The Haunted escrita por Heartblood


Capítulo 11
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Enjoy ;)



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“Sou uma dessas pessoas sem graça. Que se irrita fácil com

barulhos, se sente tímido em multidão, se deixa levar pelo

coração.”

— Allax Garcia

Alice Heartblood

 

Acordo o que pareceram minutos depois, com alguém me chacoalhando. O perfume me era familiar. E com isso lembrei que não, não estava na minha casa e sim na casa de Harry.

            -Acorda, Alice... -escuto Harry falar - Alguém não para de te ligar já faz algumas horas.

            -Eu estou acordada... –murmuro, levantando e pegando o celular na mesinha.

            Ele ri, sentando na cama e eu sorrio sentando na cadeira, esperando a resposta da pessoa.

            -Alice Victoria... Você está na casa do seu médico? ­-Mattew começa, indignado. -Um amigo meu disse que viu você saindo do hospital com um menino. E quando ele me descreveu esse cara era... Eu percebi que é aquele enfermeiro. Porque não me disse que estava na casa dele?

            -Por que você não ligou mais tarde para saber isso? Eu não vou te responder.

            -Porque já é duas da tarde. ­— ele ri - Estava dormindo ainda? A noite foi longa então? Safada!

            Sinto meu rosto esquentar. Esse menino só pensa em sexo? Meu Deus, que moço sem nada pra fazer.

            -Não! Cala a boca, por favor.

            —Vou deixar vocês dois voltarem para a cama. Mas depois você precisa me contar tudo ta.

            -Você é muito babaca. -reviro os olhos e ele desliga. Respiro fundo e olho para Harry - Então... Já são duas da tarde?

            -Já. Você dormiu bastante para alguém que estava sem sono. -ele ri e eu sorrio.

            -Geralmente é assim... Por que não me acordou?

            -Porque eu achei que você merecia. -ele arruma o cabelo - Fiquei com dó de te acordar.

            -Eu... Você estava mais cansado que eu... Você deveria estar dormindo.

            -Eu já dormi bastante.

            -O.k então... -sorrio de canto, sentando do lado dele. -Melody disse que você tinha que me explicar muita coisa ainda.

            -Não sei por onde começar. -ele ri, me olhando.

            -Como as pessoas não veem nada do mundo demoníaco? -sorrio, cruzando as pernas do jeito "índio". Ele me mostra o colar dele, cujo pingente era um aviãozinho de papel, feito de prata. Em uma das asas tinha uma pequena pedrinha azul. -Entendi, agora explica por que um colar muda tudo.

            -Olha... Eu não sei como eles fazem isso, mas... Cada demônio tem um colar de "proteção" -ele faz as aspas no ar -O colar basicamente faz com que os humanos não possam enxergar nada do nosso mundo. Ou seja, mordidas, a boca, os olhos...

            -Legal... Mas é o colar mesmo ou essa pedrinha? -pego o colar dele, olhando mais de perto.

            -A pedrinha... -ele sorri- Normalmente as pedras são mais escondidas, mas eu gostei assim... Tem alguns que não são discretos e o colar é apenas a pedra.

            -Isso é muito foda... -rio baixinho - É muito difícil achar essa pedra?

            -Na verdade... É. -ele ri- Tem vários lugares onde podemos procurar. E depois, temos que levar para alguém que faça com que a pedra funcione e ainda só com você.

            -Complicado. Mas pelo menos funciona. Por que um aviãozinho de papel?

            -A minha irmã... Ela sonhava com aviões todas as noites. Ela desenhava nas paredes e uma vez desenhou no meu peito um aviãozinho de papel. -ele sorri, mexendo no colar. O olhar estava distante, e pude notar a dor em sua voz.

            Sorrio de canto e coloco a cabeça no ombro dele. Ele sentia falta da irmã, e eu queria fazê-lo se sentir melhor. Não sabia como seria perder Melody, e nem queria imaginar. Ela era minha heroína, a pessoa que eu queria ser. Por mais que estivéssemos sempre brigando.

            -Foi com isso que você sonhou aquela noite no hospital, né? Digo, com a sua irmã...

