o mesmo e girou o corpo, enfiando o fundo afiado no olho direito do Infame, sentindo o fluido vítreo esguichar pelo copo e melecar a palma de sua mão. Atingiu o copo que se projetava do globo ocular com um golpe de mão aberta bem forte, estilhaçando-o e mandando seus fragmentos crânio a dentro.

O humano pensou no que havia ouvido falar há muito tempo atrás. Que ao perfurar o cérebro de um homem com um prego, o mesmo se esquece de algo, como um nome, uma ação, ou de como respirar.

Talvez por isso o Infame não gritou, por que talvez a ação de gritar estivesse escorrendo pelo copo de shot e pingando no chão à sua frente em uma gosma grossa e avermelhada.

— Nossa. — Disse com a língua presa. — Está frio aqui. — Batucou na própria cabeça com os nós dos dedos e cobriu o olho destruído com a palma. — Bem melhor.

Um silêncio tumular começou a se espalhar pelo local, tendo a gosma cerebral do Infame como epicentro.

Em sua mente, o humano regulou um cronômetro marcando cinco segundos em contagem regressiva.

Agora, vinha a parte fácil.

Hunter deu dois passos na direção do caolho e tomou seu bastão de sinuca, girando-o e partindo-o em dois numa cabeça loira qualquer, espalhando farpas para todo lado. Os dedos longos do humano se lançaram na direção de uma garota, segurando o seu cabelo escuro e puxando-a na sua direção, forçando seu olho direito a ir de encontro à ponta farpada da metade do taco que Hunter possuía. As mãos da Infames envolveram o pedaço de madeira que perfurava seu cérebro naquilo que seria seu último gesto consciente.

Quatro segundos.

Hunter deixou a madeira alojada ali e girou nos calcanhares, puxando sua faca mais longa, a que havia talhado no fêmur do esqueleto que havia encontrado do Empire State.

Ele havia esculpido o cabo próximo à face patelar, para que a saliência aumentasse a firmeza, e depois, o envolvera em couro, que absorvia o suor e oleosidade dos dedos. Depois disso, havia trabalhado no corpo do osso, removendo a cabeça e lixando o resto com muito afinco. O resultado era uma arma de aproximadamente quarenta centímetros com uma lâmina grossa e estreita de fio duplo e ponta triangular, com uma quantidade generosa de fio serrilhado em ambos os gumes.

Lançou o braço da arma para o lado e traçou um semicírculo amplo, abrindo três gargantas e destruindo dois pares de globos oculares.

Quando o movimento ia se completar, ele girou faca dentada e começou a segurá-la invertida, com o cabo do lado do polegar. A ponta extremamente aguda penetrou no crânio de um condutor, entrando por um lado e saindo por outro em um corte sujo e cheio de fragmentos.

O humano puxou, calculando que o fio serrilhado havia perdido uns seis dentes na saída.

Três segundos.

A força da puxada permitiu que o humano desse mais um giro e abrisse outra garganta com a pequena lâmina que havia instalado no cano da pinball gun, que estava presa no braço esquerdo. Ainda no giro, puxou a alavanca e disparou contra o infame que derrubava as prateleiras atrás do balcão, a garrafa de aguardente atrás dele explodiu com o disparo que havia atravessado seu pescoço.

E, para concluir o giro, atingiu o lado da cabeça do caolho com a gun, fazendo com que a massa cinza-azulada que lhe escorria pelos olhos fosse espirrada nos observadores atônitos, e derrubando-o para que nunca mais se levantasse.

Dois segundos.

Apanhou uma garrafa de vidro verde em uma mesa redonda de ferro e estilhaçou-a no maxilar do condutor loiro de alguns segundos antes, que cedeu de forma horrível. Então, enfiou o fundo caqueado da garrafa no peito do mesmo condutor, torcendo-a violentamente e moendo o coração do desgraçado.

Um segundo.

Parou no centro da clareira de cadáveres que havia criado, agachou-se e segurou a ponta de seu sobretudo, e então, ergueu-a como uma cortina que o separava do resto dos Infames.