            Ele concorda com a cabeça, mordendo o lábio e eu coloco uma mão sobre a dele, sem o olhar. Não sabia o que fazer. Mas ele riu baixinho com minha atitude, segurando minha mão em seguida. Sorrio de volta. Queria ajudá-lo a esquecer a dor de ter perdido a irmã. Será que os pais dele estavam vivos? Será que... Ele tinha alguém que o amasse? Será que ele tinha alguém que sequer se importasse?

            -Melhor mudarmos de assunto. Ou vamos morrer aqui, ainda em silencio.

            -Está com fome? -ele me olha novamente.

            -Não muita. Você está? -o olho nos olhos.

            -Não. Mas quando você ficar com fome, eu faço o almoço.

            -O.k... Ahn, é eu não sei o que posso falar agora. Sou péssima em puxar assunto. Alguma ideia? -olho para o nada.

            -Não... Eu... a minha vida é bem chata -ele ri -Eu nunca faço nada nem falo com ninguém, então...

            -Não é só você. Minha vida se resume em faculdade. É horrível. Essas semanas foram agitadas para mim, e eu só fiquei deitada, quebrando meus ossos tranquilamente.

            Ele ri, deitando na cama. Eu o olho novamente e mordo o lábio. Ele estava com uma blusa branca, meio transparente, eu conseguia ver quase nitidamente os músculos e as várias tatuagens dele. Ele também estava com uma calça de pijama preta, que estava pouco abaixo daquelas linhas que formavam um "V", que acho que todos os homens tinham. Pensei em Mattew. "Já o viu sem roupa?". Nossa como eu queria poder falar sim. Pelo menos só de cueca, ou só de toalha. Ontem quase consegui, se não estivesse tão escuro. A porta do banheiro estava só encostada, eu poderia ter dado uma olhadinha...

            Desvio o olhar, meio vermelha. Se ele conseguisse ler mentes, ou ficaria vermelho ou iria rir da minha cara. A segunda opção é a mais provável, já que meus pensamentos foram, digamos assim, inapropriados para uma inocente menina de dezenove anos. Inocente? Da onde você tirou isso, Heartblood? Ser virgem não quer dizer ser inocente... Chega. Tenho que parar de criar monólogos mentais sempre que o assunto é Harry ou coisas que eu goste. Eu acabei de falar que gosto dele? Falar não, pensar.

            Caralho, eu devo ser muito chata.

            Ele me olha, mordendo o lábio. Encosto na parede, olhando a boca avermelhada dele. Meu Deus, porque colocou esse cara na minha vida? Não posso nem beijar ele, já que ele não "pode porque não vai fazer isso enquanto eu estiver sobre o efeito do sangue dele". Quando essa merda de efeito passa?

            -Eu acho que se a gente tivesse se conhecido de outro jeito... -ele começa. -Esquece.

            -Começou, termine -rio -Por favor.

            -Talvez... Se eu tivesse te conhecido antes... -ele senta, engolindo em seco - Eu já teria te beijado.

            Mordo o lábio, olhando para baixo. Ele sabia que podia me beijar. Harry sabia que eu queria beijá-lo, eu deixava isso na cara, olhando a boca dele o tempo todo. Ele mesmo disse que sabia o que eu sentia, pela minha respiração e meus batimentos. Quase nos beijamos milhares de vezes, umas três vezes por dia. Não sei se era efeito do sangue, mas que queria muito isso. Talvez o efeito fosse só uma desculpa para meus pensamentos no momento. Eu sabia que essas ideias e opiniões estiveram ali desde o momento em que o vi. Ai que clichê.

            -Ah... Pois é... Hm... Merda estou gaguejando muito hoje.

            -Tudo bem. -ele ri, mexendo no meu cabelo - Desculpa.

            -Eu até falaria que não precisa se desculpar, porque não é sua culpa. Mas eu estaria mentindo. Tecnicamente, é sua culpa sim.

            -Eu sei que é minha culpa. Se você estiver pensando qualquer coisa sobre querer algo de mim, é por causa do meu sangue.

            Ai está à prova. Harry Stormblood lê mentes. Ele sabia que eu queria beijá-lo, como já desconfiava. Eu não sabia mais o que era efeito do sangue e o que não era, minha cabeça estava confusa, faltava pouco para perder o controle. Meu coração pedia por um único nome. E ele sabia disso. Ele devia saber tudo o que eu pensava. Deve ter rido muito na noite anterior, quando foi me desejar boa noite. Eu estava ridícula. Sou patética em relação à ele.  

            -Quando passa o efeito? -cruzo os braços sobre os joelhos, enterrando a cabeça ali - Porque isso é torturante.

            —Não sei. -ele ri - Depende... Me desculpa.

            -Para de se desculpar também. -rio baixinho e o olho. -A culpa não é toda sua. Eu concordei em beber seu sangue, então é um pouco minha.

            -Na verdade é sim... -ele passa a mão nas minhas costas - Você não sabia o que aquilo faria para você.

            -É, mas... Porra, Stromblood. Você não deixa eu te defender de você mesmo.

            -É porque a culpa é toda minha. -ele ri alto e isso me fez rir.

            -Quer que eu concorde com você? Não vou. Não é sua culpa porquê... Não foi você quem me transformou. Há, pronto. Ganhei. Fim da história, Alice 1 x Harry 0.

            Ele ri e me empurra para o lado. Sorrio e o empurro também, fazendo ele quase cair. Harry ri mais alto, me empurrando para trás com força, fazendo-me deitar. Sorrio e o puxo mais perto. Juro que foi involuntário. A menos que meu corpo tome decisões sozinho.

            -Alice... -ele fala, suspirando em seguida - Sangue...

            -Nossa como eu odeio isso! -falo séria, o empurrando e sentando direito. Ele levanta, saindo do quarto. Coloco o rosto contra o travesseiro. Minha vontade era de pular pela janela, me jogar na frente de um carro que Oliver dirigisse, ou apenas socá-lo por me dar seu sangue. Fui tirada de meus pensamentos por um barulho de alguma coisa quebrando. -SÓ NÃO QUEBRA A CASA, STORMBLOOD! -grito, ainda com o rosto no travesseiro.

            Escuto-o rindo alto. Reviro os olhos e levanto, prendendo o cabelo em um coque. Vou até a cozinha ver o que tinha acontecido. Harry estava sentado no chão da cozinha, com os pés cheios de cortes não muito profundos, mas sangrando. Havia um prato quebrado na frente dele, com um pouco de sangue.

            -Não vou nem perguntar se está tudo bem... -murmuro, me abaixando do lado dele, juntando os cacos.

            -Deixa. Você vai se cortar se pegar isso.

            -Talvez... Mas vou te contar um negócio, não sou de porcelana e não vou quebrar só de encostar nos cacos. Além disso, estou acostumada com cortes.

            Ele revira os olhos, levantando enquanto eu jogo os cacos no lixo, também revirando os olhos. Harry tira um caco do pé, jogando no lixo. Encostei-me na geladeira, apenas o observando. Ele me olha rapidamente, me empurrando para o lado e abrindo a geladeira. Logo depois ele a fecha. Havia pegado uma garrafa de cerveja. Foi aí que me irritei de verdade.

            -Qual o seu problema? -o olho séria - Está agindo como se a culpa fosse minha, mesmo sabendo que é sua.

            -Não falei que a culpa é sua. Só fiquei irritado.

            -Não é preciso. Suas ações demonstram direitinho o que você pensa.

            Ele me coloca contra a bancada, me olhando nos olhos. Suas órbitas ficam negras e sua íris escura. As veias ao redor dos olhos estavam saltadas e escuras, assim como a que aparecia na garganta. Queria me matar. Com certeza. Eu sentia essa vontade emanando dele. Mas ele estava sendo ridículo.

            -Não enfie palavras na minha boca. Você não sabe no que eu estou pensando e ficaria assustada se soubesse. Então, Heartblood, pare de tentar dar uma de espertinha, porque você não é tudo isso.

            -Me solta. -minha visão fica turva. Concluo que meus olhos estavam negros. -Você não tem direito de falar o que sou ou não. Não me conhece, Stormblood. Você acha que conhece, mas não. Agora, me solta.

            Ele se afasta, abrindo a garrafa e indo para sala. Vou para meu quarto, fechando a porta e a trancando. Sento encostada na mesma, fechando os olhos e acalmando a respiração. Escuto-o falando alguma coisa, mas não prestei atenção no que. Depois eu sou a problemática.