Havia levado cinco segundos, e conseguiu onze vítimas nesse meio tempo. Ele ainda estava em forma.

O coro de disparos misturados a gritaria foram uma canção doce para o humano, que usava a capa para bloquear os inúmeros projeteis que se apagavam misteriosamente ao colidirem contra o tecido. Hunter segurava a capa entre o polegar e o anelar da mão direita, fazendo um verdadeiro contorcionismo manual para fazer isso enquanto segurava a faca de osso. O anelar estava sendo severamente chamuscado, mas o humano não possuía mais sensibilidade alguma nele, então, mal percebeu.

Os Infames deveriam estar pensando que ele bloquearia todos os ataques atrás de sua capa mágica até que eles ficassem sem poder, mas Hunter não possuía tamanha paciência.

Usou a mão livre para tapar o ouvido esquerdo, tomando cuidado com a lâmina ensanguentada na ponta da gun, e forçou a cabeça contra o ombro direito, usando o ombro para proteger o outro ouvido. Fechou os olhos com toda força e, então, ouviu o bang.

A luz foi ofuscantes mesmo através da capa e das pálpebras do humano, e o som foi muito além do que ele consideraria desagradavelmente alto. Então, deu a sim mesmo uma fração de segundo para se recompor, sentindo o aroma saudoso de magnésio e potássio invadir suas narinas.

Baixou a capa e viu que todos os Infames no recinto estavam atordoados pela flashbang que Forrest havia lançado, o próprio velho parecia um pouco zonzo.

Forrest tirou os óculos e os tampões dos ouvidos, pegando algo embaixo do balcão, algo grande e pesado que jogou para Hunter.

O metal frio da escopeta italiana de ultima geração teve um efeito anestésico nas mãos de Hunter, que arremessou sua lâmina de osso na direção do tabuleiro de dardos, apenas para poder usar a belíssima arma com as duas mãos. Deu mais um par de passos longos e encaixou o cano da arma na boca de um Infame atordoado.

A escopeta possuía um sistema de molas pelo barril que reduzia o coice, mas Hunter não se decepcionou ao sentir o golpe violento sacudir seu corpo enquanto as cápsulas minúsculas explodiam a cabeça do Infame como se fosse um balão, atingindo mais alguns condutores e sarapintando-os de um vermelho acinzentado que em nada combinava com o das águias em seus peitos.

Hunter disparou mais seis vezes, traçando um movimento de arco, abatendo oito Infames e incapacitando uns dez, e, em seu último disparo, largou a arma que foi lançada para trás por cima de seu ombro com a potência do coice, mas apanhou-a pelo cano no ar de qualquer jeito com a mão direita, queimando a palma severamente, e girando a arma pesada para atingir o pescoço de um condutor que se aproximava pelo seu flanco, ouvindo um estalo sonoro e fazendo-o errar o disparo de gelo carregado em sua mão.

O estilhaço gelado talou um corte superficial na bochecha do humano.

Hunter, então, segurou o condutor de gelo pela gola e o usou para bloquear uma saraivada de disparos de concreto, os quais sentiu ecoar pelo braço.

Largou ofegante o condutor crivado. Nunca havia matado tantos em um espaço tão curto de tempo, e o esforço começou a pesar em seus ombros magros. Porém, mesmo cansado, conseguiu torcer o braço do corpo em sua mão antes que ele se desfizesse em concreto na altura do ombro até sentir a cartilagem ceder, e, com um golpe rápido da lâmina da pinball gun, cortou o membro meio petrificado e o lançou na direção do condutor de concreto que estava se engalfinhando com uma garota, atordoando-o para que ela o finalizasse com uma longa estaca de madeira que surgiu de suas mãos. Ela então, girou nos calcanhares, e levou outro para o chão em uma luta feroz de wrestling.

Dessa vez, Hunter deu a si mesmo um segundo para descansar, e decidiu tomar ciência do cenário que o cercava.

Dezenas de corpos estavam caídos de forma macabra em um círculo de dez metros de diâmetro, todos com algum tipo de mutilação. O estrago da escopeta estava aparente nas centenas de rombos erráticos em corpos aleatórios e na mobília com pedaços faltando.