            Você tenta ajudar alguém e é isso que recebe. Você dá a rosa, recebe mais espinhos. Isso tudo está me lembrando “A Bela e a Fera”... Uma menina trancada no quarto, revoltada com o demônio que a prendeu a ele. Ela tenta o ajudar, mas ele se acha autossuficiente o bastante para fazer tudo sozinho, a deixando ali apenas porque cansa de estar sozinho e porque precisa que ela o ame. E infelizmente, ela ama.

            Levanto pegando as coisas de desenho do armário. Sento na escrivaninha, coloco os fones e ligo a playlist aleatória, começando a desenhar. Quando começa a escurecer, eu já estava pintando. Acendo o abajur, olhando o desenho antes de começar a fazer luz e sombras. Eram as costas nuas de uma menina, numa paisagem escura cheia de espinhos. Algumas rosas vermelho-sangue se engatavam em sua pele, com os espinhos quase perfurando a mesma.    

            Rosas, rosas e mais rosas. Isso era praticamente tudo o que passava por minha cabeça nos últimos meses. Sempre gostei da flor, mas estava passando dos limites. Aquela espécie linda, por alguma razão, fazia com que eu pensasse em meu pai. E eu não queria isso, mas infelizmente as amava. Merda Alice, sua complexada. Talvez você esteja com mais problemas mentais do que aquela que deu origem a escolha de seu nome. Alice Liddel pelo menos não era um demônio. Porra, olha o monólogo ai novamente.

            Pego meu computador e começo a escrever algumas pesquisas que estavam atrasadas na faculdade. Não havia nem terminado o primeiro semestre de psicologia, meu grande sonho, e já posso ser reprovada por número de faltas. Eu nunca falto, odeio perder aula. Esperei muito e batalhei o dobro para conseguir entrar naquela faculdade e graças a um demônio sujo e nojento eu corro o risco de perder a oportunidade da minha vida. Um ano a mais pra começar tudo do início, um ano a mais esperando para finalmente aprender algo que amo. Isso me enche de raiva.

            Minha barriga ronca e eu reviro os olhos, terminando a pesquisa sobre Psicologia e Sociedade. Eu poderia aguentar a fome. Até começar sentir cheiro de molho branco. Escuto Harry assoviando. Ele estava fazendo comida.

            -Filho da puta... -murmuro e levanto, indo até a porta, abrindo um pouco a mesma.

            Eu precisava comer. Não comia nada desde o momento que acordei. Ele deveria ter comido. Por impulso de fome, fui lentamente à cozinha. E eu estava certa.

            Vejo ele na frente do fogão, mexendo em uma panela. Acho que estava fazendo macarrão. Estava quase pronto, então fui para a sala e esperei. E pouco depois ele aparece ali, fazendo sinal para eu ir para a cozinha. Quando chego lá, vejo a mesa arrumada e uma panela grande com macarrão, molho branco e calabresa.

            Sento na frente dele, sem falar nada. Apenas pego o macarrão, começando a comer. Ele também pega um pouco de macarrão, começando a comer.

            -Desculpa. -ele sussurra, sem me olhar - Eu fiquei nervoso.

            -Tudo bem. -minha voz sai rouca pelo tanto tempo que passei sem falar uma única palavra. - Eu fui a idiota.

            -Para... -ele solta o garfo, me olhando - Eu não quero brigar. Me desculpa. Eu deveria te ajudar, mas só estou estragando as coisas ultimamente.

            -Para você de ficar se culpando. - o olho nos olhos - Dessa vez a culpa não é só sua. Chega, o.k? -ele concorda com a cabeça - Sério que isso tudo foi por sangue? -sorrio de canto, tirando a franja da frente do olho, prendendo-a atrás da orelha.

            -Eu não sei, Alice. -ele morde o lábio com força - Eu só me arrependi de ter te dado meu sangue.

            -Deve passar logo... eu só tenho que pensar antes de agir e falar. Só isso.

            Ele volta a comer e pouco depois nós terminamos. Levanto, colocando o prato e as coisas na pia. O olho, respirando fundo. Vamos tentar mostrar a ele que tem que parar de ser solitário, e que as pessoas gostam de ficar com ele, por mais que seja tão... Harry.

            -Vai... precisar de ajuda com alguma coisa?