O humano havia dado cabo de dois terços dos Infames, mas não se sentia em condições de lidar com a porção restante. Sorte dele que Forrest não era, nem de longe, velho demais para lidar com dez Infames aterrorizados.

O barman estava cercado por dois Infames sobre o balcão, trocando socos e desviando de disparos, até o ponto em que se agachou para desviar de uma lança de concreto que um dos dois Infames disparou, o projétil zuniu por cima da cabeça de Forrest e acertou o outro bem no meio do peito. O velho aproveitou a confusão no rosto do “traidor” e o atingiu com um chute de dois pés no meio do peito, mandando-o para baixo, onde seu pescoço interceptou um punho, também de concreto, que era direcionado à jovem condutora de estacas.

Hunter a reconheceu. Era uma das ajudantes do velho, mas ele não conseguia lembrar de seu nome.

O barman saltou do balcão e sacou um par de revolveres six-shooter , disparando com ambos ao mesmo tempo enquanto estava no ar, atingindo um Infame na testa e outro no peito. Caiu em cima do que havia sido atingido no peito, puxando o cão de uma das armas e inaugurando um túnel expresso através de seu cérebro.

Tencionou as pernas como molas e deu um bote em um dos seis remanescentes, levando-o ao chão, onde engatilhou e disparou, em dois segundos, as nove balas restantes em seu rosto.

Levantou, olhando os cinco que restavam com uma intensidade assassina que nem mesmo O Iluminado (que era um dos únicos pôsteres que sobraram intactos.) conseguiria reunir.

Dois dos inimigos atacaram em sincronia, desferindo socos banhados em um poder qualquer no barman.

E o que Forrest fez em seguida arrancou um assovio longo de Hunter.

Ele simplesmente segurou os punhos, um em cada mão, e torceu as mãos, mais e mais, até que apontassem para os rostos de seus donos. E então, apertou os punhos logo abaixo da palma, fazendo-os disparar.

Hunter estava se perguntando se aquilo era considerado assassinato ou suicídio quando os últimos três Infames passaram pelo humano exausto, em pânico, correndo para a saída.

O velho, então, pegou uma garrafa de whiskey meio cheia no balcão e jogou-a na direção dos fujões. Hunter viu que a garrafa não atingiria nenhum dos dois, mas entendeu qual fora a ideia do barman quando o mesmo sacou uma pistola comicamente grande e escandalosamente vermelha de seu cinto e atirou.

O projétil do sinalizador zuniu pelo ouvido de Hunter, ressecando o sangue em sua pele numa crosta fina e enchendo seus olhos de fumaça, para depois atingir a garrafa de whiskey em cheio, fazendo uma chuva de fogo cair sobre os quase fugitivos, que agora rolavam nos corpos de seus amigos caídos, em um fuzuê de chamas e berros desesperados.

— Acho que foram todos. — O velho constatou, limpando as mãos na calça, que se mostrava terminalmente ensanguentada.

— Obrigado pela consideração! — A garota agradeceu sarcástica, ainda emaranhada no chão com o Infame em um nó apertado de braços e pernas.

— Eles vão começar um incêndio. — Hunter observou, apontando so cadáveres que queimavam, a própria voz soando estranha.

— Tem muito sangue no chão para que o fogo se espalhe. — Forrest explicou, caminhando até um sobrevivente que tentava se apoiara no balcão. Era um jovem loira, banhada no sangue dos companheiros.

O velho a alcançou e, sem cerimônia, quebrou seu crânio contra a quina.

A garota wrestling conseguiu se levantar e criou uma infinidade de estacas na mão, cravando-as todas no Infame que gritava, começando a parecer o maior paliteiro do mundo.

Quando os berros cessaram, Hunter observou a si mesmo. Toda parte de seu corpo que lhe era visível não estava apenas vermelha de plasma, mas acinzentada de cérebro, roxa de venoso, verde de bile e com mais algumas cores. Surpreendeu-se com o número de matizes que conseguira retirar de um corpo, contou cinco.