            -Não. Pode voltar a fazer o que estava fazendo. -ele levanta também, colocando o prato na pia e me olhando fixamente. -Se quiser, podemos ir procurar pela sua pedra... Amanhã.

            -Pode ser... Eu... Já terminei o que estava fazendo. Posso deixar o trabalho na faculdade, afinal, junta praticamente tudo o que perdi então... Espero ter reduzido os trabalhos significadamente, e espero também aumentar minha nota.

            Ele sorri de canto, encostando-se à parede e eu sorrio, olhando para baixo e me encostando na porta. Como na maioria das vezes, ele ficou me olhando fixamente. Resolvi olhá-lo também. Ainda estava de pijama, como eu. O cabelo estava bagunçado daquele jeito "acabei de acordar, mas continuo uma delícia" de sempre. Os olhos estavam bem claros e a boca avermelhada, com alguns cortes no lábio inferior, já que Harry ficava o mordendo. Estava de braços cruzados, o que realçava seus músculos, algumas tatuagens e a marca da mordida. Respiro fundo, sentindo o gosto do sangue dele. Ainda sobre efeito, já tinha aprendido a notar isso. Na verdade, não é difícil. Se eu sinto o gosto, ainda está no organismo.

            -Onde vamos achar a pedra?

            -Não sei... Vamos procurar, não sei quanto tempo vai demorar. Odeio falar em rimas...

            -Conhece alguém que possa nos ajudar? -sorrio de canto.

            -A achar não... A transformar a pedra em sua e somente sua, sim. -ele sorri de canto.

            Sua e somente sua. Essa frase era típica de livros clichês, onde as meninas falavam para os meninos quando namoravam. Na vida real, pelo menos em minha mente... Se elas fossem demônios, teriam bebido o sangue dele e não saberiam se controlar. Seriam escravas. Coisa que graças a Deus eu não sou.

            -É, enfim... Então achar a pedra é o mais difícil. -suspiro, refazendo o coque, prendendo a franja. Ele concorda com a cabeça. -É melhor eu avisar a Melody.

            -Sim. -ele sorri, e as covinhas aparecem somente um pouco. -Ela vai querer ir junto, mas o.k.

            -É justo, ela é minha irmã. -sorrio, indo para meu quarto. Ouço-o rir e o barulho das louças se batendo e água da pia caindo. Além de médico, ele cozinha e lava a louça.

            Sento na cama, cruzando as pernas. Pego o celular e ligo para Melody. Depois de quatro toques, ela atende.

            -Oi, Mel.

            —Oi, Ali... —pela voz, parecia que ela tinha acabado de acordar - Está tudo bem ai?

            -Está sim... Liguei para falar que eu e Harry vamos atrás da minha pedra amanhã. -falo sem enrolação, olhando meu desenho, pensando no pingente que eu iria usar.

            —Vocês... O quê? —ela fala, bocejando. —O.k. Deixa eu adivinhar... Você me ligou só para avisar, mas não quer que eu vá junto.

            -Na verdade eu não sei. Se quiser ir... -respiro fundo. Com Melody junto iria ser mais fácil eu ficar longe de Harry até os efeitos passarem. Não iríamos quase nos beijar, nem brigar por isso, e ficar em silencio um dia todo. Não de novo. Melody iria ficar lá no meio, impedindo que ele chegasse perto de mim.

            -Você quer que eu vá? Se você não quiser... tudo bem. Eu não vou ficar brava. Sabe disso.

            -Decide, por favor... Porque eu não sei de mais nada nos últimos dias. -suspiro, encostando a cabeça na parede.

            -O que Harry disse quando você falou que iria ligar para mim, avisando que vocês vão amanhã?

            -Ele falou que você ia querer ir junto.

            -Então isso quer dizer que ele não quer que eu vá junto. —ela ri - Melhor eu ficar, o.k? Ou Harry vai ficar de birra à viagem inteira, além de ficar dando piti.

            —Tem certeza?

            -Sim... —ela suspira — Eu acho que seria melhor irmos só nós duas... Sabe, uma viajem mais de irmãs mesmo. Mas já que você resolveu que ele pode cuidar de você... Então vocês dois vão e eu fico para despistar Oliver. Ele anda muito sumido.

            -Me desculpa, Mel... Eu só... -olho para baixo.

            -Tudo bem. Eu sei o motivo de você fazer isso. —ela ri alto — O olhar dele, as covinhas, aquele cabelo... Eu já passei por isso.

            -Melody, até você? Começou com o Mattew sendo mais gay do que nunca, querendo o corpo dele nu e fazendo aquelas perguntas estúpidas... -sinto meu rosto esquentar.

            -Alice... —ela ri um pouco mais alto. Devo ser muito engraçada quando não é para ser. -Para. Você sabe que não precisa mentir para mim. Eu já passei por isso, lembre.

            -Só prefiro não falar sobre isso. Como estão as coisas ai?

            —Estão bem. A casa está vazia, não tem nada para fazer... —ela espirra — Mas pelo menos eu já fiz tudo o que tinha que fazer.

            -O que sobra é dormir.

            -Uhum... Eu vou desligar porque eu acho que o brigadeiro está queimando.—pelo tom de voz, ela estava sorrindo. -Depois eu falo com você, baixinha. Beijo.

            -Beijo. -rio e desligo. Olho para a porta. O barulho dele lavando a louça tinha parado, então ele devia ter terminado tudo. -Harry?

            -Oi? -ele grita da cozinha.

            -A Melody não vai. -grito de volta.

            -Não? -ele aparece na porta. -Que estranho. Jurava que ela não ia querer deixar você sozinha comigo ainda mais longe dela...

            -É... Ela disse que não, mas não tenho certeza. -sorrio de canto e ele me olha, sorrindo. Tinha respingos de água em sua blusa branca, e isso não ajudava minha situação. Então, do nada perguntei. -Se arrepende de ter terminado com a Melody?

            -Que?­— ele ri -O que é isso agora?

            -Eu sei lá! -rio baixinho, mexendo na conversa. -Uma tentativa de... puxar assunto?

            -Tem certeza? -ele senta do meu lado.

            -Não muita... Por quê?

            -Não... Eu não me arrependo - ele suspira. -E tenho certeza que ela também não se arrepende. Ficamos juntos porque precisávamos de alguém, acho que não nos amávamos de verdade.

            -Entendi... -respiro fundo, meio desconfortável. Então ele nunca amou Melody... Isso era meio que tranquilizador. Porque se ele tivesse a amado, poderia estar me usando para se aproximar dela novamente. Que paranoia minha, senhor.  - Sua vez de tentar puxar assunto.

            -Você... Está nervosa? Digo, para ir sem ela? -ele me olha. Já sabia minha resposta, mas queria me ouvir falando. Tão típico.

            -Um pouco... Já que hoje pudemos ver os efeitos verdadeiros e... É... Estou nervosa.

            -Desculpa. -ele suspira, passando a mão no cabelo rapidamente, bagunçando-o mais ainda. -Eu me arrependi de ter feito aquilo. Te dado meu sangue e tal.

            -Tudo bem. Não deve durar para sempre. -sorrio de canto, tentando reconfortá-lo.

            -Não. Mas durante o tempo de efeito... Vai ser torturante para nós dois. Não sei quem sofre mais.

            -Que ótimo. -suspiro, encostando a cabeça na parede. Fazia apenas uns dois dias, e muita coisa já aconteceu. -Agora é torcer para passar logo. Ainda não fez nem uma semana... Espero que não dure uma semana. -ele ri, deitando na cama. Deito do lado dele, olhando o teto. -Sente falta da sua vida antes de tudo isso?

            -Sinto... Mas não tem como voltar no tempo. -ele ri desanimado. Rio o empurrando de leve.

            -Deviam ter inventado um jeito de voltarmos no tempo. Iria ser tão melhor...

            -O que você mudaria no seu passado? O dia que você saiu de casa e foi atacada? Uma briga sem motivos que teve com alguém? -ele ri - Algum namoro que terminou mal...? 

            -No momento... Eu voltaria no tempo e não beberia seu sangue. -sorrio - Nunca namorei. Sempre sozinha desde que nasci. Ahn... E você? O que você mudaria?

            -Não sei. Tanta coisa para mudar... Tanta coisa que poderia ter feito para salvar as pessoas que amava... Acho que para poder concertar tudo isso, voltaria para o útero da minha mãe.

            Rio e tapo a boca, fazendo ele me olhar e rir também.