Sentiu os ombros do velho se apoiarem nos seus e ambos deslizaram ofegantes para o chão, costas com costas. Seus braços pesavam como chumbo, sua mão queimada ardia de forma excruciante, e o corte em seu rosto parecia ter dez braças de profundidade. Era a primeira vez em muito tempo que o jovem sentia a urgência de um banho, ou de silêncio, ou de não-violência. Aquilo havia sido demais mesmo para ele.

O cheiro metálico do sangue, misturado ao azedo da morte e ao salgado do magnésio no ar o fizeram dobrar para vomitar, mas o chã em seu estômago o impediu de fazê-lo.

— Moleque... — Ouviu a voz de Forrest soar rascante. — Você não é humano, é a porra de um demônio, não é?

Hunter deu de ombros.

— Prefiro quando eles morrem de forma mais limpa. ­ —Admitiu— O ruim dessa putaria toda é que você sai fedendo a cu de cachorro.

O velho concordou em silêncio, junto da garota que continuar a espetar o inimigo caído.

— Aquele lance do whiskey... — Parou para respirar. — Bem legal...

— Obrigado... — O velho agradeceu sem entusiasmo. — Aquele lance do copo... boa ideia, bem dark.

— Boas ideias brilham no escuro. — Hunter rebateu. — O negócio em começar uma luta em desvantagem numérica é ser o mais brutal quanto possível, isso os deixa em pânico. Aí, nós temos cinco segundos para matar quantos conseguirmos antes do caldo engrossar.

— Eu sei, estava matando gente antes de você sair das fraldas. — O barman retrucou, ríspido.

Depois de mais alguns instantes de silêncio, Hunter perguntou.

­— Quantos anos você tem?

— Sessenta. — A resposta veio sem rodeios.

— Tá conservado, hein.

— É a cerveja, faz maravilhas.

E mais um silêncio caiu, mas dessa vez, foi rompido por Forrest.

— Hey, moleque... — Hunter fungou para indicar que estava ouvindo. — Aquele seu amigo, o atirador, deixou aquelas merdas todas aqui. — O jovem sabia que ele se referia às armas. — Ele disse que iria ocorrer uma reunião daqui três meses, em Las Cruces.

— Já estava na hora. — Hunter se apoiou no próprio joelho para levantar, e o barman fez o mesmo. — Uma pena que eu não sei onde fica Las Cruces.

— Eu devo ter uns mapas — O velho disse, coçando o queixo. — Lys, vá buscar meu mapa.

Lys havia parado de espetar cadáver, pois este havia virado uma escultura sólida de madeira, defletindo suas investidas. — Qual mapa?

— O de papel, aquele que é bem grande. — Enxotou a garota. — E avise ao Dean que precisamos dele.

Hunter fez um alongamento, observando a chacina que o cercava. Encontrou o cadáver do loiro com a garrafa no peito em cima da mesa, e o reconheceu como Emerick. O sujeito que havia lhe dado informações quando chegou à cidade, e localizou a namorada dele, Zoey, caída com o crânio quebrado no balcão. Ambos usavam as cores Infames.

Não havia gostado deles, mesmo.

— O que o Langley te disse quando veio aqui? — Perguntou ao barman, que limpava os dentes com a unha do polegar. — Além daquilo que você já disse.

— Ele disse que finalmente havia conseguido te encontrar, e que estava na tua sola faz um

tempão. — O velho contou, estalando as juntas. Hunter viu que ambas as mãos dele estavam gravemente queimadas. — E também disse para honrar as duas palavras.

Semper Fi. — Ambos disseram juntos.

A porta da estufa se abriu e dela, um homem irrompeu. Ele possuía um cabelo loiro muito claro, quase branco. Usava óculos de lentes quadradas e grossas e uma roupa completamente desalinhada, além de possuir um grande headphone pendurado no pescoço. Parecia ter uns quarenta anos.

O homem coçou a barba grossa e mal cuidada.

— Você interrompeu minha quest, velho.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? 6,500 palavras merecem um comentário seu, não merecem?
Merecem sim!
E quem sabe, até uma recomendação se você não for tão preguiçoso