            -Sua vida não deve ser tão ruim assim. -viro para ele, apoiando a cabeça na mão, ficando um pouco mais alta que ele, conseguindo ver seu rosto por completo. Agora, prestando mais atenção, pude ver algumas cicatrizes. Uma no pescoço, uma na lateral do rosto, algumas no braço.

            -Não foi totalmente ruim... Mas grande parte sim.

            -Mais ou menos 99% da minha vida é uma bosta. -suspiro - Ou seja, acho que posso falar que te entendo. Acho. Ou não. Talvez nossas vidas sejam uma bosta por motivos diferentes.

            -Você não tem sono? -ele ri

            -Nenhum pouco... -rio - Está com sono?

            -Não... -ele começa a mexer no próprio cabelo, ainda deitado e me olhando. -Eu não sei o que podemos fazer.

            -Também não faço ideia - deito novamente do lado dele -Merda de tédio...

            Ele concorda com a cabeça e eu fico brincando com meu colar enquanto observava alguma coisa, tipo o vazio. Uma playlist aleatória passava em minha mente. Quase comecei a cantarolar "Where is my mind"— Yoav & Emily Browning. Era a música perfeita para o momento. "But there's nothing in,/ To ask yourself,/ Where is my mind?/ Where is my mind?/ Where is my... mind?"

            -Eu já volto... -ele me olha, levantando em seguida.

            -O.k. - o olho e ele sai do quarto. Tudo fica em silencio e uns minutos depois, ele volta. Harry sorri, deitando na cama novamente. Sorrio o olhando - Posso fazer mais uma pergunta? -ele concorda com a cabeça, sorrindo de canto - Por que rosas?

            -O quê? No quarto?

            -Sim.

            -Não sei... Eu gosto. Acho bonito. Eu sempre gostei muito de rosas, desde pequeno. Meio gay, mas... Eu sonho as vezes que ainda sou humano, e estou em um lugar onde tem um lago com várias rosas boiando, pétalas caindo... E eu posso ser eu mesmo, sem ninguém me julgando. Meu país das Maravilhas.

            -Eu... Sonhei com isso na noite passada. -arregalo um pouco os olhos.

            -O quê?­ —ele senta, me olhando -É sério?

            -Sim. -o olho - E tinha alguém do outro lado. Não consegui ver quem era, já que tinha um pouco de neblina.

            Ficamos nos encarando, sérios. O coração dele estava acelerado, e a pedrinha em seu colar pareceu brilhar por um instante, assim como seus olhos.

            -Brincar com essas coisas não é legal, Alice.

            -Eu não estou brincando. Acho que nunca falei tão sério na minha vida. –começo, sincera. Me lembro perfeitamente do pequeno vale cheio de rosas e neblina, o lago, as enormes árvores... E uma sombra do outro lado da água, coberta por neblina. A pessoa não pareceu me ver, e assim que segurei uma das rosas ela atingiu um vermelho muito forte, como sangue. E de fato, o líquido vermelho escorria por suas pétalas e por minhas mãos.

            -Eu... Não sei o que falar agora. -ele morde o lábio.

            -Isso é estranho. -suspiro.

            Harry fica me olhando e eu desvio o olhar. Depois ele ainda quer que eu me controle. Sinto seus dedos longos mexendo nas pontas de meu cabelo, subindo aos poucos, numa espécie de cafuné. Volto a olhá-lo. Ele estava razoavelmente perto. Olho para a boca dele e ele sorri de canto, mordendo o lábio.

            -E você ainda quer que eu me controle? -sussurro, sorrindo de canto.

            -Quem disse que eu quero? -ele sussurra, se aproximando um pouco.

            -Você... -mordo o canto do lábio, prendendo o piercing entre os dentes e arqueando uma sobrancelha. Ele estava tão perto. Se apenas me aproximasse um pouquinho mais, apenas uns centímetros...

            -Eu não disse que queria que você se controlasse... Eu disse que não queria que fizesse algo se fosse se arrepender depois.

            -Não estaria aqui se me arrependesse, estaria?

            Ele sorri, encostando nossas testas. Meu coração acelera e eu coloco uma das mãos no canto de seu rosto. Harry coloca a mão esquerda em minha cintura, me puxando mais perto. Nossos narizes já se encostavam, e eu iria acabar com o espaço ainda existente entre nós quando...

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